Influenciado pelo movimento progressista, Paulo VI promulgou no final da década de 60 o chamado "Novo Ordo Missae", introduzindo modificações profundas na celebração eucarística. A controvérsia sobre o tema já vinha tomando conta de certos setores da Igreja há muitos anos. Por exemplo, o Beato Rosmini (que acompanhou Pio IX no exílio) teve seus livros inscritos no Index do Santo Ofício (tendo sido reabilitado por João Paulo II) porque defendia uma maior aproximação do Celebrante e os fiéis na Santa Missa. Daí não se poderia deduzir, evidentemente, que ele aprovava os abusos progressistas, tão maléficos à piedade dos fiéis e a um culto mais elevado a Deus. No pontificado de João Paulo II foram feitos vários documentos pontifícios tratando do assunto, pois haveria necessidade de um equilíbrio sensato da Igreja no trato da matéria. A fim de satisfazer a uma vasta corrente de católicos, os quais não aceitavam as mudanças feitas por Paulo VI e acompanhavam grupos que celebravam missas segundo o ordo antigo de Pio V, Bento XVI elaborou a Carta Apostólica em forma de "Motu Proprio" SUMMORUM PONTIFICUM, publicada em 07 de julho de 2007. Agora, comenta-se que o Papa está cogitando de fazer novas modificações naquele documento, talvez com intenção de esclarecer alguns pontos ainda em discussão ou trazer novas orientações em virtude de um novo panorama. Voltemos ao passado.No início de 1970, quando a questão do novo "Ordo Missae" de Paulo VI fervilhava nos meios católicos, Dr. Plínio Corrêa de Oliveira publicou o artigo abaixo, como que, diz ele, apenas noticiando os fatos:
Liturgicismo – sobre o novo “Ordo Missae”
“Um repetido contato com o público de países da Europa Ocidental deixou-me absolutamente convicto de que poucos povos acompanham, como o nosso, os acontecimentos internacionais.
A respeito das greves que têm sacudido a Itália, por exemplo, e da crise ministerial que ali se vai avolumando, estou persuadido de que o brasileiro de cultura mediana possui conhecimentos sensivelmente mais pormenorizados do que o francês ou o austríaco de igual nível. Não se pense que a razão disto se encontra no opulento noticiário internacional de nossa imprensa, superior habitualmente ao noticiário dos jornais europeus. O contrário é que é verdadeiro. Porque o brasileiro se interessa vivamente pelo ocorrido em todo o mundo é que a nossa imprensa lho relata tão largamente. Diz-se que os jornais modelam o público. Mais verdade ainda é que o público modela os jornais.
Diria pouco quem se cingisse a afirmar que o brasileiro lê noticiários internacionais amplos. Ele medita sobre eles, os comenta, e dele extrai observações que depois aproveita para resolver problemas domésticos. Em outros termos, o brasileiro possui o senso do universal. É esta uma de nossas riquezas de alma. E felicito nossa imprensa por atender com tanta fidelidade às exigências desse senso do universal, que nos distingue.
Por isto mesmo, qualquer enclausuramento, qualquer confinamento da opinião nacional nos tabiques de uma informação dirigida, que lhe subtraia alguma parcela ponderável do que no Exterior ocorre, a mim se afigura como um atentado a um dos traços mais nobres do espírito brasileiro.
Ora acontece que, a respeito do modo por que largos setores europeus estão recebendo o novo texto da Missa – o novo “Ordo Missae”, se quisermos usar a expressão correta – parece-me que o público nacional está muito pouco informado. Penso contribuir para que se remedie a lacuna assim criada, com algumas notícias típicas, que passarei a enunciar. Não me assusta o melindroso do assunto, precisamente porque discordo da idéia de que se deva sujeitar a uma filtragem de notícias melindrosas um povo inteligente – e de tanta Fé – como o nosso.
Limito-me, na nota de hoje, a noticiar. Noticiar – repito – é atender a um direito do público. É cumprir um dever de jornalista. Atendo aqui a esse direito. E cumpro o meu dever.
Como todos sabem, a Missa é o ato mais augusto do culto católico, pois renova de modo incruento o Sacrifício do Calvário. Tudo quanto toca a Missa toda, pois, no que a Religião tem de mais nobre, sensível e vital. O papa Paulo VI instituiu recentemente um “Ordo Missae”, diferente em vários pontos muito importantes do “Ordo” anterior, decretado por São Pio V, no séc. XVI. Não espanta, pois, que a atenção de todos os teólogos se tenha fixado, desde logo, sobre o novo texto.
Ora, se em muitos ambientes este foi vivamente aplaudido, e em outros foi recebido com uma confiante despreocupação, dois cardeais – duas personalidades muito chegadas, pois, ao Papa – não trepidaram em escrever a Paulo VI uma carta em que manifestavam viva apreensão e fundas reservas quanto ao novo “Ordo”. E, mais ainda, os dois purpurados julgaram dever comunicar ao público a carta que haviam enviado ao soberano Pontífice.
Não veja o leitor, neste episódio, um ato de contestação teatral, destes que vão se tornando banais na vida tragicamente conturbada da Igreja. Não é uma atroada à maneira do cardeal Suenens. Nem um ato de oposição, no estilo do cardeal Alfrink. Desta vez, os cardeais em causa são pessoas famosas exatamente por sua disciplina para com o Papado. Trata-se do célebre cardeal Ottaviani, secretário emérito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. E do grande latinista cardeal Bacci. É particularmente expressivo que, precisamente deles, tenha partido esse brado pesado, comedido e respeitoso – mas que nem por isto deixa de ser um brado – a respeito do novo texto da Missa.
Há tempos, as agências telegráficas publicaram algo sobre esta carta. Não dispondo aqui do espaço necessário para a transcrever, menciono apenas que, segundo os dois cardeais, o novo “Ordo Missae” apresenta a Missa, não como um sacrifício conforme à doutrina católica, mas como uma ceia. E isto – acentuam eles – se aproxima do conceito protestante. Creio não ser preciso dizer mais, para que o leitor se dê conta da gravidade do pronunciamento dos dois cardeais...
No “Corrier de Rome” (25-7), leio uma declaração que procedente de fonte diametralmente oposta, caminha para a conclusão a que chegaram os dois cardeais. Uma das mais célebres instituições protestantes da atualidade é o convento de Taizé, na França. Ora, em artigo publicado no diário católico parisiense “Le Croix”, o “irmão” Thurian, de Taizé, escreveu: “A reforma litúrgica deu um passo notável (com o “Ordo” novo) no campo do ecumenismo. Ela se acercou das próprias formas litúrgicas da igreja luterana”.
Tudo isto talvez explique o fato de uma parte ponderável do Clero francês continue a celebrar a Missa no texto de São Pio V. Recebi de Paris uma relação mimeografada, contendo a relação “incompleta” das igrejas em que se celebra a Missa à “antiga”, com os respectivos horários. Trata-se de nada menos de 19 igrejas e capelas em Paris, e 102 em 26 cidades de província.
Talvez espante ainda mais o leitor o fato de que, da catolicíssima Espanha, tenha partido uma atitude ainda mais impressionante. Na revista “Que Pasa?”, de Madrid (n. 315, de 10 deste mês), leio que a Associação de Sacerdotes e Religiosos de Santo Antônio Maria Claret - em cujas fileiras estão inscritos nada menos que 6 mil sacerdotes – enviou uma carta ao Pe. A. Bugnini, secretário da Sagrada, Congregação para o Culto Divino, reputado o autor do novo “Ordo”, na qual lemos esta frase: “Nós, sacerdotes católicos, não podemos celebrar uma Missa da qual o sr. Thurian, de Taizé, declarou que poderia celebrá-la sem deixar de ser protestante. A heresia não pode jamais (nos) ser imposta por obediência”. Assim, para essa prestigiosa Associação sacerdotal, não celebrar a Missa segundo o texto novo é um imperativo de consciência.
Para voltar à França, forneço aos leitores ainda uma notícia, aliás apenas colateral ao assunto. “La Pensée Catholique”, editada em Paris pelo Abbé L. Lefevre, é um dos mais altos órgãos da cultura religiosa contemporânea. No n. 122 (1969) dessa revista (pp. 53-54), leio que em não pequeno número de igrejas os padres progressistas fazem uma estrepitosa pressão moral para que todas, absolutamente todas as pessoas presentes comunguem. A sagrada hóstia é recebida na mão, e não mais na boca. Muitos dos presentes, não se sentindo em condições de comungar, levam as hóstias de volta para seus lugares. E ali as deixam. De sorte que, terminada a Missa, se encontram hóstias atiradas nos bancos, ou até rolando pelo chão. Isto já não é raro em certas igrejas.
A hóstia é o próprio corpo e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo...
Não é bem verdade que estas são coisas que nosso público tem o direito, o triste direito de saber?
O povo católico mais numeroso da terra é o brasileiro. Lúcido, inteligente, marcado pelo senso do universal, não pode ficar na ignorância da controvérsia que o novo texto da Missa vai despertando.
Piedoso, sinceramente piedoso, ele não pode deixar de se interessar – por outro lado - pelo que conta a “Pensé Catholique” e que constitui, não uma controvérsia mas uma ignomínia.
(artigo O direito de saber – Folha de São Paulo, 25.01.70).
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