sexta-feira, 30 de abril de 2021

POR CAUSA DA LUXÚRIA EXTINGUE-SE UMA DINASTIA

 

                                              (Assassinato de Pedro de Lusignan, rei de Chipre)


          A escritora Regine Pernoud descreve um fato histórico clamoroso, digno de ser relatado nos folhetins promíscuos de escândalos sexuais ou das infames novelas televisivas.

Após a primeira Cruzada, quando Jerusalém foi tomada pelos cristãos em 1099, estabeleceu-se no Oriente uma dinastia católica de reis provinda da França, muitos dos quais foram reis de Jerusalém.  Referida dinastia, da família Lusignan, reinou cerca de 300 anos em Chipre. Quando já decaía o espírito de cruz e a Cavalaria se transformara em cortesã, reinava na ilha Pedro I. Foi coroado em Santa Sofia de Nicósia no ano 1358, dois anos depois novamente "coroado"  (ato simbólico, pois a cidade estava em poder dos mouros) como rei de Jerusalém. Casou-se com a princesa da Catalunha chamada Eleonora, do reino de Aragão.

Muito católico ainda, o rei decidiu reavivar o espírito das Cruzadas e resolveu viajar para a Europa com o objetivo de convencer os príncipes cristãos da necessidade de novas investidas contra os mouros. A 24 de outubro de 1362 embarca, então, levando consigo seus principais cavaleiros.

Os cronistas dizem que o rei "amava a rainha Eleonora de acordo com os mandamentos divinos".  Por isto, ao partir para a Europa, demonstrando já está possuído do romantismo fátuo da Renascença, ordenou a seu camareiro que, como não levava a rainha consigo, pegasse uma camisola dela e a colocasse junto dele quando preparasse sua cama para dormir à noite. Desse modo ficaria o rei abraçado à camisola da rainha enquanto dormia.  Estranha forma de manifestar seu amor "de acordo com os mandamentos divinos"...

Na Europa, encontrou-se com diversos príncipes e reis, mas havia uma espécie de obstinação cega contra qualquer projeto de uma Cruzada. A única cruzada que os atraía era para lutarem entre si em suas guerras de fronteiras e de questões dinásticas. Em todos os lugares em que passava, Dom Pedro I era recebido com danças, torneios e banquetes, cada príncipe ou soberano desdobrando-se em cortesias.  Mas em nada encontrava ele o espírito de cruz, de amor a Deus. Os prazeres da vida começavam a dominar a vida dos príncipes. Por toda parte era cumulado de presentes e retribuía sempre da mesma forma. Estamos no período do declínio da Idade Média e de toda a sociedade ocidental cristã.

Apesar de tanta indiferença ao espírito guerreiro e de cruz, o rei ainda conseguiu arregimentar 115 naus e cerca de 10 mil homens para a sua Cruzada. Sua primeira investida foi contra a cidade de Alexandria, conquistada com facilidade. Como já não predominava nestes cruzados o espírito de cruz e de amor a Deus, a cidade foi objeto de pilhagens e de saques desenfreados. Os cronistas dizem que "no entanto, a inutilidade da tomada da cidade - abandonada imediatamente - já revela a alteração do espírito cavalheiresco, o feito gratuito ao qual de fato se entregaram Pedro e seus companheiros".

 

O demônio da luxúria

Pedro I voltaria novamente à Europa, do mesmo modo sem a esposa. Ao que parece o amor platônico do casal continuava vivo, pois o rei estava levando a mesma camisola consigo. Foi recebido em Roma, Treviso e Florença com as maiores homenagens.  Porém más notícias chegaram aos ouvidos da rainha.

"O demônio da luxúria que atormenta o mundo inteiro, seduziu o bom rei, fazendo-o cair em pecado com uma dama nobre, chamada Joana Laleman, viúva do senhor João de Montolif, senhor de Khulu (na região de Pafo), e ele deixou-a grávida de oito meses", diz um cronista. Como o rei fora pela segunda vez ao Ocidente, lá se demorando muito, a rainha mandou chamar Joana para sua corte, e esta aceitou o convite. Aqui começa o pior drama da família real.

Assim que a cortesã chega à corte de Eleonora, esta dirige-lhe estas palavras:  "Péssima cortesã, roubaste meu marido!"  A nobre dama calou-se, sentindo-se culpada, e também em respeito pela rainha.  Eleonora deu, então, ordem a suas servas para que tudo fizessem para fazê-la abortar. Apesar de várias tentativas, porém, não conseguiram êxito, e a criança viveu até o parto. Por um desígnio de Deus, a criança continuava viva dentro do ventre da mãe. Quando a criança nasceu, levaram-na e entregaram-na à rainha, e nunca se soube o que foi feito dela. Em seguida, movida por um ódio passional, mandou que trouxessem Joana à sua presença, e ordenou em seguida que a jogassem numa prisão subterrânea, ainda ensangüentada, onde sofreu tudo tipo de maus-tratos. No entanto, o capitão do lugar onde estava presa Joana mudou, sendo substituído por Hugo d'Anathiaume, que era aparentado dela. Em segredo, Hugo tratou de arrumar o fosso subterrâneo onde a infeliz fora jogada. Deu-lhe lençóis para dormir, tratou-a bem, servindo-lhe comida e bebida.

Apesar de Eleonora dominar a situação, não conseguiu evitar que o rei tomasse conhecimento do que ocorria. Inconformado, Pedro I escreveu uma carta à rainha, onde dizia: "Fiquei sabendo das maldades que fizestes à minha muito querida dama Joana Laleman. Por isso anuncio-te que, se, com a ajuda de Deus, eu voltar a Chipre, irei te fazer tanto mal que todos estremecerão. Assim, antes que eu volte, faz todo o mal que puderes".

Temerosa, Eleonora mandou soltar a prisioneira, obrigando-a, entretanto, a ficar reclusa num convento de Santa Clara.

Mas o rei continuava sendo dominado pelo demônio da luxúria. Ainda na Europa arranjou outra amante, chamada Echive de Shavel Zion, mulher do senhor Grenier, "o Pequeno", e como dama era casada. Neste caso, Eleonora nada poderia fazer contra ela, pois tinha a proteção do marido.  O demônio da luxúria consegue fazer com que Pedro cometesse agora um pecado maior, o do adultério duplo.

 

A desgraça se abate sobre a família real

Enquanto o rei se consumia em pecados de luxúria na Europa, a rainha procurava sobrepujá-lo e cometer pecados piores. Assim, ela também resolveu amasiar-se a outro homem. Seus parentes comunicaram o fato ao rei através de uma carta. A partir daí foi que Pedro mandou que seu camareiro retirasse a camisola de seu quatro, com qual já se acostumara a dormir. Como aquele nobre senhor não mais nutria em seu coração sentimentos cristãos de caridade, de bondade e de amor a Deus, passou-se em sua alma terrível transformação, a qual impressionou vivamente a seu círculo de amizades. Ficou macambúzio, triste e melancólico, fechado em si mesmo. Tal estado de alma influenciou vivamente seu comportamento e suas decisões.

Determinado apenas a se vingar daquilo que supunha ser uma traição, sua cólera caiu sobre todos os que imaginava ter culpa de suas misérias morais. Para aquele que lhe traiu com sua esposa, conseguiu mandar que fosse aprisionado num castelo até morrer de fome. A rainha, sentindo-se incapaz de enfrentá-lo, foge de seu furor. Sabia agora que seu antigo amoroso esposo a traía desonrando todas as pequenas e grandes damas.

Mandou construir uma torre e rodeá-la de redutos fortes com fossos. Sentia a necessidade de se proteger contra a fúria do rei. Os cavaleiros que eram de seu círculo de amizade, alguns familiares seus, desconfiavam de que o rei quisesse mandar prendê-la. A partir deste momento começaram a ocorrer atos de demência de ambas as partes.

Segundo conta o cronista Maharias, "começou a brotar a árvore do ódio. Os cavaleiros da corte iriam reunir-se e dirigir-se a dois irmãos do rei. Desde o seu retorno o rei tornou-se tão soberbo que traiu seus juramentos devido ao ódio que alimentava..."  Em vão, um de seus próximos, o almirante João de Monsori, tentou fazer o rei ponderar e depois acalmar os barões que haviam ido à igreja de São Jorge dos Potros, que tramavam nada menos que a morte de Pedro I".

Intrigas, calúnias, injúrias, mortes, traições e guerras seguiram-se até à completa extinção da dinastia dos Lusignanem Chipre, cedendo lugar à invasão turca que alguns anos mais tarde retomaram a ilha. Como se vê pelos fatos acima, se o casal fosse fiel cumpridor dos deveres cristãos e tivessem praticado as virtudes da caridade, sobretudo da castidade matrimonial, teriam evitado não só o desmoronamento de sua família e da dinastia, mas até mesmo de todo o seu povo.  Se os turcos vieram a se apossar de Chipre foi por castigo de Deus por causa desta apostasia.

Pedro I foi assassinado numa cena selvagem, assim lamentada pela escritora francesa Regine Pernoud: "Cena selvagem, por maiores que fossem os erros de  Pedro, e sem precedentes, pois em vão se procura o exemplo de um regicídio nos anais do Ocidente na época feudal".

 (Dados extraídos do livro "A Mulher nos Tempos das Cruzadas" - de RéginePernoud - Papirus Editora - págs. 278/288.)

 


sexta-feira, 23 de abril de 2021

O PAPEL DAS MULHERES NA PAIXÃO E RESSURREIÇÃO DE CRISTO

 


 




Não se pode dizer que a Divina Providência reservou para a mulher um papel secundário em Seus planos. Basta verIficarmos que, em muitos casos, a mulher sempre foi a preferida. Foi uma Mulher, a Virgem Santíssima, escolhida para ser quem gerasse a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade em sua humanidade.  Nosso Senhor Jesus Cristo, em sua vida, sempre concedeu às mulheres uma atenção e um lugar especial em seu Sagrado Coração.  Sempre encontrava entre elas um bom exemplo para dar aos homens, como a viúva do gazofilácio (Mc 12, 41-44),  curou a sogra de São Pedro (Mt 8, 14-15), consolou a viúva de Naim (Lc 7, 11-16) e as santas mulheres que choravam por Ele (Lc 23, 28-3), acolheu Maria Madalena na frente dos fariseus, perdoou a adúltera que ia ser apedrejada (Jo 8, 3-11) e enfrentou o mau-humor dos judeus conversando amigavelmente com a Samaritana (jo 4, 7-26), pois além de ser de Samaria (região de povo detestado pelos judeus), tinha vida irregular pois estava já no sexto consórcio marital.

Foram elas que O acompanharam em toda a Sua dolorosa Paixão; enquanto os homens, seus mais fiéis apóstolos, fugiam; foram elas que providenciaram o Seu enterro e a preparação de Seu Sagrado Corpo, levando-O até à sepultura.  Todos os doze apóstolos e os 72 discípulos inicialmente escolhidos por Jesus Cristo eram homens. No entanto, onde estava este grupo de 84 homens no momento de Sua Paixão e morte? Fugiram todos. Havia muitas mulheres que os acompanhavam em suas pregações públicas, e a maioria delas foi mais fiel naquele terrível momento do que os próprios homens.

Apesar de ter os homens como seus discípulos e apóstolos, porém foi às mulheres que Nosso Senhor Jesus Cristo primeiro se manifestou após a Ressurreição. Sobre este assunto, vejamos abaixo os comentários De Monsenhor João Clá,  extraídos da revista “Arautos do Evangelho” :

Por que motivo teria escolhido as mulheres para Se manifestar, antes dos próprios Apóstolos?

Voltemos nossa atenção para uma passagem do Evangelho muito pouco analisada:

“Passado o sábado, Maria madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé compraram aromas para ungir a Jesus. E no primeiro dia da semana, foram muito cedo ao sepulcro, mal o sol havia despontado. E diziam entre si: Quem há de remover a pedra da entrada do sepulcro?”  (Mc 16, 1-3).

Agiam impensadamente, ou seja, de modo substancialmente imperfeito, por várias razões. Sabiam que o cadáver havia sido ungido dois dias antes.  Por que fazê-lo de novo? Ademais, tratava-se do corpo de uma pessoa falecida havia quarenta e oito horas.  Por fim, é de bom senso que não se deve violar uma sepultura, qualquer que seja, e as leis romanas não toleravam uma transgressão desse tipo.

Havia dificuldades adicionais, como elas mesmas confessam: “Quem nos há de remover a pedra?”  Naquela hora era improvável que encontrassem homens aos quais pudessem pedir tal serviço. E na hipótese de lá haver alguns, prestar-se-iam a realizar tarefa tão perigosa?

O sepulcro havia sido lacrado com todos os cuidados dos odientos adversários de Jesus, como sabiam os discípulos. Os príncipes dos sacerdotes e os fariseus “asseguraram o sepulcro, selando a pedra colocando guardas’ (Mt 27, 62-66). Como iriam elas convencer a lhes permitirem abrir o túmulo e retirar o cadáver?

E nada indica que elas tenham exposto seus planos a São Pedro e aos outros Apóstolos. É mais uma nota de imperfeição. Agiam por conta própria num assunto que poderia comprometer toda a Igreja nascente. Qualquer violação da sepultura deixaria a incipiente comunidade cristã em complicada situação diante das autoridades judaicas e romanas. O simples fato de chegarem a fazer aos vigias alguma proposta quanto ao cadáver daria razão aos príncipes dos sacerdotes e escribas, que haviam solicitado ao governador romano uma guarda diante do túmulo de Jesus, pois “seus discípulos poderiam vir roubar o corpo e dizer ao povo: Ressuscitou dos mortos”... (Mt 27, 64).

Outra questão de grande peso para a avaliação dos fatos é esta: por que Nossa Senhora não se juntou a elas? Terão perguntado à Mãe de Jesus se estava correto aquele modo de proceder?

Além do mais, elas mesmas não criam na Ressurreição. Do contrário, teriam preferido ficar nas proximidades do Santo Sepulcro, para aguardar os acontecimentos.  Igualmente, não lhes teria ocorrido a idéia de embalsamar de novo o corpo, a fim de protegê-lo da agressividade do tempo e da decomposição.

Este juízo parece por demais severo, ainda que apoiado em autores de grande importância. E de fato o é. Acrescente-se a isto que os próprios Apóstolos consideravam a situação com a gravidade que estamos descrevendo. As terríveis notícias sobre os acontecimentos da Paixão do Senhor, que se haviam propagado por todos os lados, e o ódio que podiam sentir pairando no ar, haviam lhes incutido terror até o fundo da alma. Por isto estavam trancados no Cenáculo.

Ora, é precisamente em meio a esse clima de tragédia e pânico que aquele grupo de piedosas mulheres, sem muito refletir sobre as conseqüências de seus atos, resolve sair antes do raiar da aurora...

 

Apesar da sua imprudência, as mulheres não foram repreendidas  

Podemos imaginar a enorme preocupação que tomou a todos no Cenáculo, ao darem por falta dessas mulheres. E também o alvoroço que deve ter havido e os olhares de reprovação, quando elas voltaram para contar o que haviam presenciado no túmulo de Jesus. Apóstolos e discípulos não só não acreditaram na narração, como atribuíram tudo à fértil imaginação feminina: “Mas essas notícias pareciam-lhes como um delírio, e não lhes deram crédito” (Lc 24, 11). Ao narrar o episódio dos discípulos de Emaús, São Lucas lhes coloca nos lábios um lamento sobre tais mulheres, que haviam assustado a todos no cenáculo (Lc 24, 22).

Apenas São Pedro e São João resolveram se mover para certificar-se do que ouviram, e creram em Santa Madalena depois de examinarem o sepulcro de Jesus (Jo 20, 3-8).

No fim de tudo, as próprias mulheres se deram conta do perigo a que se haviam exposto e da imprudência cometida: “Elas saíram do sepulcro e fugiram trêmulas e amedrontadas; e a ninguém disseram coisa alguma (pelo caminho), por causa do medo”  (Mc 16, 8). Esta é a reação característica dos imprudentes: antes do ato, o perigo não existe; após as primeiras configurações deste, o pânico.

Diante desses fatos, tornam-se incompreensíveis as atitudes de Nosso Senhor para com elas. Façamos uma breve recapitulação dos fatos:

1. Por escolha de Jesus, a precedência na pregação do Evangelho cabia aos homens (os doze apóstolos e 72 discípulos).  Ora, o mais importante de todos os milagres, o fundamento de nossa fé, a Ressurreição do Senhor Jesus, não é comunicada aos homens em primeiro lugar, mas sim às mulheres. Elas são encarregadas pelo “raboni” de transmitir a Boa Nova para os próprios apóstolos e discípulos, a fim de que estes a anunciem pelo mundo. Por cúmulo, eles nem sequer chegam a lhes dar crédito...  (Mc  16, 11).

2. Jesus manda dois Anjos (Lc 24, 4) para lhes comunicar o grande acontecimento (Lc 24, 6); Mc 16, 6; Mt 28, 6). É a primeira vez que no Evangelho deparamos com o termo “ressurreição”  após a morte do Senhor.  

3. Elas não só não recebem a menor recriminação da parte dos mensageiros celestes, mas são tratadas com enorme bondade e deferência. Um dos Anjos as recebe com palavras carinhosas, procurando logo de início desfazer-lhes o medo e mostrar-lhes que conhecia perfeitamente a alta razão que as movia até ali.

4. Como ficou visto mais atrás, Jesus apareceu a Maria, sua Mãe, logo após sair do sepulcro. Em segundo lugar, a Madalena (Jo 20, 16), com enorme ternura, chamando-a pelo nome. E, em terceiro, às outras mulheres, também com muita bondade, deixando que d’Ele se aproximassem e até osculassem seus pés (Mt 28, 9-10).

 

O amor puro por Jesus acaba compensando as imperfeições

A esta altura nos perguntamos por que essa diferença de atitude de Jesus, para com elas, de um lado, e para com os Apóstolos, de outro. O trato do Senhor para os Apóstolos é bem descrito por São Marcos: “Finalmente apareceu aos onze, quando estavam à mesa, e censurou-lhes a sua incredulidade e dureza de coração, por não terem dado crédito aos que o viram ressuscitado” (Mc 16, 14). Sua primeira palavra, portanto, segundo o evangelista, é de censura para com eles. Que diferença! Por quê?

Não teria entendido nada dessa sublime lição quem afirmasse que Jesus quis dar preeminência à mulher sobre o homem. Não é este o caso. Na verdade, tais episódios deixam transparecer claramente a essência do Evangelho, que Nosso Senhor havia resumido nos seguintes termos: “Dou-vos um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também deveis amar-vos uns aos outros”  (Jo 13, 34). É no perfeito amor a Deus e ao próximo que está a síntese do Evangelho.

Era tão grande o amor que aquelas mulheres tinham por Jesus que até seu instinto de conservação havia se definhado, no que significasse ir ao encontro d’Ele. Carregavam imperfeições, mas o amor pelo Senhor era puro. E quando esse amor é assim acrisolado, Cristo mesmo toma sobre si a tarefa de aperfeiçoar as ações que a natureza humana decaída venha a realizar.

Com essa afirmação, não é nossa intenção fazer uma apologia da imprudência enquanto tal, mas ressaltar como as atitudes irrefletidas das santas mulheres do Evangelho eram compensadas pelo puro amor de Deus – a caridade”. [1]

 



[1]              “Arautos do Evangelho” n. 4, de abril de 2002, artigo de João S. Clá  Dias – págs. 13/17.


quinta-feira, 22 de abril de 2021

COMO DEVE SER VISTA A DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

 




Os antigos filósofos gregos já diziam que a alma do homem está dentro do coração, tese desfeita por São Tomás de Aquino ao afirmar que a alma está em todo o corpo. No entanto, diziam que a alma estava no coração porque este tem primordial importância na vida do homem.

A palavra coração aparece na Sagrada Escritura muitas vezes (calculam em mais de mil), mas nem sempre no sentido do órgão fisiológico (como nesses casos: II Sam 18,14; IV Rs 9,24; Tob 5,6; Sl 44,6 etc), quer dizer, é usada, na maioria das vezes, como uma metáfora. Porque controla a circulação do sangue, que pensavam os antigos hebreus era a vida “porque a vida da carne está no sangue” (Lev 17,11) consideravam o coração como sede da vida; e assim, este órgão era às vezes empregado pelo todo, isto é, pelo indivíduo, como nessa passagem: “...e o vinho que alegra o coração do homem... o azeite para que ele espalhe a alegria sobre o seu rosto e o pão para que fortifique o coração”(Sl 103,15).“...e o néscio não conhece que é arrastado para uma prisão, até que uma seta lhe trespasse o coração, como a ave que, apressada, corre para o laço, sem saber que se trata do perigo da sua vida”  (Prov 7, 22-23). Indicando, por exemplo, que Deus possui poder sobre o interior das pessoas, até mesmo dos reis: “O coração do rei está na mão do Senhor como a água corrente; ele o inclinará para onde quiser” (Prov 21.1). Pelo fato do “coração de Acaz” ficar agitado por causa da coligação de dois reis contra Jerusalém, foi-lhe transmitida a seguinte mensagem divina através de Isaías“Não temas, nem desanime o teu coração, à vista destes dois troços de tições fumegantes...” (Is 7.4)

Na maioria das vezes, no Antigo Testamento,o coração é citado como sede dos sentimentos mais profundos da alma humana, principalmente o amor (Deut 6,5) determinando que se deve amar a Deus “de todo o teu coração”, ocorrendo o mesmo no Novo Testamento (Mt 22, 37);“e dando alegria aos vossos coração” (At 14,16); “Vivestes em delícias sobre a terra, e em luxúrias cevastes os vossos corações...” (Tg 5,5); São Lucas parece repetir o mesmo pensamento anterior ao afirmar: “Velai, pois, sobre vós, para que não suceda que os vossos corações se tornem pesados com as demasias do comer e do beber” (Lc 21, 34); “Porque, do interior do coração do homem é que procedem os maus pensamentos” (Marcos 7, 21), “Porém, a (semente) que caiu em boa terra, representa aqueles que, ouvindo a palavra com coração bom e perfeito, a retém e dão fruto pela perseverança”  (Lc 8, 15).Finalmente, “as coisas que saem da boca vêem do coração” (Mt 15.18). Quando rezou antes de Sua Paixão, Nosso Senhor falou que sua alma estava triste, “numa tristeza mortal” (Mt 26.38), nesse caso não se referia ao coração, mas a algo mais profundo ainda que era a própria alma, a essência de seu ser.

No Evangelho, o coração é considerado o que há mais valioso no interior do homem, como se fosse um tesouro “,,,onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração”  (Mt 6.21), ou “o homem bom tira boas coisas do bom tesouro (do seu coração); e o homem mau tira más coisas do mau tesouro” (Mt 12.35). É por causa do mau coração que “tendo ouvidos, não ouvem; tendo olhos, não vêem”: “Porque o coração deste povo tornou-se insensível, os seus ouvidos tornaram-se duros, e fecharam os olhos, para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e eu os sare”(Mt 13.15-17).

Nosso Senhor disse que os puros de coração serão bem-aventurados porque “verão a Deus” (Mt 5.8), indicando, nessa bem-aventurança dois órgãos: o coração e olhos, porque se vê e admira com os olhos, mas se ama com o coração.

Mais frequentemente era apresentado como a sede da vida intelectual e emotiva, como se do coração partissem os pensamentos: “Deus vendo que era grande a malícia dos homens sobre a terra, e que todos os pensamentos do seu coração estavam continuamente aplicados ao mal...” (Gen 6,5); No entanto, depois do dilúvio falou diferente para Noé, após o mesmo oferecer sacrifícios:“...Não amaldiçoarei mais a terra por causa dos homens, porque os sentidos e os pensamentos do coração são inclinados para o mal desde a sua mocidade (Gen 8, 21)  ...Esaú odiava sempre Jacó por causa da bênção com que o pai o abençoara, e disse no seu coração: “virão os dias de luto por meu pai, e eu matarei Jacó, meu irmão” (Gen27,41).

Também havia referência à Sabedoria como nascida no coração: “falarás a todos os sábios de coração...”(Ex 28,3); “para que reconheças no teu coração, que do mesmo modo que um homem instrui seu filho, assim o Senhor teu Deus te instrui a ti...(Dt 8,5); “o que é sábio de coração, será chamado prudente... (Prov 16, 21); Salomão foi galardoado por Deus não somente em sabedoria, mas também em inteligência:“...eis que te fiz o que me pediste, e te dei um coração tão cheio de sabedoria e de inteligência...” (I Rs 3, 12).

Um outro sentido é o do desejo: “Põe a tuas delícias no Senhor, e te concederá o que teu coração deseja” (Sl 36,4); e o de abatimento moral e desalento: “Estou aflito e grandemente abatido; o gemido do meu coração arranca-me rugidos,(Sl 37.9); “Quando, pois, todos os reis dos amorreus, que habitavam no outro lado do Jordão... ouviram dizer que o Senhor tinha secado a corrente do Jordão diante dos filhos de Israel, até que passassem, enfraqueceu-se-lhes o coração, e não ficou neles alento... (Jos 5,1).

Importante ressaltar a diferença entre o conceito semita antigo e o nosso moderno: os antigos costumavam considerar o coração não só como símbolo do amor ou outras emoções, mas relacionavam-no também com a atividade intelectual, vista nos dias atuais somente com o cérebro.

 

O Coração Divino

E Deus, tem coração?

Vejamos algumas citações bíblicas que falam do coração divino. Mesmo sentindo grande dor por ter que mudar seus planos com a criação do homem, Deus exarou sua sentença, seu juízo: “E, tocado de íntima dor de coração, disse: Exterminarei da face da terra o homem que criei...” (Gên 6, 6).

“Por isto o meu coração estremece acerca de Moab como uma harpa, e as minhas entranhas (gemem) acerca da muralha de ladrilho cozido...” (Is 16.11).

“Porque o dia da vingança está no meu coração, é chegado o ano da minha redenção...”Is 63.4).

Assim também é manifestado no coração do homem justo o reflexo do coração divino: “Senhor, meu coração não é pretensioso, meus olhos não são arrogantes. Não ando a procura de grandezas nem de maravilhas fora do meu alcance.Pelo contrário, estou sossegado e tranquilo; como a criança saciada no colo da mãe, como criança saciada, minha alma está em mim”  (Salmo 131, 1-2).  “Louvarei o Senhor, que me deu inteligência; além disto, durante a noite, o meu coração me excitou” (Salmo 15, 7).“Provaste o meu coração, e o visitaste de noite, no fogo me acrisolaste, e não foi encontrada em mim a iniquidade”(Salmo 16, 3).“...estás pertos dos seus lábios, porém longe do seu coração”  (Jer 12, 2).“Ora, o fim do preceito é a caridade nascida de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé não fingida”(I Tim 1. 5).“Foge das paixões de juventude, segue a justiça, a fé, a esperança, a caridade e a paz com aqueles que invocam o Senhor com um coração puro” (II Tim 2, 22).“Purificando as vossas almas na obediência da caridade, no amor dos irmãos, do íntimo do coração amai-vos intensamente uns aos outros” (Ped 1, 22).

 

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus

Dr.  Plínio Corrêa de Oliveira assim define essa devoção:

“...O que é, propriamente, a devoção ao Sagrado Coração? É a devoção ao órgão de Nosso Senhor, que é o Coração. Mas na Escritura, o coração não tem o significado sentimental que tomou no fim do século XVIII, mais ou menos, e certamente no século XIX. Não exprime o sentimento. Quando diz a Escritura: “A ti disse o meu coração: eu te procurei”, o coração aí é a vontade humana, é o propósito humano, é propriamente, a santidade humana. Aí quando Nosso Senhor diz isso, diz: "na minha vontade santíssima, Eu quero". O Evangelho diz: “Nossa Senhora guardou todas as coisas em seu coração e as meditava”. Os senhores percebem que não é o coração sentimental, mas a vontade d’Ela, a alma d’Ela que guardava aquelas coisas e pensava sobre elas. O coração é a vontade da pessoa, o seu elemento dinâmico que considera e pondera as coisas. O Sagrado Coração de Jesus é a consideração disso em Nosso Senhor, simbolizado pelo coração, porque todos os movimentos da vontade do homem podem ter no coração uma repercussão. Nesse sentido, então, é o órgão adequado para exprimir isso. E é nesse sentido, então, que se adora o Santíssimo Coração de Jesus.

Por correlação, por conexão, existe a devoção imensamente significativa, do Imaculado Coração de Maria. O Imaculado Coração de Maria é um escrínio dentro do qual encontramos o Sacratíssimo Coração de Jesus [1].

A essa devoção Nosso Senhor prometeu um caudal de graças. Comentei o ano passado as promessas do Coração de Jesus a quem fizer as nove primeiras sextas-feiras. A mais marcante delas, talvez, é que as almas que fizerem as nove sextas-feiras não morrerão sem terem a graça especial de se arrependerem antes. Não quer dizer que elas certamente irão para o Céu. Quer dizer que terão uma grande graça antes de morrer; não quer dizer que vão perceber que vão morrer, mas no momento relacionado com a morte, elas terão uma grande graça, tão grande que todas as esperanças se podem ter de sua salvação.

Os senhores compreendem quanto empenho há na Igreja em que essa devoção seja conhecida, seja apreciada, seja medida com a razão, porque devoção sentimental não tem sentido. Devoção varonil é a que procura conhecer a razão de ser da coisa e ama a coisa pela sua razão de ser; assim é que um homem e uma mulher forte do Evangelho pensam a respeito das coisas de piedade. Então, pensar nisso, querer isso, dirigirmos nossa alma ao Coração de Jesus como fonte de graças calculadas para a época de Revolução, calculada para as épocas difíceis que deveriam vir e pedir que o Coração de Jesus, regenerador pelo sangue e pela água que d’Ele saiu, nos lave. Isto é propriamente a oração magnífica que nas sextas-feiras e, sobretudo, na primeira sexta-feira do mês, e na Sexta-feira da Paixão se deve considerar.

Assim, termino insistindo nesse ponto. Já falei que aquele centurião que perfurou com uma lança o Coração de Jesus, ao praticar esse ato de violência contra esse verdadeiro sacrário que era o Coração Sagrado de Jesus, da água e do sangue que saíram do flanco de Nosso Senhor, uma parte jorrou em seus olhos, e ele imediatamente se curou e recuperou a vista. Para nós isto é altamente eloqüente.

Quer dizer que quem tem devoção ao Sagrado Coração de Jesus pode pedir uma graça igual, não para a vista física, da qual, graças a Deus, nenhum de nós carece, mas para a vista mental, se queremos ter senso católico, se queremos ter senso da Revolução e da Contra-Revolução, se queremos ter a percepção de como a Revolução e a Contra-Revolução trabalham em torno de nós, se queremos ter senso para distinguir em nós o que é Revolução e Contra-Revolução, se queremos ter conhecimento de nossos defeitos, se queremos ter conhecimento das almas dos outros para fazer bem aos outros, se queremos ter um bom discernimento para os estudos, se queremos ter distâncias psíquicas para termos equilíbrio mental e nervoso e para nos curarmos — o quanto possível — de molezas de toda ordem, podemos e devemos recorrer ao Sagrado Coração de Jesus que, com uma graça jorrada d’Ele — como a água que curou o centurião — possa eliminar a cegueira de nossas almas, porque somos cheios de cegueiras de todos os graus e ordens.

Peçamos ao Sagrado Coração de Jesus, por intermédio do Coração Imaculado de Maria — porque só assim, por intermédio de Nossa Senhora é que se obtém d’Ele as graças que nos curem dessa múltipla cegueira —, e teremos feito um esplêndido pedido e estaremos a caminho de conseguir uma magnífica graça”.[2]

 

Sagrado Coração de Jesus, troca de afetos entre Deus e os homens

No decorrer de várias aparições à Santa Margarida Maria de Alacoque (século XVII), Nosso Senhor instituiu a devoção ao Seu Sagrado Coração. Uma devoção eminentemente reparadora, buscando no coração humano uma profunda empatia com Deus para que juntos (Jesus Cristo e o homem) possam resgatar e reparar os pecados cometidos contra a Santíssima Trindade. Uma devoção que se espalhou rapidamente a partir do século XVII, mas que teve seu início quando o Apóstolo São João recostou sua cabeça ao Coração de Jesus durante a Santa Ceia, véspera da Paixão.

A intenção de Nosso Senhor ao instituir esta devoção foi de fomentar uma afetividade maior entre Ele e os homens, pois é através de Seu Sagrado Coração que podemos manifestar todos os nossos afetos para com Cristo, Senhor Nosso e Salvador de nossas almas. 

Podemos afirmar que a devoção ao Sagrado Coração de Jesus foi eminentemente pliniana. Por diversas vezes Dr. Plínio Corrêa de Oliveira se referiu a essa Devoção com grande unção e enlevo, explicitando-a da forma como ele a entendia:

“A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é tão antiga em mim que – como já contei aos senhores – antes mesmo de eu saber dizer “papai”  ou “mamãe”, quando minha mãe me perguntava: “Onde está o Sagrado Coração de Jesus”?, eu apontava para a imagem d’Ele”.

Após explicar que tudo para ele, inclusive as devoções, deveria ser analisado sob o aspecto racional, afirmou que o sentimento deveria acompanhar tudo aquilo que amamos: “Por que fazer a escolha entre o raciocínio e o sentimento? Se Deus fez o homem capaz de raciocínio e sentimento, tenhamos ambas as coisas, para fazer a vontade de Deus e para sermos nós mesmos”.

 

O coração do católico. O Coração de Jesus.

Mais adiante, assim comenta Dr. Plínio:

“O coração do católico representa nesse sentido, a mentalidade dele, que inclui a sua sensibilidade, mas indica sobretudo aquilo que – estando de acordo com a doutrina católica, apostólica, romana – ele conhece pela Fé como verdadeiro. Aquilo que ele ama acima de tudo e toma como uma linha “rectrix” de todas as outras coisas, porque é conforme à verdade verdadeiríssima, à verdade soberana, à verdade padrão, segundo a qual todas as outras verdades são de fato verdades, e contra a qual todas as aparências de verdade não são senão erros enganosos.

“Em todo caso, tendo já como pressuposto que o coração é o símbolo da mentalidade, nós podemos nos perguntar como era a mentalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo. É um tema audacioso, é uma navegação tão alta que o homem tem medo de chegar até lá. Mas, de outro lado, esse ar atrai. Quanto mais alto se voa nele, mais se tem vontade de subir, e medo de ser obrigado a descer. É o contrário da aviação terrena.

“O que nos é dado entrever daquilo que seria a mentalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo em alguns de seus aspectos?

“Devemos considerar essa mentalidade muito mais na sua Humanidade Santíssima do que na sua Divindade.  Nesta última, o tema subiria tanto que não seria fácil, pelo menos a um leigo, tratar da questão. Mas a Humanidade Santíssima d’Ele está mais perto de nós. Um “perto”  cuja distância vai de uma ponta a outra do universo, porque a perfeição d’Ele não tem comparação com nada e com ninguém,

“A Fé nos ensina que o Verbo se encontrou e habitou entre nós. A natureza humana d’Ele está ligada pela união hipostática à natureza divina. A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnou-se e desse acontecimento único resultou Nosso Senhor Jesus Cristo. Essa dualidade de naturezas numa só pessoa significa que a sua Humanidade santíssima tinha com a Divindade um contacto mais íntimo que teria com Deus o Santo mais perfeito”

 

Oração a fazer ao Sagrado Coração de Jesus

E termina nos ensinando uma oração:

“Que oração fazer a esse Divino Coração? Nós podemos repetir, olhando para Nosso Senhor crucificado, com seu Coração chagado pela lança do centurião, a jaculatória que está na Ladainha do Sagrado Coração de Jesus e que me encanta:

“Cor Jesu lancea perforatum, miserere nobis”. – Coração de Jesus perfurado por uma lança, tende compaixão de nós. Vós que levastes a pena de mim a ponto de quererdes que, depois de morto, vosso Coração ainda recebesse essa ferida, e que o resto de água misturado com sangue saísse de vosso lado por meu amor, tende pena de mim!

“E rezar também: “Anima Christi, santifica me” – Alma de Cristo, santificai-me.  Nada há de mais santo que a Alma de Cristo...  Que a Alma de Cristo, por assim dizer, toque em mim e me torne um santo! Eu não quero outra coisa.

“Corpus Christi, salva me” – Corpo de Cristo, salvai-me. Sangue de Cristo, inebriai-me. Água do lado de Cristo, lavai-me... e levai-me mais ainda! Paixão de Cristo, dai-me forças. Olhai para minha miséria, minha moleza e minhas insuficiências. Dai-me força na luta contra os vossos inimigos. Ó Bom Jesus, ouvi-me, pelos rogos de Maria. Escondei-me nas vossas feridas. Cobri-me, com vossas feridas, da justa cólera do Padre Eterno.  Na hora de minha morte, chamai-me e mandai-me ir para junto de Vós, para que Vos louve com os vossos Santos, com a Santa das Santas, por todos os séculos dos séculos. Amém.” [3]

 



[1]vide artigo publicado no "Legionário" de 21-7-1940 e intitulado NOSSA SENHORA DO SAGRADO CORAÇÃO

[2]Plínio Corrêa de Oliveira – “Santo do Dia”. 4 de março de 1965

[3] in revista “Dr. Plínio”, junho de 2003, págs. 16/21.


quarta-feira, 21 de abril de 2021

SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, FONTE LUMINOSA DAS GRAÇAS DIVINAS

 



20. Como é o Sagrado Coração,  fonte luminosa das graças divinas ?

Representai-vos este Coração adorável, no meio do vosso coração, diz a Bem-aventurada (•), como o manancial das águas vivas, que deve regar o canteiro da vossa alma, onde as flores das virtudes estão de todo murchas.

Ele lhes restituirá a natural beleza para que a vossa alma se transforme em um jardim de delicias.

“O meu divino coração, disse-me o meu Salvador, tornar-se-á uma fonte abundante de misericórdia, de graças, de amor, e de toda a espécie de bens” .

“Pedi ao Sagrado Coração de Jesus que depois de ter feito crescer as vossas virtudes, com o seu brilho e calor, e dissipado as trevas e as duvidas das vossas almas, seja também um manancial de água viva, que se deleita em correr com afluência em favor dos seus amigos, e não procura senão comunicar-se ás almas fieis.

“Sejamos, pois, fiéis ao Sagrado Coração, que será para nós a origem de todos os bens, enquanto lhe guardarmos fidelidade. Mas, se, pelo contrário, lhe formos ingratos, então, abandonar-nos-á, ou tornar-se-á insensível ás nossas necessidades.

“O Redentor do mundo, que tinha resolvido atrair tudo a si, quando estivesse levantado sobre a cruz, atraiu maravilhosamente, (lemos no decreto da beatificação) a sua venerável serva, Margarida Maria . Levantou-a à altura do seu coração altíssimo - Cor altum - para que sentisse na sua própria origem a doçura da caridade infinita, e a pregasse entre os homens. Por isso, as águas de suavidade que bebeu no lado aberto de Jesus Cristo derramou-as qual rio suavíssimo sobre toda .a terra. O seu único e ardente desejo era purificar os corações de todas as criaturas, neste oceano de águas vivas para que neles brotasse .urna fonte que jorrasse até á vida eterna.

“Este divino Coração é com efeito, continua a serva de Deus, urna fonte inesgotável de onde partem três canais, que fluem continuamente : o primeiro, é um canal de misericórdia para os pecadores, sobre os quais corre o espírito da contrição e da penitencia ; o segundo é de caridade, e por ele recebem socorros todos os miseráveis, quaisquer que sejam as suas necessidades, especialmente aqueles que aspiram á perfeição e assim poderão vencer todos os obstáculos ; do terceiro, correm o amor e a luz para os verdadeiros amigos, que ele quer unir a si para lhes comunicar a sua ciência e as suas máximas, e para que eles se consagrem , na medida das suas forças, a promover a sua gloria” .

Corramos, pois, a esta fonte divina ; se está aberta às almas fiéis, é certo também que os pobres pecadores não foram excluídos dela : « Não digam eles, como a samaritana : “Puteus altus est!” (**), esta fonte é tão funda que lhe não podemos chegar ; porque, se o Coração de Jesus é a fonte das águas vivas, ele se encarregará de as levar até nós.

(*) Vida por ela mesma, pag. 327 - Observ. 63. 3o

(**) S. João IV., 11: “Senhor, não tens com que tirar água e o poço é fundo...”

 (Extraído de “O Coração de Jesus Segundo a Doutrina da Beata Margarida Maria Alacoque” – Por um Oblato de Maria Imaculada, Capelão de Montmarfe – Introdução do Pe. Joaquim dos Santos Abranches -  Editor Manuel Pedro dos Santos, 1907, Lisboa –pág. 29)

Obra foi publicada em 1907, quando Santa Margarida ainda era Beata. Há muitos outros dados neste livro de 311 páginas, fora a excelente introdução do padre Abranches. Destacamos estes por causa do alto significado desta simbologia para aumentar nossa devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Notar que foram relacionadas 33 comparações ou símbolos, exatamente a mesma quantidade de anos que Nosso Senhor Jesus Cristo viveu entre nós).

 

 


segunda-feira, 19 de abril de 2021

SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, TESOURO DE GRAÇAS INFINITAS

 




A Beata Margarida Maria não podendo fazer compreender tudo o que conhece do Sagrado Coração recorre a todas as espécies de comparações ou símbolos graciosíssimos, que aplica ao Sagrado Coração. Contam-se nada menos de trinta e três.

 1. Como é o Sagrado Coração de Jesus um tesouro. “Uma noite, responde a Bem-aventurada (2), Nosso Senhor permitiu que eu durante duas ou três horas tivesse a boca unida á chaga do seu Sagrado Coração; dificilmente poderia  explicar o que então senti , os efeitos que esta graça produziu na minha alma e no meu coração. Nesse momento descobriu-me no seu Divino coração  tesouros de amor, de graça, de misericórdia, de santificação e de salvação”.

“Deu-me a conhecer: que este Coração Sagrado é em si mesmo, um tesouro escondido, que não deseja senão ver-se espalhado e distribuído para assim enriquecer a nossa pobreza, de tal modo que formou o desígnio de manifestar este Coração aos homens, e de pôr á sua disposição todas as riquezas que ele contém, para que todos aqueles que quiserem amá-lo, e trabalhar para o fazer amar e honrar, sejam profusamente enriquecidos com as divinas riquezas, de que este Divino Coração é origem”.

“Noutra ocasião, ·em que eu me aproximava para receber Nosso Senhor na Sagrada Comunhão, mostrou-me o seu Divino Coração como um tesouro do céu, dizendo-me que o ouro precioso deste tesouro já nos tinha sido dado de muitas formas, para pagar a nossa divida e comprar o céu; e que desejava revelasse eu estas riquezas e fizesse conhecer todo o seu valor e utilidade”.

“Se me fosse possível mostrar em toda a sua extensão as riquezas infinitas que estão ocultas neste precioso tesouro, e com que enriquece e alegra as almas fieis; se pudéssemos compreender o valor dessa s riquezas, a nada nos pouparíamos para as obter”.

“ Procuremos, pois, neste divino Coração tudo aquilo de que carecemos; recorramos a Ele, em toda a parte e sempre. Sente Ele um prazer tão vivo em nos fazer bem, que os seus inesgotáveis tesouros se multiplicam, por assim dizer, para mais nos enriquecer. São tesouros eternos na sua duração, tesouros infinitos, tesouros tão grandes que nem eu posso explicar”.

«Este Coração adorável é o meu único tesouro ! Confesso que nada tenho que desejar neste mundo a não ser o Coração de meu Senhor Jesus Cristo. Seja esta à nossa 'divisa” .

 (Extraído de “O Coração de Jesus Segundo a Doutrina da Beata Margarida Maria Alacoque” – Por um Oblato de Maria Imaculada, Capelão de Montmarfe – Introdução do Pe. Joaquim dos Santos Abranches -  Editor Manuel Pedro dos Santos, 1907, Lisboa –págs. 18/20)


domingo, 18 de abril de 2021

A VERDADEIRA BONDADE NÃO PODE SER SEGUNDO A NATUREZA

 



A verdadeira bondade provém de Deus, pois só Ele é Bom e dissemina essa bondade entre os homens. Ser bom é ser erfeito. Mas, os revolucionários querem que os homens pratiquem uma certa bondade, uma certa perfeição, que eles dizem ser a “bondade natural”, quer dizer, proveniente da própria Natureza.

São Luís Grignion de Montfort define o possuidor de tal “bondade” como aquele que é “sábio segundo o mundo”:

“Sábio segundo o mundo é quem sabe desenvolver-se em seus negócios e consegue tirar vantagem de tudo, sem dar a  impressão de buscá-la; quem domina a arte de fingir e enganar astutamente, sem que ninguém se dê conta; quem conhece perfeitamente os gostos e delicadezas do mundo; quem sabe amoldar-se a todos para conseguir seus propósitos, sem preocupar-se nem pouco nem muito com a honra e a glória de Deus; quem harmoniza secreta porém funestamente a verdade com a mentira, o Evangelho com o mundo, a virtude com o pecado e Jesus Cristo com Belial; quem deseja passar por honesto, porém não por devoto; quem despreza, interpreta torcidamente ou condena com facilidade as práticas piedosas que não se acomodem às suas.  Finalmente, sábio segundo o mundo é quem, guiando-se somente pela luz dos sentidos e da razão humana, trata unicamente de salvar as aparências de cristão e homem de bem, sem preocupar-se o mínimo possível de agradar a Deus e expiar, pela penitência, os pecados cometidos contra a divina Majestade”[1]

O burguês mercantilista foi um desta espécie de “sábio segundo o mundo” ou “homem de bem” forjada pelo espírito renascentista. Segundo a escritora Regine Pernoud este “homem de bem” era um tipo muito comum entre os grandes negociantes, altos magistrados, juristas e funcionários públicos. Trabalhava e poupava para sua família, levando uma vida bem ordenada, até mesmo um pouco austera do ponto de vista moral. “A sua conduta sempre exata e comedida fá-lo atingir uma felicidade honesta, desconhecida dos grandes e dos pobres, felicidade que não exclui as incongruências da fortuna, mas a reduz e afasta o mais possível. Pela capacidade de previdência, elimina da sua vida o desconhecido e deixa pouco lugar ao mistério.  O nobre gasta e dá esmolas, mais talvez por prodigalidade, por gosto do fausto, do que por verdadeira caridade; o burguês, esse acumula..”.[2]  

Está descrito acima o que se costumou chamar de “homem de bem”, para outros o “homem securitário” dos tempos modernos, sucessor em grau e medida do renascentista.  As relações sociais criadas por estes burgueses mercantilistas, estes “homens de bem”, terminam por gerar um “direito natural’ baseado na felicidade pessoal terrena, feita de previdência, de cálculo, de habilidade, de esperteza, com o fim único de se aproveitar do gozo da vida. Imperceptivelmente, esta mentalidade formou uma corrente de opinião, segundo a qual Deus teria que ser afastado de suas vidas e com Ele os conceitos morais. A palavra de ordem é “regressar à natureza” e lhe dar rédeas soltas.

No entanto, o que fizeram os homens formados por tal mentalidade? Promoviam piratarias, assaltos, roubos, escravizavam nativos, possuíam grande avareza e cobiça.  O “homem de bem”, sem Deus, tornou-se o homem do mal, embora por vezes ele pudesse praticar alguma bondade interesseira e passageira, talvez para satisfazer algum capricho pessoal. Hoje, seu herdeiro moderno pratica atos muito mais vis, pois o “homem de negócios” dos dias atuais tem uma mentalidade de verdadeiro crápula, desonesto e vil, ardendo de desejos do gozo da vida e de suprema avareza.

 



[1] San Luis Maria Grigênion de Montfort – Obras – BAC – pág. 152

[2] As Origens da Burguesia” – Régine Pernoud – Editora Europa-América – págs. 114/115