Primeiro dos Novíssimo do Homem - A morte





"Lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude, antes que venha o tempo da aflição e cheguem os anos, de que tu dirás:
Esta idade não me agrada; antes que se escureça o sol, a luz, a lua, as estrelas, e voltem as nuvens depois da chuva;
Quando os guardas da tua casa começarem a tremer (1),
Os homens fortes a vergar (2),
Estiverem ociosos e em número reduzido os que moem, (3)
Os que vêem pelas janelas principiarem a cobrir-se de trevas, (4)
Quando se fecharem as portas sobre a rua, (5)
Quando enfraquecer a voz do que mói (6),
E se levantarem com o cantar do pássaro e todas as filhas da harmonia emudecerem. (7)
Eles terão medo também (de subir) aos lugares altos e temerão no caminho. A amendoeira florescerá, o gafanhoto engordará e a alcaparra se extinguirá, porque o homem irá para a casa da sua eternidade, e, carpindo o irão acompanhando pelas ruas.
(Lembra-te do teu Criador) antes que se quebre o cordão de prata, se retire a fita de ouro, se quebre o cântaro sobre a fonte, se desfaça a roda sobre a cisterna, o pó volte à terra donde saiu e o espírito volte para Deus que o deu. Vaidade de vaidade, disse o Eclesiastes, tudo é vaidade".


(Eclesiastes, 12, 1-8).






(1) “os guardas” são as mãos;


(2) “os homens fortes” são as pernas;


(3) “os que moem” são os dentes;


(4) “os que vêem pelas janelas” são os dentes;


(5) “as portas” são os lábios;


(6) “a voz do que mói” refere-se à boca;


(7) Toda a frase se refere aos ouvidos.







Introdução






● Que sentido tem para o homem, principalmente o Cristão, este desenlace entre o corpo e a alma?


● Por que temos tanto medo da morte?


● Por que a Divina Providência recomenda pensar na morte a fim de não cometer pecado?


a) Modos de se comportar perante a morte


Estas e outras indagações só podem ser respondidas pela Doutrina Católica. No Santo Evangelho, Nosso Senhor Jesus Cristo nos diz que a morte nos visitará como um ladrão, sem avisar o dia e a hora; portanto, é necessário estar sempre preparado, haja vista essa incerteza do momento de sua chegada.


A uns Deus concede mil oportunidades e emenda de vida, e a morte lhes chega aos poucos; a outros, porém, o desenlace é fulminante. Chegada a hora, com demora ou não, Deus não manda avisar. E assim age por causa de Sua misericórdia e extremosa bondade. Aliás, de que adiantaria avisar, prevenir o dia e a hora da morte? Para muitos isto seria até motivo de desespero, enquanto que para outros de maior prevaricação. Poucos se emendariam perante a perspectiva de saber a sua hora. Basta ver o exemplo da maioria dos condenados à morte pela justiça humana: apesar saber dia e hora em que serão executados nem por isso mudam de vida e se arrependem de seus pecados.


Os homens podem se comportar de dois modos perante a morte:


Primeiro modo: viver como se nunca fosse morrer, sem falar na morte e até detestando ouvir falar dela. Este é o comportamento próprio daqueles que vivem longe da graça divina e não são tementes a Deus. Vivem como se Deus não existisse, não confiando, portanto, na sua Misericórdia, na sua Bondade, na sua Providência infinitas. Ou, então, como se Ele existisse mas inteiramente conformado com suas concepções pessoais e condescendente com sua vida pecaminosa. A morte para tais pessoas é uma fatalidade inesperada, pois vivem entregues à própria sorte. O que ocorrer em sua vida julgam que é obra do puro acaso, achando que Deus não interfere nela. Quiseram viver afastados de Deus e assim morrerão um dia. Podem morrer repentinamente por um raio, uma síncope, um desastre qualquer, ou então acometido por uma dessas doenças terríveis que hoje grassam no mundo. Uma morte qualquer desventurada e infeliz.


Segundo concepção corrente no mundo de hoje, o homem existe para a prática de determinado “bem”. Mas este “bem” não eleva, é restrito aos próprios homens, tratando-se de um bem ligado à vida material. Consiste mais ou menos no seguinte: o homem nasce com direitos naturais respeitados por todos, assistido em todas as suas necessidades materiais e cercado por carinho humano desde a mais tenra infância; depois cresce, se desenvolve, estuda numa escola, aprende a ler e escrever, progride nos estudos e ganha uma formatura que poderá lhe dar sucesso na vida; já adulto, tem à sua disposição todos os confortos do progresso e da modernidade, podendo gozar a vida material como quer da forma como bem entender. Depois, chega a velhice, que é pouco lembrada, por vezes desprezada e até detestada, pois é sinal de decadência e morte próxima. Preparam para tal idade o supra-sumo da vida de gozo: a aposentadoria, onde só pode haver despreocupação, relaxamento, ociosidade, sem qualquer pensamento no futuro (que já chegou).


Mas, um dia a morte chega...


E neste ponto crucial, o homem moderno procura fugir completamente desta última realidade da vida que é a morte. Não quer ouvir falar dela, procura esquecê-la e relevá-la para a hora seguinte... É como o avestruz que coloca a cabeça na areia. O homem age de uma forma pior, porque tem consciência de si, fica assim como que narcotizado, procurando abafar sua própria consciência.


Entretanto, em seu subconsciente surgem certas indagações: “que fiz eu? quem fui eu? Encontrando-me aqui neste estado decadente (tão próximo, pois, da morte), que significado tem, ou teve, minha vida pregressa? Valeu a pena viver tanto gozo e agora ter perante mim apenas a morte terrível sem uma esperança de outra vida futura recompensadora?”


O remorso às vezes vem tarde e o trágico da morte torna-se um tormento. Que ideal de vida é este? Vale a pena viver tal vida, sem saber pra que a viveu? Passou pela vida e não sabe para quê veio ao mundo? Não! O homem não veio ao mundo para desfrutar de gozos e prazeres e depois, findar assim banalmente, ingloriamente, tolamente, sem uma razão lógica de seu viver.


Segundo modo: um outro modo de se comportar perante a morte é pensando nela, encarando-a de frente, e por temor a Deus e Sua Justiça viver preparado para esse grande momento. As pessoas que se portarem dessa maneira Deus nunca as deixará ao desamparo. Ele cuidará para que tenham uma morte santa e feliz. Nunca permitirá que tal pessoa morra por um acaso fortuito, pois a morte para ela será obra da Divina Misericórdia e nunca fruto do acaso. Se for necessário, até mesmo um milagre sobre a natureza Deus operará a fim de evitar que uma pessoa temente a Ele tenha uma morte infeliz. E como tem havido milagres assim! Basta que se confie nEle, peça seu auxílio – o resto Deus fará.


Falamos acima em “morte feliz”. E existe uma morte feliz? Para os ímpios, não; pois eles consideram a morte como suprema desgraça. Então eles consideram, de antemão, que todo homem nasceu para terminar numa desgraça. Não é o que ocorre com os justos, os quais consideram a morte como o momento mais feliz de sua vida, pois é apenas a passagem desta vida para a outra, de eterna felicidade. Os exemplos, concretos, de morte feliz pode-se ver, por exemplo, nas mortes dos santos e de todos aqueles que a enfrentaram com o nome de Jesus, Maria Santíssima e os Santos Anjos nos lábios. Em geral, têm morte serena, calma, até alegre, como veremos em alguns exemplos aqui relatados adiante.


Pensar na morte traz como conseqüência pensar nos outros Novíssimos do homem: purgatório, céu, inferno, juízo particular e juízo universal. Tudo isto virá logo após a morte de cada um de nós, pois é decorrente dela. Se a morte é apenas a porta inevitável por onde todos têm de passar, por que olvidá-la, por que fugir dela?


Não é suficiente pensar na morte, mas, principalmente, preparar-se para enfrentá-la. A Doutrina Católica nos ensina como se preparar e viver preparado para esse momento. Não se trata de um catálogo de normas que a pessoa decora e põe em prática, mas de um estilo de vida fruto de concepções cristãs arraigadas na alma de cada um. Ser virtuoso, ter vida de oração, vida interior que nos faça unir-se a Deus, freqüentar os sacramentos da Igreja, principalmente os da Confissão e da Comunhão, são algumas das normas eficazes de uma boa preparação para uma santa e feliz morte.




b) Considerações sobre a morte perante os fins últimos do homem

Perante a morte tremem os maiores potentados, acovardam-se os mais valentes, fogem os grandes heróis e humilham-se perante ela os mais orgulhosos, ficam impotentes os poderosos, choram os fortes e padecem os melhores atletas. Ninguém a enfrenta sem um frêmito de terror ou medo. O próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, embora sendo Deus, sentiu o medo da morte em Sua pessoa humana. E se até Ele, o Autor da Vida e o único que venceu a morte, tremeu diante dela, o que diremos nós?


No entanto, isso não deve ser motivo de desânimo ou desespero, pois o importante é pensar na outra vida. Viemos a esta vida sem nosso consentimento, pois antes nada éramos; mas ao a deixarmos para partir para a outra, que é a verdadeira e eterna, o faremos de pleno conhecimento e consentimento. Para a primeira vida, a terrena, não houve nenhuma prova, mas para ingressarmos na vida eterna Deus dispôs que fôssemos submetidos a muitas provas, sendo a maior delas a nossa própria morte.


Que é a morte? Singularmente, é a separação da alma e do corpo. Este último, perecível como é, voltará à terra de onde veio, enquanto que a alma se apresentará a Deus, juntamente com suas obras, para que seu Criador a julgue de acordo com o que obrou na terra, recebendo posteriormente o prêmio ou castigo. Como só a alma é eterna, o corpo então se decomporá, se desmanchará, se desfará em lama, e seus elementos constitutivos, órgãos, células, etc., formarão outras coisas materiais da terra, por exemplo, um charco, uma planta, um torrão de barro qualquer. Até que no fim do mundo, após o Juízo Final ou Universal, ressuscitarão todos os corpos com nova composição, da eterna matéria de que é composto, no outro mundo, por exemplo, o céu empíreo. O homem voltará a sua forma primitiva, e definitiva, com corpo e alma unidos, porém desta vez eternamente. Uns, terão corpos gloriosos e viverão no Céu Empíreo; outros, os condenados, terão seus corpos deformados e assim viverão para sempre no inferno. A uns Deus abençoará com a frase: “Vinde benditos de meu Pai...”, enquanto que a outros amaldiçoará: “Ide malditos para o fogo eterno...” A bênção de Deus glorificará os justos; a maldição deformará os ímpios. Para sempre.


Para nós, cristãos, a morte só terá sentido se nos conduzir à glória eterna. Aliás, para o homem de modo geral, mesmo que não seja cristão, a morte só terá sentido se houver esperança de vida futura cheia de glória e felicidade. Deus criou-nos, a todos os homens, com uma única finalidade: conhecê-Lo, amá-Lo, servi-Lo, e, ao final desta vida, gozá-Lo para sempre na eternidade. Esta finalidade só será finalmente cumprida se praticarmos os Mandamentos da Lei de Deus. É este o nosso fim último, e único. Aquele, pois, que nada disso fez, mesmo tendo aqui um oceano de felicidade material, no momento da morte sentirá quão inútil foi sua vida nesta terra. E chegado este momento, muitos perguntar-se-ão: “que fiz eu?” – “que utilidade teve minha existência?” – “para quê vim ao mundo?”. Ou então surgirão indagações, como: “estou morrendo como um inútil: tantos gozos, tantos divertimentos, tantas satisfações pessoais, e, no entanto, chegado este trágico momento, sinto-me como um inútil – pior, sinto-me como um que só fez o mal e nada tenho de agradável a Deus para levar para a eternidade”. Neste momento angustiante só resta, então, pedir perdão a Deus e corrigir, no purgatório, todos os seus defeitos, pagar todos os seus crimes, todos os seus pecados, antes de entrar na glória eterna. Só que no purgatório não angariará méritos, apenas apagará e corrigirá defeitos. Se por infelicidade se desesperar, certamente não obterá o perdão divino (não pedido por causa da dureza de coração) e será precipitado no inferno, onde se arde em chamas eternas, chorando e rangendo os dentes, como disse Nosso Senhor no Evangelho, e por um tempo indeterminado, para sempre, para sempre....


É, pois, necessário que cumpramos a finalidade para a qual nascemos antes de nossa morte e não no momento dela.


c) Temor da morte e confiança


Quem não tem medo da morte? O medo da morte é fruto de nosso instinto de conservação, um dos mais fortes de nossos instintos. Mas, há medo e há pavor. Enquanto o medo pode ser coisa natural, decorrente do instinto de que falamos, o pavor pode vir como fruto de nossa falta de confiança na Providência Divina. Deus quer que confiemos serenamente no seu auxílio na hora da morte. Somente tal confiança nos dará uma morte tranqüila. Para tanto, Ele nos deu a garantia da proteção de sua própria Mãe, cheia de toda misericórdia divina. São Domingos Sávio disse a São João Bosco, em sonhos, que a maior consolação que teve na hora da morte foi a presença de Nossa Senhora. Assim como Ela assistiu a São Domingos Sávio, o faz com todos nós. Basta que lhe imploremos o auxílio.


É preciso lembrarmos, nesta hora difícil, que Nosso Senhor Jesus Cristo derramou todo o seu preciosíssimo sangue, até à última gota, na Santa Cruz, para nossa salvação. E assim, não sentido, não tem a menor lógica Ele morrer na Cruz por nós, passar durante toda a nossa vida derramando mil graças para nossa salvação, para, chegando o momento da morte, a hora mais importante e decisiva, aquele instante pelo qual Ele e Sua Mãe Santíssima sofreram tanto e obtiveram tantos méritos, nos abandonar. E nos abandonar logo nas mãos de quem – de seu Inimigo eterno e irreconciliável, também inimigo dos homens e de nossas almas, que é o demônio, na espreita para roubar nesta hora a nossa alma de Deus. Tem lógica isto? Claro que não!


Portanto, essa confiança da assistência divina na hora de nossa morte é baseada numa certeza, certeza lógica, racional, coerente com tudo o que se relaciona com Deus, Sua criação e Sua Redenção. Como não crer nisto?


Fala-se em morte por acaso, morte casual, onde supostamente Deus ao teria assistido a pessoa, pois esta recusa o socorro divino. Há algo de verdadeiro nisto (pelo menos para aqueles que levam uma vida desregrada e cheia de infâmias), mas vejamos outro lado da questão. É que a misericórdia de Deus é infinita, mas tão infinita, que, mesmo nas circunstâncias da morte de uma pessoa má, Ele achará um jeito de amparar aquela pessoa naquele transe. Estará próximo a ela, com Seus Santos Anjos e Seus Santos, atento ao mais leve movimento da alma para correr em seu socorro, embora Sua intervenção se circunscreve ao essencial para que a pessoa não perca a esperança. Intervenções excepcionais, nestes casos, Deus só faz rarissimamente, e assim mesmo quando do interesse de Sua maior glória. E não é a toda hora que a glória de Deus está em jogo, como foi o caso de São Paulo, Apóstolo, em quem houve uma intervenção divina extraordinária por que assim o pedia sua glória. Portanto, é temerário pensar que isto sempre ocorre. Pelo menos de uma forma tão extraordinária como imaginam alguns. É muito condenável aquele pensamento de que na hora da morte Deus há de se lembrar da gente pelo fato dEle ter sido sempre bom amigo e desta forma deixar para aquele momento a reconciliação espiritual com Deus. Este pensamento é ofensivo a Deus, em vez de demonstrar confiança nEle, pois O estará considerando o amigo da última hora e não o de todo momento.


d) A morte e os Novíssimos do homem

É certo, muito certo mesmo, que se tivermos o hábito de meditar nos Novíssimos, especialmente na morte e suas conseqüências, nunca cometeremos pecado. Tal meditação nos alimenta no santo temor de Deus e nos faz crescer em amor a Ele com o pensamento no Céu. E quem teme a Deus não O ofende. Quem pensa na morte sabe com certeza que vai morrer, não se ilude, procurando preparar-se para tal momento. Sabe que tal fim nos humilha, nos rebaixa a meros grãos de areia, e que só tem importância para nós o que realizamos de bom neste mundo. De nada adianta beleza física, saúde, queixo afilado, cabelo liso, musculação avantajada, sorriso cativante, etc. Tudo isso nada vale para o outro mundo se não foi utilizado para a prática do Bem, portanto, do amor a Deus. Todo o nosso corpo, belo ou não, virará lama e exalará odor insuportável, de tal forma que os defuntos têm que ser colocados debaixo da terra para que não sintamos o seu mau odor. Ora, se eu sei que isso é assim como ousarei ter vaidade e orgulho? Se eu sei que a morte me espreita a todo momento, e que repentinamente minha alma poderá deixar o corpo para prestar contas a Deus, como ousarei ofendê-Lo com meus pecados e minhas indiferenças? Pensando na morte me esquecerei do pecado que estava prestes a cometer e voltarei o meu coração contrito para Deus pedindo perdão e misericórdia. Pensemos, pois, na morte para afugentarmos as tentações do pecado.


e) A perseverança nos momentos finais da vida

A perseverança, aquela de todo momento, de todo dia, de toda hora, de todo instante, deverá ser a perseverança que nos preparará para a grande perseverança da hora final. Essa perseverança, esse momento importantíssimo da vida de todo homem, representa a grande vitória que cada um deve ter sobre a morte. Vencer a morte, portanto, não é evitar que se pense sobre ela procurando esquecê-la, mas sim encará-la de frente e domá-la, tornando-a suportável e até amável perante os desígnios divinos. Foi assim que Nosso Senhor Jesus Cristo fez. Venceu a morte encarando-a de frente e não procurando escondê-la. E a perseverança é uma virtude que deve nos acompanhar durante toda nossa vida, a fim de que, chegado o momento da morte, ela seja o coroamento de um exercício e uma prática contínuos, um hábito enraizado, uma virtude vitoriosa e invencível. Só persevera na hora da morte quem perseverou durante toda a vida. É uma das virtudes essenciais a uma boa morte. Mas não só ela. Todas as outras virtudes devem nos acompanhar, seja a Fortaleza, a Fé, a Esperança, a Caridade, a Pureza, a Temperança e todas as outras que devemos praticar para atingirmos a perfeição cristã. Deverão elas brilhar no momento da morte e serão nosso forte amparo. Do contrário, um mau hábito de impureza, por exemplo, pode afastar as graças de Deus e nos fazer perder a Esperança ou qualquer outra virtude cardeal com que possamos nos salvar. Um outro vício qualquer que não foi dominado durante a vida pode muito bem nos levar ao inferno. É preciso, portanto, um acurado exame de consciência, pois nesta vida todos os vícios devem também morrer.


Ser perseverante é crer, confiar e contar como certo o auxílio da Providência Divina em todos os instantes de nossa vida e principalmente na hora da morte, dizendo sim às graças divinas custe o que custar. Não é somente evitar o pecado, é muito mais do que isto. É agir e fazer tudo o mais somente por amor a Deus. E para isto tem que lutar para conservar a amizade divina, luta esta que nos exige árduos sacrifícios.


Chegada a hora da última batalha, estando o homem acostumado com obter vitórias sobre seus vícios e pecados, vencendo as tentações, o demônio, o mundo e a carne serão finalmente vencidos. Será a vitória final sobre os três. Se for mole, sem virtudes e acostumado a ceder ou a perder sempre, terá tudo para ser derrotado na primeira refrega da morte. O auxílio divino é sempre suficiente para dar a vitória, mas se este chegar até o moribundo, pois a alma em péssimo ou mal estado sempre recusa os favores divinos. Uma das mais terríveis tentações será a do desespero. É quando a alma não confia mais em Deus e se desengana. Para que isto ocorra o demônio usa de vários artifícios, trava uma tremenda batalha pois é a última chance que ele tem . Neste caso o moribundo deve se redobrar em recursos para afastar a tentação: orações, jaculatórias, pôr o Crucifixo diante dos olhos para meditar sobre Nosso Senhor pregado na Cruz, pronunciando com muita devoção os santos nomes de Jesus e de Maria Santíssima. É aconselhável que durante toda a nossa existência nos acostumemos a chamar carinhosamente Nossa Senhora de “Minha Mãe”, “Minha doce e amável Mãe”,etc. e Nosso Senhor Jesus Cristo de “Meu adorável Jesus” ou “Meu amável Jesus”, etc. O hábito de assim invocá-Los poderá nos trazer, como certamente trará, seus poderosos auxílios na hora de nossa morte.


Estar preparado para a morte é um contínuo exercício de ascese, conforme o explica Santo Antão, é um verdadeiro “Quotidie morior” “Por isso, meus filhos, apliquemos nossa atenção à ascese, não nos descuremos. O Senhor colabora conosco; está escrito: “Aquele que escolheu o bem, Deus colabora com ele (Rm 8, 28) para o bem. Para não sermos pusilânimes é bom que meditemos na palavra do Apóstolo: “Todo dia estou exposto à morte” (I Cor 15, 31). Se vivermos como devemos morrer todo dia, não pecaremos. Eis como se deve entender isso. Todo dia, ao nos levantarmos, pensemos que não chegaremos até à noite, e à noite, ao nos deitarmos, pensemos que não acordaremos no dia seguinte. A nossa vida, por natureza, é incerta; todo dia nos é medido pela Providência. Dispostos e vivendo assim todo dia, não pecaremos, não teremos desejo de nada, não teremos ressentimento contra ninguém, não entesouraremos na terra, mas, esperando morrer todo dia, seremos pobres, perdoaremos tudo a todos (ou seremos condescendentes em tudo com todos); se não dominarmos inteiramente os desejos de mulher ou de outros prazeres impuros, desviar-nos-emos deles como coisas caducas, lutando sempre e tendo em vista o dia do julgamento, porque o maior temor e o perigo dos tormentos dissipam a doçura do prazer e mantém a alma dócil”




f) Há morte sem dor?



Existem alguns desesperados dessa vida que querem antecipar seus dias de existência, conforme dizem, para “sofrer menos”. E usam do tão falado processo de “morte sem dor”. Isso não existe, não há morte sem dor. A separação do corpo e da alma é a maior dor que pode haver para o homem, embora nem sempre possa ser expressada corporalmente. Mas podemos ter uma idéia. Se tirarmos algum órgão nosso sem uso de anestesia, como dói! Tiremos uma mão, grande dor! Arranquemos um braço, dor maior ainda! As pernas, grande e tormentos dor! Finalmente, arranquemos, se possível, todo o corpo – que dor terrível não se poderá sentir então? Pois é isto que ocorre quando morremos, é todo o corpo que é arrancado da alma, ou a alma do corpo, ocasionando uma dor que nenhum sofrimento se iguala na terra.


Madre Maria de Jesus Taboada, fundadora das Irmãs Concepcionistas de Quito, Equador, quando sua sucessora no convento perguntou-lhe por que temia a morte, se era por causa de algum apego a algum bem terreno, ela respondeu: “Não, minha filha, pois tendo deixado minha Pátria e tudo o que tive na Espanha, a nada tenho afeição ou apego. Temo a morte porque a dor que a alma sente ao separar-se do corpo me faz temer que me falte a fortaleza necessária nesta hora”.

g) Tudo se acaba com a morte

Diz Santo Afonso de Ligório que, à morte de Alexandre Magno, exclamava um filósofo:


“Aí está quem ontem calcava a terra aos pés; hoje, é pela terra oprimido. Ontem, cobiçava a terra inteira; hoje, basta-lhe um pedaço de sete palmos sob o solo. Ontem, dirigia exércitos inumeráveis através do mundo; hoje, uns poucos coveiros o levam ao túmulo”. Diz o próprio Espírito Santo: “Por que se ensoberbece o pó e a cinza?” (Eclo 10, 9).


O mesmo imperador Alexandre Magno ordenou pouco antes de morrer que se cumprissem três ordens suas em seu enterro: que o seu ataúde fosse levado pelos seus médicos, todos seus tesouros fossem espalhados pelo caminho por onde passaria seu enterro e que uma de suas mãos estivesse em posição de adeus (com alguém a fazendo abanar em sinal de despedida). Perguntaram-lhe a razão disso e o imperador explicou: os médicos deverão levar meu ataúde a fim de que todos saibam que perante a morte a medicina torna-se inútil; todos meus tesouros serão espalhados pelo mesmo caminho onde passar o séquito do meu enterro a fim de que todos tenham consciência de que as riquezas nada valem perante a morte e, por fim, minha mão deverá ir dando adeus a todos a fim de que fiquem sabendo que nunca mais me verão neste mundo.


A mensagem é esta: de que nos serve consumir todos os anos de nossa vida e o próprio espírito em adquirir riquezas, conservar boa saúde e muitas amizades se isto não nos conduzir a uma boa morte e à salvação eterna? “Virá a morte e então se dissiparão como o fumo todas as nossas grandezas e os nossos projetos” (Sl 145, 40).


h) Quanto vale o corpo humano?

Tihamer Toth, em um de seus livros, indaga: “Que valor tenho eu sem alma? Os químicos calculam com exatidão o valor do corpo humano. A sua gordura dá para formar sete pedacinhos de sabão. O seu ferro é suficiente para fabricar uma chavezinha. O seu açúcar adoça uma xícara de chá. Tem fósforos para fazer 2.000 palitos e magnésio para uma fotografia.


“Tudo bem calculado chega a 20 francos!”


Este é o valor do corpo humano... sem a alma!


E com alma? Qual é o seu valor, se Deus a criou, a remiu do pecado, a alimenta com Seu Corpo e a destina ao reino dos céus?


Sem a alma o homem não vale mais do que 20 francos. E com a alma? Tem valor infinito, vale mais do que o mundo inteiro”






i) Considerações sobre o corpo humano após a morte


Vejam o que escreveu Santo Afonso Maria de Ligório:


“Cristão, para compreenderes melhor o que és – disse São João Crisóstomo - aproxima-te de um sepulcro, contempla o pó, a cinza e os vermes, e chora. Observa como aquele cadáver, de amarelo que é, se vai tornando negro. Não tarda a aparecer por todo o corpo uma espécie de penugem branca e repugnante. Sai dela uma matéria pútrida, nasce uma multidão de vermes, que se nutrem das próprias carnes. Às vezes, se associam a estes os ratos para devorar aquele corpo, saltando por cima dele, enquanto outros penetram na boca e nas entranhas. Caem a pedaços as faces, os lábios e o cabelo; descarna-se o peito, e em seguida os braços e as pernas. Quando as carnes estiverem todas consumidas, os vermes passam a se devorar uns aos outros, e de todo aquele corpo só resta afinal um esqueleto fétido que com o tempo se desfaz, desarticulando-se os ossos e separando-se a cabeça do tronco. Reduzido como a miúda palha que o vento leva para fora da eira no tempo do estio... (Dan 2,35). Isto é o homem: um pouco de pó que o verão dispersa.


“Onde está agora aquele cavalheiro a quem chamavam alma e encanto da conversação? Entra em seu quarto; já não está ali. Visita o seu leito; foi dado a outro. Procura sua roupa, suas armas; outros já se apoderaram de tudo. Se quiseres vê-lo, acerca-te daquela cova, onde jaz em podridão e com a ossada descarnada... Ó meu Deus! A que estado ficou reduzido esse corpo alimentado com tanto mimo, vestido com tanta gala, cercado de tantos amigos! Ó santos benditos do céu, como haveis sido prudentes: pelo amor de Deus – fim único que amastes neste mundo – soubestes mortificar a vossa carne. Agora, os vossos ossos, como preciosas relíquias, são venerados e conservados em urnas de ouro. E vossas belas almas gozam de Deus, esperando o dia final para se unir a vossos corpos gloriosos, que serão companheiros e partícipes da dita sem fim, como o foram da cruz durante a vida. Este é o verdadeiro amor ao corpo mor-tal: fazê-lo suportar trabalhos, a fim de que seja feliz eternamente ,e negar-lhe todo prazer que possa lançar para sempre na desdita”.




Meditação do  Padre Manuel Bernardes

“Considera-te já como morto. E, como se tu mesmo foras outra diferente pessoa viva, põe-te a olhar para o teu corpo defunto. Adverte como fica feio, pálido e desfigurado. Alguém de casa lhe cerra os olhos, aperta o queixo, estende os pés, compõe os braços e, amortalhado em um pobre lençol (que é o desejo que leva e todas as coisas este mundo) o põe na casa sobre um pano negro, com luzes e uma e outra parte. Vêm os ministros da Igreja, rezam o responso, tomam em peso o cadáver, que está mui inteiriçado, frio e pesado e com princípio de corrupção, e descem para o meter na tumba, despedindo-se dele os domésticos com algumas lágrimas, que brevemente se enxugam e para o defunto são totalmente inúteis. Caminham à igreja, aonde está prevenida uma cova, e amontoados e um e outro lado dela muitos ossos e muita terra que lança de si o fartum dos mortos, de que costuma ser cama. Este é o espaçoso e ameno palácio onde há de morar o novo hóspede, até que a trombeta de um anjo o acorde e o mande levantar, para que dê conta e leve o prêmio ou pena do que serviu ou ofendeu a seu Criador. Ali deixam cair o cadáver, ossos e terra por colchões, terra e ossos por cobertores. Começam a calçá-lo a golpes de enxada, põem-lhe uma laje em cima; vão-se os circunstantes, uns a comer e beber, outros a rir e contar novas, outros a tratar de seu negócio. E daí a poucos dias desapareceu até a memória de tal defunto, e ainda a mulher e os filhos o nomeiam poucas vezes, e talvez para o praguejarem, se deixou pouco remédio.


Vês, alma minha, o que é o mundo? Vês o que é teu corpo? Pois para que adoras no regalo e comodidade do teu corpo? Para que idolatras na estátua fantástica do mundo? À vista de tão horrendo espetáculo e desengano tão palpável, não me dirás de que serve desvelar-te por amontoar fazenda com inquietação da tua consciência, por crescer na honra, por sair com teu apetite? Onde está agora tudo o que deu prazer e recreação a teus sentidos? Que proveito tiraste da vaidade e da malícia? Como és tão néscio, que com ofensa grave de Deus cativa a tua alma e o teu corpo, e todo o tempo e cuidado se te vai em o acomodar, fomentar e defender? Não vês que é pó e bichos, horror e podridão? Não sabes que te não há de pagar esses obséquios senão com tormentos?


O espectro da morte produz um santo

Personagens:


São Francisco de Borja (ou Bórgia) e o cadáver da Imperatriz Isabel, a Católica

“Filippe, o Infante, um adolescente de doze anos, cavalga à frente do cortejo que transporta a jovem imperatriz para Granada, para o jazigo da família. O imperador se encerra num claustro em Toledo e incumbira o filho do acompanhamento. No séquito dos emudecidos ia Francisco de Borja, Marquês de Lombay, o qual, como filho do terceiro Duque de Gandia e Joana de Aragão, era aparentado com a casa imperial. A ele, na qualidade de servidor favorito de Isabel, tocara por sorte, de acordo com uma velha usança, atestar o nome e a origem da morta. Mas, eis que quando o esquife foi aberto na capela mortuária dos reis católicos e as testemunhas apavoradas e o escrivão esperavam o juramento de Francisco de Borja, o espetáculo que a seus olhos se ofereceu na cripta que separa morte e vida, horrorizou-o tanto, que não se atreveu a jurar pela autenticidade da imagem ainda presente com toda a beleza juvenil, para todos com o aspecto desvendado da transformação horrível. Conseguiu assegurar que ele, à vista das precauções e cuidados com que se havia trazido até ali o corpo da imperatriz e com que o haviam guardado, dava como garantia a sua autenticidade, que esse corpo não podia ser outro senão o da sua senhora Isabel.


O séquito marcho rápido dali; o Marquês, enquanto isso, não podia se apartar do horror que o abalava. Seus olhos carnais estavam enfeitiçados pelos olhos da morta, outrora claros, luminosos e agora ensombrecidos; agrilhoado por aquilo que o perturbava, encetou ele um estranho diálogo com a muda: “Onde estão, Majestade Sagrada, o brilho e a alegria do vosso semblante? Onde aquela graça e aquela beleza, que eram sem igual? Acaso sois aquela Dona Isabel? Sois minha imperatriz e minha senhora?” Depois voltou-se para sua própria alma e interpelou-a: “Que faremos, minha alma? Que buscamos nós? Em pós de que cousas vamos nós? Se a morte se porta desta maneira com a Majestade e com os grandes da terra: que exército se oporá a ela, que poder lhe fará frente? Não seria bom morrer a vida do mundo, para viver em Deus na morte”.


“Esperavam ainda pelo marquês de Lombay o vice-reinado da Catalunha e o ducado de seu pai. Ele não havia chegado aos trinta anos. Entre os que haviam fugido espavoridos da capela, depois que ele mal conseguira prestar seu estranho juramento, encontrava-se Leonor de Castro, sua mulher. Na plenitude da sua mocidade e do seu amor, que não temia se prodigar, presenteara-o ela com oito filhos. Por alguns anos ainda partilhou, não mais como esposa, mas como irmã, da sua vida e das honrarias com que o imperador o agraciou; quando o Senhor a chamou a Si, o duque renunciou a tudo e ingressou na Companhia de Jesus. Nela foi investido, depois da morte de seu Fundador do seu sucessor imediato, com a função suprema na qualidade de seu terceiro Geral.


“A morte não permite vitórias outras. Junto ao esquife de sua mãe, Filippe foi testemunha da mais emocionante conversão do seu tempo; o futuro, superiormente armado com a morte, agarrou e, na torrente dos dias, transformou-o”.


Um castigo e uma graça de conversão

“O Sr. Beauveau, marquês de Novian, deveu a sua conversão e vocação religiosa à Companhia de Jesus a uma vitória sobre o respeito humano para honrar a Nossa Senhora.


Em 1649, estando as tropas alemãs na Alsácia-Lorena, alguns soldados alojados em Novian, depois de haverem bebido em excesso, puseram-se a jogar. Um deles, depois de haver perdido no jogo, vendo uma estátua de Nossa Senhora colocada na parede, ficou furioso como se fora ela a causa de sua falta de sorte, e começou a golpeá-la proferindo horríveis blasfêmias. Apenas terminara, caiu por terra com um tremor em todo o corpo e dores tão fortes e contínuas que foi impossível fazê-lo tomar alimento durante quatro ou cinco dias. Tendo a tropa recebido ordem de partir, ataram o infeliz em seu cavalo para que acompanhasse a marcha.


Soube-se depois que, à força de agitar-se, caíra da montaria e morrera no caminho, mordendo a terra e espumando de raiva.


Naquele dia falou-se, por muito tempo, do exemplar castigo do blasfemo. Dois anos após, a pedido de um missionário, resolveu-se fazer um ato solene de reparação. Para esse fim foram àquela casa em procissão o vigário, o missionário, alguns outros sacerdotes e o povo de Novian com o marquês à frente.


Chegados ao lugar, por mais que o padre chamasse a alguns homens, nenhum se apresentou para levar a imagem à igreja. O Sr. Beauveau, indignado com semelhante indiferença para com Nossa Senhora, sentiu-se interiormente movido a levá-la ele mesmo. Apesar do respeito humano e de parecer beato aos olhos daquela gente, tomou a imagem e levou-a com respeito à capela do castigo onde, por ordem do Bispo, foi colocada com todas as honras. Maria Santíssima não tardou a recompensar este ato de piedade, pois, segundo declarou ele mesmo, começou o marquês a receber tal abundância de graças e tão fortes inspirações para a vida perfeita que não só se tornou um cristão modelo, mas ainda abraçou a vida religiosa, onde viveu e morreu santamente.


Bossuet - Oração fúnebre a Henriqueta Ana da Inglaterra


[...] Considerai, Senhores, as grandes potestades que daqui debaixo contemplamos. Enquanto trememos sob o poderio de sua mão, golpeia-as Deus para nos alertar. Motiva-o a alta posição destas; e Deus, que as não poupa, não sofre em sacrificá-las para instrução do restante dos homens. Cristão, não murmureis se a Senhora foi escolhida para nos instruir. Como vereis a seguir, aqui nada houve de indelicado, porque a salvou Deus pelo mesmo golpe que nos instruiu. Deveríamos já estar convencidos de nosso nada: mas se é mister maravilhar os corações enfeitiçados pelo amor do mundo, este lance é assaz grande e terrível. Ó noite desastrosa! Ó noite lamentável, em que num instante reboou, qual um raio de claridade, esta estupenda novidade: a Senhora morreu, a Senhora está morta! Quem não se sentiu atingido por esse golpe, como se um trágico acidente desolasse sua família? Ao primeiro rumor dum mal tão inaudito, acorreram a Saint-Cloud de todas as partes: tudo era consternação, exceto o coração da princesa. Tudo eram clamores; em tudo se enxergava a dor e o desespero, e a figura da morte. O Rei, a Rainha, o Senhor, a Corte inteira, o povo inteiro, tudo era abatimento, tudo desespero; a mim, parece-me que vejo o cumprimento da palavra do profeta: Chorará o rei, lamentará a rainha, e tombarão de dor e de abatimento as mãos do povo. Mas em vão gemiam os príncipes e os povos , em vão o Senhor, em vão cingia o Rei à Senhora em tão estreitos abraços. Podiam então dizer um ao outro, junto com Santo Ambrósio: “Strigebam bracchia, sed jam amiseram quam tenebam: Cingi os braços, mas já perdera o que tivera”. Escapava-lhe a princesa de entre os abraços tão calorosos, e a morte poderosíssima no-la levava de suas mãos reais. Mas, quê! ela devia morrer tão cedo! Com a maioria dos homens, a pouco e pouco se fazem as mudanças, preparando-as a morte para o derradeiro retoque. Entretanto, a Senhora durou da manhã até à noite, qual a erva do campo. Rebentava, na manhã, e bem sabeis as suas graças; de noite, ressecava, como vimos; e estas rijas expressões, com que exagera a Escritura Santa a inconstância dos negócios humanos, haviam de ser para a princesa o exato e o literal!






I – Sobre as atribulações que se sofre no transe da morte


a) Nos estertores da morte, supremo combate contra o inferno

Sobre os momentos difíceis que se passa no momento da morte vejamos o que ocorreu com Santa Gema Galgani, conforme seu biógrafo, Pe. Germano de Santo Estanislau, que assim se expressou comparando-a conosco: Que exemplo admirável de resignação e que motivo de salutar receio para nós, que não temos os méritos de Gema, na hora terrível da morte! É bom lembrar que, embora o exemplo abaixo tenha se dado com uma santa, nada impede que algo disso, ou até mais, possa acontecer com qualquer cristão, desde que Deus o permita para sua santificação final:


“Diz-nos o Espírito Santo que Satanás, nos últimos momentos de nossa vida, sabendo que tem pouco tempo para fazer mal, nos assalta com pérfidas tentações, como um leão que vê a presa prestes a escapar-lhe.


Que supremos e furiosos ataques não devia dirigir contra a angélica donzela, quem toda a vida tinha perseguido com ódio mortal, e procurado vencer, ou a menos desanimar com uma guerra sem tréguas.


De outros santos se lê que no fim de seus dias tiveram que suportar assaltos do demônio mais ou menos violentos e terríveis, mas passageiros. Gema, porém, suportou um ataque contínuo de sete meses, apenas interrompido por curtos intervalos de trégua. O fato é aterrador, mas absolutamente certo, porque é unanimemente atestado por todas as pessoas que acompanharam a angélica jovem durante sua última doença.


O espírito das trevas perturbava-lhe a imaginação com mil fantasmas próprios para encher o seu coração de tristeza, de ansiedades, de temor. O seu fim era levá-la ao desespero. Representava-lhe, sob os mais tétricos aspectos, os quadros da sua vida tão cheia de angústias, as desgraças da sua família, as privações de toda a ordem. Fazia-lhe passar diante dos olhos os agentes da força pública indo, depois da morte de seu pai, acompanhados pelos credores, seqüestrar os bens da sua casa, e depois exclamava: “Aí tens o resultado de todas as tuas fadigas no serviço de Deus”.


Explorando o estado de extrema aridez espiritual em que, durante a maior parte do tempo, o Senhor a deixava para mais purificar a sua alma, o anjo das trevas empregava todos os artifícios para a persuadir de que estava irremediavelmente abandonada de Deus e que não havia meio de escapar à condenação. O tentador astucioso insinuava-lhe que as suas heróicas virtudes e até os mais insignes favores divinos eram apenas ilusão e hipocrisia.


Esta prova, a mais terrível e duradoura de todas, lançou a pobre donzela numa insuportável aflição. Sem cair no desespero, resolveu remediar, tanto quanto possível, o seu passado com uma confissão geral: tomou a pena e, nessa agitação de espírito e confusão de idéias, escreveu toda a história da sua vida, em que se declarava digna de mil infernos, por ter, com malícia diabólica, enganado os confessores, os diretores e a si própria.


Passando em seguida uma revista minuciosa aos mandamentos da lei de Deus e da Igreja, pecados capitais e deveres de estado, confessava-se culpada dos maiores crimes.


Estas páginas, febrilmente escritas, foram lidas a princípio por uma pessoa autorizada, depois levadas a um santo sacerdote, designado pela doente, com o pedido de vir dar-lhe a absolvição de todos aqueles pecados.


Veio, confessou-a e restituiu-lhe a serenidade, mas nem assim o inimigo se deu por vencido. Procurou uma vez mais insultar o pudor virginal da angélica menina. Sabia muito bem o tentador com que amor e cuidado a santa donzela tinha guardado, toda a vida, o inestimável tesouro da sua pureza, com que heroísmo tinha já sustentado, neste campo, lutas terríveis, sempre coroadas de triunfo.


Mas que, se não alcançar uma vitória que julgava impossível, ao menos vingar-se das suas derrotas por meio de tentações, que sabia serem as mais próprias para amargurar os últimos dias da inocente menina.


O quarto da enferma pareceu converter-se então num prostíbulo do inferno. Não eram já pensamentos, imaginações, atitudes lascivas, às quais não podia ser sensível uma alma daquela têmpera. Eram aparições reais sob formas sempre novas duma lascívia cínica e brutal. “Padre. Padre, escrevia-me ela do seu leito de dor, este sofrimento é muito intenso para mim. Pedi a Jesus que o troque por outro qualquer. Enviai, mesmo de longe, maldições e conjuras para afastar o velhaco do demônio, ou ordenai ao vosso Anjo da Guarda que venha afastá-lo para longe daqui”.


Vencido em todos os campos, terminou por afligi-la com cruéis vexações exteriores.


A enfermeira da angélica mártir escrevia-me por várias vezes: “Esta besta hedionda acaba-nos com a querida Gema. – Saio sempre de junto dela a chorar: este horrível demônio consome-a, e não vejo nenhum remédio a opor. – São pancadas ensurdecedoras, figuras espantosas de animais ferozes; mata-a com certeza. Corremos em seu auxílio, lançando água benta no quarto, o barulho cessa, mas para recomeçar depois com mais raiva”.


Ninguém imagina até onde chegou a crueldade do invisível inimigo para com a inocente vítima! Gema sentiu algumas melhoras quanto à dificuldade de ingerir os alimentos.


Satanás, porém, estava de atalaia; logo que a comida era apresentada à doente, aparecia-lhe coberta de insetos repugnantes, de tudo quanto possa imaginar de nojento. Perante a repugnância do estômago, era forçoso retirar tudo. Bichos repelentes, reais ou imaginários, invadiam-lhe o leito, e torturavam-lhe o corpo de mil maneiras, sem que pudesse ver-se livre deles.


Dizia muitas vezes à Irmã enfermeira com um tom de terror, que sentia uma serpente a envolvê-la da cabeça até aos pés e tentando sufocá-la.


Muitas vezes pediu exorcismos, mas como não se desse importância aos seus pedidos, ela mesmo, voltando-se para o inimigo com o rosto inflamado, exclamou resolutamente: “Espíritos perversos, ordeno-vos que entreis no lugar que vos está destinado, aliás, desgraçados de vós! Acuso-vos ao meu Deus”.


Depois, voltada para a Mãe celeste, começou a dizer: “Minha Mãe, encontro-me em poder do demônio que me fere, me flagela, trabalha por me arrancar das mãos de Jesus. Não, não, Jesus, não me abandoneis, ser-vos-ei fiel. Ó minha Mãe, pedi a Jesus por mim. De noite estou só, cheia de terror, oprimida e como que ligada em todas as potências da alma e em todos os sentidos do corpo, sem me poder mexer. Viva Jesus!


O divino Mestre vinha, de tempos a tempos, reanimar-lhe a coragem e sossegá-la, fazendo-lhe sentir a sua doce presença e dizendo-lhe algumas palavras. “Minha filha, porque é que, em vez de entristeceres com as perseguições do inimigo, não aumentas a tua esperança em mim? Humilha-te sob a minha poderosa mão, não te deixes abater pelas tentações. Resiste sempre, sem desânimo, e, se a tentação perseverar, persevera também na resistência; a luta levar-te-á à vitória”.


Outras vezes era o Anjo da Guarda que vinha confortá-la. Mas pouco duravam estes felizes momentos. Em breve a sua alma recaía nas trevas e o tentador aparecia de novo, mais furioso que nunca.


Deste modo se passavam, para a pobre donzela, os dias, as semanas, os meses.


Que exemplo admirável de resignação e que motivo de salutar receio para nós, que não temos os méritos de Gema, na hora terrível da morte!


Na maior parte dos doentes, com o corpo extenuado pelo sofrimento e com o espírito esmagado pela consciência do próprio estado, o rosto manifesta tristeza e abatimento. Gema, porém, conservava sempre o seu aspecto alegre e um angélico sorriso.


Nenhum abatimento moral se refletia nela, nunca lhe saíram do peito esses suspiros, esses gemidos que a força da dor arranca até aos mais corajosos.


Nunca pedia alívio, nem mesmo uma simples mudança de posição no leito, embora fosse incômoda a posição em que estava. Nunca se queixou por causa dos cuidados que o seu estado exigia, ainda que, por algum equívoco, a deixassem só noites inteiras, quando mais necessidade tinha de ser assistida por alguém.


Para evitar este inconveniente, recorreu-se às religiosas enfermeiras, chamadas Barbantinas, que, movidas da sua bem conhecida caridade, se encarregavam de cuidar de Gema até ao fim.


Uma delas, maravilhada com a heróica paciência desta mártir, fez o seguinte depoimento:


“Durante todo o tempo que tive a consolação de assistir à querida Gema nunca a ouvi queixar-se. Só no princípio a ouvia algumas vezes dizer: Meu Jesus, não posso mais! Mas quando lhe lembrei que tudo é possível com a graça de Deus, não repetiu mais aquelas palavras; e, quando alguma das pessoas presentes, movida pela piedade, dizia: Pobre menina, na verdade não pode mais, Gema respondia imediatamente: Sim, sim, ainda posso ou poucochinho. E, no entanto, continua a Irmã, vi-a suportar tais sofrimentos que me parece não os haver mais terríveis no Purgatório”.


No meio de tantas dores, de tantas perseguições diabólicas, a virtuosa donzela não sentia a menor dificuldade em conversar familiarmente com o seu Deus, e com a mesma calma e suavidade de espírito que tinha no tempo das maiores consolações.


Gema não tinha mais que um sopro de vida. Todo o seu corpo é vítima do sofrimento e o rosto cobre-o já a palidez da morte. Jaz imóvel sobre o leito, numa atitude impressionante que recorda o Salvador expirando na cruz.


Quatro ou cinco dias antes de morrer tornou-se tão pesada que três pessoas robustas com dificuldade a podiam levantar. E no entanto a sua pequena estatura e ex-trema magreza deviam permitir que uma simples criança a movesse. “Temos tratado de tantos doentes, diziam as religiosas enfermeiras, e nunca vimos coisa igual”.


Aos que lhe notavam este fenômeno, Gema respondia: “Não sou eu, estais certos, que peso assim”. E na verdade podemos crer que fosse uma intervenção divina, com o fim de aumentar os tormentos da pobre vítima, porque logo depois da morte, o corpo voltou ao peso normal”.


b) A assistência da Providência Divina conforta e fortalece

Palavras consoladoras ditas pelo próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, que assim se expressou à vidente Irmã Consolata:


“Crê-me, Consolata, para o inferno vai só quem quer, isto é, quem verdadeiramente quer ir para lá. Porque, se ninguém pode arrancar-Me uma alma das mãos, a alma, pela liberdade que lhe é concedida, pode atraiçoar-Me, renegar-Me, e passar assim, de própria vontade, para as mãos do demônio.


Oh! Se em lugar de ferir-Me o Coração com estas desconfianças, pensásseis um pouco mais no Paraíso que vos espera! Porque Eu não vos criei para o inferno, mas para o Paraíso, não vos criei para irdes fazer companhia ao demônio, mas para de Mim gozardes no Amor eternamente.


Olha, Consolata, para o inferno vai só quem quer ir para lá. Pensa na tolice que é o vosso medo de condenar-vos: depois que, para salvar vossa alma, derramei o meu Sangue, depois que, ao longo duma existência inteira, a rodeei de graças e graças e mais graças... no último instante da vida, quando estou prestes a recolher o fruto da Redenção, e, portanto, quando esta alma está pronta para começar a amar-Me eternamente, há de ser então que Eu, precisamente Eu, que no Santo Evangelho prometi dar a essa alma a vida eterna, Eu, a quem ninguém as pode arrancar das mãos, há de ser então que Eu, repito, ma deixarei arrebatar pelo demônio, o meu maior inimigo? Mas, Consolata, quem pode crer nesta monstruosidade?


Olha: a impenitência final tem-na a alma que quer ir para o inferno de propósito e, portanto, recusa obstinadamente a minha misericórdia, porque Eu não recuso nunca o perdão a ninguém; a todos ofereço e dou a minha imensa misericórdia, porque por todos derramei o meu Sangue, por todos!


Não, não é a multidão dos pecados que faz com que a alma se condene, porque Eu os perdôo se ela se arrepende; - é a obstinação em não querer o meu perdão, em querer condenar-se.


São Dimas, na cruz, tem um só ato de confiança em Mim, e tantos e tantos pecados. E, contudo, é perdoado num instante. E no mesmo dia em que reconhece as próprias culpas e delas se arrepende, entra na posse do meu Reino e é um santo! Vê aqui o triunfo da minha misericórdia e da confiança em Mim!


Não, Consolata: Meu Pai, que mas deu, as almas, é maior e mais poderoso que todos os demônios – sabes? – e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai”.


c) A poderosa intercessão de Nossa Senhora

Além do mais, contamos com a poderosa intercessão de Nossa Senhora e seus Santos Anjos na hora de nossa última agonia. Vejamos, novamente, o exemplo dado por Santa Gema Galgani, conforme narra o padre Germano de Santo Estanislau:


“Era uma quinta-feira. A meio do jantar, Gema, pressentindo o êxtase, levantou-se da mesa, e retirou-se tranquilamente para o quarto. Pouco depois, D. Cecília, sua mãe adotiva, chamou-me; segui-a e encontrei a donzela em pleno êxtase, na ocasião em que travava com a Justiça divina uma viva luta, cujo fim era a conversão dum pecador. Confesso que em minha vida nunca assisti a um espetáculo tão comovedor.


A extática, sentada sobre o seu pobre leito, voltava os olhos, o rosto, toda a sua pessoa para o ponto do quarto em que o Senhor se encontrava. Comovida, mas sem agitação, mostra-se resoluta, na atitude duma pessoa que discute e quer vencer a todo o custo. Começou assim: “Já que viestes, Jesus, pedir-vos-ei de novo pelo meu pecador. É vosso filho e meu irmão; salvai-o, ó Jesus”, e nomeou-o.


Era um estrangeiro que ela tinha conhecido em Luca e a quem muitas vezes já, levada por uma inspiração interior, tinha advertido de viva voz e por escrito, que pusesse em ordem a sua consciência e não se contentasse com a fama de bom cristão, de que gozava entre o povo.


Ora, Jesus, surdo às recomendações de sua serva, parecia decidido a tratá-lo como justo Juiz. Gema continuou sem desanimar: “Por que é que hoje me não ouvis, ó Jesus! Tanto fizestes por uma só alma e a esta recusais salvá-la? Salvai-a, Jesus, salvai-a”.


“Sede bom , Jesus, não me faleis assim. Na boca de Quem é a mesma misericórdia, esta palavra Eu o abandono não soa bem; não deveis pronunciá-la. Vós derramastes, sem medida, o vosso sangue pelos pecadores. E agora quereis medir a quantidade dos nossos pecados? Não me ouvis? A quem hei de recorrer então? Derramastes o vosso sangue por ele, assim como por mim.


“Salvais-me a mim e a ele não? Não me levantarei daqui: salvai-o. Dizei-me que o salvais. Ofereço-me como vítima por todos, mas particularmente por ele. Prometo-Vos que nada Vos hei de recusar. Dais-mo? É uma alma. Pensai nisso, Jesus, é uma alma que Vos custou muito. Virá a ser boa e há de corrigir-se”.


Por única resposta, o Senhor continuou a opor a divina justiça. E Gema continuou também, animando-se cada vez mais:


“Eu não procuro a vossa justiça, mas a vossa misericórdia. Por ser quem sois Jesus, ide ter com esse pobre pecador; e daí um terno abraço ao seu coração. Vereis que ele se converte. Experimentai ao menos... Ouvi, Jesus. Vós, como dizeis, tendes multiplicado os assaltos para o ganhar, mas nunca lhe chamastes vosso filho; experimentai. Dizei-lhe que sois seu pai e que ele é vosso filho. Vereis, vereis que, a este doce nome de pai, o seu coração endurecido se há de abrandar”.


Nesta ocasião, o Senhor, para mostrar à sua serva os motivos desta severidade, descobriu-lhe, uma por uma, com as mais pequenas circunstâncias de tempo e de lugar, as faltas deste pecador, concluindo por dizer que a medida estava cheia.


A pobre menina, que repetiu em voz alta toda esta confissão, ficou espantada: os braços caíram-lhe; soltou um profundo suspiro, pareceu ter-lhe fugido toda a esperança de vencer.


De repente, dissipa-se o seu abatimento e volta à carga: “Eu sei, eu sei, Jesus, que ele Vos ofendeu muito, mas não Vos tenho eu ofendido ainda mais? E não obstante, tendes usado de misericórdia para comigo. Eu sei, eu sei, Jesus, que ele Vos fez chorar, mas neste momento não deveis pensar nos pecados, deveis sim, pensar no vosso sangue derramado Que bondade tendes tido para comigo! Usai para com o meu pecador, eu vo-lo peço, das mesmas delicadezas de amor de que tenho sido objeto. Lembrai-Vos, Jesus, que o quero no céu! Triunfai, triunfai, eu vo-lo peço pela vossa caridade”.


Entretanto, o Senhor permanecia sempre inflexível e Gema voltou a cair no mesmo desalento. Está em silêncio, parecendo abandonar a luta, quando de súbito brilha no seu espírito um outro motivo que lhe parece invencível. Retoma a coragem e exclama: “Bem, eu sou uma pecadora, não poderíeis encontrar ninguém pior do que eu. Vós mesmo mo dissestes. Não, não mereço, confesso-o, não mereço que me atendais. Apresento-Vos, porém, outra intercessora: é a vossa própria Mãe, que Vos pede em seu favor. Ides dizer que não à vossa Mãe? Certamente a Ela não o podereis fazer. E agora, dizei-me, Jesus, que o meu pecador será salvo”.


Desta vez alcançou a vitória. O misericordioso Senhor concedeu a graça e a cena mudou de aspecto. Com um ar de alegria indescritível, Gema exclamou: “Está salvo, está salvo! Venceste, venceste, Jesus, triunfai sempre assim”. E saiu do êxtase.


Este espetáculo, verdadeiramente admirável, tinha durado boa meia hora. Para o descrever, utilizei as próprias palavras de Gema, recolhidas à pena na ocasião ou cuidadosamente confiadas à minha memória.


Tinha-me retirado a meu quarto, entregue a mil pensamentos, quando ouvi bater à porta. Anunciaram-me que era um indivíduo estranho. Mandei-o entrar. Lançou-se a meus pés, chorando, e pediu-me que o confessasse. Meu Deus, qual não foi a minha surpresa! Era o pecador de Gema, convertido poucos minutos antes. Acusou-se de todas as faltas reveladas no êxtase pela serva de Deus, esquecendo somente uma, que lhe pude recordar. Consolei-o, contei-lhe a cena que acabava de se dar e obtive dele autorização de publicar estas maravilhas do Senhor”.



d) Não se deve murmurar de quem está no transe da morte



Num dos mosteiros fundados por São Gregório, um monge conservava em seu poder para seus próprios gastos certa quantia em dinheiro que havia conseguido juntar. O santo apareceu a outro religioso da mesma comunidade e lhe ordenou que dissesse àquele monge que se desprendesse imediatamente do dinheiro que tinha guardado e que fizesse penitência, porque dali a três dias ia morrer. O monge em questão, ao receber por meio do outro este aviso, assustou-se muito, desprendeu-se do dinheiro e fez penitência. Ao amanhecer do terceiro dia foi acometido de altíssimas febres; abrasado de calor e com a língua de fora, como se a qualquer momento fosse expirar, permaneceu até à hora terça rodeado pelos monges que cantavam ininterruptamente salmos junto de seu leito; mas pela citada hora, em vista de que a agonia se prolongava e de que continuavam os horríveis estertores do enfermo, os religiosos interromperam sua salmodia e, pensando que o moribundo não ouviria o que lhe disseram, começaram a falar mal dele e a comentar os pecados que lhe haviam posto em tão impressionante situação. De imediato, o agonizante recobrou os sentidos, agitou espantosamente os olhos e, sorrindo, disse: “Irmãos, que o Senhor os perdoe vossa maledicência. Com ela me haveis posto em grave aperto, porque, como me acusavam vós por um lado e o diabo por outro, e todos ao mesmo tempo, não sabia que calúnias refutar primeiro, se as de vós que estavam levantando ou as que o demônio inventava. Quando vires alguém em transe de morte não vos dediqueis a murmurar dele; ao contrário, compadecei-lhe, porque sua alma, acompanhada de um acusador implacável, vai comparecer ante o tribunal de um juiz muito severo. Eu tenho estado já ante esse tribunal e tenho sido acusado pelo diabo, porém graças à ajuda de nosso pai São Gregório, tenho podido responder a todos delitos, menos a um. Digo que a uma das acusações do demônio não tenho podido replicar satisfatoriamente; por isso me vêm tão agitado; não era para menos; estava profundamente envergonhado e a ponto de ser declarado réu daquela acusação que ainda pesa sobre mim”.





II – Diferença entre a morte do Justo e a do pecador impenitente



1. A morte do justo


“Os tormentos que afligem os pecadores impenitentes na hora da morte não afligem os Santos. “As almas dos justos estão nas mãos de Deus e não os atingirá o tormento da morte” (Sab 3, 1). Como a morte constitui uma violência para a natureza, pois separa a alma do corpo, é normal que uma pessoa, mesmo virtuosa, tenha medo desse momento terrível. Mas, confiante em Deus, na intervenção da Virgem Santíssima, ela estará em paz, e não se deixará tomar por esse receio. Os Santos não temem morrer, nem se afligem por terem de deixar os bens da terra, porque nunca se apegaram a eles.


“Deus lhes enxugará todas as lágrimas dos seus olhos e não haverá mais morte” (Apoc. 21, 4). Na hora da morte, Nosso Senhor secará dos olhos de seus servos as lágrimas que derramaram na vida, em meio a trabalhos, temores e perigos contra o inferno. O maior consolo de uma alma que ama a Deus, quando percebe a morte aproximar-se, será o de pensar que em breve estará livre de tantos perigos de ofendê-Lo, de tanta tribulação espiritual e de tantas tentações do demônio. A vida presente é um bem que pode levar-nos ao Céu, mas é também uma guerra contínua contra o inferno, na qual corremos a toda hora o risco de perder a Deus e a nossa alma, se não perseverarmos no caminho reto.


“São Vicente Caraffa, consolava-se ao morrer, dizendo: “Terminando minha vida, acabam minhas ofensas a Deus”. E Santo Ambrósio dizia: “Para que desejamos mais longa vida, se, quanto mais longa for, de maior peso de pecado nos carrega?”


Na verdade, nós devemos desejar viver tanto tempo quanto for a vontade de Deus, mas para amá-Lo e servi-Lo nesta terra, se necessário lutar por Ele, e não para gozar a vida. Por isso, diz o Profeta Davi: “Não me leves na metade de meus dias” (Sl 101, 25).


‘São João Crisóstomo usava a seguinte figura: imagine-se um rei que tivesse mandado preparar para alguém suntuosa habitação no seu próprio palácio, e, no entanto, o mandasse viver provisoriamente num estábulo; quanto esse homem não desejaria sair do estábulo para ir morar no palácio régio! Assim, nesta vida, a alma do justo, unida ao corpo mortal, se sente como num cárcere, de onde há de sair para habitar no palácio dos Céus; é por esta razão que o profeta Davi dizia: “Livrai minha alma da prisão” (Sl 141, 8)


“Segundo Santo Atanásio, “para o justo não há morte, apenas trânsito, porque para ele, morrer não é outra coisa que passar para a eternidade feliz”. O pecador empedernido teme a morte, porque da vida passará à morte eterna, mas não aquele que, estando na graça de Deus, há de passar da morte à vida.


“O demônio não deixará de tentar o moribundo, mas acudirá também o anjo da guarda para confortá-lo; virão os santos protetores; virá São Miguel Arcanjo, destinado por Deus para defesa dos servos fiéis, e acolhendo sob seu manto quem foi seu devoto, derrotará os inimigos; virá mesmo Nossa Senhora, a livrar das tentações a alma justa ou penitente, cuja salvação custou a vida de Seu Divino Filho. E protegerá de modo especial seus devotos, que nEla confiaram durante a vida.


“Nosso Senhor é fiel, e não permite que sejamos tentados além das nossas forças. São poucos os exemplos de pessoas que, depois de uma vida boa, tenham morrido com grande receio de sua salvação. Nosso Senhor permite às vezes que isso ocorra a alguns justos, a fim de que, na hora da morte, purifique-se de certas faltas leves. Ademais, muitos servos de Deus morreram com o sorriso nos lábios. Todos tememos na morte o severíssimo juízo de Deus; mas, assim como os pecadores passam desse temor ao horrendo desespero, os justos passam desse temor à esperança.


“Se na hora da morte vier a atormentar-nos a recordação de nossas muitas ofensas a Deus, lembremo-nos de que Ele prometeu esquecer os pecados dos penitentes (Ez 18, 31-32) Alguém se perguntará talvez: como poderemos estar certos de que Deus nos perdoou? Essa mesma indagação se fez São Basílio, dando a ela a seguinte resposta: “Não só odiei a iniqüidade, mas a abominei”. Quem detesta o mal e o pecado pode ter firme esperança de que Deus o perdoou. O coração do homem não vive sem amor: ou ama a Deus ou ama as criaturas. Ama a Deus aquele que observa os seus Mandamentos (Jo 14, 21). Portanto, aquele que morre observando os preceitos de Deus, morre amando a Deus; e o que ama a Deus, nada tem a temer”.

Vejamos agora o que dizem alguns santos sobre a morte do justo:


Santo Afonso Maria de Ligório


“As almas dos justos estão na mão de Deus e não os tocará o tormento da morte. Pareceu aos olhos dos insensatos que morriam; mas eles estão em paz” (Sab, 3.1).


Justorum animae in manu Dei sunt. Se Deus tem em suas mãos as almas dos justos, quem é que poderá lhas arrebatar? Certo é que o inferno não deixa de tentar e perseguir os próprios Santos na hora da morte, mas Deus – diz S. Ambrósio – não cessa de assisti-los, aumentando seu socorro à medida em que cresce o perigo de seus servos fiéis. O servo de Eliseu ficou consternado quando viu a cidade cercada de inimigos. Mas o Santo animou-o, dizendo: “Não temas, porque há mais gente conosco da parte deles” (IV RS 6, 16), e em seguida mostrou-lhe um exército de anjos enviados por Deus para a sua defesa. O demônio não deixará de tentar o moribundo, mas acudirá também o Anjo da Guarda para confortá-lo; virão os santos protetores; virá São Miguel, destinado por Deus para a defesa dos servos fiéis e acolhendo sob seu manto quem foi seu devoto, derrotará os inimigos; virá Jesus Cristo mesmo a livrar das tentações essa ovelha inocente ou penitente, cuja salvação lhe custou a vida. Dar-lhe-á a esperança e a força necessária para vencer nessa batalha, e a alma, cheia de valor, exclamará: “O Senhor se fez meu auxiliador” (Sl 29, 11) . “O Senhor é a minha luz e a minha salvação: que tenho a recear?” (Sl 26, 1). Deus é mais solícito para salvar-nos do que o demônio para perder-nos; porque Deus nos tem mais amor que aborrecimento nos tem o demônio”.

Santa Catarina de Sena

Em sua obra “O Diálogo”, onde o texto fala como se fosse o próprio Deus Pai se dirigindo à vidente, Santa Catarina de Sena deixou consignado o seguinte comentário sobre a diferença entre a morte do justo e a do pecador:


“Tenho te referido como o mundo, os demônios e os próprios sentidos os acusavam, e essa é a verdade. Disto te quero falar agora mais por extenso destes miseráveis para que lhes tenha maior compaixão. Quão distintos são os ataques que recebe a alma do justo dos do pecador e quão diferente sua morte! Em quanta paz se produz a morte do justo, maior ou menor segundo a perfeição de sua alma!


“Por isso quero que saibas que todas as penas que sofrem as criaturas racionais se encontram na vontade, pois se a vontade estivesse em ordem e acorde com a minha não sofreriam pena. Não se lhe tirariam os sofrimentos, senão que a vontade os suportaria de bom grado e por amor a mim e já não lhe causaria pena sobrelevá-los com gosto, considerando que esta é minha vontade. Pelo santo aborrecimento que se têm a si mesmos se encontram em guerra com o mundo, o demônio e os próprios sentidos, pelo que, ao chegar a hora da morte, esta é recebida em paz, pois os inimigos têm sido derrotados durante a vida. O mundo não os pode acusar, porque conheceram suas argúcias, e por isso renunciaram a todas suas delícias. Os frágeis sentidos e o corpo não lhes acusam, porque os têm como escravos com o freio da razão, macerando a carne com a penitência, com a vigília e a oração contínua. A vontade sensitiva a mataram com o aborrecimento ao vício e com o amor à virtude, havendo perdido as condescendências com seu corpo. O mimo e amor que há entre o corpo e a alma é causa de que o homem tema, naturalmente, a morte.


“Mas como no perfeito e justo a virtude sobrepuja à natureza, quer dizer, a faz desaparecer, se sobrepõe ele com o santo aborrecimento e o desejo de voltar ao que é seu fim, de modo que a debilidade e brandura não lhe podem dar guerra. A consciência está quieta, porque em sua vida fez boa vigilância, ladrando quando os inimigos queriam arrebatar-lhe a cidadela da alma. Como o cão que está à porta ladra quando vê os inimigos, e assim despertam os sentinelas, de igual maneira o cão da consciência despertou o guardião da razão, e esta, junto com o livre arbítrio, conheceu pela luz do entendimento quem era amigo e quem inimigo. Ao amigo, ou seja, à virtude e aos santos pensamentos do coração, lhe proporcionou dileção e afeto de amor, exercitando-o com grande solicitude; ao inimigo, ou seja, ao vício e pensamentos perversos, lhes deu ódio e desagrado. Com o cutelo do ódio e do amor, com a luz da razão e com a mão do livre arbítrio feriu o inimigo de tal modo, que depois, no momento da morte, a consciência não se remorde, pois boa sentinela e por isso se encontra em paz.


“Verdade é que a alma, por humildade, e porque no momento da morte conhece melhor o tesouro do tempo e as pedras preciosas da virtude, se repreende a si mesma, parecendo-lhe haver aproveitado pouco esse tempo; mas esta não é pena aflitiva, como tampouco pena que aumente a perfeição, já que obriga a alma a recolher-se em si mesma, colocando-se ante o sangue do humilde Cordeiro, meu Filho. Não se volta atrás para olhar as virtudes, senão o sangue onde há encontrado minha misericórdia. Como tem vivido com a memória no sangue, assim na morte se embriaga e submerge no sangue. Os demônios, como não lhe podem argüir de pecado, posto que durante sua vida venceu sua malícia, se chegam para ver se poderão conseguir algo. O fazem com formas horrendas para produzir medo com seu feíssimo aspecto, com muitas e diversas fantasias, porém como na alma não existe o veneno do pecado, seu aspecto não lhe dá temor nem medo, como ocorrerá ao que tem vivido pessimamente neste mundo.


“Vendo o demônio que a alma se há submergido no sangue com ardentíssima caridade, não lhe pode suportar e lhe lança setas à distância. Não perdem a alma seus ataques e gritos, já que começa a gozar vida eterna, tal como te disse em outro lugar, posto que com os olhos do entendimento, que possui a pupila da santíssima fé, vê que sou seu infinito e eterno Bem, aquele a quem ele espera possuir pela graça e não por mérito seu, em virtude do sangue de Cristo, meu Filho. Por isso estende os braços da esperança e com as mãos do amor o abraça, entrando em sua posse antes de estar na glória. Em seguida, submergida no sangue, entra pela estreita porta do Verbo, se chega a mim, Mar de quietude, por permanecer juntamente unidos eu, Mar, com a Porta, porque eu e minha Verdade somos uma mesma coisa.


“Que alegria recebe a alma que tão docemente se vê unida nesse momento! Porque experimenta o bem da natureza angélica, e como tem vivido na caridade fraterna com seu próximo, por isso participa do bem de todos os que verdadeiramente a experimentam (os bem-aventurados), pela mesma caridade fraterna de uns para com outros. Os bem-aventurados recebem aos que tão docemente entram. Meus ministros – os que te disse que haviam vivido como anjos – são muito melhor recebidos, pois nesta vida viveram com muito maior conhecimento e fome de minha honra e da salvação das almas. Não falo só da luz da virtude, que, em geral, todos podem ter, senão da alcançada por viver virtuosamente (a luz sobrenatural), senão que me refiro aos que tiveram a luz da ciência santa, pela qual conheceram mais acerca da minha Verdade. Quem conhece mais ama, e quem mais ama mais recebe. Vosso mérito é medido com a medida do amor.


“Se me perguntasses: “O que não tem a ciência dos santos pode alcançar este amor?” Claro que é possível consegui-lo; mas, ainda que possa, um caso particular não faz lei para todos, e eu te falo em geral. E mais, recebem maior dignidade no céu pelo estado de sacerdote, porque propriamente lhes foi dado o ofício de alimentar-se de almas por amor a mim. Supondo que a todos seja dado permanecer na dileção da caridade para vosso próximo, sem embargo, como a estes lhes é dado administrar o sangue e governar as almas, se o fazem com solicitude e com afeto de virtude, recebem mais que os outros.


“Que feliz é sua alma quando chega o momento da morte! Como têm sido os pregoeiros e defensores da fé de seu próximo, se lhe há feito conatural na medida de sua alma; com essa fé vêm a mim no próximo. A esperança com que têm vivido, confiando em minha providência, há feito que a percam em si mesmos, quer dizer, em sua ciência. Têm sua confiança em mim, a perdem em si mesmos, e não põem o afeto desordenadamente em criatura ou coisa alguma criadas em razão de sua vida de pobreza voluntária.


“Seu coração foi um vaso de eleição que levava meu nome. Pregavam a caridade com o exemplo de uma vida santa e com o ensinamento verbal a seu próximo. Se levantam, em consciência, com inefável amor e me abraçam com afeto de amor a mim, que sou seu Fim, trazendo-me a margarida da justiça, que sempre tiveram presente ante si quando fazia justiça a cada um e repartia com discrição o que lhes era devido. Por isso me oferecem a justiça com verdadeira humildade e dão glória e louvor a meu nome. Me a dão por haver obtido de mim o dom da graça com pura e santa consciência no tempo oportuno. A si mesmos se dão a indignação, julgando-se indignos de havê-la recebido, e que seja em tanta abundância.


“Sua consciência me dá boa prova disso, e eu lhes dou com toda eqüidade a coroa da justiça, adornada da margarida das virtudes; quer dizer, do fruto que a caridade tem obtido das virtudes.


“Oh anjos da terra! Bem-aventurados, que não haveis sido ingratos aos benefícios recebidos de mim e não haveis caído nem em negligência nem em ignorância. Solícitos, com a verdadeira luz mantivestes os olhos abertos sobre vossos súditos, e, como pastores fiéis e valentes, haveis seguido os ensinamentos do verdadeiro e bom Pastor, o doce Cristo Jesus, meu Filho unigênito. Com isso passastes realmente por Ele, banhados e inundados em seu sangue, com o rebanho de vossas ovelhas. Por meio de vossos ensinamentos e de vossa vida haveis conduzido muitas delas à vida perdurável e a muitas delas as haveis deixado em estado de graça.


“Oh filha queridíssima! A estes não lhes prejudica a visão dos demônios, porque vêem a mim – me vêem pela fé e me possuem por amor – e como neles não há veneno de pecado, trevas nem fealdade, a visa dos demônios não lhes faz dano nem produz temor algum, posto que neles não existe temor servil, senão temor santo. Não temem seus enganos, porque os conhecem à luz da Sagrada Escritura, de modo que não recebem por eles obscuridade nem turbação no espírito. Assim, com glória tão singular, passam banhados no sangue, com fome da salvação das almas, ardendo na caridade para com o próximo. Passam pela porta do Verbo e entram em mim. Por minha bondade, cada um é colocado em seu estado, medido segundo a medida que me têm trazido no afeto da caridade”.


Santo Antão morre, aos 105 anos, com o rosto alegre


“Tendo dito isto, seus discípulos o abraçaram. Ele estendeu os pés e olhando afavelmente seus companheiros, alegrou-se com a sua presença e permaneceu deitado, com o rosto alegre. Assim os deixou e juntou aos Pais. Fiéis às suas instruções, prestaram-lhe as honras fúnebres, sepultaram seu corpo e o ocultaram sob a terra, e ninguém, senão eles, soube onde fora enterrado.


“Assim foi o fim da vida de Antão em seu corpo. Assim fora o começo de sua ascese. O que eu disse é bem pouco em comparação com a sua virtude. Mas julgai, com isso, também vós, como era esse homem de Deus, Antão, que desde a juventude até idade tão avançada, conservou igual ardor na ascese. Não se deixou vencer pela velhice para fazer grandes com alimentação. A fraqueza de seu corpo não o fez mudar a forma de suas vestes. Não lavou nem os pés. Entretanto, o ancião se conservou absolutamente sadio. Tinha os olhos intactos e via com clareza. Não perdeu um só dente, mas suas gengivas estavam um pouco consumidas por causa de sua grande idade. Seus pés e suas mãos estavam perfeitamente sãos. Parecia mais corado de saúde e mais forte que aqueles que usam alimentos variados, banhos e vestes diversas. Que tenha sido célebre por toda parte, admirado por todos, desejado por todos aqueles que não o viram é sinal de sua virtude e da amizade de sua alma com Deus. Nem escritos, nem sabedoria profana, nem arte alguma, mas só a piedade para com Deus tornou Antão célebre...”


Santa Teresinha do Menino Jesus morre num êxtase


Eis como se deram os últimos instantes de Santa Teresinha:


“Olhando para um crucifixo, exclamou:


“Ó... Amo o meu Deus, eu Vos amo”. Foram essas suas últimas palavras. Mal acabava de as proferir quando reergueu-se de improviso, como se a chamasse alguma voz misteriosa, abriu os olhos e fixou-os, brilhantes de paz celestial e de indizível júbilo, um pouco acima da imagem de Nossa Senhora. Este olhar prolongou-se pelo espaço de um Credo, e sua alma ditosa voou então para o Céu”.


2. A morte dos pecadores (empedernidos) e suas penas nos momentos finais


“O pecador empedernido afasta a lembrança e o pensamento da morte, e procura a paz (ainda que nunca a encontre), vivendo em pecado. Quando, porém, se vir em face da eternidade e nas agonias da morte, já não poderá escapar aos tormentos de sua má consciência, nem encontrar a paz que tanto procurava.


“O anúncio já recebido ou percebido da morte próxima, a idéia de se separar para sempre de todas as coisas do mundo, os remorsos da consciência, o tempo perdido, o pouco tempo que falta, o rigor do juízo de Deus, a eternidade infeliz que espera o pecador impenitente, todas estas coisas produzirão uma perturbação terrível que acabrunha e confunde o espírito, uma “confusão sobre confusão” (Ez 7, 26).


“Com efeito, que confusão e susto não serão os do doente que se tenha descuidado de sua consciência, quando se vir opresso pelo peso dos pecados, do temor do juízo, do inferno e da eternidade!


“Muitas serão as angústias que hão de afligir o miserável pecador moribundo . Nesse transe os demônios empregam todos os seus esforços para perder a alma que está prestes a sair desta vida. Não estará ali apenas um só, mas muitos demônios rodeando o moribundo para perdê-lo (Is 13, 21).


“Um lhe sussurrará: “Não temas, que te restabelecereis”. Outro dirá: “Tu, que durante tantos anos foste surdo à voz de Deus, esperas agora que Ele tenha misericórdia de ti?” Outro ainda: “Não vês que todas as tuas confissões foram nulas, sem contrição, sem propósito de emenda?”


“Deus não cessa de ameaçar o pecador, para o bem dele, com o castigo de uma morte infeliz. “Virá um dia em que me invocarão e então já não os atenderei” (Prov. 1, 28). Esperam, porventura, que Deus dê ouvidos a seu clamor quando estiverem na desgraça? (Jo 27,9).


“A mim pertence a vingança, e eu lhes darei a paga a seu tempo, para que o seu pé resvale” (Dt 32, 35). O mesmo repete o Senhor em outros lugares da Escritura, e, não obstante, há pecadores que vivem tão tranqüilos e seguros, como se Deus lhes houvesse prometido, sem mais, o perdão e o Paraíso na hora da morte. Nosso Senhor repetiu muitas vezes que aquele que permanece no pecado, em pecado morrerá (Jo 7. 34). É necessário, pois, procurar Deus enquanto O podemos encontrar (Is 55,6), porque virá um momento em que já não será possível encontrá-Lo.


“Conta o cardeal São Roberto Belarmino que, assistindo a um moribundo e tendo-o exortado a fazer o ato de contrição, lhe respondeu o enfermo que não sabia o que era contrição. Tratou o cardeal de lhe explicar, mas disse-lhe o doente: “Padre, não compreendo, nem estou agora capaz de entender essas coisas”. E nesse estado faleceu “dando visíveis sinais de sua condenação”.




O que dizem alguns santos sobre a morte do pecador empedernido:


Santo Afonso Maria de Ligório

“Deus preveniu os pecados que na hora da morte o procurarão e não o hão de achar (Jo 7, 34). Disse que então já não será tempo de misericórdia, mas sim de justa vingança (Dt 32, 35). A razão nos ensina esta mesma verdade, porque na hora da morte o mundano se achará fraco de espírito, obscurecido e duro de coração pelos maus hábitos que contraiu; as tentações então manifestar-se-ão mais violentas, e ele, que em vida se acostumou a render-se e deixar-se vencer, como resistirá naquele transe? Seria necessária uma graça extraordinária e poderosa para lhe transformar o coração. Mas será Deus obrigado a lha conceder? Ou talvez a mereceu pela vida desordenada que levou? E, no entanto, trata-se nessa ocasião da desdita ou da felicidade eterna. Como é possível, ao pensar nisto, que aquele que não crê nas verdades de fé renuncie a tudo para entregar-se inteiramente a Deus, que nos julgará segundo nossas obras?


(...) Seremos lançados numa cova e, ali, entregues à podridão, privados de tudo. No transe da morte, a lembrança de todos os gozos que em vida desfrutamos e bem assim as honras adquiridas só servirá para aumentar nossa mágoa e nossa desconfiança e obter a salvação eterna. Dentro em breve o pobre defunto terá que dizer: minha casa, meus jardins, esses móveis preciosos, esses quadros raríssimos, aqueles vestuários já não serão para mim! Só me resta o sepulcro.


Ah! Com que dor profunda há de olhar para os bens terrestres aquele que os amou apaixonadamente! Mas essa mágoa já não valerá senão para aumentar o perigo em que se acha a salvação. A experiência nos tem provado que tais pessoas, apegadas ao mundo, mesmo no leito da morte, só querem que lhes fale de sua enfermidade, dos médicos que se possam consultar, dos remédios que os aliviem. Mas, logo que se trata da alma, enfadam-se e pedem para descansar, porque lhes dói a cabeça e não podem ouvir conversação . Se, por acaso, respondem, é confusamente e sem saberem o que dizem. Muitas vezes, o confessor lhes dá a absolvição, não porque os acha bem preparados, mas porque já não há tempo a perder. Assim soem morrer aqueles que pensam pouco da morte”


Desgraçado daquele que no desfavor de Deus passa do leito à eternidade


“Os pecadores afastam a lembrança e o pensamento da morte, e procuram a paz (ainda que jamais a encontrem), vivendo em pecado. Quando, porém, se virem em face da eternidade e nas agonias da morte, já não poderão escapar aos tormentos de sua má consciência, nem encontrar a paz que procuram. Pois, como pode encontrá-la a alma carregada de culpas, que, como víboras, a mordem? Que paz poderão gozar pensando que em breve deverão comparecer ante Cristo Jesus, cuja lei e amizade desprezaram até então? “Confusão sobre confusão” (Ez 7, 26). O anúncio já recebido da morte próxima, a idéia de se separar para sempre de todas as coisas do mundo, os remorsos da consciência, o tempo perdido, o tempo que falta, o rigor do juízo de Deus, a eternidade infeliz que espera o pecador, todas estas coisas produzirão perturbação terrível que acabrunha e confunde o espírito e aumentará a desconfiança. E neste estado de confusão e desespero, o moribundo passará à outra vida.


“Abraão, confiando na palavra divina, espero em Deus contra toda a esperança, humana, e por este motivo foi insigne o seu merecimento (Rom 4, 18). Mas, os pecadores, por desdita sua, iludem-se quando esperam, não só contra a esperança, senão contra a fé, porque desprezam as ameaças que Deus faz aos obstinados. Receiam a morte infeliz; mas não temem levar a vida má. Quem lhes dá, pois, a certeza de que não hão de morrer subitamente, como que feridos por um raio? E ainda que tivessem nesse momento tempo de se converter , quem lhes assegura de que realmente se converterão ...Santo Agostinho teve que lutar doze anos para vencer suas más inclinações... Como é que um moribundo, que teve quase sempre a consciência manchada, poderá fazer facilmente uma conversão verdadeira, no meio dos sofrimentos, das dores de cabeça e d confusão da morte? Digo conversão verdadeira, porque então não bastará dizer e prometer com os lábios, mas será preciso que palavras e promessas saiam do fundo do coração. Ó Deus, que confusão e susto não serão os do pobre enfermo que se haja descuidado de sua consciência, quando se vir oprimido pelo peso dos pecados, do temor do juízo, do inferno e da eternidade! Que confusão e angústia produzirão nele tais pensamentos, quando se achar desfalecido, a mente obscurecida, e entregue às dores de uma morte já próxima! Confessar-se-á, prometerá, chorará, pedirá perdão a Deus... mas sem saber o que faz. Nesse caos de agitação, de remorso, de agonia e ansiedade, passará à outra vida (Job 34, 20). Diz com razão um autor que as súplicas, as lágrimas e promessas do pecador moribundo são comparáveis às do indivíduo que se vê assaltado por um inimigo que lhe aponta o punhal no peito e o ameaça de morte. Desgraçado daquele que no desfavor de Deus passa do leito à eternidade!”


Tormentos afligidos pelos demônios e pelos pecados


“Não uma só, senão muitas serão as angústias que hão de afligir o pobre pecador moribundo. Ver-se-á atormentado pelos demônios, porque estes terríveis inimigos empregam nesse transe todos os seus esforços para perder a alma que está prestes a sair desta vida. Sabem que lhes resta pouco tempo para apoderar-se dela e que, escapando-se agora, jamais será sua (Apoc. 12, 13). Não estará ali apenas um só, mas muitos demônios hão de rodear o moribundo para o perder (Is 13, 21). Dirá um: “Nada temas, que te restabelecerás”. Outro exclamará: “Tu, que durante tantos anos fostes surdo á voz de Deus, esperas agora que Ele tenha misericórdia de ti?” “Como - intervém outro – poderás reparar os danos que fizeste, restituir as reputações que prejudicaste?” Outro, enfim, dirá: “Não vês que todas as tuas confissões foram nulas, sem contrição, sem propósito? Como podes agora renová-las?”


“Por outro lado, o moribundo se verá rodeado por suas culpas (Sl 139, 12). Estes pecados, como tantos outros verdugos – disse São Bernardo – acercar-se-ão dele e lhe dirão: “Somos a tua obra e não te deixaremos. Acompanhar-te-emos à outra vida, e contigo nos apresentaremos ao eterno Juiz”. Quisera então o moribundo desembaraçar-se de tais inimigos, mas para consegui-lo seria preciso detestá-los e converter-se a Deus de todo o coração. O espírito, porém, está coberto de trevas, e o coração endurecido. O coração duro será oprimido de males no fim; e quem ama o perigo nele perecerá (Ecli 3, 27).


“Afirma São Bernardo que o coração, obstinado no mal durante a vida, se esforçará, no momento da morte, para sair do estado de condenação; mas não chegará a livrar-se dele, e, oprimido por sua própria malícia, terminará a sua vida no mesmo estado. Tendo amado o pecado, amava também o perigo da condenação. É por isso justamente que o Senhor permitirá que ele pereça nesse perigo, no qual quis viver até à morte. Santo Agostinho disse que aquele que não abandona o pecado antes que o pecado abandone a ele, dificilmente poderá na hora da morte detestá-lo como é devido, pois tudo o que fizer nessa emergência, o fará obrigadamente.


“Quão infeliz é o pecador obstinado que resiste à voz divina! O ingrato, ao invés de se entregar e enternecer à voz de Deus, se endurece mais e mais, à semelhança da bigorna sob os golpes do martelo (Job 41, 15). Para seu justo castigo, achar-se-á neste estado, na hora da morte, às portas da eternidade. O coração duro será oprimido de males até o fim. Por amor às criaturas – disse o Senhor – os pecadores me voltaram as costas. À hora da morte recorrerão a Deus, e Deus lhes dirá: “Agora recorreis a mim? Pedi socorro às criaturas, já que foram elas os vossos deuses” (Jer 2, 17). Deste modo, falar-lhe-á o Senhor, porque, mesmo que a Ele se dirijam, não será com verdadeira disposição de se converterem. Dizia São Jerônimo que ele tinha por certo, pois a experiência lho manifestara, que não alcançaria bom fim aquele que até ao fim houvesse levado vida má”.


Deus não tem compaixão para os que abusam de sua misericórdia


“...Diz Santo Agostinho que o demônio seduz os homens por duas maneiras: “Com desespero e com esperança”. Depois que o pecador cometeu o delito, arrasta-o ao desespero pelo temor da justiça divina; mas, antes de pecar, excita-o a cair em tentação pela esperança da divina misericórdia. É por isso que o Santo nos adverte, dizendo: “Depois do pecado tenha esperança na divina misericórdia; antes do pecado tema a justiça divina”. E assim é, com efeito. Porque não merece a misericórdia de Deus aquele que se serve da mesma para ofendê-Lo. A misericórdia é para quem teme a Deus e não para o que dela se serve com o propósito de não temê-Lo. Aquele que ofende a justiça – diz o Abulense – pode recorrer à misericórdia; mas a quem pode re-correr o que ofende a própria misericórdia?


“Será difícil encontrar um pecador a tal ponto desesperado que queira expressamente condenar-se. Os pecadores querem pecar, mas sem perder a esperança na salvação. Pecam e dizem: Deus é a própria bondade, mesmo que agora peque, mais tarde confessar-me-ei. Assim pensam os pecadores, diz Santo Agostinho. Mas, meu Deus, assim pensaram muitos que já estão condenados.


“Não digas – exclama o Senhor – a misericórdia de Deus é grande: meus inumeráveis pecados me serão perdoados com um ato de contrição” (Ecli 5, 6) Não faleis assim – nos diz o Senhor – e por quê? “Porque sua ira está tão pronta como sua misericórdia; e sua cólera fita os pecadores” (Ecli 5, 7) A misericórdia de Deus é infinita; mas os atos dela, ou seja, os de comiseração, são finitos. Deus é clemente, mas também é justo. “Sou justo e misericordioso – disse o Senhor a Santa Brígida – e os pecadores só pensam na misericórdia”. Os pecadores – escreve São Basílio – só querem considerar a metade. “O Senhor e bom, mas também é justo. Não queiramos considerar unicamente uma das faces de Deus”. Tolerar quem se serve da bondade de Deus para mais o ofender – dizia o P. Ávila – fora antes injustiça do que misericórdia. A clemência foi prometida a quem teme a Deus e não a quem abusa dela. “Et misericordia ejus timentibus eum”, como exclama em seu Cântico a Virgem Santíssima. A justiça ameaça os obstinados, porque, como diz Santo Agostinho, a veracidade de Deus permanece mesmo em suas ameaças.


“Acautelai-vos – diz São João Crisóstomo – quando o demônio (não Deus0 vos promete a misericórdia divina com o fim de que pequeis. Ai daquele – acrescenta Santo Agostinho – que para pecar confia na esperança! ...A quantos essa vã ilusão tem enganado e levado à perdição. Desgraçado daquele que abusa da bondade de Deus para ofendê-lo mais! ...Lúcifer –como afirma São Bernardo – esperava não ser punido. O rei Manasses pecou; converteu-se em seguida, e Deus lhe perdoou. Mas para Amon, seu filho, que, vendo quão facilmente seu pai havia conseguido o perdão, entregou-se à má vida com a esperança de também ser perdoado, não houve misericórdia. Por essa causa – diz São João Crisóstomo- Judas se condenou, porque se atreveu a pecar confiando na clemência de Jesus Cristo. Em suma: se Deus espera com paciência, não espera sempre. Pois, se o Senhor sempre nos tolerasse, ninguém se condenaria; ora, é larga a porta e espaçoso o caminho que leva á perdição, e muitos são os que entram por ele (Mt 7, 13). Quem ofende a Deus, fiado na esperança de ser perdoado, “é um escarnecedor e não um penitente”, diz Santo Agostinho. Por outra parte, afirma São Paulo que “de Deus não se pode zombar” (Gál 6, 7). E seria zombar de Deus o querer ofendê-Lo sempre que quiséssemos e desejar, a seguir, o paraíso. Quem semeia pecados, não pode esperar outra coisa que o eterno castigo no inferno (Gál 6, 8). O laço com o demônio arrasta quase todos os cristãos que se condenam é, sem dúvida, esse engano com que os seduz, dizendo-lhes: “Pecai, livremente, porque apesar de todos os pecados haveis de salvar-vos”. O Senhor, porém, amaldiçoa aquele que peca na esperança de perdão. A esperança depois do pecado, quando o pecador deveras se arrepende, é agradável a Deus, mas a dos obstinados lhe é abominável. Tal esperança provoca o castigo de Deus, assim como seria passível de punição o servo que ofendesse a seu patrão, precisamente porque é bondoso e amável”


Como Deus abandona o pecador?


“Deus aguarda o pecador a fim de que se emende (Is 19, 18); mas quando vê que o tempo concedido para os pecados só serve para multiplicá-los, vale-se desse mesmo tempo para empregar a justiça (Lam 1, 15). De sorte que o próprio tempo concedido, a mesma misericórdia outorgada, servirão para que o castigo seja mais rigoroso e o abandono mais imediato. “Medicamos a Babilônia e não há sarado. Abandonemo-la” (Jer 51, 9). E como é que Deus nos abandona? Ou envia a morte ao pecador, que assim morre sem arrepender-se, ou o priva das graças abundantes e só lhe deixa a graça suficiente com que o pecador se poderia salvar, mas não se salva. Obcecada a mente, endurecido o coração, dominado por maus hábitos, a salvação lhe será moralmente impossível; e assim ficará, senão em absoluto, pelo menos moralmente abandonado. “Derrubar-lhe-ei o muro, e ficará exposta” (Is 5, 5).


“Que castigo! Triste indício quando o dono rompe o cercado e deixa entrar na vinha os que quiserem, homens e animais; é prova de que a abandona. É o que faz Deus, quando abandona uma alma: tira-lhe a sebe do temor, dos remorsos de consciência e a deixa nas trevas. Penetram, então, nela todos os monstros do vício (Sl 103, 20). O pecador, entregue a essa obscuridade, desprezará tudo: a graça divina, a glória, avisos, conselhos e censuras; escarnecerá até de sua própria condenação (Prov 18, 3)


“Deus o deixará nesta vida sem castigo, e nisto consistirá seu maior castigo. “Compadeçamo-nos do ímpio... não aprenderá (jamais) justiça” (Is 26, 10). Referindo-se a esse texto, diz São Bernardo: “Não quero essa misericórdia, mais terrível que a ira” (Serm. 42, in Ct). Terrível castigo, quando Deus deixa o pecador em seus pecados, e parece que nem pede contas deles (Sl 10, 4). Dir-se-á que já não se indigna contra ele (Ez 16, 42) e que lhe permite gozar quanto neste mundo deseja (Sl 80, 13). Desgraçados os pecadores que prosperam na vida mortal! É sinal de que Deus os reserva para aplicar-lhes sua justiça na vida eterna! Jeremias pergunta: “Por que o caminho dos ímpios passa em prosperidade?” (Jer 12, 1). E responde em seguida: “Reúne-os como o rebanho destinado ao matadouro” (Jer 12, 3) Não há, pois, maior castigo do que deixar Deus ao pecador amontoar pecados sobre pecados, segundo o que diz David; “ponde maldade sobre maldade...Riscados sejam do livro dos vícios” (Sl 28, 28-29), Observa Belarmino: “Não existe castigo mais terrível do que o pecado tornar-se pena do pecado”. Fora melhor a um desses infelizes que o Senhor o tivesse feito morrer após o primeiro pecado; porque, morrendo mais tarde, terá a padecer tantos infernos quantos foram os pecados cometidos”.



Santa Catarina de Sena


“Filha queridíssima! Não é tão grande a excelência destes como o é a miséria dos desventurados de que tenho te falado. Que terrível e cheia de obscuridade é sua morte! Porque, no último momento, os demônios lhes acusam com terror e obscuridade, mostrando-lhes sua figura, que sabes o horrível que é. Se a criatura pudesse escolher nesta vida, preferiria sofrer qualquer dor antes que ter a visão do demônio.


“Se renova, ademais, o remorso da consciência, que rói a alma miseravelmente. A acusam as desordenadas delícias e os próprios sentidos, dos quais fez seu senhor escravizando sua razão a eles. É quando vê a verdade do que antes desconhecia, donde lhes vem uma grande confusão por causa de seus equívocos. Na vida viveu como um incrédulo e não como fiel a mim, porque o amor próprio lhe fechou a pupila da luz santíssima da fé; e o demônio lhe tenta com esse pecado cometido para fazer-lhe cair em desespero.


“Que duro é esse ataque! Se acha desarmado e não encontra as armas da caridade, porque, como membro do diabo, está privado de tudo. Não tem nem a luz sobrenatural nem a da ciência, por não havê-la entendido, pois os chifres da soberba não lhe deixaram compreender a doçura de sua ciência; por isso, agora, nos grandes combates, não sabe que fazer. Não se tem alimentado da esperança por não haver confiado em mim nem no sangue da que lhe fiz ministro, senão só de si mesmo e de sua posição social e prazeres do mundo. Não via o miserável demônio de carne que suas riquezas provinham da usura e que, como devedor, tinha que dar-me conta a mim. Agora se encontra desnudo, sem virtude alguma, e para qualquer lado onde olhe não ouve senão impropérios em meio a uma grande confusão.


“Sua injustiça, a exercida por ele na vida, lhe acusa a consciência, e não se atreve mais que a pedir justiça. Asseguro-te que sua vergonha e turbação é grandíssima, se não se tem costumado em sua vida a esperar em minha misericórdia. Se quando chegue o momento da morte reconhece seu pecado e descarrega a consciência pela santa confissão para tirar a presunção e não ofender-me mais, então predomina a misericórdia para estes; sem embargo, se se tem em conta seus pecados, é uma presunção, porque ofendem pensando na misericórdia, e por isto é mais bem abuso, ainda que tenham figurado que invocam a misericórdia. Invocando-a de verdade podem recuperar a confiança, se querem, pois se não fosse por isto, ninguém haveria que não desesperasse, e pelo desespero chegará até á eterna condenação.


“Isto obriga a minha misericórdia a fazer-lhe confiar, se bem não a concedo para que me ofendam com essa confiança, senão para que aumentem em caridade e na consideração de minha bondade. Mas eles a utilizam para o contrário, porque me ofendem com sua confiança em minha misericórdia. Apesar de tudo, os mantenho na esperança da misericórdia a fim de que no momento da morte tenham a que agarrar-se, não desfaleçam e não cheguem ao desespero. Mais desagradável que todos os pecados cometidos me é, e a eles lhes causa mais dano, este último pecado de desespero. Se prejudicam mais e me é mais desagradável, porque os outros pecados que cometem os fazem co algum deleite dos próprios sentidos e deles se arrependem algumas vezes. A tanto pode chegar seu arrependimento, que recebem misericórdia. Porém ao pecado do desespero não são induzidos pela fraqueza, senão por não encontrar deleite algum nem outra coisa que uma pena intolerável. Por ele desprezam minha misericórdia ao considerar maior seu pecado que minha misericórdia e minha bondade. Pelo que, caídos neste estado, não se arrependem nem têm dor verdadeira por minha ofensa, como deveriam tê-lo. Se doem de seu dano, porém não da ofensa feita a mim, e deste modo recebem a eterna condenação.


“Vê, pois, que só este pecado os leva ao inferno, onde são atormentados por este e outros pecados cometidos. Se se houvessem doído e arrependido da ofensa feita a mim e houvessem esperado na minha misericórdia, a haveriam achado. Como, sem comparação alguma, é maior minha misericórdia que todos os pecados que pode cometer uma criatura, por isso me desagrada que dêem mais importância a seus pecados, e este é o pecado que não é perdoado nem aqui nem ali. Como no momento da morte, logo de haver passado sua vida em ofensas, me desagrada sobremaneira o desespero e quisera que se agarrassem à minha misericórdia, por isto na vida uso com eles o estratagema de fazer-lhes confiar plenamente na minha misericórdia, pois quando interior-mente se acham fortalecidos com ela, ao chegar a morte, não são tão inclinados a abandoná-la por causa das graves acusações que contra eles ouvem, como fariam se não estivessem interiormente fortalecidos.


“Tudo isto o produz o fogo e a profundidade de minha caridade. Mas como têm usado as trevas do amor próprio, de onde tem nascido todo pecado, não têm conhecido deveras minha caridade, e, conseqüentemente, se lhes tem imputado mais a sua grande presunção que a seu defeito a doçura da misericórdia. Esta é outra acusação que lhes faz a consciência em presença dos demônios, reprovando-os que o tempo e a amplitude da misericórdia em que confiavam deveriam ter sido empregados em aumentar a caridade e amor à virtude e em gastar virtuosamente o que por amor lhes dei, enquanto eles me ofendem miseravelmente com esse tempo e a excessiva confiança na misericórdia.


“Oh cegos e mais cegos! Enterravas a margarida e o talento que os pus nas mãos para que tivésseis ganhos com eles, e, como presunçoso, não quiseste fazer minha vontade, antes bem o escondeste sob a terra do amor próprio desordenado para convosco mesmo. Agora dá-te ele frutos de morte.


“Miserável de ti! Que grande a pena que recebes neste último momento! Tuas misérias não te são desconhecidas, e por isso o verme da consciência não dorme agora, antes bem te rói. Os demônios te gritam e dão o prêmio que soem dar a seus servidores: confusão e censura. E para que no momento da morte não te escapes de suas mãos, querem que chegues ao desespero, e com este fim te produzem turbação, para que depois, junto com eles, te dêem do que eles têm.


“Oh miserável! A dignidade em que te coloquei se te apresenta resplandecente, tal como é, para tua vergonha, sabendo que tu a tens possuído e usado nas tenebrosidades do pecado Dos bens da Santa Igreja que pus ante ti eras devedor ladrão; deles deveste dar o devido aos pobres e à Santa Igreja. Agora tua consciência os apresente a ti e como os tem gastado com meretrizes públicas e com eles tens alimentado aos filhos, enriquecido os parentes; os tens comido e com eles tens adornado a casa e comprado vasilhas de prata, quando devias viver em pobreza voluntária.


“Ante tua consciência se apresenta o ofício divino, que abandonaste, sem preocupar-te de que cometias um pecado mortal; e, se o recitavas com a boca, o coração se achava longe de mim. Enquanto a teus súditos, quer dizer, enquanto à caridade e fome que acerca deles deverias ter, alimentando-os na virtude, dando-lhes exemplo de vida e o misericordioso castigo ou o duro da justiça, tu fizeste o contrário, e te censura a consciência ante a espantosa presença dos demônios.


“E se tu, prelado, tens dado cargos ou cura de almas a algum súdito com injustiça, quer dizer, que não tens olhado nem a quem nem como se os tens dado, isto se te põe ante tua consciência, porque os deveste dar não em razão de palavras aduladoras, nem por agradar às criaturas, nem por presentes, senão em atenção à virtude, por honra minha e pela salvação das almas. Como não os tem feito, és acusado, e para maior confusão tens diante a consciência e a luz da inteligência a propósito do que deveste fazer e do que deveste evitar e o tens omitido.


“Quero que saibas, queridíssima filha, que o branco se vê, ao lado do negro, e vice-versa, melhor do que nunca quando ambas as cores não se acham separadas. Assim ocorre a estes miseráveis em particular, e em geral a todos, porque na morte, quando a alma começa a ver melhor suas desgraças e o justo sua bem-aventurança, a estes desgraçados se lhes apresenta sua vida de pecado. Não necessitam de outros que a ponham diante, posto que a consciência o faz tanto com os pecados cometidos como com as virtudes que deveriam praticar. Por que as virtudes? Para maior vergonha sua, porque, estando a virtude ao lado do vício, se reconhece melhor o pecado, e quanto mais o conhecem, maior vergonha padecem. Por seus pecados conhecem melhor a perfeição das virtudes, de onde lhes vem maior dor ao ver que em sua vida têm estado afastado da virtude.


“Quero que saibas que no conhecimento que têm do vício vêem com perfeição o bem que se seguirá ao homem virtuoso e os sofrimentos que virão ao que tem permanecido nas trevas do pecado mortal.


“Lhes dou este conhecimento não para que cheguem ao desespero, senão ao perfeito conhecimento de si e a vergonha de seu pecado; mas com esperança, a fim de que com a vergonha e o conhecimento expiem seus pecados e aplaquem minha ira, pedindo humildemente a misericórdia. O virtuoso acrescenta por ele seu gozo e conhecimento de minha caridade, porque à graça atribui haver seguido a virtude e caminhado pela doutrina de minha Verdade, devendo-o a Mim e não a si mesmo; por isso se alegra em mim. Com este verdadeiro conhecimento gosta e recebe seu fim docemente, ao modo que te disse em outro lugar. Assim como um se enche de gozo, ou seja, o justo, que tem vivido em ardentíssima caridade, o obscuro pecador se enche de penosa confusão. Ao justo não lhe fazem dano as trevas nem a visão do demônio , nem teme, porque só é o pecador quem teme e sai prejudicado. Os que tem levado sua vida com lascívia e muitas maldades têm sofrimentos e temor ante a presença dos demônios. Não recebem o mal do desespero se não querem, mas sim a censura e a reavivação da consciência, medo e temor em sua horrível presença.


“Agora vês quão diferente é, caríssima filha, o sofrimento e o combate da morte em uns e em outros e quão diferente é seu fim. Aos olhos de teu entendimento tenho explicado e apresentado uma partezinha muito pequena. É tanta a diferença entre ambos combates, que é como comparar o todo ao nada.


“Agora compreendes quão grande é a cegueira do homem, e especialmente destes desventurados ministros, porque tudo o tem recebido de mim, e quanto mais iluminados se acham pela Sagrada Escritura , tanto se acham mais obrigados, e, em conseqüência, incorrem numa grande e intolerável confusão. Como conheceram melhor na vida a Sagrada Escritura, na morte conhecem melhor os pecados cometidos e são postos em maiores tormentos que os demais, enquanto que os bons são colocados em mais alta dignidade.


“Lhes ocorre que o mal cristão, que tem no inferno maior tormento que um pagão, porque teve a luz da fé e renunciou a ela, enquanto que o outro não a teve. De igual modo estes ministros terão maior castigo pela mesma culpa que os demais cristãos, por causa do ministério que lhes outorguei quando os pus para que administrassem o santo sacramento e porque tiveram a luz da ciência para poder discernir a verdade em benefício seu e dos demais, se houvessem querido, e por essa razão recebem com justiça maiores castigos.


“”Sem embargo, estes miseráveis não se dão conta de que, se houvessem todo um mínimo de consideração a seu estado, não se veriam em tantos males, senão que seriam o que deveriam ser e não são. Estão todos mais bem corrompidos, obrando pior que os seculares de sua classe, pelo que mancham a face de sua alma com suas pestilências, corrompem a seus súditos e chupam o sangue de minha esposa, isto é, da Santa Igreja. Com seus pecados a fazem empalidecer, isto é, que o amor e afeto que devem ter a esta esposa o têm posto em si mesmos, e não buscam senão arruiná-la e conseguir prelazias e grandes lucros, quando deveriam buscar as almas. Por sua má vida chegam os seculares à falta de reverência e obediência à Santa Igreja, se bem eles não deveriam obrar assim, nem podem desculpar-se com os pecados de seus ministros”.




3. Exemplos de mortes de pecadores empedernidos ou impenitentes


Seguem vários exemplos de mortes de pecadores empedernidos ou impenitentes que, supõe-se pelos sinais externos, haverem sido condenados eternamente.


Um exemplo bem frisante deste tipo de impenitência ou empedernimento é contado por um sacerdote de uma cidade do sul do País. Estava ele num almoço familiar quando um jovem lhe fez a seguinte pergunta: “Padre, uma mulher de má vida, uma prostituta, morrendo neste estado vai para o céu ou para o inferno?” . Ao que o bom sacerdote respondeu: “Não, meu filho, se ela não se arrepender de seus pecados, provavelmente não irá para o céu mas poderá cair no inferno”. Perante tal resposta, o jovem disse então: “Então quando morrer quero ir para o inferno, pois lá deve ter muitas prostitutas...” Perante tal afirmação, a mãe do rapaz começou a chorar e fez-se na sala uma atmosfera tensa, não havendo, inclusive, clima para se continuar a conversa. O sacerdote despediu-se daquela família com tristeza. Pois bem, na manhã seguinte o rapaz morre terrivelmente esmagado no interior de um carro que havia colidido com uma carreta em alta velocidade. Este fato repercutiu muito na localidade e todos tiveram uma forte impressão de terrível castigo.


Um outro exemplo foi presenciado pelo Autor deste trabalho. Era criança ainda e residia em Fortaleza, capital do Ceará. Corria o ano de 1954 e a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima visitava Fortaleza. Os comentários sobre a visita daquela imagem andavam de boca em boca entre os moradores da circunvizinhança. Um destes moradores, muito embriagado, ao ouvir aqueles comentários piedosos, começou a proferir palavrões e blasfêmias contra Nossa Senhora. Seus parentes e amigos o preveniram dizendo que parasse com aquilo porque poderia ser castigado. Então o homem exaltou-se mais ainda e disse: “Pois quero ver se Ela tem poder para isto! Vou repetir de novo...” E começava a repetir aquelas blasfêmias contra a Virgem Santíssima, desafiando-A em seguida para que o castigasse se realmente tivesse poder para tanto...


Não deu outra. No outro dia, o homem, que era padeiro, acorda cedo e vai para o trabalho. Entra num ônibus que se destinava ao seu local de trabalho, mas logo após alguns minutos de viagem o ônibus se choca violentamente contra um caminhão carregado de lenha. Uma das achas de lenha entra violentamente pela boca do blasfemo, causando-lhe morte instantânea.


Apesar de criança ainda (tinha apenas 8 anos), estive presente ao enterro do infeliz homem, pois sua casa ficava ao lado da minha. Verificou alguém estarrecido que não haviam sequer tirado o pau que havia entrado pela sua boca e disseram-me que ninguém teve coragem de tirar aquilo porque todos sabiam que tinha sido castigo de Deus...


Vejamos outros exemplos, alguns contados por santos:

Santo Antão anuncia a um herege a cólera de Deus, e a profecia se cumpre com trágica morte


“Certo general, de nome Balac, perseguia cruelmente os cristãos, levado por seu zelo pelos arianos. Era tão encarniçado que mandava bater nas virgens, e desnudar e açoitar os monges. Antão lhe enviou uma mensagem cuja idéia era a seguinte: vejo vir sobre ti a cólera; cessa de perseguir os cristãos, para que a cólera de Deus não te atinja, porque ela está prestes a se abater sobre ti... Balac zombou, atirou a carta por terra, cuspiu sobre ela, maltratou os mensageiros e lhes ordenou que dissessem a Antão: “Uma vez que te preocupas com os monges, é contigo que agora hei de tratar”. Não se passaram cinco dias, e a cólera (de Deus) se abateu sobre Balac. Ele ia com Nestor, prefeito do Egito, para o primeiro posto de muda da estrada para Alexandria, chamado Caireu. Ambos iam a cavalo. Os cavalos eram os mais mansos das cocheiras de Balac. Antes de chegarem à etapa, os cavalos se puseram a brincar entre si, como têm costume de fazer. Subitamente o mais manso, montado por Nestor, mordeu Balac, derrubou-o, caiu sobre ele e, a dentadas, dilacerou-lhe de tal modo a coxa que foi necessário transportá-lo para a cidade, onde, depois de três dias, morreu. Todos se admiraram da prontidão com que se realizou a profecia de Antão”.


Exemplo de morte repentina de um pecador


“Lê-se na Vida do Padre Luís de Lanusa que, certo dia, dois amigos passeavam juntos em Palermo. Um deles, chamado César, que era ator, vendo o seu companheiro pensativo em extremo, disse-lhe: “Apostaria que te foste confessar, e por isso estais tão preocupado... Eu não quero acolher tais escrúpulos... Escuta: disse-me um dia o Padre Lanusa que Deus me concedia ainda doze anos de vida, e que, se nesse tempo não me emendasse, morreria de má vida. Viajei depois por muitos países; sofri diversas doenças, uma das quais me levou às portas da morte... É neste mês que se completam os famosos doze anos, e sinto-me disposto como nunca...” Após esta fala, César convidou seu amigo a ver, no sábado seguinte, a estréia de uma comédia de sua autoria... Naquele sábado, dia 24 de novembro de 1668, quando César se dispunha a entrar em cena, foi acometido subitamente de uma congestão e veio a morrer repentinamente nos braços de uma atriz. Assim acabou a comédia. Pois bem, meu irmão, quando o demônio, por meio da tentação, te excita outra vez ao pecado, se quiseres condenar-te podes cometer livremente o pecado; mas então não digas que desejas tua salvação. Quando quiseres pecar, considera-te como condenado, e imagina que Deus dita tua sentença, dizendo: Que posso mais fazer por ti, ingrato, além do que fiz? (Is 5, 4) Já que queres condenar-te, condena-te, condena-te, pois... a culpa é tua”.


Morte de um apóstata renegado


“Coge Sofar não era o verdadeiro nome do indivíduo, que se desconhece. Julgam-no uns de origem albanesa, outros consideram-no nascido na Itália. Natural de Quios, escreve Damião de Góis, filho de pai cristão e mãe turca. Outros dizem que os pais eram ambos cristãos. Havia quem dissesse que a pobre mãe cristã ainda vivia em Otranto, e que lhe escrevia cartas todos os anos, endereçadas a “Coge Sofar, meu filho, às portas do inferno”. Dio, Cambaia – completavam o endereço.


“Parece que Coge Sofar achava o caminho da destruição tão agradável como dizem. Sem se incomodar com os prognósticos da mãe, vivia em Diu “maravilhosamente rico”, dispondo de capitais, de navios, de jóias e de campos, e gozando de ampla influência na corte de Cambaia.


“Devia a feliz situação à sua habilidade. Coge Sofar era “homem sagaz e de muito conselho, inteligente e cobiçoso”. A aliança destas qualidades fê-lo “no uso da mercancia habilíssimo, e nas cousas da guerra não menos sabido”.


“Durante uma vida aventurosa ganharia muita prática em ambas as coisas. Começou como mercenário nas guerras da Itália, escola em que adquiriu perfeito conhecimento de artilharia e arte de assédios, e ao mesmo tempo tornou-se “perfeito em tudo e em todas as maneiras de enganos e mentiras e traições”, útil preparação para a carreira mercantil, por onde, em seguida, Coge Sofar enveredou. A sorte bafejou-o, e em breve se tornou conhecidíssimo como homem hábil e negociante feliz com os produtos da Índia Oriental.


“Navegando, um dia, um navio seu foi capturado pelos turcos e levado preso a Constantinopla. Não se mostrando nada preocupado, o maleável Coge Sofar procurou ganhar as boas graças do sultão.


“Até nisto teve êxito. A sua experiência militar e as informações de que já dispunha a respeito dos exércitos cristãos eram utilíssimos aos Otomanos. Pôs a sua perícia à disposição da Turquia, abjurou a sua fé, abraçou o islamismo e tornou-se grande potência na corte do sultão.


“Naquele fojo de intrigas, Coge Sofar prosperou durante algum tempo, mas tinha ali muitos rivais e sabia que o favor do sultão era incerto. Mais valia partir enquanto tudo corria bem! Coge Sofar deu-se o prazer de matar o seu principal inimigo, assim como o filho deste, depois do que reuniu o que possuía e safou-se para a Índia.


“Ainda nisto andou com sorte. Em Cambaia não teve qualquer dificuldade em ganhar ascendência sobre o sanguinário, caprichoso e bêbedo sultão Badur e o seu sucessor, Mamude, que era ainda criança. Coge Sofar era aventureiro experiente – a astúcia do Oriente e o dinamismo do Ocidente combinados num esperto cérebro italiano – estava daí a pouco instalado. Adquiriu terras e bens em Surate, Ruinel e Diu, e tornou-se o mais rico dos senhores muçulmanos”.


Vejamos agora o fim triste de homem tão cheio de sucessos em vida:


“”A guerra do cerco de Dio, o segundo, estava em sua fase crítica. Do lado dos mouros, Coge Sofar comandava as tropas anticristãs com ódio e determinação. Repentinamente, os pelouros caíam mesmo entre os pomposos sarracenos, acertando um em cheio no próprio Coge Sofar. Metade da cabeça voou-lhe, borrifando de sangue e miolos os seus familiares.


“Assim terminou a sua nefanda carreira aquele renegado, que morreu, como previra, à mão dos portugueses. Assim, sua alma foi receber o castigo das eternas penas como tantas vezes lhe profetizara a sua velha mãe, nas cartas que lhe escrevia de Otranto, onde vivia catolicamente”.


“Delirium tremens” na morte de um filho das trevas


O escritor de contos de terror, Allan Poe, foi um dos pioneiros do gênero. Esta literatura prepara o espírito de muita gente para ir se acostumando com o horror, o feio, o pavoroso, aspectos antinaturais oriundos do inferno que o homem deve abominar e fugir. Alcoólatra, foi certo dia acometido de uma crise de “delirium tremens”. Um tipógrafo o encontra enrodilhado numa sarjeta e leva-o ao médico. Este o acha todo emporcalhado, os olhos revoltos e inchados, com a camisa amarrotada e suja. Internado no hospital, lá delira constantemente da seguinte forma:


“O meu melhor amigo será aquele que me fizer saltar os miolos...


“As abóbadas do céus esmagam-me! Deixem-me ir embora! Deus escreveu legivelmente os seus decretos nas frontes das criaturas humanas...


“Os demônios apoderam-se de um corpo... Eles têm por cárcere as vagas turbilhonantes do mais negro desespero. Já antevejo o porto para além do abismo... Onde ficou a lama, a miséria? A calma eterna... sumiram-se as margens”.


Depois, voltando lentamente a cabeça para o médico assistente, diz:


“Que o Senhor venha em socorro da minha pobre alma”.


Em seguira, expira.


Imaginando o que estaria pensando Poe na hora da morte, Papini assim compôs a sua confissão perante o “Julgamento Universal”:


“...a vida banal, a realidade quotidiana, constituíam para mim uma fonte constante de terror.


“...a vida era para mim aborrecimento, alucinação, condenação...


“...para escapar às minhas visões terrificantes, aos meus pesadelos, às tentações de minha razão delirante, um gênio forçava-me a escrever, senhor mais exigente e tirânico que um demônio...


“...Porém, mal experimentava a ilusão de pela poesia ter exorcizado a perseguição dos meus pavores, logo outras alucinações, outros pesadelos, outras bizarrias macabras e fúnebres assaltavam sem tréguas a minha pobre alma acabrunhada. Então, como última esperança de meu desespero, buscava socorro no álcool, que, aliás, abominava...


“...Entretanto, a morte amedrontava esse nada que em mim ainda restava de humano, e assim entre pavores alternados, pavor da vida e pavor da morte, agora aterrorizado até à demência e logo abatido até ao embrutecimento, acabei de consumir esta vida que não era propriamente minha, mas antes anelo violento e simultaneamente pavor da morte” (cf. “O Julgamento Universal”, de Giovanni Papini).




Castigo e morte de Antíoco Epífanes, um inimigo de Deus


Este fato é narrado pelas Sagradas Escrituras:


“Por este tempo, Antíoco voltava ignominiosamente da Pérsia. Com efeito, ti-nha entrado na cidade, que se chama Persépolis, e tentado roubar o templo e oprimir a cidade, mas, correndo às armas todo o povo, foi posto em fuga pelos habitantes da região, e, assim, obrigado a regressar vergonhosamente.


“Quando chegou perto de Ecbátana, teve notícia do acontecido a Nicanor e ao exército de Timóteo. Transportado em ira, imaginava que poderia vingar-se sobre os judeus da afronta que lhe tinham feito os que o obrigaram a fugir; por isso ordenou ao cocheiro do seu carro que andasse sem parar, para abreviar a viagem. Perseguia-o a vingança do céu, por ter dito com orgulho que iria a Jerusalém e faria dela o sepulcro dos judeus.


“Mas o Senhor Deus de Israel, que vê todas as coisas, feriu este príncipe com uma chaga incurável e invisível. Apenas tinha acabado de proferir estas palavras, foi assaltado duma terrível dor de entranhas e cruéis tormentos internos. Isto com muita justiça, pois que ele mesmo havia rasgado as entranhas aos outros, por muitas e novas maneiras de tormentos. Entretanto, de nenhum modo abatia a sua arrogância: pelo contrário, sempre cheio de soberba, exalava o fogo da sua ira contra os judeus e mandava que se acelerasse a marcha, quando, repentinamente, caiu do carro que avançava impetuoso; a queda foi tão desastrada que ficou ferido por todo o corpo. Assim, aquele que, elevando-se pela sua soberba sobre a condição de homem, imaginava que podia dar ordens ás ondas do mar e pesar numa balança as montanhas, agora humilhado até á terra, era levado numa cadeira, dando aos olhos de todos um manifesto testemunho do poder de Deus. Do corpo deste ímpio saíam vermes, e, ainda vivendo, lhe caíam as carnes a pedaços no meio das dores, sendo tal o cheiro da podridão que dele saía, que incomodava todo o exército. Aquele que, pouco antes cuidava que podia tocar nos as-tros do céu, agora ninguém o podia suportar, por causa do intolerável cheiro que exalava.


“...Enfim, este homicida e blasfemo, presa de horríveis tormentos, como tinha causado aos outros, acabou de viver sobre os montes, longe da sua terra, com uma miserável morte”.


Nossa Senhora só é misericordiosa para os que querem valer-se de Sua poderosa intercessão, não para os que A desprezam como Herodes


O famigerado Herodes perseguia os primitivos cristãos. Sua morte ocorreu por sentença divina e foi executada por ordem de Maria Santíssima, conforme se vê no relato de Sóror Maria de Ágreda:


“No coração castíssimo de Maria Santíssima não havia outro domínio, império, movimento, nem outra liberdade do que a de amar sumamente o infinito Bem. Esta caridade do coração de Maria puríssima impulsionava-o para, ao mesmo tempo, ver Deus, que tinha ausente, e socorrer a Igreja que tinha presente. Nas ânsias destas duas causas enardecia-se toda, porém, de tal maneira governava estes dois afetos, com sua sabedoria, que se não negava toda a um, por se entregar toda a outro, antes bem se dava toda a ambos. Considerava, muitas vezes, o estado da primeira Igreja, que tinha por sua conta, e como trabalharia para sua quietude e dilatação. Foi-lhe grande alívio e consolo a liberdade de São Pedro, bem como ver arrojado de Jerusalém não só Lúcifer, como seus demônios. Foi nesta ocasião que a divina Sabedoria, que distribui os trabalhos e alívios, determinou que Maria Santíssima tivesse notícia do mau estado de Herodes e de seu intento de acabar com todos os fiéis. Tal notícia causou-lhe grande horror, e excessiva dor, pela sua indignação contra os seguidores da fé. Em meio a estes cuidados, enviou Ela um de seus Santos Anjos á presença do trono real do Altíssimo para solicitar-lhe, em seu nome, não permitir que Herodes executasse seus planos, oferecendo-se, outrossim, Ela própria para padecer pelos fiéis. Voltou o divino embaixador, e em nome da beatíssima Trindade, manifestou a Maria Santíssima que Ela era Mãe, Senhora e Governadora da Igreja, e, portanto, queria que Ela, como Rainha e Senhora do céu e da terra, fulminasse sentença contra Herodes. Turbou-se um pouco a humildíssima Maria Santíssima com esta resposta e, replicando, pediu ao Santo Anjo que voltasse à presença do Altíssimo e O consultasse se não seria possível reduzir Herodes ao caminho da salvação eterna. Voltou do céu o Santo Anjo com a resposta de que Herodes era do número dos réprobos, e que ele não admitiria nem mesmo a intercessão dEla. Pela terceira vez enviou Maria Santíssima o santo príncipe à presença do Altíssimo, com nova instância, no sentido de não pronunciar Ela a sentença de morte, ponderando que seu tribunal não era de justiça, e sim, só de misericórdia para os pecadores. Voltou o Santo Anjo embaixador com a resposta de que a misericórdia dEla era para os mortais que querem valer-se de sua poderosa intercessão, e não para os que, como Herodes, a desprezam, e que ele deveria morrer por sentença e disposição Sua, como Senhora da Igreja que era. Aceitou a Mãe de Deus a comissão, e pronunciou a sentença de morte contra Herodes, porém, maravilha de misericórdia, com a justificativa de evitar que ele merecesse maiores tormentos no inferno caso executasse as maldades que intentava! ? A decisão do Senhor foi para glória de Sua beatíssima Mãe, e em testemunho de havê-La feito Senhora de todas as criaturas, com poder de obrar sobre elas como Rainha e Senhora, assimilando-se nisto a Seu Filho santíssimo. Com este poder, ordenou ao Anjo que fosse à Cesaréia, onde estava Herodes, e lhe tirasse a vida, como ministro da justiça divina. Executou o Anjo a sentença com presteza, e consumido de vermes morreu o infeliz, temporal e eternamente. Voltou o Anjo a Éfeso e deu conta a Maria Santíssima da execução da sentença. A piedosa Mãe chorou a perda daquela alma, porém louvou os juízos do Altíssimo, dando-lhe graças pelo benefício que, daquele castigo, adviria para a Igreja”.




Morte de (outro) Herodes , “o grande”


““Cada dia agitava mais acerbamente a Herodes a violência da enfermidade, infringindo-lhe Deus assim um castigo de seus crimes. Era um fogo lento, que não denunciava o ardor ao que tocavam sua pele, tanto quanto corroia interiormente as entranhas. Era ademais insaciável a ânsia de comer, que não lhe era lícito deixar de saciar. Os intestinos estavam cheios de úlceras e eram atormentados com dores acerbíssimas de cólica. Os pés estavam inchados por um humor transparente e a mesma enfermidade estava também perto do ventre. Os próprios órgãos genitais, putrefatos, abundavam em vermes. Acrescia-se a prisão da respiração, molestíssima por causa do fedor e por causa da excessiva celeridade da mesma. Por último, as convulsões produzidas em quase todos os membros lhe acrescentavam uma violência insuperável. Diziam efetivamente os adivinhos, e os que haviam posto todo o seu empenho na ciência de vaticinar tais coisas, que Deus exigia do rei esta pena de sua grande impiedade”. Estas são as coisas que nos recorda o tão falado autor em seu livro mencionado. No livro II “De Bello Judaico” disse as mesmas coisas acerca dele: “Ademais, difundida a força da enfermidade por todo seu corpo, começou a golpeá-lo com dores de todo gênero. A febre era mais temperada; intolerável o comichão por toda pele; contínuas as dores de cólicas. O humor perto dos pés era como do que sofre de hidropisia. Por outra parte a inchação do ventre e o pus das genitálias abundantes em vermes. Por último, a contenção do hálito, a dificuldade de respirar e a convulsão de todos os membros, de tal maneira atormentavam ao homem que chegaram a dizer os adivinhos ser a enfermidade um castigo irrogado pelos céus. Porém ele, ainda quando lutava com tantas classes de enfermidades, conservava sem embargo a esperança de vida, pensava em seus remédios. E assim, atravessando o Jordão, aproveitou-se das águas quentes que havia junto a Caliroé. Estas desembocam no lago Asfaltites, porém são tão doces que podem servir comodamente para beber.


Na morte de Herodes a anteprova das penas eternas


“Herodes, pelo contrário, passava maus dias no seu dourado palácio de Sião. Pouco tempo depois do morticínio de Belém, explodiu contra o assassino a vingança de Deus, e deu-lhe como uma anteprova das dores eternas. Consumia-o um fogo interior, que lhe penetrava até á medula dos ossos; nenhum alimento lhe podia satisfazer a fome insaciável que o devorava; as úlceras roíam-lhe as entranhas; e o corpo, presa dos vermes, exalava o cheiro fétido dum cadáver em putrefação. Com a tensão dos nervos horrivelmente contraídos e dos membros dilatados pela hidropisia, arrancava tais uivos que os seus familiares diziam: “A mão de Deus pesa sobre este homem em castigo de seus crimes”.


“Não tendo mais a que recorrer, fizeram os médicos que o levassem às águas de Caliroé, perto de Jericó. Mergulharam-no em um banho de azeite e betume; mas cerraram-se-lhe logo os olhos, e parecia que s lhe dissolvia o corpo. Cuidando-o já morto, soltaram os judeus gritos de alegria. Em castigo fez encarcerar os membros das famílias principais: “Logo que eu tiver rendido a alma, disse ele a Salomé, sua digna irmã, manda-os matar a todos: assim estarei seguro de que a Judéia chorará no dia de minha morte”. No auge do desespero, tentou picar o coração com a ponta de uma faca e mandou degolar na prisão ao seu filho Antipater, acusado de o ter querido assassinar.


“Cinco dias depois, expirou também o tirano coberto de maldições do povo e da eterna maldição de Deus”.




Novo Judas


“Um menino, chamado Fúlvio, fazia seus estudos num dos principais colégios de França. Enquanto a mãe o conservou sob suas vistas, foi o mesmo preservado dos graves perigos que ameaçam os pequenos; mas no colégio apegou-se Fúlvio a dois colegas maus e corrompidos com os quais vivia em estreita amizade.


Bem depressa, por causa deles, perdeu a inocência e com ela a paz do coração. Alguns livros imorais, que lhe deram os companheiros, acabaram de perdê-lo.


Aos doze anos foi admitido à primeira comunhão; infelizmente não a fez por devoção, mas apenas para obedecer á mãe, sem propósito de mudar de vida nem de abandonar às más companhias. Confessou-se sacrilegamente, calando certos pecados vergonhosos e, assim, com o demônio no coração, com o pecado mortal na alma, teve a temeridade de receber a comunhão.


Os pais, enganados pelas aparências, julgaram-no bem comportado e mandaram-no de novo ao colégio. Fúlvio, porém, por sua indisciplina e preguiça nos estudos, teve um dia de ser severamente castigado pelo diretor e encerrado por algumas horas na prisão do colégio.


Chegada a hora de o pôr em liberdade, vão ao quarto que servia de prisão e, antes de abrir a porta, escutam do lado de fora... Não ouvem nada... nenhum movimento... Bate-se à porta, e ninguém responde. Abre-se, afinal, a porta, e que é que se vê? Ai! Que horror! O infeliz rapaz enforcara-se: estava morto!


Imaginem-se os gritos e gemidos no colégio.


Sobre a mesa foi encontrada uma carta, na qual estavam expressos os sentimentos de uma alma ímpia, desesperada, sacrílega.


Tal foi o fim do desditoso rapaz, vítima de maus companheiros, e que, tendo pecado como Judas, teve também a morte de Judas” .


Não os afasteis dos sacramentos (“tale vita finis ita...” – tal vida, tal morte)


“Havia em Tolosa (França) uma família pouco religiosa. Como o colégio dos Jesuítas era sem dúvida o melhor da cidade, os pais resolveram internar nele seu primeiro filho.


O menino, mais dado à piedade que seus pais, começou a freqüentar os sacramentos e disso tirava grande proveito espiritual.


Tendo notícia desse fato, correu a mãe do menino ao Diretor do colégio e disse-lhe:


- Padre, o Sr. está fazendo de meu filho um beato, um carola. Saiba que não quero que ele seja um frade ou um vigário.


Não contente com isso, e para vigiá-lo melhor, mudou-se para a cidade e pôs o filho no colégio como externo. Assim poderia impedir as comunhões freqüentes.


Pobre mãe! Tinha medo que o menino se desse todo a Deus e que fosse um cristão fervoroso.


Que é, porém, que aconteceu? Eis: pouco a pouco as comunhões do jovem foram sendo mais raras... até que, afinal, nem uma por ano, nem pela Páscoa... O mais se adivinha facilmente. A corrupção invadira o coração do rapaz e tomara o lugar da virtude da piedade.


Quando o percebeu a infeliz mãe, correu alvoroçada a suplicar ao Diretor que fizesse seu filho voltar à comunhão e à moral cristã. Mas o Padre deu-lhe esta resposta:


- Minha senhora, é demasiado tarde; seu filho está perdido. Cumpri com meu dever; era preciso que a senhora cumprisse com o seu.


E o Padre tinha razão. Não levou muito tempo o desgraçado jovem morreu consumido de vícios horrendos e vergonhosos.”






Não acreditava na alma


Jean-Marie Collot d’Herbois, ator, dramaturgo, ensaísta, foi um dos mais sanguinários homens da Revolução Francesa. Como membro da “Comissão de Segurança Pública” coordenou a execução de mais de 2 mil pessoas somente na cidade de Lyon. Vejamos sua “coragem” no momento da morte, ocorrida em 1796:


“Herbois, íntimo amigo do famoso Robespierre, ambos homens sanguinários, atacava com fúria a existência de Deus e a imortalidade da alma. Foi desterrado em 1795.


No desterro foi acometido duma febre violenta que o consumia. Com grandes gritos pedia a Deus (ele que dizia não existir Deus) que o socorresse. Um soldado, a quem pervertera com suas conversas ímpias, perguntou-lhe:


- Olhe: como é que a alguns meses o senhor zombava de Deus e da alma?


- Amigo, quem mentia pela boca não era a cabeça, mas o coração. – E horrorizava aos que o ouviam, gritando:


- Meu Deus! Meu Deus! Não posso esperar o perdão de minhas maldades? Envia-me quem me console...


Era tão horrível a agonia, que correram a chamar um padre para que o confessasse; mas, quando chegou o padre, o infeliz já estava morto.


E o corpo daquele que vivera como animal, foi devorado pelos animais, para os quais não existe outra vida”.



Morre execrado pelos homens e amaldiçoado por Deus


O grande apóstata da Inglaterra, que antes fora católico, Henrique VIII, a fim de satisfazer seu orgulho e sensualidade pretendia que o Papa aprovasse seu divórcio e autorizasse seu segundo casamento com Ana Bolena. Como nem o Papa, nem as leis da Igreja, nem a maioria de seus súditos fiéis, como Tomás Morus, o permitissem, resolveu abjurar a religião católica e tornou-se além de cismático e herege, um perseguidor sanguinário de seus antigos irmãos na fé. Nessa perseguição caíram mártires 2 cardeais, 13 abades, 18 bispos, 50 doutores, mais de 200 padres, 360 nobres e mais de 72 mil outras vítimas oriundas do povo.


Em seu leito de morte, porém, impotente para fazer algo, dizia: “Desgraçado de mim! Não perdoei durante minha vida a nenhum homem em minha cólera, e a nenhuma mulher em minha sensualidade, e morro execrado dos homens e amaldiçoado por Deus”.





4. A morte nos torna todos iguais




Conta-se que Alexandre Magno determinou que, ao morrer, cumprissem as seguintes determinações: seu féretro fosse levado pelos seus médicos; seus tesouros fossem espalhados no caminho para que passassem por cima deles; e que sua mão fosse posta para fora, a única parte do seu corpo a ser vista pelos acompanhantes. Perguntado sobre as razões, explicou: os médicos deviam carregar seu esquife para que todos soubessem que, perante a morte, nem sequer os médicos nada podiam fazer; seus tesouros fossem espalhados a fim de serem pisoteados para indicar que de nada lhe servia naquele momento; e, finalmente, sua mão estaria do lado de fora para indicar que veio ao mundo vazia e se despedia dele da mesma forma (outros afirmam que a mão era sinal de despedida deste mundo).


Em alguns cerimoniais católicos é posta em destaque esta certeza: a morte nivela a todos, como este abaixo descrito:


“Morreu em 1916 Francisco José, imperador da Áustria, que por muitos anos soubera conservar sob o poderio paternal de seu cetro a muitos povos que antes viviam em contínuas guerras. O féretro foi levado à cripta da igreja dos Padres Capuchinhos de Viena, onde jazem outros reis e imperadores.


O mestre de cerimônias bateu à porta.


- Quem é? – perguntou do outro lado de dentro, segundo o cerimonial, um frade capuchinho.


Os cortesãos responderam:


- Francisco José, imperador e rei.


De lá de dentro a mesma voz austera do frade respondeu:


- Não o conheço.


Um momento de silêncio dentro da cripta... Do lado de fora, à porta, deliberavam os senhores e políticos... Batem outra vez. E outra vez insiste de dentro o guardião daquelas tumbas:


- Quem é?


- Francisco José de Habsburgo –responderam de fora os que sustentam em seus ombros o régio féretro.


E de novo ouve-se a voz do frade:


- Não o conheço.


Mais um momento de silêncio... mais um instante de deliberação... Urge, porém, entregar à terra aqueles restos mortais que foram ontem de homem tão grande e que hoje ninguém os quer em parte alguma... Por isso, após um instante de imponente silêncio, outra vez a voz do Capuchinho interroga:


- Quem é?


E o que responde em nome da política e da grandeza do império austríaco, responde agora:


- Um pobre morto...


A voz serena e imutável do guardião daqueles túmulos responde imediatamente:


- Entre!


E abriram-se as portas, e entreva o cadáver e ali, como pobre morto, foi enterrado o célebre imperador: Francisco José, rei e imperador da Áustria.


É certo que a morte nivela tudo. De toda a grandeza, como de toda a miséria, após a morte resta um cadáver que dentro em pouco não será mais que pó e cinza” .



III – Meditações sobre a morte





A) São Luís Maria Grignion de Montfort


1. Disposições para a morte:

a) Disposições remotas:


1º ) Pensar todos os dias na morte, que é: 1) certa; 2) próxima; 3) enganosa; 4) terrível; 5) cruel; 6) semelhante à vida.


2º ) Viver bem, quer dizer: 1) evitar o pecado mortal e o venial deliberado; 2) combater a paixão dominante; 3) amar a cruz; 4) receber freqüentemente os sacramentos; 5) dedicar-se à oração e obediência; 6) ter uma grande devoção à Santíssima Virgem.


3º ) Fazer sem demora o próprio testamento: 1) mandar celebrar missas antes de morrer; 2) fazer o supra-citado testamento na devida forma; 3) restituir os bens injustamente adquiridos; 4) pagar as dívidas.


4º ) Ser fiel a certas práticas piedosas dos santos aptas para pensar na morte e preparar-se para ela. Assim, por exemplo: 1) ao deitar-se, colocar-se na posição de morto; 2) em toda comida, tomar um pedaço de pão como para alimentar os vermes que um dia consumirão nosso corpo; 3) considerar as enfermidades como companheiras da morte; 4) ter no quarto uma caveira e meditar o que foi a pessoa do defunto, o que fez, disse e pensou, o que é agora, e o que será, e refletir sobre si mesmo; 5) fazer o próprio ataúde e mortalha e beijá-los todos os dias.


b) Disposições próximas:


1º ) Sofrer pacientemente a enfermidade: 1) porque Deus a deu; 2) porque pode livrar-nos do desterro; 3) porque nos faz expiar os próprios pecados/ 4) acreditar firmemente que ela nos levará à morte.


2º ) Receber os sacramentos da penitência, a eucaristia e a unção dos enfermos: 1) oportunamente e antes que o insinuem os amigos e familiares; 2) com arrependimento, humildade e ação de graças; 3) com fervor.


3º ) Escolher dois bons amigos: 1) para que mantenham afastados do aposento os parentes, amigos e pessoas inúteis; 2) para que te ajude a fazer atos de fé, esperança e caridade; 3) para que te ajudem a preparar-se para receber os sacramentos; 4) para que te sustentem nas tentações.


4º ) Resistir às tentações do demônio: 1) à tentação contra fé, dizendo simplesmente: “Creio em Deus” ou “Creio quanto crê a Igreja Católica”; 2) à tentação contra a esperança, apoiando-se nos méritos do Senhor e na onipotente intercessão de Maria; 3) à tentação da impaciência, considerando os padecimentos de Jesus Cristo, a recompensa que te está prometida, os tormentos da outra vida, a gravidade de teus próprios pecados.


5º ) Resistir à tentação da vanglória e presunção com a lembrança dos pecados cometidos, seu número e gravidade, com uma olhada à infinita santidade de Deus.


6º ) Resistir à tentação dos amigos interessados, e dos parentes, afastando-os em quanto possível, não tomado parte em seus prantos demasiados humanos, em seus conselhos interessados nem em suas falsas promessas.


c) Últimas disposições


1. Perdoar de todo coração a todos os inimigos, a exemplo de Jesus Cristo.


2. Pedir perdão a quem haja ofendido e a quantos tenha dado ocasião de ofender a Deus.


3. Entregar o próprio espírito nas mãos de Deus.


4. Devolver à terra o próprio corpo e aceitar sua corrupção.


5. Orar a Deus por ti mesmo e pelos demais.


6. Encomendar à Santíssima Virgem todos os parentes e amigos.


7. Exortar toda a família à verdadeira devoção à Santíssima Virgem.


8. Renovar as promessas do santo batismo e despedir-te de todas as criaturas da terra.


9. Dar graças à misericórdia infinita de Deus por todos os favores e abandonar-te inteiramente ela.


10. Adorar os juízos de Deus sobre ti, sejam o que forem.


11. Oferecer-te à justiça de Deus, em união com Jesus Cristo, coloque-te onde te colo-que, com tal que possa amá-Lo.


12. Desejar ardentemente poder gozar de Jesus Cristo e de Seu Reino.


13. Fazer-te rezar as orações dos agonizantes e responder a elas; fazer-te ler a paixão do Senhor ou a oração que o Divino Mestre pronunciou antes de Sua morte, como se acha no capitulo 17 do Evangelho de São João.


14. Se for possível, recitar o salmo “Que alegria quando me disseram” e o “Magnificat”.


15. Por último, em união de Jesus e Maria, sem preocupação de outro gênero, sem outra companhia que a de teus amigos, esperar com alegria a hora ditosa da morte, dizendo com freqüência: “Jesus, Maria e José” (para ganhar as indulgências das confrarias nas quais estejais inscrito), beijando o crucifixo, contemplando a imagem de Santíssima Virgem, fazendo o sinal da cruz e espargindo água benta sobre o próprio leito.




2. Orações para as sete unções da Extrema-Unção

Aos olhos:

Dulcíssimo Jesus, te peço, pelas lágrimas que derramaste, que apagues os pecados que cometi pela intemperança da vista, a fim de que, terminado o curso de minha vida, possa ver a beleza de Teu rosto, que constitui o paraíso de meus olhares.

Aos ouvidos:


Dulcíssimo Jesus, te peço, pela celestial pureza de Teu ouvido, que laves a impureza do meu, a fim de que na hora da morte não tema ouvir de tua boca uma sentença condena-tória e possa apresentar-me com alegria ante teu trono para receber o prêmio e escutar as doces palavras: “Vinde, benditos de meu Pai, herdai o Reino preparado para vós desde a criação do mundo”.


Ao nariz:


Dulcíssimo Jesus meu, te peço, pelo suave perfume de tuas virtudes e a paciência com que suportaste a fetidez do Calvário a fim de livrar-me da do inferno, que perdoes os pecados que tenho cometido com minha delicadeza e com os gastos supérfluos feitos para satisfazer meu olfato, a fim de que, na hora de minha morte, nada me impeça de dizer-te: “atraí-me até ti. Suave é o aroma de teus perfumes”.


À boca:


Dulcíssimo Jesus meu, te peço, pela força das santas palavras saídas de teus lábios, que perdoes a intemperança dos meus e a incontinência de minha língua, a fim de que – ao sair deste desterro – possa eu entrar alegremente no templo de tua glória e cantar eternamente teus louvores.


Às mãos:


Dulcíssimo Jesus meu, te peço, pelas sagradas chagas de tuas mãos, que anules as desordens que tenho cometido pelas minhas, a fim de que depois de minha morte possa abraçar-te estreitamente e unir-me contigo para sempre.

Aos pés:


Dulcíssimo Jesus meu, te peço, pelas sagradas chagas de teus pés, que me perdoes todos os passos que tenho dado pelos caminhos da iniqüidade, a fim de que minha alma, liberada do peso deste corpo mortal, alce o vôo até ti, que és centro e lugar de seu descanso.


Às entranhas:


Dulcíssimo Jesus meu, te peço, pela doce chaga de teu coração, pela inocência de tua vida santíssima, que perdoes os vergonhosos excessos de minha concupiscência. Lava-me, rogo-te, em teu sangue, no que ponho minha esperança. Aplica-me os méritos da água que brotou de seu sagrado costado para lavar as manchas de meu corpo e de minha alma, a fim de que, plenamente purificado, possa sair desta miserável escravidão e encontrar-me feliz em ti, que sois o verdadeiro paraíso de eternas delícias. “Oh Deus! Cria em mim um coração puro. Lava de todo meu delito, purifica meu pecado”.



3. As últimas sete palavras de Jesus Cristo


A primeira: “Pai, perdoai-os, que não sabem o que fazem”.

Oração – Oh Jesus, que rezaste por teus inimigos enquanto te crucificavam!, perdoa minhas culpas, como eu perdôo de coração a todos os que me tem ofendido.

A segunda: “Te asseguro: hoje mesmo estarás comigo no paraíso”.

Oração – Oh Jesus, que prometeste o paraíso ao bom ladrão arrependido!, te conjuro, por tua infinita bondade, que te lembres de mim na hora de minha morte e me concedas a verdadeira contrição de meus pecados.

A terceira: “Mulher, esse é teu filho. Filho, essa é tua Mãe”.


Oração – Oh Jesus, que ao morrer demonstrou a ternura de teu coração com tua Mãe e lhe tem recomendado todos teus discípulos na pessoa de São João!, rogo-te que me co-loques sob sua proteção e me dês um coração de filho para honrá-La.


Oh Maria!, lembra-te que Teu Filho crucificado te encomendou minha alma. Mostra-lhe que sois uma Mãe boa e que te interessas por mim: “Monstra te esse ma-trem”.


A quarta: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?”

Oração – Oh Jesus, que num excesso de amor quiseste sofrer o abandono do Pai por temor a abandonar os pecadores!, não me deixes só, rogo-te, na hora de minha morte, quando todos me abandonem. Tu sois meu único refúgio! Esconde-me em tuas chagas e faz que encontre nelas meu consolo e salvação.


A quinta: “Tenho sede”.

Oração – Oh Jesus, que quiseste provar o fel e o vinagre por causa da ardente sede que sentias pela glória do Pai e minha perfeição!, te peço que repares todas as minhas friezas passadas e acendas em meu coração um vivo desejo de servir-te e glorificar-te eternamente. Amém.


A sexta: “Tudo está consumado”.

Oração – Oh Jesus, que te fez obediente à vontade do Pai e tens consumado com tua morte a obra de nossa redenção!, concedei-me cumprir e realizar perfeitamente, antes de minha morte, todos os desígnios sobre mim para tua glória e meu maior bem.


A sétima: “Pai, em tuas mãos encomendo meu espírito”.

Oração – Oh Jesus, que antes de morrer encomendaste teu espírito em mãos do Pai!, te peço que recebas o meu nos braços de tua misericórdia ao exalar meu último suspiro. Esconde-o no tabernáculo de teu amoroso coração neste momento terrível em que se acha em perigo de cair no abismo. Guarda-o nesse divino santuário contra todos os esforços de meus inimigos. Faz resplandecer sobre mim as maravilhas de tua graça, tu que com braço onipotente salvas a quantos esperam em ti. “Guarda-me como as meninas de teus olhos”, de quantos te resistem e tentam inverter teus desígnios de salvar-me. “À sombra de tuas asas esconde-me dos malvados que me assaltam.”


4. O Testamento Espiritual

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo;


Salvador meu amabilíssimo, ao sentir-me próximo da morte, porém achando-me ainda, por tua graça, em plena posse de minhas faculdades, protesto, ante tua divina Majestade e em presença de meu anjo da guarda, que quero morrer na fé e sentimentos da Igreja Católica, Apostólica, Romana, na que morreram todos os santos e amigos teus.


1. Deus meu, creio firmemente quanto nos tens revelado e rechaço desde agora todas as tentações contra a fé e a esperança que possam chegar-me por malícia do demônio ou debilidade de meu espírito.


2. Aceito a morte por teu amor desde este momento, não tanto para ser libertado das misérias da vida e gozar mais rápido da glória quanto para cumprir fielmente tua vontade.


3. Me submeto a quanto queiras fazer-me padecer no corpo e na alma e te ofereço minhas dores em união de tua santíssima agonia para satisfazer a tua justiça e reparar as culpas que tenho cometido contra tua glória.


4. Renuncio desde agora ao mundo, à carne, à vida presente, ao uso dos sentidos, à companhia dos vivos e a todos os deleites da natureza, porque assim o queres tu e mereço ser privado de tudo isso.


5. Dulcíssimo e misericordioso Senhor, espero de tua bondade o perdão de minhas culpas, porque tua clemência supera infinitamente a grandeza de meus pecados. Deus meu, ponho toda minha confiança no abismo de tuas misericórdias e nos méritos de tua morte, fonte de todas as bênçãos celestes, e espero o perdão, que tu imploraste com lágrimas de sangue, e a graça de permanecer em teu amor até à morte. “A ti, Senhor, me acolho; não fique eu derrotado para sempre”.


6. Deus meu, meu supremo bem e último fim, que me tens mandado amar-te: declaro em tua divina presença que quero obedecer esta ordem com todo meu coração e desejo vivamente que minha alma seja purificada e libertada de qualquer outro amor. Renuncio com todas minhas forças a qualquer outro interesse. Só quero ocupar-me de ti, meu Deus e meu Tudo, no tempo e na eternidade. Que eu seja todo teu e todo para ti, como o sois todo para mim! Quanto o sinto o haver te amado tão tarde e tão pouco! “Tarde te tenho amado, oh beleza tão antiga: tarde te tenho amado!”


7. Oh dita, luz e vida minha!’, te desejo de todo o coração. Anelo indizivelmente estar perto de ti para amar-te e glorificar-te com toda a pureza e perfeição possíveis. Por isso te suplico, Deus de meu coração, que livres minha alma da prisão do corpo. Rompe, te peço, os laços que a aprisionam e dá-lhe a liberdade de teus filhos, a fim de que ela te cante pela eternidade hinos de bênçãos na pátria dos vivos, porque só nela e não na dos moribundos poderei louvar-te e amar-te perfeitamente. “Caminharei em presença do Senhor, no país da vida”. Só ali poderei, meu Deus, agradar-te sem desagrado; contemplar-te sem obscuridade, amar-te sem inconstância e servir-te sem defeitos”. “(Minha alma) tem sede de Deus, do Deus vivo. Que agradáveis são tuas moradas, Senhor dos exércitos! Ao despertar me saciarei de teu semblante”. Até então, oh Senhor!, não terei paz, meu coração não deixará de latir e seguirá languescido de amor. Criaste para ti meu coração, que seguirá inquieto até descansar plenamente em ti.


8. Pai eterno, Pai das misericórdias, Pai das luzes, de quem descende todo dom perfeito, te agradeço infinitamente – por meio do coração de Jesus – todos os favores que dignastes conceder-me graças somente a tua bondade: te agradeço todos os instantes de minha longa vida, que coloco em tuas mãos com coração superabundante de gratidão e amor. Te dou graças humildemente pelo uso deles que me tens concedido. Te dou graças também por todos os momentos de feliz eternidade e por todos os bens de glória que espero graças aos méritos das chagas de meu Salvador, que os ganhou para mim com tantos sacrifícios. Convido a todos os santos e a todas as criaturas a louvar-te em nome meu. “Todo ser que alenta louve ao Senhor”.


9. Ai de mim! Quando penso no mal uso que tenho feito de todos estes bens e na ingratidão com que te tenho correspondido, sinto vivíssima dor e profundo remorso de toda minha vida miserável. Te peço humildemente perdão de tudo isso e te suplico que apagues as manchas de minha alma com o sangue de teu amantíssimo Filho, que esqueças as minhas negligências passadas, que tantas vezes me tem afastado das sendas do Espírito Santo, frustrando os desígnios de tua misericórdia sobre mim. “Não chames a juízo teu servo”, e, dado que não recusas o sacrifício de um coração contrito e humilhado, concede-me a graça de chorar minhas culpas durante o tempo que ainda resta de vida e que possa morrer em espírito de penitência, a exemplo de todos teus santos.


10. Senhor Jesus Cristo! Te peço, pelo ardente amor que separou tua alma santíssima de teu corpo adorável, que meu coração ferido de amor e dilacerado de dor consiga apaziguar tua justa indignação. Virgem Santíssima, feliz porta do céu, dá-me uma lágrima de teu filho e um suspiro de teu coração transpassado de dor aos pés da cruz. Supre tu minha contrição e recebe minha alma entre as daqueles que por intercessão tua alcancem o perdão de suas culpas e a vida eterna. Oh meu fiel anjo da guarda!, te encomendo o último instante de minha vida. Assiste-me tão poderosamente contra meus inimigos que possa sair vencedor no último combate, e morrer assim no amor e pelo amor de meu Deus e dulcíssimo Salvador meu. Amém”.


B) São Francisco de Sales




I - Preparação


1. Põe-te na presença de Deus.


2, Pede a Deus a sua graça.


3. Imagina que te achas enfermo, no leito de morte, sem nenhuma esperança de vida.






II - Considerações






1. Considera, minha alma, a incerteza do dia da morte. Um dia sairás do teu corpo. Quando será? Será no inverno ou no verão ou em alguma outra estação do ano? No campo ou na cidade, de noite ou de dia? Será dum modo súbito ou com alguma preparação? Será por algum acidente violento ou por uma doença? Terás tempo a um sacerdote para te confessares? Tudo isto é desconhecido, de nada sabemos, a não ser que havemos de morrer indubitavelmente e sempre mais cedo que pensamos.


2. Grava bem em teu espírito que então para ti já não haverá mundo, vê-lo-ás perecer ante teus olhos; porque então os prazeres, as vaidades, as honras, as riquezas, as amizades vãs, tudo isso se te afigurará como um fantasma, que se dissipará ante tuas vistas. Ah! Então haverás de dizer: por umas bagatelas, umas quimeras, ofendi a Deus, isto é, perdi o meu tudo por um nada. Ao contrário, grandes e doces parecer-te-ão então as boas obras, a devoção e as penitências, e haverás de exclamar: Oh! Porque não consegui eu esta senda feliz? Então, os teus pecados, que agora tens por uns átomos, parecer-te-ão montanhas e tudo o que crês possuir de grande em devoção será reduzido a um quase nada.


3. Medita nesse adeus grande e triste que tua alma dirá a este mundo, às riquezas e às vaidades, aos amigos, a teus pais, a teus filhos, a um marido, a uma mulher, a teu pró-prio corpo, que abandonarás imóvel, hediondo de ver e todo desfeito pela corrupção dos humores.


4. Prefigura vivamente com que pressa levarão este corpo miserável, para lançá-lo na terra, e considera que, passadas essas cerimônias lúgubres, já não se pensará mais de todo em ti, assim como tu não pensas nas pessoas que já morreram. “Deus o tenha em sua paz” – hás de dizer-se – e com isso está tudo acabado para ti neste mundo. Ó morte, sem piedade és tu! A ninguém poupas neste mundo.


5. Adivinhas, se podes, que rumo seguirá tua alma, ao deixar o teu corpo. Ah! Para que lado se há de voltar? Por que caminho entrará na eternidade? – É exatamente por aquele que encetou já nesta vida.






III – Afetos e resoluções






1. Ora ao Pai das misericórdias e lança-te em seus braços. Ah! Tomai-me, Senhor, debaixo de vossa proteção, neste dia terrível, empenhai a vossa bondade por mi, nesta hora suprema de minha vida, para torná-la feliz, ainda que o resto de minha vida seja referto de tristezas e aflições.


2. Despreza o mundo. Já que não sei a hora em que hei de te deixar, ó mundo; já que esta hora é tão incerta, não me quero apegar a ti. Ó meus queridos amigos, permiti que vos ame unicamente com uma amizade santa e que dure eternamente; pois, para que unir-nos de modo que seja preciso em breve romper esses laços?


Quero preparar-me para esta última hora; quero tranqüilizar minha consciência; quero dispor isso e aquilo em ordem e predispor-me do necessário para um passamento feliz.






IV - Conclusão






Agradece a Deus por estas boas resoluções que te fez tomar, e oferece-as à divina Majestade; suplica-lhe que, pelos merecimentos da morte de Seu Filho, te prepare uma boa morte; implora a proteção da Santíssima Virgem e dos Santos.


Pai-Nosso.


Ave-Maria




C – “Manná do Christão”


Necessidade de preparação para a morte

I – Composição do lugar


Imagina que te achas nos últimos momentos de vida, deitado na cama, rodeado de parentes e amigos, com a vela na mão, o padre a te exortar, e o mesmo Deus a te dizer: ordena os teus negócios, porque vais morrer!

II -Petição


Pede a Deus a graça de conheceres e sentires o que na morte te acontecerá, e compreenderes os motivos de te preparar.

III - Considerações

Ponto primeiro – Considera que chegará um dia em que morrerás, posto que não cuides nisso ou não queiras. Muito embora tenhas saúde, sejas robusto, sadio, moço, rico, morrerás. A fé ensina isto e confirma-o a experiência quotidiana. Quantos conhecestes tão moços, rijos e sãos como tu, e que já morreram! Cuidas tu ser de natureza diferente? Ainda que não penses na morte e faça e esforços para afugentar de tua memória o pensamento dela, morrerás. Sim, sim, morrerás, e com a morte deixarás tudo: riqueza, móveis, jóias, amigos, até o teu próprio corpo, esse corpo até com o qual te ocupas agora tanto, no qual pensas tão amiudadas vezes, e que regalas tanto, não lhe negando cousa alguma. Esse corpo a quem com tanta dedicação procuras toda a sorte de mantimento, vestuário e comodidades; esse corpo, que com tanta diligência procuras poupar às moléstias, para o qual são poucos todos os remédios, e que nunca achas assaz descansado; esse corpo morrerá e se decomporá num esquife: será pasto de vermes e reduzido ao pós de que foi formado! Mas não acaba tudo com a morte. Tu discorres, tu refletes, conheces o bem e o mal; ora, isso com que discorres não é o corpo; tens um espírito, uma alma que, por ser imaterial e espiritual, não pode morrer como o corpo; a alma vai para a eternidade, feliz no céu ou infeliz no inferno. A fé e a razão te ensina que, se queres ir para o céu, deves servir a Deus, fazer boas obras, guardar os mandamentos e cumprir as obrigações do teu estado. Isto é indiscutível, é de fé; e também o é que na morte se decidirá da tua sorte, e que então não poderás mais remediar o mal que tiveres feito. Considera a necessidade que tens de viver preparado.

Pondera os quatro motivos de amargura que te atormentarão naquela hora, se a tempo não te preparares:


I – Os males do corpo; ah! Se agora não praticas as virtudes, se não te habituas a sofrer por Deus e por amor do céu, quanto padecerás então!


II – Os pecados cometidos: quantos remorsos, se os não confessaste bem ou se não te emendaste em vida!


III – A separação das pessoas amadas e a perda dos interesses causa grande desconsolo àquele que tinha posto neles o seu coração.


IV – O horror do Juízo.


Desgraçado do moribundo que se achar em pecado! Vai ser acusado pelo demônio, repreendido pelo Juiz divino e sentenciado para o fogo eterno do inferno...! Prepara-te, pois, agora: e assim, para mereceres benévolo julgamento, pergunta a ti mesmo com vontade de remediar o mal feito. Como vivi até hoje? Guardei os mandamentos? Cumpri as obrigações do meu estado? Que pecados cometi? Fiz as minhas confissões com a devida dor e propósito? Comunguei com as devidas disposições?... Examina-te e emenda-te, enquanto tens tempo.


Ponto segundo – Considera que a hora da morte é totalmente desconhecida e incerta; assim o diz Jesus Cristo. Não sabes se viverás dez, vinte ou trinta anos; até nem sabes se acabarás o mês que começaste, nem se morrerás antes de fazer outro dia de retiro. Quem sabe se algum dia deitar-te-ás sadio e tranqüilo, e acordarás no tribunal de Deus, como a muitos tem sucedido? Lembra-te de que podes morrer dum acidente, de febre... de apoplexia... dum alimento envenenado; às mãos dum assassino... Não vês quantos casos semelhantes dão-se todos os dias? E não poderia colher-te a morte, ainda agora mesmo, ao meditares estas cousas? E se isto acontecesse, o que quererias ter feito? E pode suceder... Examina, pois, como se acha a tua consciência, perguntando-te: Estou em graça de Deus ou em pecado? Em que ocupo minha vista? Olho para as pessoas ou coisas que agitam paixões? Escuto coisas que ofendem a Deus? Digo palavras más, indecentes, de louvo próprio, de murmuração? Que paixões me dominam? A luxúria?... a avareza?... a gula?... a inveja?... a preguiça... para rezar e para me recomendar a Deus e para cumprir os meus deveres? Que uso faço dos meus bens? Qual o meu comportamento com os de casa e com meu próximo? Guardo ódio a alguma pessoa? Retenho o alheio? Pensa nisto, com atenção.

Ponto terceiro – Lembra-te de que se morre uma única vez, e desta única vez é que depende a aquisição dum bem infinito ou dum mal espantoso e eterno; isto é de fé, tu bem o sabes. Como és louco e néscio se não te preparar com tempo. Dize-me: és dos descuidados? Adias talvez esta preparação por amor de teus bens? Lembra-te de que os deixarás, que passarão a outras mãos, que talvez os gastarão em folias, jogos ou torpezas, e acaso usarão deles em maldizer-te! Não vês que isso mesmo acontece cada dia? Ou não te preparas bem levado pelo respeito humano, pelo que possam pensar ou dizer os homens? Ah! Como és néscio! Porventura, quando chegar a morte, poderão os homens livrar-te ou defender-te dela, de seus horrores e conseqüências? Poderão acrescentar a teus dias um quarto de hora, ou livrar-te-ão dos males do corpo ou das angústias da alma? Poderão defender-te no tribunal de Deus e aliviar-te com uma gota de água, se por causa deles fores para o inferno? Ah! se te acontecesse tal desgraça, os amaldiçoarias com ódio espantoso, e eles mesmos seriam o mais terrível de teus tormentos naquele lugar de penas. Não te deixes enganar pelo vão respeito daqueles que, depois de expirares, não pensarão mais em ti.


É talvez o amor a teu corpo, os deleites e prazeres que o impedem? Mas de que te servirá tudo isso na hora da morte, que não podes evitar e que talvez não esteja longe? Então ver-te-ás forçado a exclamar com o mais sábio dos reis: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade e aflição de espírito!” Medita-o agora atentamente, e faze o que quiseras ter feito naquela hora derradeira; pergunta-te: Estou resolvido a mortificar d’ora em diante a vista, a língua e os outros sentidos? Vencerei o meu gênio? Abster-me-ei daqueles pecados que sei...? Guardarei os preceitos de Deus e da Igreja? Viverei bem com a família? Fugirei daquele perigo, daquela ocasião? Quando não quisesse fazer isto qual será o meu fim? Para onde irei? Qual será a minha morte?


(Aqui proporás firmemente a emenda; pedirás a Deus perdão e graça para fazer o que propões, viver melhor no mês que começa, e as outras cousas que precisas; e em seguida dize as deprecações seguintes):


Orações que se convém dizer de vez em quando para pedir uma boa morte


Jesus Cristo, Senhor Nosso, Deus de bondade e Pai de misericórdia, eu me apresento diante d Vós com o coração humilhado, contrito e confuso; imploro a vossa misericórdia para a minha última hora e para o que depois dela me espera.


Quando meus pés, imóveis, me advertirem de que a minha carreira neste mundo está próxima a terminar:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando minhas mãos trêmulas e entorpecidas, não puderem já sustentar a vossa Imagem crucificada, e a meu pesar a deixar cair sobre o leito de minhas dores:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando meus olhos, já vidrados e ofuscados pelo horror da morte iminente, se fixarem em Vós com um olhar lânguido e moribundo:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando meus lábios, frios e trêmulos, pronunciarem pela última vez o vosso nome adorável e o de vossa Mãe Santíssima:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando minhas faces pálidas e lívidas inspirarem aos circunstantes compaixão e terror e os meus cabelos, banhados com o suor da morte, anunciarem estar próxi-mo o meu fim:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando meus ouvidos estiverem próximos a cerrar-se para sempre aos discursos dos homens, e a abrir-se para escutar a vossa voz e a vossa irrevogável sentença:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando minha imaginação, agitada por temerosos fantasmas, estiver submersa em mortais tristezas, e o meu espírito perturbado pelo temor da vossa justiça, lutar contra o demônio, que buscará precipitar-me na desesperação:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando meu débil coração, oprimido pelas dores da enfermidade, exausto de forças, estiver tomado dos horrores da morte:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando derramar minha última lágrima, sintoma da minha destruição, ah!, recebei-a em sacrifício expiatório, e naquele terrível momento:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando meus parentes e amigos, estando em torno de mim, se enternecerem ao ver o meu lastimoso estado, e por mim vos invocarem:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando as últimas ânsias do coração forçarem a minha alma a sair do corpo, aceitai-as como sinais de uma santa impaciência de chegar a Vós; e então:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando esta alma, saindo, abandonar o meu corpo, e o deixar pálido, frio, sem movimento e sem vida, aceitai, Senhor, a destruição do meu ser, como homenagem que presto à vossa divina majestade, e naquela hora:


- ó misericordioso Jesus, tende piedade de mim.


Quando finalmente a minha alma comparecer na vossa divina presença, e ver, pela primeira vez, o esplendor da vossa glória, não a expulseis da vossa presença; mas dignai-vos recebê-la benignamente, para que cante eternamente as vossas misericórdias.




Oração


Ó Deus, que condenando-nos à morte, nos ocultastes a hora e o momento dela; fazei que, vivendo em justiça e santidade todos os dias da nossa vida, possamos merecer a graça de sair do mundo em vosso santo amor, pelos merecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, que convosco vive e reina, na unidade de Deus Espírito Santo. Amém.


Pelos merecimentos e intercessão de Maria Santíssima, Mãe e Advogada dos pecadores, que espero rogará por mim na hora de minha morte... Meu Jesus misericordioso.


Jesus, Maria e José, eu vos dou o meu coração e a minha alma.


Jesus, Maria e José, assisti-me na minha última agonia.


Jesus, Maria e José, fazei que descanse em paz a minha alma.






Oração

(Para alcançar o arrependimento e perdão dos pecados)


Ó Deus onipotente, Pai piedosíssimo e infinito em misericórdia! Vós que não quereis a morte do pecador, senão que se converta e viva, infundi em nossos corações a graça do vosso Divino Espírito, para que, sendo dóceis à vossa... voz e inspirações, possamos todos apagar com lágrimas de contrição os nossos pecados, santificar as nossas almas, e alcançarmos a bem-aventurança da glória pelos méritos de Jesus Cristo, Nosso Senhor, e pela intercessão de Maria Santíssima, nossa Mãe. Amém.


Veja mais: O homem tem necessidade de reverenciar os mortos?

http://quodlibeta.blogspot.com/p/reverencia-devida-aos-mortos.html

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