O JUIZO FINAL

                                               


Explicações preliminares






Em tudo o que ocorre na história da humanidade há sempre uma pré-figura dos planos de Deus. É assim que vários profetas e patriarcas do Antigo Testamento foram pré-figuras de Jesus Cristo; o povo eleito e Jerusalém foram pré-figuras da Igreja; Esaú pré-figura dos maus, e Jacó dos bons; várias personagens foram pré-figuras de Nossa Senhora.


Deste modo, o que Nossa Senhora previu em Fátima poderá ser uma pré-figura do fim do mundo: teremos talvez uma pré-figura do Anti-Cristo e do próprio Apocalipse, assim como também deverão haver varões que precederão Elias e Enoque e serão suas pré-figuras. Isto ocorrerá para que, quando Elias e Enoque vierem, tenham para seus seguidores um exemplo passado de fidelidade, perseverança e guerra contra o poder das trevas. Provavelmente teremos até mesmo ressurreições, quando Deus fará ressurgir varões de Sua destra para conduzir os acontecimentos pessoalmente e fazer com que perseverem até o final os fiéis e filhos da Igreja. Tais ressurreições poderiam ser uma pré-figura da grande ressurreição geral do fim do mundo.


Haverá uma pré-figura do Anti-Cristo? Talvez sim, mas não será necessário para os planos divinos, pois as pré-figuras são, em geral, partes destes planos para a condução dos acontecimentos humanos e se referem apenas aos bons e à Sua Igreja. O Anti-Cristo, necessariamente, não teria um antecessor, pelo menos com as suas características principais. Mas poderão haver alguns homens com tais características e poder, permitido por Deus para castigo dos maus e provação dos bons.


Da mesma forma não haverá necessidade imperiosa de uma pré-figura do Juiz, Nosso Senhor, que virá no Juízo Final ou universal. Isto porque nenhum homem, por mais santo que seja, poderá representar tal Figura. Mas, como é uma simples pré-figura, nada impede que Deus conceda a algum santo varão esta qualidade, pois o próprio Nosso Senhor disse que os seus santos sentarão com Ele no trono para julgar as nações.


A fim de que possamos meditar um pouco sobre estes acontecimentos que se avizinham, expomos a seguir o que deverá ocorrer no fim do mundo, conforme várias fontes fidedignas o dizem.


Profecias sobre o Juízo Final


“Soltai gritos, porque o dia do Senhor está perto; virá do mesmo Senhor uma como total assolação. Por esta causa, todas as nações perderão o seu vigor, todo o coração de homem desanimará e ficará quebrantado. Apoderar-se-ão deles convulsões e dores, e gemerão como a mulher que está de parto; cada um ficará atônito, olhando para o seu vizinho, os seus rostos tornar-se-ão inflamados.


“Eis que virá o dia do Senhor, o dia cruel e cheio de indignação, de ira, de furor, para transformar a terra numa solidão e para exterminar dela os pecadores. Porquanto as estrelas do céu, e o seu resplendor não espalharão a sua luz; cobrir-se-á de trevas o sol no seu nascimento, e a lua não resplandecerá como a sua luz. Castigarei a terra por suas maldades, os ímpios por sua iniqüidade, porei fim à soberba dois infiéis e humilharei a arrogância dos fortes. O homem será mais raro que o ouro e mais precioso que o ouro mais puro. Além disto turbarei o céu, e mover-se-á a terra do seu lugar, por causa da indignação do Senhor dos exércitos, e porque é o dia da sua ira e do seu furor”. (Is 13, 6-13).


“Para ti, que és habitante da terra, está reservado o susto, a cova, o laço. E acontecerá que o que fugir da voz espantosa cairá na cova; o que se desembaraçar da cova ficará preso no laço, porque as cataratas do alto serão abertas e serão abalados os fundamentos da terra. A terra será despedaçada com grandes aberturas, com o seu abalo será desconjuntada; será agitada e cambaleará como um embriagado, será tirada como uma tenda que somente se arma para passar a noite; carregará sobre ela a sua própria iniqüidade, cairá e não tornará a levantar-se. E acontecerá que naquele dia o Senhor visitará a milícia do céu lá no alto, e os reis do mundo que estão sobre a terra. Serão atados todos juntos como num feixe, lançados no lago, onde ficarão ali encerrados no cárcere e depois de muitos dias serão visitados. A lua se tornará vermelha e o sol se obscurecerá, quando o Senhor dos exércitos reinar no monte Sião e em Jerusalém, e quando for glorificado na presença dos seus anciãos”. (Is 24, 16-23).


“Publicai isto entre as nações, preparai-vos para a guerra, animai os valentes; venham, ponham-se em marcha todos os homens de guerra. Forjai espadas das relhas dos vossos arados, e lanças de ferro dos vossos enxadões. Diga o fraco: Eu sou forte. Saí de tropel, vinde todas as nações dos contornos, juntai-vos; aí fará o Senhor perecer os vossos valentes. Levantem-se as nações e vão vale de Josafá; porque ali me sentarei para julgar todas as nações em círculo. Ponde as foices ao trigo, porque já está madura a messe; vinde, descei, porque o lugar está cheio, as cubas deitam por fora, porque a sua malícia chegou ao cúmulo. Povos, povos, ao vale da matança; porque o dia do Senhor está perto, ao vale da matança. O sol e a lua obscurecer-se-ão, as estrelas retirarão o seu esplendor. O Senhor rugirá de Sião, e de Jerusalém fará ouvir a sua voz; os céus e a terra tremerão; mas o Senhor será a esperança do povo e a fortaleza dos filhos de israel.( Joel 3, 9-16)


“O dia grande do Senhor está próximo; está próximo, vai chegando com velocidade; amargo é o ruído do dia do Senhor; o forte se verá nele com grande aperto. Esse dia será um dia de ira, um dia de tribulação e angústia, um dia de calamidade e miséria, um dia de nuvens e tempestades, um dia de trombetas e de gritos guerreiros contra as cidades fortificadas e contra as torres elevadas. Eu atribularei os homens, os quais andarão como cegos, porque pecaram contra o Senhor, o seu sangue será derramado como a poeira, os seus corpos serão como esterco. Mas nem a sua prata, nem o seu ouro os poderá livrar do dia da ira do Senhor; no fogo do seu zelo será devorada toda a terra, porque ele se apressará a exterminar todos os habitantes da mesma terra”. (Sof 1, 14-18).




A Ira divina


A irmã Faustina Kowalska, falecida pouco antes de se iniciar a Segunda Grande Guerra e canonizada no ano 2000 por João Paulo II, teve várias visões de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Nossa Senhora, as quais foram escritas num diário. Numa delas a Santa viu a manifestação da cólera divina desta forma (cujo texto repetimos adiante) :


"À noite, quando me encontrava na minha cela, vi o Anjo executor da ira Divina. Estava vestido de branco, com o rosto radiante, uma nuvem a seus pés, da nuvem saíam trovões e relâmpagos para as suas mãos, e delas só então atingiam a terra. Quando vi esse sinal da ira Divina, que deveria atingir a terra, e especialmente um determinado lugar que não posso mencionar por motivos justos, comecei a pedir ao Anjo que se detivesse por alguns momentos, que o mundo faria penitência. O meu pedido porém não significava nada diante da ira Divina. Nesse momento vi a Santíssima Trindade. A grandeza de Sua Majestade traspassou-me profundamente e eu não ousava repetir minha súplica..."


"Essa oração é para aplacar a Minha ira: recitá-la-ás por nove dias por meio do terço do Rosário da seguinte maneira: primeiro rezarás um Pai Nosso e Ave Maria e o Credo, em seguida, nas contas de Pai Nosso, dirás as seguintes palavras: Eterno Pai, eu Vos ofereço o Corpo e Sangue, Alma e Divindade de Vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, em expiação dos nossos pecados e dos do mundo inteiro; nas contas das Ave Maria rezarás as seguintes palavras: pela Sua dolorosa Paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro. No fim rezarás três vezes estas palavras: Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós e do mundo inteiro".


("Diário da Serva de Deus Ir. Faustina Kowalska, professa perpétua da Congregação de N. S. da Misericórdia"- Congregação dos Padres Marianos - Curitiba-PR, págs. 160/161)


Na Sagrada Escritura, constam vários textos que falam da cólera divina:


Não tardes em te converter ao Senhor, e não o adies, porque sua ira poderá irromper de súbito e no tempo da vingança te perderás. (Ecl 5, 8-9).


Porventura não odiei eu, Senhor, os que te odiavam, e não me consumia por ódio de teus inimigos? Com ódio perfeito os odiei; e eles tornaram-se meus inimigos (Salmos 138, 21-22).


“Porque a misericórdia e a ira estão sempre com ele; é poderoso para perdoar, e também o é para derramar a sua ira.


“Os seus castigos igualam a sua misericórdia; julga os homens segundo as suas obras.


“Não escapará o pecador com as suas rapinas e a paciência do que usa de misericórdia não tardará em ser recompensada”. (Eclesiástico 16, 12-14)


Na ira pode haver mal quando alguém odeia mais ou odeia menos do que é conforme à reta razão. Mas se a ira permanece no âmbito da reta razão, é louvável. ( S.Tomás de Aquino).


“Não obstante, diz-se por analogia que Deus odeia algumas coisas, e isso de diversas maneiras.


Em primeiro lugar, porque Deus, amando as coisas, quer que haja o bem delas e, em contrário, que não haja o mal delas. Donde dizer-se que Deus tem ódio dos maus, porque aquilo que desejamos que não seja, dizemos que o odiamos, conforme se lê nas Escrituras: Cada um de vós não pensa mal contra os amigos nos vossos corações: e também não ama com falso juramento. Tudo isso são coisas que eu odeio, diz o Senhor (Zc, 8, 17). Tais coisas, porém, não são efeitos como realidades subsistentes, das quais se tem propriamente ódio e amor.


Em segundo lugar, porque Deus quer um bem maior que não pode haver sem a privação de um bem menor. Diz-se, então, que Deus odeia, mas sendo isto antes amor. Assim, por exemplo, enquanto quer o bem da justiça ou da ordem do universo, que não se podem salvar sem a punição ou destruição de alguns, diz-se que Deus odeia aqueles dos quais quer a punição ou a destruição, conforme está na Escritura: Tive ódio de Esaú (Ml 1, 3); Odiaste todos os que fizeram iniqüidades, condenarás todos os que mentem. O homem sanguinário e falso é abominado pelo Senhor (Sl 5, 7).”
(São Tomás de Aquino – Suma Contra os Gentios – Cap. XCVI – Livro I – tradução de D. Odilão Moura, OSB - 1990)


A ira divina também era objeto de comentários dos Profetas. Abaixo, transcrevemos alguns, extraídos dos Livros dos Profetas do Antigo Testamento:


Isaías
“Apesar de tudo isto, não se aplacou o seu furor, mas ainda está levantada a sua mão.


Por que a impiedade se acendeu como um fogo, ela devorará os abrolhos e os espinhos, atear-se-á na espessura do bosque, e subirão ao alto turbilhões de fumaça. Turbou-se a terra pela ira do Senhor dos exércitos e virá a ser o povo como pasto de fogo; o irmão não perdoará a seu irmão. Voltar-se-á para a direita, e terá fome; comerá à esquerda, e não se fartará; cada um devorará a carne do seu braço: Manassés a Efraim, e Efraim e Manassés, os mesmos juntos levantarão contra Judá. Apesar de tudo isto, não se aplacou o seu furor, mas ainda está levantada a sua mão. (Is 9, 17-21).


“Ai dos que decretam leis iníquas... Apesar de tudo isto, não se aplacou o seu furor, mas ainda está levantada a sua mão” (Is 10, 1-4).


“Soltai gritos, porque o dia do Senhor está perto; virá do mesmo Senhor uma como total assolação. Por esta causa, todas as nações perderão o seu vigor, todo o coração de homem desanimará e ficará quebrantado. Apoderar-se-ão deles convulsões e dores, e gemerão como a mulher que está de parto; cada um ficará atônito, olhando para o seu vizinho, os seus rostos tornar-se-ão inflamados.


“Eis que virá o dia do Senhor, o dia cruel e cheio de indignação, de ira, de furor, para transformar a terra numa solidão e para exterminar dela os pecadores. Porquanto as estrelas do céu, e o seu resplendor não espalharão a sua luz; cobrir-se-á de trevas o sol no seu nascimento, e a lua não resplandecerá como a sua luz. Castigarei a terra por suas maldades, os ímpios por sua iniqüidade, porei fim à soberba dois infiéis e humilharei a arrogância dos fortes. O homem será mais raro que o ouro e mais precioso que o ouro mais puro. Além disto turbarei o céu, e mover-se-á a terra do seu lugar, por causa da indignação do Senhor dos exércitos, e porque é o dia da sua ira e do seu furor”. (Is 13, 6-13).


“Eis que o Senhor devastará a terra e a despojará, afligirá a sua face e dispersará os seus habitantes. E, assim como for tratado o povo, assim será o sacerdote; como o criado, assim o amo; como a serva, assim a sua senhora; como o que compra, assim aquele que vende; como o que dá o juro, assim o que toma emprestado; como o credor, assim o devedor. A terra será inteiramente devastada e entregue ao saque; porque o Senhor assim o decretou. A terra desfaz-se em lágrimas, consome-se e desfalece; perece o mundo, e é abatida a grandeza do povo da terra. A terra ficou infeccionada pelos seus habitantes, porque transgrediram as leis, mudarem o direito, romperam a aliança eterna.


“Por esta causa, a maldição devorará a terra, pecarão os seus habitantes; por isso serão insensatos os que a cultivam e deixados poucos homens. Chora a vindima, enfraquece a vide, gemem todos os que se alegram de coração. Cessou o regozijo dos tambores, acabaram os gritos de alegria, calou-se a doçura da cítara. Não beberão vinho cantando árias; a bebida será amarga como os que a beberem. A cidade da confusão está demolida, fechadas se encontram todas as suas casas; não entrando nelas pessoa alguma. Nas ruas haverá clamar por causa (da falta) do vinho; toda a alegria cessou; o prazer da terra foi banido. Ficou na cidade a solidão, e a calamidade oprimirá as suas portas” (Is 24, 1-12).


“Para ti, que és habitante da terra, está reservado o susto, a cova, o laço. E acontecerá que o que fugir da voz espantosa cairá na cova; o que se desembaraçar da cova ficará preso no laço, porque as cataratas do alto serão abertas e serão abalados os fundamentos da terra. A terra será despedaçada com grandes aberturas, com o seu abalo será desconjuntada; será agitada e cambaleará como um embriagado, será tirada como uma tenda que somente se arma para passar a noite; carregará sobre ela a sua própria iniqüidade, cairá e não tornará a levantar-se. E acontecerá que naquele dia o Senhor visitará a milícia do céu lá no alto, e os reis do mundo que estão sobre a terra. Serão atados todos juntos como num feixe, lançados no lago, onde ficarão ali encerrados no cárcere e depois de muitos dias serão visitados. A lua se tornará vermelha e o sol se obscurecerá, quando o Senhor dos exércitos reinar no monte Sião e em Jerusalém, e quando for glorificado na presença dos seus anciãos”. (Is 24, 16-23).


“Eis que o nome do Senhor vem de longe, o seu furor é ardente e insuportável; os seus lábios estão cheios de indignação e a sua língua é como um fogo devorador. O seu sopro é como uma torrente que, inundando, chega até ao meio do pescoço, para perder e aniquilar as nações, e (quebrar) o freio do erro, que estava nos queixos dos povos.


O Senhor fará ouvir a sua voz majestosa, mostrará o terror do seu braço nas ameaças do seu furor e com as chamas de um fogo devorador; quebrará tudo com tempestades e pedras de saraiva”. (Is 30, 27-30)


“Vinde cá, ó nações, e ouvi; povos, estai atentos; ouça a terra e o que ela contém; o mundo e tudo o que ele produz. Porque a indignação do Senhor vai cair sobre todas as nações e o seu furor sobre todo o seu exército, ele os matará e entregará ao massacre.


“Os seus mortos serão atirados e os seus cadáveres exalarão fedor; os montes serão infeccionados com o seu sangue. Desfalecerá toda a milícia dos céus, e os céus se enrolarão como um livro; e toda a sua milícia cairá como cai a folha da vinha e da figueira. Porque a minha espada se embriagou nos céus; eis que ela vai agora descarregar sobre a Iduméia, sobre um povo que eu destinei ao extermínio, para fazer justiça. A espada do Senhor está cheia de sangue; está toda coberta de gordura, de sangue dos cordeiros e dos bodes, de sangue dos carneiros gordos; porque há vítimas do Senhor em Bosra e grande matança na terra de Edom. Com eles cairão os unicórnios e os touros com os poderosos; a terra se embriagará com o seu sangue e o chão com a sua gordura.


“Porque é o dia da vingança do Senhor, o ano da represália para fazer justiça a Sião...


“...nada do que vos anuncio deixará de acontecer, nem uma só destas coisas faltará, porque o que sai da minha boca Deus o mandou, e o seu mesmo espírito juntou estas coisas. É ele mesmo que fará a destruição daquele país; a sua mão repartirá entre eles por medida; desde então para sempre a possuirão; de geração em geração habitarão nela”. (Is 34, 1-17).


“O Senhor viu isto e desagradou aos seus olhos que já não houvesse justiça. Viu que havia homem (de bem), e ficou admirado de não haver quem interviesse (em favor de Israel); então o seu braço o salvou, e a sua própria justiça o susteve. Vestiu-se da justiça como de uma couraça, e pôs sobre a cabeça o capacete de salvação; revestiu-se da vingança como dum vestido, e cobriu-se de zelo como dum manto. Ele vingará e punirá na sua cólera os seus inimigos, e dará aos seus adversários o que merecem; pagará às ilhas na mesma moeda” (Is 59, 16-18).


“Quem é este, que vem de Edom, de Bosra, com as vestiduras tingidas? Ele é formoso em seu trajo e avança com muita fortaleza. Eu sou (responderá ele) o que falo a justiça, e venho para defender e salvar. Por que é, pois, vermelho o teu vestido, e as tuas roupas como as dos que pisam um lagar? Eu pisei sozinho no lagar, e nenhum homem dentre os povos estava comigo; eu os pisei no meu furor, e os pisei aos pés da minha ira; o seu sangue salpicou os meus vestidos e manchei todas as minhas roupas. Porque o dia da vingança está no meu coração, é chegado o ano da minha redenção. Eu olhei em roda, e não houve quem me acudisse; busquei, e não houve quem me ajudasse; mas o meu braço salvou-me, e a minha mesma indignação me auxiliou. Pisei aos pés os povos no meu furor, embriaguei-os na minha indignação e derrubarei por terra as suas forças” (Is 63, 1-6).


“Porque o Senhor virá no meio do fogo, o seu carro será como um torvelinho, para espalhar a sua indignação, o seu furor e as suas ameaças em labaredas de fogo; porque o Senhor rodeado de fogo e armado da sua espada, julgará todos os mortais e serão muitos os que o Senhor matará” (Is 66, 15-17)


Ezequiel


“Com uma grande voz gritou aos meus ouvidos, dizendo: Os visitadores da cidade estão a chegar, e cada um tem na sua mão um instrumento de morte. E eis que vinham seis homens pelo caminho da porta superior que olha para o aquilão, e cada um trazia na sua mão um instrumento de morte; via-se também no meio deles um homem vestido com roupas de linho e um tinteiro de escriba à cinta; entraram e puseram-se junto ao altar de bronze.


“A glória do Senhor de Israel elevou-se de cima dos querubins, sobre os quais estava, indo-se pôr à entrada da casa (do Senhor); chamou o homem que estava vestido de roupas de linho e que tinha um tinteiro de escriba à cinta. O Senhor disse-lhe: Passa pelo meio da cidade, pelo meio de Jerusalém, e com um tau marca a fronte dos homens que gemem e que se doem de todas as abominações que se fazem no meio dela. Aos outros disse, ouvindo eu: Passai pelo meio da cidade, seguindo-o, e feri: não sejam compassivos os vossos olhos, nem tenhais compaixão alguma. O velho, o jovem e a donzela, o menino e as mulheres, matai todos, sem que nenhum escape; mas não mateis nenhum daqueles sobre quem virdes o tau; começai pelo meu santuário. Começaram, pois, pelos anciãos que estavam diante da casa do Senhor. E disse-lhes: Profanai a casa e enchei os seus átrios de mortos; depois saí. Eles saíram e iam matando os que estavam na cidade. Acabada a matança, fiquei eu ali. Lancei-me prostrado com o rosto por terra e disse, gritando: Ai, ai, ai, Senhor Deus! porventura destruirás tu tudo o que resta de Israel, derramando o teu furor sobre Jerusalém? Ele disse-me: a iniqüidade da casa de Israel e da casa de Judá é excessivamente grande, a terra está toda coberta de sangue e a cidade está cheia de apostasia; porque eles disseram: O Senhor abandonou a terra, o Senhor não vê. Pois também o meu olho não poupará, nem terei compaixão alguma; sobre a sua cabeça farei recair as suas obras. E eis que o homem, que estava vestido de roupas de linho e que tinha o tinteiro à cinta, deu esta resposta, dizendo: Fiz o que mandaste”. (Ez. 9, 1-11).


“Isto diz o Senhor Deus: Bate na tua mão, dá uma pancada na tua coxa e diz: Ai! Sobre todas as abominações iníquas da casa de Israel; porque eles hão de perecer pela espada, pela fome e pela peste. Aquele que está longe, morrerá de peste; o que está perto, cairá aos golpes da espada; o que for deixado e sitiado, morrerá de fome; e fartarei neles a minha indignação” (Ez. 6, 11-14)


“Foi-me dirigida a palavra do Senhor, a qual dizia: E tu, filho do homem, assim fala o Senhor, o Deus da terra de Israel: O fim vem, já vem o fim sobre os quatro lados desta terra. Agora chega o fim para ti e tu desafogarei o meu furor contra ri, julgar-te-ei segundo os teus caminhos e te porei diante dos olhos todas as tuas abominações. O meu olho não te poupará, nem me compadecerei de ti; mas porei sobre ti as tuas obras, as tuas abominações estarão no meio de ti, e vós sabereis que eu sou o Senhor.


“Isto diz o Senhor Deus: uma aflição, única, eis que uma aflição chega. O fim vem, vem o fim; ele despertou contra ti; ei-lo aí vem. Ó tu que habitas nesta terra, uma total ruína vem sobre ti; é chegado o tempo, está perto o dia da mortandade, e não da glória dos montes.


“É agora que eu derramarei de perto a minha ira sobre ti, satisfarei em ti o meu furor, julgar-te-ei segundo os teus caminhos e porei sobre ti todas as tuas maldades. O meu olho não perdoará nem me compadecerei de ti, mas pôr-te-ei às costas as tuas obras e as tuas abominações estarão no meio de ti; e vós sabereis que sou eu, o Senhor, que castigo. (Ez. 7, 1-9)


“Tocai a trombeta, preparem-se todos; mas não há ninguém que vá à batalha, porque a minha ira está sobre todo o povo. Fora a espada, dentro a peste e a fome; o que está no campo, morrerá à espada; e os que estão na cidade, serão devorados pela peste e pela fome”. (Ez. 7, 14-15).


“Filho do homem, se algum país pecar contra mim, cometendo grandes prevaricações, eu estenderei a minha mão sobre ele, quebrarei a vara do seu pão, enviarei contra ele a fome e matar-lhe-ei os homens e os animais. E ainda que no meio deles se achem estes três homens, Noé, Daniel e Jó, (somente) eles livrarão as suas almas pela sua própria justiça, diz o Senhor dos exércitos. E, se eu enviar a essa terra animais ferocíssimos para a destruírem, e ela se tornar inacessível, sem que ninguém possa passar por ela por causa das feras, ainda que estes três homens estejam nela, juro, diz o Senhor Deus, que eles não livrarão nem os seus filhos, nem as suas filhas, mas só eles serão livres, e a terra será destruída. Ou se eu fizer vir a espada sobre esta terra, e disser à espada: Passa pelo meio desta terra, e lhe matar os homens e os animais, juro, diz o Senhor Deus, que eles não livrarão nem os seus filhos, nem as suas filhas, mas só eles serão livres. E se eu enviar a peste contra esta terra, e derramar a minha indignação sobre ela por um decreto de sangue, para exterminar dela os homens e os animais, e Noé, Daniel e Jó se acharem no meio dela, juro, diz o Senhor Deus, que não livrarão nem os seus filhos, nem as suas filhas, mas só eles livrarão as suas almas pela sua própria justiça”. (Ez 14, 13-20).


“Isto diz o Senhor Deus: Eis que venho contra ti, tirarei a minha espada da sua bainha e matarei no meio de ti o justo e o ímpio. E porque eu devo exterminar no meio de ti o justo e ímpio, por isso a minha espada sairá da sua bainha contra toda a carne, desde o meio-dia até o aquilão, a fim de que toda a carne saiba que eu, o Senhor, tirei a minha espada da sua bainha para a não tornar pôr nela” (Ez 21, 3-5)


“...A espada, sim, a espada será aguçada e polida. Ela está aguçada para matar as vítimas; está polida para reluzir;


“tu, espada que abates o cetro do meu filho (Judá), cortaste todas as árvores (desta floresta humana).


“Dei-a a polir para tê-la na mão; esta espada está aguçada e está polida; para estar na mão do que deve fazer a matança.


“Grita e uiva, filho do homem, porque esta está desembainhada contra o meu povo, contra todos os príncipes de Israel que tinham fugido; eles foram entregues à espada com o meu povo. Tu, pois, dá pancadas na tua coxa, porque esta espada foi aprovada por mim; e (ver-se-á) quando ela destruir o cetro (de Judá), para mais não subsistir, diz o Senhor Deus. Tu, pois, filho do homem, profetiza e bate com as mãos uma na outra, e “dobrem-se e tripliquem-se os golpes desta espada mortífera; “esta é a espada da grande matança que os faz pasmar, que lhes faz mirrar os corações, que multiplica as ruínas.


“Eu levei a todas as portas o terror desta espada penetrante e polida para reluzir, afiada para matar.


“Aguça, ó espada, a tua ponta, vai para a direita ou para a esquerda, para onde os teus desejos te chamarem.


E eu mesmo te aplaudirei batendo as palmas e satisfarei a minha indignação. Eu, o Senhor, é que falei”. (Ez 21, 8-17).


“Tu, filho do homem, profetiza e dize: Isto diz o Senhor Deus aos filhos de Amon, relativamente aos seus insultos; tu lhes dirás:


”Espada, espada, desembainha-te para matares, pule-te para massacrares e para luzires. Enquanto se vêem para ti coisas vãs e se adivinham mentiras, tu cairás sobre os pescoços dos ímpios feridos, cujo dia marcado chegou para o castigo da sua iniqüidade” (Ez 21, 28-29)


Jeremias


“Porque isto diz o Senhor aos homens de Judá e de Jerusalém: Preparai o vosso pousio e não semeeis sobre espinhos. Circundai-vos para o Senhor e tirai os prepúcios de vossos corações, varões de Judá, e habitantes de Jerusalém, para que não suceda que, de repente, saia como fogo minha indignação, se acenda e não haja quem a apague, tudo por culpa da maldade dos vossos pensamentos”. (Jer 4, 3-4).


“Anunciai em Judá, e fazei ouvir em Jerusalém; falai e publicai ao som de trombeta por (todo) o país; gritai em alta voz e dizei: Juntai-vos todos e entremos nas cidades fortificadas; levantai os estandartes em Sião, esforçai-vos, não estejais parados, porque eu farei vir do Aquilão uma desgraça e uma grande desolação.


“Saiu o leão do seu covil, levantou-se o destruidor das gentes, para reduzir a terra a um deserto; as cidades serão destruídas, sem que nelas fique habitante algum. Por isso cobri-vos de cilício, chorai e pranteai, porque não se apartou de nós a ira do furor do Senhor. Acontecerá isto naquele dia, diz o Senhor: Desfalecerá o coração do rei e o coração dos príncipes; pasmarão os sacerdotes, e os profetas serão consternados. E eu disse: Ai, ai, ai, Senhor Deus! É possível que tenhas permitido que (os falsos profetas) enganem este povo e Jerusalém, dizendo-lhes: Vós tereis paz; e eis agora que chega a espada até ao coração?


“Naquele tempo, dir-se-á a este povo e a Jerusalém: Um vento abrasador sopra nos caminhos que do deserto conduzem à filha do meu povo, não para aventar ou limpar. Daquele lado me virá um vento impetuoso; então pronunciarei os meus juízos contra eles. Eis que (o exército inimigo) virá como uma nuvem, e como tempestade os seus carros; mais velozes que águias seus cavalos. Ai de nós, porque somos destruídos. (Jer 4, 5-13).


“Pois não hei de eu castigar estas coisas, diz o Senhor, e não me hei de vingar duma tal gente?” (Jer 5, 9)


“Isto diz o Senhor Deus dos exércitos: Porque haveis proferido tais palavras, eu farei (ó Jeremias) com que as minhas palavras sejam fogo na tua boca, e este povo será lenha, e o fogo os devorará” (Jer 5, 14)


“Porque isto diz o Senhor dos exércitos: Cortai as suas árvores e abri trincheiras à roda de Jerusalém; esta é a cidade destinada à minha vingança, porque todo o gênero de calúnia reina no meio dela” (Jer 6,6)


“Por isso é que eu estou cheio do furor do Senhor; estou cansado de sofrer. Derrama a indignação sobre o menino que anda pela rua, e juntamente sobre a assembléia dos jovens; porque o marido será preso com a mulher, o velho com o decrépito. As suas casas passarão a estranhos, os seus caminhos, e igualmente as suas mulheres; porque eu estenderei a minha mão sobre os habitantes do país, diz o Senhor. Porquanto, desde o menor até ao maior, todos se entregam à avareza; desde o profeta até ao sacerdote, todos procedem com dolo. Curavam as chagas da filha do meu povo com ignomínia, dizendo: Paz., paz: quando não havia paz. Foram confundidos, porque fizeram coisas abomináveis; ou, por melhor dizer, nem a mesma confusão os pôde confundir, nem souberam que coisa era envergonhar-se. Por isso cairão entre os mortos; no tempo do seu castigo cairão, diz o Senhor” (Jer 6, 11-15)


“Ouve, terra: Eu farei vir calamidades sobre este povo, fruto dos seus desígnios, porque não ouviram as minhas palavras e rejeitaram a minha lei” ( 6,19)


“Tu pois (Jeremias) não rogues por este povo, nem empreendas por eles louvor nem oração, e não te oponhas a mim, porque não te ouvirei. Não vês tu o que eles fazem nas cidades de Judá, e nas praças de Jerusalém? Os filhos juntam a lenha, e os pais acendem o fogo, e as mulheres misturam a manteiga com os mais adjuntos necessários, a fim de fazerem tortas para a (lua, que adoram como) rainha do céu, para sacrificarem a deuses estranhos e para me provocarem à ira. Porventura é a mim que eles irritam? Diz o Senhor. Não é antes a si mesmos que fazem mal para confusão do seu rosto? Portanto isto diz o Senhor Deus:


Eis que o meu furor e a minha indignação estão para cair sobre este lugar, sobre os homens, sobre os animais, sobre as árvores dos campos e sobre os frutos da terra; acender-se-á e não se apagará” (7, 16-20).


“Eu reduzirei Jerusalém a montões de areia e a covis de dragões; entregarei as cidades de Judá à desolação, sem que fique nelas um só morador. Quem é o homem sábio que entenda isto, e a quem se dirija a palavra da boca do Senhor, a fim de que anuncie por que causa foi destruído este país, e foi abrasado como um deserto, de maneira que não há quem passe por ele? ...Eis que alimentarei este povo com absinto e dar-lhe-ei por bebida água de fel. Eu os dispersarei entre nações que nem eles nem seus pais conheceram; enviarei atrás deles a espada, até serem exterminados” (Jer 9, 11-16).


“Mas o Senhor é o Deus verdadeiro, o Deus vivo e o rei eterno. À sua indignação se abalará a terra, e as nações não suportarão as suas ameaças” (Jer 10, 10).


“Assim fala o Senhor a este povo, que gosta de mover os seus pés, e não repousa, nem agrada ao Senhor: Agora se lembrará (o Senhor) das suas maldades, e visitará os seus pecados. E o Senhor disse-me: Não me peças em favor deste povo. Quando eles jejuarem, eu não ouvirei as suas preces, e, se eles me oferecerem holocaustos e vítimas, não os aceitarei; porque os consumirei pela espada, pela fome e pela peste”. (jer 14, 10-12)


“E o Senhor disse-me:


Ainda que Moisés e Samuel se pusessem diante de mim, a minha alma não se inclinaria para este povo; tira-os de diante da minha face, e retirem-se.


E se te disserem: Para onde iremos? Tu lhes dirás: Isto diz o Senhor: Para a morte, os que são para a morte; para a espada, os que são para a espada; para a fome, os que são para a fome; para o cativeiro, os que são para o cativeiro.


E eu enviarei sobre eles quatro sorte de castigos, diz o Senhor: a espada para os matar, os cães para os despedaçarem, as aves do céu e os animais da terra para os devorarem e fazerem em pedaços. E os exporei à furiosa perseguição de todos os reinos da terra...” (Jer 15, 1-4).


“Ficarás só, despojada da herança que te dei; e te farei ouvir aos teus inimigos na terra que não conheces; porquanto ateaste o fogo da minha cólera, que arderá sempre”. (Jer 17, 4).


“Acendeu-se a minha indignação e o meu furor ateou-se nas cidades de Judá e nas praças de Jerusalém e foram convertidas em deserto e desolação, como hoje se está vendo”. (Jer 44, 6).


“Será o dia do Senhor Deus dos exércitos, dia de vingança, em que se vingará dos seus inimigos; a espada devorará, fartar-se-á, embriagar-se-á com o sangue deles; porque esta é a vítima do Senhor Deus dos exércitos na terra do Aquilão, junto ao rio Eufrates” (Jer 46, 10).


SERÃO DESTRUÍDAS AS NAÇÕES QUE A COLHERAM OS ISRAELITAS


“Eu destruirei todas as nações, entre as quais te dispersei; a ti, porém, não destruirei inteiramente, mas castigar-te-ei com eqüidade, para que te não tenhas por inocente” (Jer 30, 11).


O CÁLICE DA CÓLERA DIVINA É OFERECIDO A TODAS AS NAÇÕES


“Porque o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel diz assim: Toma da minha mão o cálice do vinho deste furor, e darás a beber dele a todas as nações, às quais eu te enviar. Elas beberão, ficarão turbadas e sairão fora de si, à vista da espada, que eu enviarei contra elas. Tomei o cálice da mão do Senhor e dei a beber a todas as nações, às quais o Senhor me enviou. À Jerusalém e às cidades de Judá, aos seus reis, aos seus príncipes, para os reduzir à solidão, ao espanto, ao desprezo e à maldição, como hoje se vê, ao faraó, rei do Egito, a seus servos, seus príncipes e a todo seu povo; e geralmente a todos; a todos os reis da terra de Ausite, a todos os reis da terra dos filisteus, a Ascalon, a Gaza, a Acaron, ao que resta de Azoto, à Iduméia, a Moab, aos filhos de Amon; a todos os reis de Tiro, a todos os reis de Sidônia, aos do país das ilhas que estão do lado de além do mar ; a Dedan, a Tema, a Buz, a todos os que se fazem cortar os cabelos em redondo; a todos os reis da Arábia e todos os reis do Ocidente, que habitam no deserto; a todos os reis de Zambri, a todos os reis de Elam, a todos os reis dos medos; também a todos os reis do aquilão, aos de perto e aos de longe, a cada um para o excitar contra seu irmão, e a todos os reinos que estão sobre a face da terra; o rei de Sesac beberá depois deles.


“E lhes dirás: Isto diz o Senhor dos exércitos, o Deus de Israel: Bebei, embriagai-vos, vomitai, caí e não vos levanteis à vista da espada que eu enviarei contra vós. E, se não quiserem receber o cálice da tua mão para beberem dele, lhes dirás: Isto diz o Senhor dos exércitos: Certamente o bebereis; porque eis que na cidade, onde o meu nome tem sido invocado, vou começar a castigar; à vista disto ficareis vós sem castigo, como se fôsseis inocente?


Não escapareis, porque eu desembainho já a minha espada contra todos os habitantes da terra, diz o Senhor dos exércitos.


“Tu lhes profetizarás todas estas coisas e lhes dirás: O Senhor rugirá do alto, e da sua santa morada fará ouvir a sua voz, rugirá fortemente contra o lugar da sua glória; um canto semelhante ao dos pisadores de uva será cantado contra todos os habitantes da terra. Chegou o estrondo até às extremidades da terra, porque o Senhor entra em juízo com as gentes, ele mesmo é o que julga toda a carne. Entreguei os ímpios à espada, diz o Senhor.


“Isto diz o Senhor dos exércitos: Eis que passará a aflição dum povo a outro, e uma grande tempestade sairá das extremidades da terra.


Aqueles que o Senhor entregar à morte naquele dia ficarão estendidos desde um pólo da terra até ao outro pólo, não serão chorados, nem recolhidos, nem enterrados; como esterco jazerão sobre a face da terra.


“Uivai, pastores, gritai, cobri-vos de cinza, vós que sois os chefes do rebanho; porque estão cumpridos os vossos dias, em que haveis de ser mortos, ficareis dispersos, caireis como vasos preciosos. Os pastores não poderão escapar, nem salvar-se os chefes do rebanho. Ouvir-se-ão os gritos dos pastores, os alaridos dos chefes do rebanho, porque o Senhor destruiu os seus pastos. Nas mesmas campinas reinará um triste silêncio, à vista da ira do furor do Senhor. (O Senhor) deixou como leão o seu retiro; em ermo foi convertida a terra deles, diante da ira da pomba e diante da indignação do Senhor” (jer 25, 15-38)


“País das ilhas que estão do lado de além do mar”: esta região é muito citada nas Sagradas Escrituras, e segundo alguns exegetas se refere certamente aos povos americanos, cuja existência Deus dera a conhecer aos Profetas. Vê-se esta expressão “ilhas do além mar” muito freqüentemente na Bíblia, e principalmente nos Livros dos Profetas


Oséias


“O meu furor acendeu-se contra eles. Até quando se não poderão eles purificar?” (Os 8, 5).


“Eu te darei um rei no meu furor, e eu to tirarei na minha indignação” (Os 13, 11).


Amós


“Ai dos que desejam o dia do Senhor! Para que o desejais vós? Este dia do Senhor será para vós um dia de trevas e não de luz.” (Amós 5, 18).


“Vi o senhor que estava sobre o altar (idolátrico de Betel), e que disse: Fere a coiceira e abale-se a verga da porta; porque a avareza se acha na cabeça de todos e eu matarei à espada até ao último deles; nenhum escapará. Fugirão, e nenhum dos que fugirem se salvará.


Ainda que eles desçam até ao inferno, a minha mão os tirará de lá; e ainda eu subam até ao céu, eu os arrancarei de lá. E se ele se esconderem no cume do Carmelo, eu os irei buscar e de lá os tirarei; e se se esconderem de meus olhos no profundo do mar, eu ordenarei à serpente que os morda. E se eles forem para o cativeiro diante dos seus inimigos, aí ordenarei à espada que os mate; porei meus olhos sobre eles para seu mal e não para seu bem. (Amós 9, 1-4).


“Todos os pecadores do meu povo morrerão à espada” (Amós 9,10)


Naum


“O Senhor é um Deus zeloso e vingador. O Senhor é vingador e arma-se de furor. O Senhor toma vingança contra seus adversários e ira-se contra seus inimigos. O Senhor é paciente e grande em fortaleza, e nada deixa impune”.


O Senhor anda entre a tempestade e o torvelinho, e as nuvens são a poeira dos seus pés. Ele ameaça o mar e o seca; converte todos os rios em deserto. Basan e o Carmelo perderam a força, a flor do Líbano murchou. Os montes foram por ele abalados, as colinas devastadas;


“a terra, o mundo inteiro, todos os que habitam nele tremem diante da sua face.


Diante da sua indignação quem poderá subsistir? Quem resistirá contra a ira do seu furor?


A sua indignação derramou-se como um fogo e fez que se derretessem as pedras”. (Naum 1, 2-6).


Habacuc






“Porventura é contra os rios, Senhor, que estás irado? É contra os rios o teu furor? Ou é contra o mar a tua indignação?” (Habacuc 3, 8).


“Na tua cólera pisarás aos pés a terra; no teu furor espantarás as nações. Tu saíste para salvação do teu povo, para o salvar com o teu Ungido. Tu feriste o chefe da família do ímpio; descobriste os seus alicerces de cima até baixo. Tu amaldiçoaste o seu cetro, o chefe dos seus guerreiros, que vinham como um torvelinho para me destruírem”. (Habacuc 3, 12-14).


Sofonias


“O dia grande do Senhor está próximo; está próximo, vai chegando com velocidade; amargo é o ruído do dia do Senhor; o forte se verá nele com grande aperto. Esse dia será um dia de ira, um dia de tribulação e angústia, um dia de calamidade e miséria, um dia de nuvens e tempestades, um dia de trombetas e de gritos guerreiros contra as cidades fortificadas e contra as torres elevadas. Eu atribularei os homens, os quais andarão como cegos, porque pecaram contra o Senhor, o seu sangue será derramado como a poeira, os seus corpos serão como esterco. Mas nem a sua prata, nem o seu ouro os poderá livrar do dia da ira do Senhor; no fogo do seu zelo será devorada toda a terra, porque ele se apressará a exterminar todos os habitantes da mesma terra”. (Sof 1, 14-18).


“Portanto, espera-me, diz o Senhor, para o dia futuro da minha ressurreição, porque resolvi congregar as nações e reunir os reinos; derramarei sobre eles a minha indignação, toda a ira do meu furor; porque toda a terra será devorada pelo fogo do meu zelo”. ( Sof 3, 8).


Zacarias


“Eu sinto um grande zelo por Jerusalém e por Sião. Estou sumamente irritado contra as nações poderosas, porque eu somente estava um pouco agastado (contra ela), mas elas trabalharam para a sua ruína”. (Zac 1, 14-15).


Filho do Homem, título de Juiz dos povos


No Livro de Ezequiel o Profeta é chamado de “Filho do Homem” em mais de noventa oportunidades. Houve uma oportunidade em que os anciãos pediram a Ezequiel para “consultar o Senhor” e se sentaram perante o Profeta para ouvir a resposta de Deus: “Filho do Homem, fala aos anciãos de Israel, aos quais dirás: Isto diz o Senhor Deus: Porventura vieste vós a consultar-me? Juro que não vos responderei, diz o Senhor Deus. Se tu os julgas, filho do homem, se tu os julgas, põe-lhes diante dos olhos as abominações de seus pais” (Ez. 20, 3-4)


Sempre que Deus lhe transmitia um vaticínio começava sempre com o termo acima. Segundo São Tomás de Aquino, será com este título ou nesta qualidade (Filho do Homem) que Nosso Senhor Jesus Cristo descerá do Céu para julgar todos os homens no fim do mundo. No Evangelho, é comum encontrarmos esta qualidade com que Nosso Senhor amiúde se autoproclamava, especialmente quando se defrontava com seus inimigos, saduceus ou fariseus.


Um exemplo nós tivemos quando Nosso Senhor foi argüido por Caifás: “Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos diga se tu és o Cristo, o Filho de Deus”. Na resposta, Nosso Senhor acrescenta o título de Juiz com que irá julgar todos os homens, inclusive o próprio Caifás: “Tu o disseste; mas também vos digo que vereis depois o Filho do Homem sentado à direita do poder de Deus, e vir sobre as nuvens do céu” (Mt 26, 63-64).




O JUÍZO FINAL SEGUNDO A “LEGENDA DOURADA


“A respeito da segunda vinda, a do Juízo, devemos considerar separadamente alguns fatos que se produzirão antes do que ocorra, e outros que a acompanharão.


Três tipos de coisas acontecerão no Juízo: sinais terroríficos, imposturas do Anticristo e incêndios espantosos.


Cinco serão os sinais terroríficos que precederão à vinda do Juiz. São Lucas os menciona no capítulo 21 de seu Evangelho:


Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; sobre a terra, as gentes se consternarão com o rugido do mar e o bramido das ondas.


1. Os cinco primeiros sinais que precederão o Juízo Final


Os três primeiros sinais estão descritos no Apocalipse. No capítulo 6 lemos:


O sol se tornará negro como o surrão de pelo de cabra; a lua parecerá feita de sangue e as estrelas se despencarão sobre a terra.


Se disse que o sol se obscurecerá, porque desaparecerá sua luminosidade, como se quisesse chorar a morte do pai de família, o homem, ou bem porque sua luz ficará anulada pelo resplendor de outra superior: a que irradiará de Jesus Cristo. Disse Santo Agostinho que também poderia tratar-se de metáfora com que se pretendesse significar que a vingança divina se mostrará tão rigorosa que o mesmo sol, assustado, se esconderá; ou de uma expressão literária de caráter místico, para dar-nos a entender que Cristo, Sol de justiça, se ocultará, no sentido de que ninguém se atreverá a confiar nEle, e para o caso é como se desaparecesse.


O céu que aqui se fala é o dos ares. Por estrelas devem entender-se os astros, esses corpos celestes que têm forma estelar. Quando se disse que despencarão se trata de expressar a idéia de que cairão, tal como a gente correntemente entende o de cair: descendo, como descem das alturas os corpos pesados. A Escritura, geralmente, se atém a nossas próprias expressões e usa as que nós usamos.


A impressão que tudo produzirá será enorme, devido, principalmente, a que a natureza destas estrelas é constituída por fogo. Se o Senhor determinou que as coisas ocorram assim é porque pretende despertar nos pecadores sensações de terror.


O da queda das estrelas poderia significar também algumas destas três coisas: ou que ao saracotear-se deixarão atrás de si longas caudas, como as dos cometas; ou que muitos dos que na Igreja pareciam brilhar cairão dos pedestais de sua fama; ou que a reputação de que gozavam ficará reduzida a nada.


Sobre o quarto sinal, que consistirá na consternação das gentes, diz a Escritura: “Haverá uma tribulação como nunca houve desde o começo do mundo,” etc (Mateus, 24).


A respeito do quinto sinal, o do rugido do mar e bramido das ondas, opinam alguns que desaparecerão os oceanos em meio de um grande estrépito, baseando-se nesta afirmação do capítulo 21 do Apocalipse: “Já não existirá o mar”. Outros supõem que se tratará de um feroz rugido produzido pelas águas ao elevar-se quarenta codos sobre a crista das montanhas para descer seguidamente e precipitar-se no abismo. São Gregório, baseando-se neste texto, “então ocorreu uma perpetuação nova e inaudita do mar e das ondas”, entende que este quinto sinal deve interpretar-se literalmente.


2. Quinze sinais que precederão o Juízo, conforme os hebreus


São Jerônimo achou nos “Anais dos Hebreus” uma relação de até quinze sinais que precederão ao Juízo, embora não nos diga se esses quinze sinais haverão de aparecer imediatamente um após o outro, ou separados entre si por intervalos de tempo.


Eis aqui a relação dos quinze sinais:


No primeiro dia o mar se levantará quarenta codos por cima das montanhas e formará como um muro ao redor delas.


No segundo dia descerá até fazer-se invisível.


No terceiro dia, a superfície da água aparecerá coberta de bestas marinhas bramindo tão estrepitosamente que o fragor de seus rugidos chegará até o céu; porém só Deus entenderá o sentido de seu imponente alvoroço.


No quarto, as águas do oceano entrarão em ebulição.


No quinto, toda a vegetação da terra, todas as árvores e todas as ervas se cobrirão de orvalho sanguinolento e, segundo alguns, todas as aves do céu se congregarão e formarão manadas ingentes, reuindo-se em cada uma delas as da mesma espécie e se negarão a comer e beber e permanecerão aterradas, esperando a chegada do Juíz.


No sexto dia, todos os edifícios se desmoronarão, enquanto uma sarabanda de chispas e raios percorrerá o espaço do poente ao nascente sulcando o alto do firmamento.


No sétimo, umas pedras se chocarão com outras; cada uma delas se partirá em quatro pedaços; os fragmentos entrarão em colisão e ao chocar-se entre si produzirão espantosos trovões cujo significado, oculto ao homem, só Deus será capaz de interpretar.


No oitavo dia, haverá um terremoto geral, tão espantoso que pessoas e animais perderão o equilíbrio e rolarão por terra.


No nono, montanhas e colinas se reduzirão a pó e a terra ficará nivelada.


No décimo dia, os homens sairão das cavernas em que se haviam refugiado e vagarão como loucos, sem falar-se entre si, mudos de estupor.


No décimo primeiro, à saída do sol, se abrirão todos os sepulcros para que os mortos possam sair deles; sairão as ossadas e permanecerão imóveis à beira de suas respectivas covas até a chegada da noite.


No décimo segundo dia se despencarão as estrelas: todos os astros, tanto os fixos quanto os errantes, deixarão atrás de si longas caudas de fogo, e do interior de sua substância brotarão outros corpos siderais. Se diz também que neste dia todos os animais se congregarão no campo, rugindo e bramindo, sem comer nem beber.


No décimo terceiro, os seres humanos que estiverem todavia vivos morrerão, para ressuscitar depois com os demais mortos.


No dia décimo quarto arderão a terra e o céu.


No décimo quinto dia surgirão uma terra e um céu novos e tornarãoà vida todos os defuntos.


3. Quatro maneiras como o Anticristo tentará enganar


O segundo fato que precederá ao Juízo será o domínio das falácias do Anticristo, que se esforçará para enganar a todos, de quatro maneiras.


Primeira. Tratando habilmente de propagar uma falsa interpretação das Escrituras; desse modo persuadirá ao povo de que ele é o messias prometido, logrará a destruição da Lei de Cristo e implementará a sua. A Glosa comentando estas palavras do salmista: “institui, Senhor, um legislador sobre eles”., diz que esse legislador é o Anticristo, e explica estas outras do capítulo 11 de Daniel, “introduzirão no templo a abominação e desolação”, da seguinte maneira: o Anticristo se apossará do templo como se fosse uma dinvidade e abolirá a Lei do verdadeiro Deus.


Segunda. Conseguindo enganar a muitos com suas obras malignas. Com efeito, na Segunda carta aos Tessalonicenses, capítulo segundo, versículo 9, lemos: “Se apresentará assistido pelo poder de Satanás e falará palavras mentirosas e fará sinais e prodígios enganosos”. No Apocalipse (13,13), se diz: “Fará sinais tais como fazer descer do céu fogo sobre a terra”. A Glosa comenta esta passagem desta maneira: “Do mesmo modo que o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos em forma de fogo, assim os sequazes do Anticristo infundirão o espírito do mal em forma de fogo sobre as gentes.


Terceira. Semeando a confusão, valendo-se da abundância de seus dons, como adverte a Escritura: “Lhes concederá poder sobre muitos elementos, e dividirá a terra gratuitamente” (Daniel 11, 39), texto que a Glosa assim comenta: “O Anticristo distribuirá vultosos dons entre seus enganados prosélitos e dividirá a terra entre as hostes que lhe sigam”; e, com efeito, isto fará: explorará a avareza e subjugará por esse procedimento aos que não possa submeter pelas vias do temor.


Quarta. Procurando-se sequazes na base do terror. Daniel afirma que produzirá uma incrível devastação. São Gregório, falando do Anticristo, escreve: “Dotado de força corporal para vencer aos que nunca haviam sido vencidos, poderá inclusive causar a morte aos mais robustos”.


4. O fogo que descerá do céu e sua finalidade


O terceiro sinal precursor do Juízo consistirá na veemência do fogo, que aparecerá antes do aparecimento do Juiz. Este fogo será enviado por Deus com estas quatro finalidades:


Primeira. Para renovar o mundo. Por este procedimento purificará e renovará todos os elementos. Se elevarão suas chamas quinze codos por cima das mais altas montanhas, como ocorreu com as águas do dilúvio. A “História Eclesiástica” assegura que jamais edifício humano alcançará a altura que terão as chamas desse fogo.


Segunda. Para purificar os homens; porque servirá de purgatório aos que então estiverem vivos.


Terceira. Para aumentar o tormento dos condenados.


Quarta. Para iluminar mais intensamente aos santos. Segundo São Basílio, enquanto o mundo seja purificado Deus separará a luz do calor, e enviará a totalidade do fogo à região dos condenados para incrementar seu tormento, e a totalidade da luz à região dos bem-aventurados para aumentar sua glória.


5. Circunstâncias especiais que acompanharão o Juízo


Eis aqui algumas das várias circunstâncias que rodearão ao Juízo:


Primeira. A vista da causa. O Juiz se apresentará no Vale de Josafá e julgará tanto aos bons quanto aos maus. Os bons colocá-los-á à sua direita e os maus à sua esquerda. Provavelmente Ele se situará num lugar alto para que possa ser visto por todos. Não é necessário crer que toda a humanidade vá caber na pequena área do referido vale. São Jerônimo adverte que essa crença seria pueril. Na superfície desse vale estarão os que caibam; o resto se situará em lugares adjacentes. Advertimos, sem embargo, que numa zona determinada de terreno cabem muitos milhões de pessoas, sobretudo se estão apinhadas. Ademais, se fosse necessário, os bem-aventurados, devido à agilidade de que já gozarão seus corpos, poderão ficar suspensos, como flutuando no ar. Inclusive os condenados poderiam, por concessão de Deus, suspender-se, sem gravidade, a certa altura no espaço. O Juiz começará o seu ofício julgando os maus, recriminando-lhes por não haver cumprido as obras de misericórdia. Eles prorromperão em prantos. São Crisóstomo comentando a correspondente passagem de S. Mateus, escreve:


“Chorarão sobre si os judeus, ao ver vivo e vivificador a quem creram homem definitivamente morto; ante o testemunho de seu corpo com as credenciais de suas chagas, não poderão negar o crime que cometeram.


Também chorarão sobre si os gentios, que enganados por falsas filosofias estimaram irracional e ingênuo dar culto a um Deus crucificado.


Chorarão sobre si os cristãos pecadores por haver amado ao mundo mais que a Cristo.


Chorarão sobre si os hereges ao dar-se conta de que esse Juiz que os está julgando é aquele a quem os judeus tanto fizeram sofrer, e lamentarão não haver visto eles nEle mais que a um mero homem crucificado.


Chorarão sobre si mesmas todas as tribos da terra ao advertir que já não têm forças para seguir opondo-se a Ele, nem possibilidade de fugir de seu olhar, nem oportunidade de fazer penitência, nem tempo para emendar seus passados erros.


Tudo será angústia na zona dos maus; para eles não haverá mais do que já eterno conflito”.


Segunda. As diferenças quanto ao modo de ser uns e outros julgados. Sobre isto escreve São Gregório:


“Quatro procedimentos diferentes se seguirão neste Juízo: dois para os réprobos e dois para os eleitos. Quanto aos primeiros, alguns deles serão recriminados na consabida e dita maneira: ‘Tive fome e não me destes de comer’; em troca, outros não serão expressamente interpelados, mas sim condenados. “Todo o que crê”, diz a Escritura, “já está julgado”. Isto significa que aqueles que não quiseram receber a Fé, nem escutar uma só palavra da doutrina de Jesus Cristo tampouco ouvirão nesta ocasião a interpelação do Juiz.


Pelo que toca aos eleitos, os mais perfeitos sim serão julgados, reinarão, e inclusive julgarão aos demais, não pronunciando sentenças, que isto compete exclusivamente ao Juiz, senão assistindo-lhe no ato judicial. Serão distinguidos com esta honra por várias razões: Em primeiro lugar, para sua própria honra: grande distinção supõe para os santos sentar-se no Tribunal com o Juiz, conforme a promessa de Cristo: “Os sentarei no trono para julgar, etc.” (Mateus 5, 9).


Em segundo lugar para que colaborem na confirmação da verdade: porque eles referendarão a sentença do Juiz de modo semelhante aos que acompanham aos juízes da terra nos tribunais de justiça referendando e corroborando com sua assinatura a sentenças que estes emitam. Daí as palavras do salmista: “Assinarão com eles a ata do Juízo” (Salmo 149). Em terceiro lugar para que intervenham na condenação dos malvados, mostrando o testemunho de sua própria vida frente à conduta depravada dos réprobos”.


Terceira. A ostentação das insígnias da Paixão: a Cruz, os cravos e as chagas do corpo de Cristo. Com a apresentação destes sinais se pretende:


a) Dar testemunho da soberana vitória do Redentor, fazendo que todos vejam estas insígnias envoltas em gloriosos esplendores. “A Cruz e as chagas do Salvador brilharão mais que os raios do sol”, diz São Crisóstomo, comentando São Mateus. Se se tem em conta que então o sol estará obscurecido e a luz apagada, se compreenderá como a Cruz sobrepujará em claridade à lua e em resplendores ao sol.


b) Manifestar a divina misericórdia e deixar claro que por ela, benignamente, os justos obtiveram sua salvação.


c) Deixar constância da justiça de Deus e certificar quão justissimamente os réprobos incorreram em condenação por haver menosprezado o valor do sangue de Cristo. São Crisóstomo, comentando S. Mateus, põe na boca do Juiz estas censuras dirigidas aos malvados:


“Por vós me fiz homem e fui manietado, escarnecido, torturado e crucificado. Qual tem sido o fruto de injustiças que contra mim se perpetraram e das injúrias de que fui objeto? Eis aqui o preço do sangue que derramei para redimi-lo. Que me haveis dado vós em troca deste sangue de valor infinito? Os preferi à minha glória, posto que sendo Deus me fiz homem, e como homem vivi a vosso lado; vós não obstante me concedestes menos importância que a mais trivial coisa e prestastes mais atenção a qualquer das bagatelas da terra que a minha doutrina e a minha lei”. Até aqui São Crisóstomo.


Quarta. A quarta circunstância que rodeará à celebração do Juízo é a severidade do Juiz, que é, diz São Crisóstomo, “Todo-Poderoso e invencível e impermeável a qualquer temor; não há força que possa resistir ante Ele; ninguém poderá escapar, etc; é riquíssimo e insubornável”. São Bernardo escreve:


“Virá o dia em que os corações puros valerão mais que as mais arranjadas desculpas, e as boas consciências sobrepujarão em valor as bolsas repletas de dinheiro. Este Juiz não se deixará abrandar nem pelas palavras nem pelas dádivas”.


“Chegará o esperado Juízo, lemos em Santo Agostinho, e comparecerá o justíssimo Juiz que não faz acepção de pessoas, por importantes que sejam, e mantém o palácio de sua justiça totalmente fechado e não o abrirá por muito que tratem de suborná-lo com dádivas de ouro ou prata bispos, abades ou condes”. Nem atuará influenciado pelo ódio, porque é a suma bondade e na suma bondade o ódio não tem cabimento.


“Não tens aborrecido jamais nada de quanto fizeste”, se diz no capítulo 11 do Livro da Sabedoria. Nem se deixará se enternecer pelo amor, porque é justíssimo e não fará exceções nem sequer com os falsos cristãos que algum tempo foram seus irmãos. Já o diz o salmista: “O irmão não redimirá...etc”. Nem cometerá erros, porque é sapientíssimo.


“Seu olhar”, escreve o Papa São Leão, é impressionante. Ante ele, o compacto se torna transparente; o oculto, manifesto; o luminoso obscuro e os mudos se tornam loquazes; em sua presença até o silêncio fala e a mente, sem necessidade de vocábulos, declara seus pensamentos. Sendo, pois, tal sua sabedoria e tanta, de nada valerão frente a ela nem os discursos dos advogados nem os sofismas dos filósofos nem a brilhante eloqüência dos oradores nem a habilidade dos mais astutos e sagazes”.


Em relação com isto, diz São Jerônimo:


“Quantos mudos, em semelhante ocasião, se sentirão mais ditosos que muitos que foram expeditos conversadores! Quantos pastores mais felizes que os filósofos! Quantos rústicos mais alegres que os oradores e quantos ignorantes se mostrarão mais alegres que se houvessem tido a eloqüência de Cícero!”


Quinta circunstância. É horrenda. Constituem-na os acusadores do pecador, que serão três: o diabo, a própria consciência e o mundo inteiro. Primeiramente atuará o diabo, que segundo Santo Agostinho “com suma dilig6encia nos recordará as palavras de nossa profissão e frente a elas fará desfilar tudo o que temos obrado, o lugar e a hora em que pecamos e o que deveríamos ter feito em vez do que realmente fizemos. Nosso inimigo dirá: Justíssimo Juíz, reconhecei que este homem me pertence posto que é culpável. Era teu por natureza, e teu deveria haver sido pela graça, mas é meu por sua desagradável conduta; verdade que o ganhaste por tua Paixão, porém eu te arrebatei com minhas persuações; a Ti te desobedeceu por obedecer-me a mim; de Ti recebeu uma estola de imortalidade, porém a tirou para colocar esta túnica andrajosa que leva; despojou-se da vestidura que Tu lhe regalaste e cobriu-se com a que eu lhe entreguei; com ela vem para mim. Justíssimo Juiz, reconhece que deve ser condenado e ir-se comigo para o inferno.


Poderá abrir a boca para defender-se quem entenda que toda justiça merece ser companheiro do diabo?” Até aqui Santo Agostinho.


Como segundo acusador atuará a própria consciência através das vozes dos correspondentes pecados. O afirma o Livro da Sabedoria no capítulo 4:


“Tremerão ao recordar suas culpas; suas iniqüidades se voltarão contra eles, acusando-os”.


“Todas suas obras”, comenta São Bernardo, “falarão ao mesmo tempo e dirão ao pecador: Tu nos tens feito; coisa tua somos; não te abandonaremos; permaneceremos sempre junto a ti; contigo estaremos quando fores julgado”. Essas obras acusarão ao pecador de muitos e de diversas más ações.


O terceiro acusador será o mundo inteiro. “Se perguntas”, escreve São Gregório, “quem te acusará, responder-te-ei; todo o mundo; porque quem ofende ao Criador, ao mundo em sua totalidade ofende”. Em seu comentário sobre São Mateus, diz São Crisóstomo:


“Nada teremos que responder naquele dia, quando o céu, a água, o sol, a lua, os dias, as noite e todo o universo levante sua vós contra nós denunciando ante Deus nossos delitos; porém mesmo que todas as coisas calassem, não calarão ante o Senhor contra nós e darão testemunho de nossos pecados”.


Sexta circunstância. As testemunhas que deporão contra o pecador. Serão três: Um que está por cima dele, que é Deus, que ainda que atue como Juiz atuará também como testemunha. “Eu Sou Juiz e testemunha”, disse o Senhor (Jeremias 29). Outro que está dentro do próprio pecador e é sua consciência. Se temes ao Juiz que há de te julgar, conforma desde agora mesmo devidamente tua consciência, porque quando se julgue tua causa será chamada a declarar. O outro está situado ao lado do pecador e é seu Anjo da Guarda, conhecedor de quanto seu pupilo tem feito. Também ele aduzirá um testemunho desfavorável. Assim o assegura Jó no capítulo 20 de seu Livro: “Os céus, quer dizer, os anjos, descerrarão o véu e deixarão à vista as iniqüidades que fiz”.


Sétima circunstância. A acusação propriamente tal contra o pecador. Vejamos este texto de São Gregório:


“Oh, em que difícil transe acha-se então o pecador! Sobre ele, um Juiz irado; debaixo, um caos horroroso; à sua direita, acusando-lhe, seus pecados; à sua esquerda, uma plêiade de demônios preparando-se para levar-lhe aos suplício; dentro de si, sua consciência queimando-lhe as entranhas, e fora, o mundo inteiro excitado contra ele.


Oh, pecador miserável, colhido por todos os lados! Por onde poderás escapar? Conseguirás ocultar-te? Não; isso é impossível; visível permanecerás ainda que isso te resulte intolerável”.


Oitava Circunstância. A irrevogabilidade da sentença, que não poderá nem ser modificada nem discutida nem apelada. Por três motivos uma sentença das emitidas pelos tribunais de justiça pode resultar inapelável: Primeiro: Quando for ditada por um juiz supremo. Por isso são inapeláveis os veredictos emitidos por um rei quando atua como juiz soberano em seu reino, porque em todo o território submetido à sua jurisdição não há ninguém superior a ele. Pela mesma razão são também inapeláveis as sentenças pronunciadas pelos imperadores e pelos papas. Segundo: Quando o delito que se julga foi suficientemente provado. Contra um crime notório não cabe recurso algum. Terceiro: Quando a demora da aplicação da sentença acarretaria graves prejuízos. No caso do juízo do pecador a apelação é impossível, não já meramente por algum destes motivos, senão por todos eles. O juiz que emite o veredicto é absolutamente soberano e eterno em dignidade e poder; ninguém há sobre Ele nem o haverá nunca; os imperadores e papas estão debaixo dEle. Da sentença de um imperador ou de um Papa cabe apelar ante o tribunal de Deus. Da sentença dada por Deus não se pode apelar ante o tribunal de ninguém, porque ninguém há nem haverá superior a Ele. Todos os delitos e iniqüidades dos réprobos ficarão postos de manifesto no juízo de que falamos, como disse Jeremias:


“Chegará o dia em que nossas obras ficarão tão patentes como se as houvéssemos pintado num quadro”.


O veredicto, finalmente, se executará sem demora, naquele mesmo instante, com a rapidez de um abrir e fechar de olhos”.


(Leyenda Dorada”, versão espanhola, Editora Alianza Forma, páginas 25/29, volume 2)


DAS COISAS IMPORTANTES QUE HÃO DE OCORRER NO JUÍZO FINAL: A CONFLAGRAÇÃO DO FOGO, A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS, A PENA INFERNAL E A GLÓRIA DO PARAÍSO


(Da obra de São Boaventura)


1. Sobre a conflagração do fogo


Pelo que diz respeito à conflagração, se há de saber que à presença do Juiz se adiantará o fogo que abrase a face da terra, de maneira que a aparência deste mundo perecerá pelo concurso dos fogos do mundo, como ocorreu no dilúvio pela inundação das águas. E se disse a aparência deste mundo não referindo-se à destruição total do mundo sensível, senão porque, pela ação de tal fogo que inflamará os corpos elementares, serão abrasados os vegetais e os animais, se purificarão e renovarão os elementos, sobretudo o ar e a terra, e se acrisolarão os justos e arderão os réprobos, passado o qual cessará a perturbação do céu, para que assim, completado já o número dos escolhidos, tenha lugar de certo modo a inovação e a remuneração dos seres do mundo.


O que foi dito se entenderá pelo raciocínio que segue: como o Princípio universal das coisas seja sapientíssimo, se em tudo quanto faz visa a ordem da sabedoria , muito principalmente deve visá-lo no que se refere à consumação das coisas, para que assim não haja discordância no princípio e meio, nem entre o meio e o fim, senão que, na ordenação de tudo resplandeça a sabedoria ordenadora, e a bondade, e a grandeza do dito primeiro Princípio. E pois Deus, segundo sua sabedoria ordenadíssima, fez todo este mundo sensível e grande pelo mundo pequeno, que é o homem, posto no meio entre Deus e estas coisas inferiores; para que haja correspondência em tudo e haja harmonia entre a morada e o que mora nela, assentado o homem no bem, deveu também estabelecer-se esse outro mundo em estado de bem e de paz; caindo o homem, deveu também o mundo segui-lo, desordenando-se o homem, o resto também se alterará; purificado o homem, o mundo também deverá purificar-se; renovado o homem, também se renovará, e consumado o homem, também se consumirá.


E em primeiro lugar, já que desregrando-se o homem deve desregrar-se o mundo, assim como este se manteve em ordem enquanto aquele se mantinha também, e decaiu de certo modo quando aquele decaía, é também necessário que, no juízo que há de sobrevir, para ostentação da severidade do juiz, os corações, sobretudo dos pecadores, que menosprezaram ao Senhor do mundo, se encham de terror, para que assim toda a criação experimente em si o zelo divino e se conforme ao autor ao mesmo tempo que se conforma ao morador; e necessário, digo, que os alicerces do mundo se comovam de maneira horribilíssima. E porque nada por sua atividade comove dos outros elementos mais intensa, e pronta, e horrivelmente que o fogo, que o investe por todas as partes, é necessário que à aparição do Juiz preceda o fogo, não só por um mas por todos os lados do mundo; de sorte que haja concurso do fogo elementar e do terrestre; do fogo do purgatório e do inferno, para que por este fogo do inferno ardam os réprobos, pelo do purgatório se purifiquem os justos, pelo terrestre se consuma quanto da terra provenha, pelo elementar se adelgacem e se disponham os elementos para o aspecto que hão de apresentar ao renovar-se e, junto com isto, todas as demais coisas se perturbem também, a fim de que não somente os homens e os demônios, senão até os anjos, vendo-o, se encham de terror.


Ademais, como o mundo deve purificar-se com o homem submetido à purificação, e o homem viador no fim dos tempos necessita ser lavado da sordidez da avareza e da malícia, como nos princípios do tempo das fezes da luxúria, e necessita ser purificado não só pronta, senão também íntima e perfeitamente, segue-se que, assim como o mundo foi antes destruído e em certa maneira purificado pelo elemento da água, a qual é fria, em oposição ao ardor e excremento da luxúria, assim o mundo que fenece o será pelo fogo, por causa do esfriamento da caridade e do gelo da malícia e da avareza, que reinariam no fim, por assim dizer, na velhice do mundo. E entranhando-se muitíssimo estes vícios, é necessário que o que há de tirá-los seja de eficácia íntima, violenta e pronta, condições que não se vêem em nenhum outro elemento como o fogo. E por isso, como se verificou no dilúvio pela inundação das águas, assim a face sensível será arrasada pela ação do fogo.


Acrescente-se a isto que, devendo renovar-se o mundo junto com o homem que se renova, e não sendo possível tomar nova forma sem perder a anterior e dispor-se de algum modo revestida de uma disposição nova, segue-se que, tendo o fogo em grau máximo virtude de expelir toda forma estranha a si, e tendo também força para sutilizar com qualidades afins às dos corpos celestes, por ele deve fazer-se a purificação junto com a inovação; de sorte que, possuindo esta dupla eficácia, em parte deve preceder a vinda do Juiz, em parte deve seguir-lhe. E como a inovação se ordena a um novo estado, que já não voltará ao antigo, e, pelo mesmo, a um novo estado de incorrupção, que, por certo, não está em mão de criaturas o dá-lo, segue-se que se o fogo naquela purificação e inovação há de fazer algo por sua própria virtude natural, como é inflamar, purificar, encarecer e sutilizar, é, contudo, necessário que junto com esta virtude natural haja outra virtude que opere sobre a natureza, por cuja aplicação terá principio a conflagração, da mesma forma que se completará com ela.


Por último, como queira que este mundo deve ser consumado, consumado o homem, e então se diz consumar-se o homem quando se completar na glória o número dos escolhidos, ao qual estado, por certo, tende tudo como a fim último e completo, é necessário que, completando-se dito número, terminem e se aquietem as perturbações dos corpos celestes e que, assim mesmo, se acabem as transformações dos elementos e que, por conseguinte, cesse a geração, que é própria dos animais e das plantas. Pois, ordenando-se tudo isto à natureza nobilíssima, qual é a alma dotada de razão, fixado o fim nas almas, é necessário que haja também fim e complemento em todas as demais coisas supraditas. E assim os corpos celestes, obtida a paz e a plenitude de luz, diz-se que são remunerados. Os elementos, porém, que carecem já do poder de multiplicar-se por mútua transmutação, se diz que perecem não certamente quanto à substância, mas quanto à atividade e passividade da mútua influência, e, sobretudo, quanto às propriedades ativas. Os vegetais e os dotados de sensibilidade, já que não têm capacidade de vida perpétua e duração eterna, como convém ao estado de tanta nobreza, é necessário que se consumam na própria natureza, porém de maneira que perdurem nos princípios e em certo sentido no semelhante; isto é, no homem, que tem semelhança com toda linhagem de criaturas e, pelo mesmo motivo, [pde dizer-se que em sua inovação e glorificação são de alguma maneira inovadas e premiadas todas as coisas.


2. Sobre a Ressurreição dos corpos


No referente à ressurreição dos corpos, se há de estabelecer que no Juízo Universal ressuscitarão os corpos de todos os homens, sem distinção alguma quanto a ordem do tempo, bem que ela seja grande quanto ao grau de excelência. Porque os maus ressuscitarão com suas fealdades e penalidades, misérias e defeitos, que tiveram no estado de viadores. Nos bons, porém, salvo a condição particular de cada um, serão tirados os defeitos, e todos ressuscitarão com o corpo íntegro, qual corresponde à idade madura, e com os membros proporcionados, para que assim todos os santos saiam ao encontro, qual varões perfeitos, segundo a medida da idade cumprida de Cristo. Ressuscitarão, contudo, assim nos bons como nos maus, os mesmos corpos que numericamente existiam e, formados das mesmas partes, exceto a identidade da natureza toda inteira, não só quanto aos principais membros e ao humor radical, senão também salvos os cabelos e demais membros que se referem à harmonia do corpo, de maneira que “nas asas de qualquer vento ou em qualquer seio da terra que venham a parar as cinzas do corpo humano, voltará este a juntar-se com a mesma alma que o compôs antes para tivesse vida e desenvolvimento”.


Se entenderá isto pelo seguinte raciocínio: como o primeiro Princípio, por si mesmo que é primeiro e sumo, é também universalíssimo e suficientíssimo, e por isto é a origem das naturezas, das graças e dos prêmios; princípio, ademais, poderosíssimo, clementíssimo e justíssimo, ainda que por certa apropriação seja poderosíssimo na constituição das naturezas, e clementíssimo na doação das graças, e justíssimo na retribuição das recompensas; cada um destes atributos, contudo, tem sua parte em cada obra destas, como queira que o poder, a clemência e a justiça de nenhuma maneira podem separar-se entre si. E, por isto, a retribuição é de rigor se faça segundo o exige a retidão da justiça, e a reformação da graça, e a perfeição da natureza. E pois a justiça reclama necessariamente que o homem, que mereceu ou desmereceu não só na alma nem só no corpo, mas na alma e no corpo juntos, seja castigado ou premiado em ambos; e a reformação da graça requer que o corpo todo inteiro se assemelhe a Cristo, que é cabeça, cujo corpo morto, por estar unido inseparavelmente à divindade, era necessário que ressuscitasse; e a perfeição da natureza requer que o homem conste de corpo e alma juntos, como de matéria e forma, que têm mútua inclinação e mútua necessidade; por força se há de verificar a ressurreição, como queira que a reclamam assim a constituição da natureza, a infusão da graça e a retribuição da justiça, segundo os quais deve reger-se a totalidade das coisas. E assim, como por estas três bocas, tudo pede a ressurreição do homem, a fim de tirar toda escusa àqueles que se fazem surdos para não ouvir esta verdade da fé e justificar por que todo o universo luta contra elas.


E primeiramente, porque a ressurreição há de ser segundo exigências da ordem da justiça divina, e a justiça dá a cada um o seu, conforme ao lugar e tempo, e toda alma, logo, ao unir-se com o corpo sequer por um instante, tem nele ou culpa ou graça, é necessário que todos ressuscitem. E porque o estado de retribuição deve ser distinto do de viadores, e a ressurreição diz referência ao estado da retribuição, para que a ordem do mundo não se perturbe e a fé, que crê o que não vê, tenha mérito, e para que se manifeste mais certa e claramente a eqüidade da justiça divina, e ao mesmo tempo tenha lugar a consumação e retribuição nos anjos e nos homens, requer também a justiça divina que todos ressuscitem de uma só vez os que estiveram sob a mesma lei geral. Digo isto por Cristo e por sua beatíssima Mãe, a gloriosa Virgem Maria. E porque aos maus corresponde pena e miséria e aos bons glória, ainda ressuscitando juntamente, atendido ao tempo, serão muito dessemelhantes na condição. Com efeito, sendo a ressurreição nos maus não para a vida, mas para o suplício, é necessário que ressuscitem com suas fraquezas, deformidades e defeitos.


Ademais, pois a ressurreição deve ser segundo as exigências da consumação da graça, e a graça perfeita nos faz conformes a Cristo, nossa cabeça, quem não teve defeito algum nos membros senão perfeita idade e estatura proporcionada e semblante formoso, é conveniente que os bons ressuscitem nas melhores condições, e, por isto, necessário também que se tirem deles os defeitos, ressalvada, porém, a natureza. É também conveniente que se faltava algum membro, se supra a falta; se havia alguma superficialidade, se tire; se alguma desordem nos membros, se corrija; se alguém era párvulo, lhe sejam dada por virtude divina a total da idade de Cristo, isto é, a que tinha na ressurreição, bem que não igual na perfeição; se decrépito, se lhe retraia a mesma idade; se gigante ou anão, que se lhe acondicione a conveniente estatura, para que assim todos saiam íntegros e perfeitos ao encontro, qual varões perfeitos, segundo a medida da idade de Cristo.


Por último, devendo ser a ressurreição conforme às exigências da perfeição e da natureza e exigindo a natureza da alma dotada de razão que dê vida ao seu próprio corpo, já que “o ato próprio há de verificar-se em matéria própria”, é necessário que ressuscite o mesmo corpo numericamente; de outra maneira não seria ressurreição verdadeira. Exige também a natureza da alma racional e imortal que, como é perfeita em seu ser, assim tenha também corpo a quem comunicar a vida perpetuamente, e por isto o corpo que se une à alma, pela mesma união está ordenado à incorrupção perpétua; de tal maneira, sem embargo, que aquilo no que consiste a substância de todo o corpo, como são os membros principais e o humor radical e a carne segundo a espécie, está ordenado de maneira necessária; porém o demais, a saber: a carne segundo a matéria e as partes que se referem à perfeição do corpo, se ordenam por congruência; e assim as primeiras partes mencionadas se ordenam à ressurreição segundo ordem de necessidade, enquanto as outras só segundo ordem de congruência. E porque Deus imprimiu esta ordem à natureza e a natureza por si não pode levá-la à perfeição, já que não lhe é dado ressuscitar o morto, e, por outra parte, a mesma Providência divina nada houve de fazer debalde, é necessário que por virtude desta se restabeleça o mesmo corpo atendido o número, imortal e formado de todas as partes, salvo, ademais, de tudo a identidade da natureza. E como isto não é atribuição, mas só propensão da natureza, porque se pode restabelecer numericamente o mesmo corpo já destruído, por não alcançar seu poder à substância toda inteira; nem pode haver um corpo imortal, por ser corruptível enquanto procede da geração natural; nem pode reunir o que está esparramado, é necessário que a ressurreição se atribua não a causas seminais nem naturais, mas às primeiras, de maneira que se verifique conforme a um processo maravilhoso e sobrenatural segundo a ordenação da vontade divina.


3. Sobre o que seguirá após o Juízo Universal


a) A pena infernal


Agora corresponde tratar das coisas que se hão de seguir ao Juízo, que são duas: a pena infernal e a glória celestial.


Com relação à pena infernal há de saber isto: a pena infernal se verifica num lugar material situado debaixo da terra, no qual serão atormentados eternamente todos os réprobos, tanto homens como espíritos malignos. E serão atormentados por um mesmo fogo material, que abrasará e afligirá espíritos e corpos – sem consumir, contudo, os corpos, apesar de os atormentar sempre – a uns mais, a outros menos, conforme o tenham merecido. E com este tormento do fogo terão também seu tormento todos os demais sentidos, e se acrescentará a pena do verme e a privação da vista de Deus, de maneira que nessas penas haverá variedade, e junto com a variedade haverá acerbidade, e junto com a acerbidade haverá interminabilidade, a fim de que se verifique para suplício dos réprobos, que “o fumo dos tormentos deles subirá pelos séculos dos séculos”.


Para entender isto observe-se que sendo sumo o primeiro Princípio, pelo fato do mesmo ser primeiro, enquanto possui o possui em proporção suma, pelo qual é necessário que seja retíssimo. E porque no retribuir se conduz conforme a retidão, como não pode operar contra si, não pode tampouco negar-se a si mesmo nem transgredir sua justiça ; e assim, por exigi-lo sua retidão, é necessário, de toda necessidade, que se castigue o pecado segundo a grandeza da culpa, sobretudo naqueles que, menosprezando a lei da misericórdia, investiram, pela impenitência, contra a severidade da justiça. E porque compete à severidade da justiça olhar a culpa não somente quanto ao fundamento, mas também quanto às circunstâncias agravantes, é muito conveniente que o justo Juiz exija dos ímpios as penas devidas até o último oitavo, e assim não fique “a desonra do pecado com míngua da honra devida à justiça”; e segundo é manifesto o poder na criação, e a sabedoria no governo, e a bondade na reparação, se manifeste assim a suma justiça no castigo. Desta forma, a justiça divina deve castigar ao ímpio segundo merece a culpa, e a culpa mortal, à que segue a impenitência final, tem em si razão da perdição eterna, perdição deleitosa e perdição multiforme, é necessário que a culpa seja castigada com eternidade, acerbidade e multiformidade de penas.


Em primeiro lugar, pois, a pena da perdição eterna deve ser perpétua porque o pecado que um comete, e do qual nunca se arrepende, dura perpetuamente na alma e a separa da vida eterna, isto é, de Deus, e procede da vontade que desejava deleitar-se no pecado eternamente. E mesmo que o deleite que passa seja momentâneo, tendo a perdição razão de perpetuidade, a pena correspondente à perdição não deve ter fim, para que, como o homem em seu querer perpétuo não determinou fim para apartar-se do pecado, tampouco desista Deus no seu querer perpétuo de castigar; e porque pecou contra o Infinito, tenha pena infinita, e pois não é capaz de pena infinita em intensidade, a tenha ao menos em duração; e como sua vontade, depois da morte, permanece aderida para sempre ao mal, sem admitir penitência, assim Deus castigue para sempre sem mudar a sentença, segundo o pede a perpetuidade da perdição nos ímpios condenados.


Em segundo lugar porque a pena da perdição deleitosa deve ser aflitiva, posto que o deleite se castiga com seu contrário, a tristeza, e a alma dotada de razão, ao pecar se volta ao bem que lhe é próprio e que se lhe apresenta como bem digno de amor atual e deleitosa, e por isto menospreza o querer e a soberania de Deus, segue-se que para perfeito castigo de semelhante deleite malvado, em que se juntam de uma vez o deleite e o menosprezo, seja necessário que em castigo do menosprezo e do deleite, o pecador, homem ou espírito, seja precipitado no lugar mais baixo e mais afastado do estado da glória, isto é, nas profundezas do inferno. E necessário que também se lhe exponha a ser atormentado ali pelo ser mais baixo, e assim não padeça por ser algum espiritual, mas por material e ínfimo, isto é, pelos excrementos dos corpos do mundo, de maneira que se afogue nos excrementos e seja atormentado com o fogo do enxofre. E porque a alma, que naturalmente é de maior excelência que o corpo, que tem a missão de exercer influxo e dar movimento ao corpo, perverte pala culpa a excelência de seu ser natural e se sujeita de certa maneira à vileza e ao nada do pecado, a justiça ordenada deve dispor que tanto o espírito como o homem pecador seja sujeitado ao fogo material, não para comunicar-lhe vida, mas para que, por disposição divina, receba dele pena, porque estando inseparavelmente ligado a uma coisa que lhe enche de horror por causa do temor infundido por Deus, e que o sente pela sensibilidade natural, é necessário que se atormente amargamente, porque este fogo não opera senão segundo o exigem o pecado e reato e mancha que provém da maldade do deleite, e este não é igual em todos, de forma que um mesmo fogo abrasa a uns mais e a outros menos, como um mesmo fogo abrasa de uma maneira a palha e de outra a lenha. E por causa desta diferença de pecado e de reato, que se ajusta à ação do fogo, permanece num mesmo uniforme e nunca aumenta nem diminui, nem muda, segue-se que, dispondo-o assim a vontade divina, de tal maneira opera aquele que sempre abrase porém não consume, atormenta sempre e não mata, porque não opera para obter aumento em si mesmo, mas para impedir a paz da alma no corpo ou do espírito em si mesmo. De onde não tem lugar nova privação da paz, mas continuação daquela perdida, para que assim, na mesma pena, nem a acerbidade tire a eternidade nem a eternidade a acerbidade.


Por último, devendo corresponder pena multiforme à perdição multiforme, e havendo em todo pecado mortal atual aversão desordenada da luz e bondade sumas, e propensão desornada a um bem mutável, e perdição da vontade contra o ditame da reta razão, segue-se que a todos os que pecam atualmente, que assim serão os condenados, atormentará tríplice pena: a privação da vista de Deus, por causa da aversão; a pena de um fogo material, por causa daquela propensão, e a pena do verme, por causa da transgressão da vontade e da razão, para que assim, atormentando-se nesta multiplicidade de penas padeçam variada, acerba e eternamente “e o fumo dos tormentos suba nos séculos dos séculos. Amém”.


b) A glória do Paraíso


Sobre a glória do céu se há de saber em resumo o que segue: que há nela prêmio substancial, consubstancial e acidental.


O prêmio “substancial” consiste na visão, fruição e posse do único sumo bem, que dizer, de Deus, que os bem-aventurados vêem face a face, a saber: abertamente e sem véu; de quem gozarão avidamente e com deleite, a quem possuirão também sem fim, verificando-se assim o que disse São Bernardo, isto é, que “Deus será plenitude de luz para o entendimento, abundância de paz para a vontade e eternidade não interrompida para a memória”.


O prêmio “consubstancial” consiste na glória do corpo, que é chamada segunda estola, vestida a qual, a alma bem-aventurada tende mais perfeitamente “ao mais alto do céu”. E esta estola consiste nos quatro dotes do corpo, a saber: claridade, sutileza, agilidade e impassibilidade, as quais se terão em maior ou menor grau, correspondente ao maior ou menor grau da caridade que antes havia tido.


E o prêmio “acidental” consiste em certa formosura acrescentada, que se chama auréola, e na opinião dos Doutores correspondente a três classes de obras: ao martírio, à pregação e à continência virginal. Mas em tudo o supradito se guardará o grau e distinção que exige a diversidade dos méritos.


A razão para a inteligência disto é como segue: o primeiro Princípio, por ser primeiro, possui suma unidade, verdade e bondade, que é o mesmo que dizer sumo poder, e sabedoria, e clemência e justiça sumas. E porque estes atributos invisíveis de Deus convém que se manifestem por meio das obras, Deus, dando princípio a este mundo sensível, o fez, governa, repara, recompensa e consuma, de maneira que na criação se manifesta o sumo poder; no governo, a sabedoria; na reparação, a clemência; e na retribuição, a justiça perfeita. Para manifestar o poder, tudo o fez do nada para louvor, glória e honra de si mesmo, criando algumas coisas próximas ao nada, quer dizer, a matéria corporal, e outras próximas a si, que dizer, a substância espiritual, e unindo ao mesmo tempo entre ambas coisas, isto é, a alma espiritual e a matéria corporal no homem uno com unidade de natureza e pessoa. Para que se visse a sabedoria, Ele tudo o governa de maneira providencialíssima e ordenada. Com efeito, por si mesmo rege o supremo do homem, quer dizer, a mente, a qual esclarece, e o ínfimo, quer dizer, o corpo, o rege pelo livre arbítrio da vontade, para que assim o corpo e o corporal permaneçam submetidos ao espírito e o espírito a Deus. Para manifestação da clemência reparou ao homem caído a natureza de homem, aceitando suas penalidades e sofrendo por fim a pena de morte, para que assim a suma misericórdia fizesse que o sumamente misericordioso se assemelhasse ao miserável, para alívio da miséria não só na integridade original da natureza, mas também nos defeitos da mesma, caída em estado de miséria. Para manifestar, enfim, a justiça dará a cada um segundo a exigência dos méritos não só castigo aos maus, mas também glória sem fim aos justos. Assim pede, com efeito, a retribuição justa, e a reparação gratuita,, e a governação ordenada, e a criação poderosa. Tudo isto terá sua consumação no final.


E primeiramente, devendo verificar-se o premiar a todos os justos segundo o pedem a retribuição justa e também a criação poderosa, e a criação pôs a alma racional próxima a Deus, capaz, digo, em virtude da imagem impressa nela da própria beatíssima Trindade, à qual serviu nos justos toda a alma do homem guardando íntegra sua imagem; daí que por nenhum outro, fora de Deus, pode premiar-se e encher-se a alma racional nem completar-se sua capacidade, pelo qual se lhe dá em prêmio a deiformidade da glória, que fazendo-a conforme a Deus a capacite para que o veja claramente com o entendimento, o ame plenamente com a vontade e o retenha eternamente com a memória, para que assim a alta toda viva, toda seja enriquecida em suas três potências, toda se configure com Deus, toda se lhe una, toda descanse nEle, encontrando nEle, como em todo bem, paz, luz e suficiência sempiterna, pelo que estabelecida “no estado que é perfeito pela reunião de todos os bens” e vivendo vida eterna, seja chamada bem-aventurada e gloriosa ao mesmo tempo.


Ademais, aquela retribuição deve fazer-se segundo exige não só a retribuição justa e a criação poderosa, senão também a governação ordenada, e Deus na criação uniu o corpo à alma e os atou por natural e mútua inclinação; mas quanto ao governo, submeteu o corpo à alma e fez que no estado de merecer o espírito se espelhasse pelo governo do corpo para exercitar-se no merecimento; nem a inclinação natural sofre que a alma seja plenamente bem-aventurada se não se lhe devolve o corpo, levando, como leva, entranhada a inclinação a voltar a juntar-se com ele; nem a ordem do governo sofre que o corpo se restitua à alma bem-aventurada senão do todo conforme e submetido enquanto é dado ao corpo conformar-se ao espírito. E como a alma é iluminada com a visão da luz eterna, deve por isto mesmo refletir em seu corpo a máxima claridade de luz. E já que pelo amor do sumo Espírito se fez a alma sumamente espiritual, deve ter também no corpo a correspondente sutileza e espiritualidade. E posto que na posse da eternidade se encontra a alma de todo impassível, deve, da mesma forma, haver em seu corpo, por dentro e por fora, omnímoda impassibilidade. E porque por tudo isto a alma está muito disposta para tender a Deus, deve haver também no corpo suma agilidade. E pois por estas quatro propriedades se volta o corpo conforme a alma e sujeito ao mesmo tempo, destas quatro se disse que é dotado principalmente o corpo, em virtude das quais pode seguir à alma e ser posto na pátria do céu, que é a pátria dos bem-aventurados. Por estas propriedades, com efeito, adquire semelhança com os corpos celestes, segundo as quais precisamente, como por graus de distância, o corpo celeste dista dos quatro elementos; e assim, os quatros dotes dos corpos tornam ao corpo perfeito em si e disposto para a morada do céu e adaptado à alma bem-aventurada, pela qual desde a suma Cabeça, que é Deus, até à borda do vestido, isto é, do corpo, redunda e, enquanto seja possível, deriva a plenitude da doçura e a embriaguez da bem-aventurança.


Por último, porque o premiar deve verificar-se segundo exigem a retribuição justa , e a criação poderosa, e a governação ordenada, e também a reparação gloriosa, e nos diversos membros de Cristo há diversidade de carismas de graças não só quanto aos dons interiores, mas também quanto aos exteriores; não só quanto aos hábitos, mas quanto aos estados; não só quanto à perfeição da caridade na alma, mas também quanto à beleza e esplendor na atividade corporal, segue-se que a alguns membros se deve não somente a estola da alma com seus três dotes e a estola do corpo com os quatro, senão também alguma excelência de beleza e de gozo pela prestância de perfeição e de formosura obtida na prática da virtude. Há três gêneros de operar sobremaneira perfeitos, formosos e harmoniosos, com harmonia especial em correspondência com as três tendências da alma: segundo o racional, a pregação da verdade, que leva a outros a salvação; segundo a concupiscível, a perfeita fuga das concupiscências pela integridade perfeita da continência virginal; segundo o irascível, o sofrer a morte pela honra de Cristo, segue-se que a estas três classes de justos, quer dizer, a pregadores, virgens e mártires, se deve a existência do prêmio acidental, que se chama auréola, que se refere à formosura não só da alma, mas também do corpo, posto que não se concede somente em atenção à vontade, mas ao operar exterior, tendo como base o mérito e o prêmio da caridade, que consiste nos sete dotes, três da alma e quatro do corpo, nos quais se encerra a consumação, a integridade e a plenitude de todos os bens referentes à glória completada.


Mas, quais e quão grandes sejam estes não o declaram minhas palavras, mas as de Santo Anselmo. Disse, pois, ao fim do Proslogio: “Desperta-te já, minha alma, e levanta tua mente toda, e medita quanto podes qual e quão grande é aquele bem. Se, com efeito, um por um os bens causam deleite, pensa com atenção quão deleitável é aquele bem que constitui o encanto de todos os bens, não por certo qual experimentamos nas coisas criadas, mas tão diferente como o Criador difere da criatura. E se é boa a vida criada, quão boa não será a vida criadora? Se é agradável a saúde comunicada, quão agradável não será a saúde que comunica toda saúde? Se é amável a sabedoria adquirida no conhecimento das coisas criadas, quão amável não será a sabedoria que as fez todas do nada? Enfim, se muitos e mui grandes prazeres há nas coisas prazenteiras, qual e quão grande não será o prazer em quem fez todo o prazenteiro?”


“Quem chegue a gozar deste bem, quê terá e o quê lhe faltará? Em verdade que terá o quanto quiser. Pois ali haverá bens do corpo e da alma como “nem o olho viu, nem o ouvido viu, nem veio à mente do homem”. Por que, pois, vagas, homenzinho, por multidão de coisas em busca de bens para tua alma e para teu corpo? Ama o único bem, em quem estão todos os bens, e basta. Anela o simples bem, que é o bem todo inteiro, e é suficiente. Pois, que amas, corpo meu; que desejas, alma minha? Ali está quanto amais, quanto desejais. Se deleita a formosura, os justos brilharão como o sol. Se agilidade, se força ou liberdade de corpo, sem coisa que possa estorvar-lhe , serão como anjos de Deus, porque se semeia corpo animal e se colhe espiritual pelo poder, não por natureza. Se vida durável e saudável, ali há sã eternidade e eterna sanidade, porque os justos vivem para sempre e do Senhor vem a salvação dos justos. Se fartura, se saciarão da glória de Deus. Se embriaguez, saciam-se da abundância da casa de Deus. Se melodia, ali cantam sem cessar os coros dos anjos louvando a Deus. Se qualquer prazer não sujo, mas limpo: “os afoga na torrente de tuas delícias, oh Deus”. Se sabedoria, a mesma sabedoria de Deus se lhes mostrará a si mesma. Se amizade, amarão a Deus mais que a si mesmos e uns a outros como a si mesmos, e Deus os amará mais que eles a si mesmos, porque eles a Ele e a si, e uns aos outros por Ele, e Ele a si e a eles por si mesmo. Se concórdia, todos eles terão um só querer, porque não terão outro que o querer de Deus. Se poder, tudo o poderão com seu poder, como Deus com o seu. Porque como Deus poderá por si mesmo o que quer, assim poderão eles por Ele o que quiserem, já que assim como eles não quererão nada distinto do que Ele quer, de igual maneira Ele quererá o que eles quiserem, e o que Ele quer é impossível que não se faça. Se honra e riquezas, Deus constituirá sobre o muito a seus servos bons e fiéis, e ainda mais: se lhes chamará e serão filhos de Deus e deuses, e onde está seu Filho ali estarão também eles, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo. Se verdadeira segurança, com toda certeza estarão certos de não perder nunca nem de nenhuma maneira esses bens, ou melhor, esse bem, como estarão certos de que nem hão de perdê-lo por próprio querer, nem Deus, que os ama, se o há de afastar-se deles, que lhe amam, nem nada mais poderoso que Deus há de separar a Deus e a eles contra sua vontade”.


“E o gozo, qual e quão grande onde tal e tão grande é o bem? Coração humano, coração pobrezinho, coração que há experimentado fraquezas e talvez te sentes acabrunhado de fraquezas, quanto gozarias se tivesses tudo isto em abundância? Pergunta a teu interior se pode caber nele o gozo de tão grande bem-aventurança. Mas, em verdade, se algum outro a quem amasses de todo como a ti mesmo tivesse a mesma bem-aventurança, se dobraria teu gozo, porque não te gozarias menos por ele que por ti. E se tiverem o mesmo dois ou três ou muito mais, por cada um deles te alegrarias na mesma medida que por ti mesmo amando a cada um como a ti mesmo. Assim, pois, naquela perfeita caridade de inumeráveis anjos e homens bem-aventurados onde nenhum ama menos a outro que a si mesmo, cada qual não se gozará por cada um dos demais de distinta maneira que de si mesmo. Se, pois, o coração do homem, por causa de tão grande bem próprio, apenas terá guarida para seu gozo, como será capaz de tantos e tão grandes gozos? E certo, porque na medida em que cada um ama a alguém, na mesma se goza de seu bem; como naquela bem-aventurança perfeita cada um amará a Deus sem comparação muito mais que a si mesmo e a todos os demais consigo, assim se gozará também sem comparação mais da felicidade de Deus que da sua própria e de todos os demais consigo. Porém se amam a Deus de tal maneira com todo o coração, com toda a mente e com toda a alma, que, não obstante, todo o coração, toda a mente e toda a alma não baste à grandeza do amor, certo que se gozarão com todo o coração, com toda a mente e com toda a alma, de tal maneira que todo o coração, toda a mente e toda a alma não bastem para a plenitude do gozo”.


“Porém, Senhor, todavia não tenho dito ou pensado quanto se gozarão esses teus bem-aventurados. Certo, tanto gozarão quando amarem, tanto amarão quanto conhecerem. Quanto te conhecerão e te amarão? Em verdade que “nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem veio à mente do homem nesta vida” quanto te conhecerão e te amarão naquela vida. Rogo-te, oh Deus, que te conheça, que te ame, para gozar de ti; e se não posso isto por completo nesta vida, adiante ao menos de dia em dia até chegar à perfeição; aumente aqui em mim teu conhecimento e faça-se ali total; cresça aqui teu amor e seja ali cumprido, para que aqui meu gozo seja grande na esperança e ali cumprido na realidade. Senhor, tu mandas por teu Filho e ainda aconselhas pedir e prometes atender à petição, para que nosso gozo seja cumprido. Deus veraz, consiga já, te peço, que meu gozo seja cumprido. Peço, Senhor, o que por nosso admirável Conselheiro aconselhas; consiga eu o que prometes pela Verdade, para que meu gozo seja cumprido. Entretanto, pense ali minha mente, fale dali minha língua, ame aquilo meu coração, publique ele minha boca, saboreie aquilo minha alma, tenha sede daquilo minha carne, deseje-o quanto posso, até entrar no gozo de meu Senhor, que é trino e uno Deus, bendito por todos os séculos dos séculos. Amém”.


(“Obras de San Buenaventura” - BAC – volume I – págs. 511/539)




APOCALIPSE


Todos os mistérios envolvidos no Apocalipse estão apresentados sob a forma das cartas que São João envia às cidades do Oriente (em número de sete), os selos que o Cordeiro abre (também sete), as visões impressionantes do trono e da majestade divinos, as trombetas angélicas, etc. As sete cartas dirigidas às sete cidades ou igrejas orientais têm o caráter histórico da Igreja, como afirma o Bem-aventurado Holshauzer. Depois vêm os sete selos, pelos quais se relacionam os sete mistérios referentes aos preparativos para o fim do mundo. Quem abre os selos é o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, chamado no Apocalipse de Cordeiro. A partir do sétimo é que se inicia a era preparatória do Juízo Final:


“Sétimo selo. Tendo (o Cordeiro) aberto o sétimo selo, fez-se silêncio no céu, quase por meia hora.


Vi os sete anjos, que estavam em pé diante de Deus, aos quais foram dadas sete trombetas. Depois veio outro anjo e parou diante do altar, tendo um turíbulo de ouro. Foram-lhe dados muitos perfumes, a fim de que oferecesse as orações de todos os santos sobre o altar de ouro, que está diante do trono de Deus. O anjo tomou o turíbulo, encheu-o de fogo do altar, lançou-o sobre a terra, e houve trovões, vozes, relâmpagos e um grande terremoto. Então os sete anjos, que tinham as sete trombetas, prepararam-se para as tocar”.


Observar que os castigos do sétimo selo ainda não são os do fim do mundo, embora terríveis: apenas uma terça parte da terra é atingida, enquanto no fim do mundo é a terra toda.


“O primeiro anjo tocou a trombeta; formou-se uma chuva de granizo e fogo, de mistura com sangue, que foi atirada sobre a terra, e foi abrasada a terça parte da terra, e foi queimada a terça parte das árvores e toda a erva verde. O segundo anjo tocou a trombeta; foi lançado ao mar como que um grande monte ardendo em fogo, e converteu-se em sangue a terça parte do mar, e a terça parte das criaturas que viviam no mar morreu, e a terça parte das naus pereceu. O terceiro anjo tocou a trombeta; caiu do céu uma grande estrela, a arder como um facho, e caiu sobre a terça parte dos rios e sobre as fontes das águas. O nome da estrela é Absinto; a terça parte das águas converteu-se em absinto e muitos homens morreram por causa daquelas águas, porque se tornaram amargosas. O quarto anjo tocou a trombeta; foi ferida a terça parte do sol, a terça parte da lua e a terça parte das estrelas, de maneira que se obscureceu a sua terça parte e o dia perdeu a terça parte do seu brilho, assim como também a noite.” (9, 1-12)


Uma “estrela caída do céu” diz respeito, certamente, a alguma pessoa com grande vocação para barrar a Revolução não haver correspondido. Estrela é uma grande vocação, e céu é a Igreja. Dizer que ela tinha a chave do poço do abismo quer dizer que por causa de seu pecado as portas do infernos poderiam ser abertas, mas se correspondesse à sua vocação os demônios não seriam soltos.


“O quinto anjo tocou a trombeta, e vi uma estrela caída do céu sobre a terra, e foi-lhe dada a chave do poço do abismo. Ela abriu o poço do abismo; e subiu uma fumaça do poço, como fumaça de uma grande fornalha, e escureceu-se o sol e o ar com a fumaça do poço. Da fumaça do poço saíram gafanhotos para a terra, e foi-lhes dado poder, como o poder que têm os escorpiões da terra. Foi-lhes ordenado que não fizessem dano à erva da terra, nem a verdura alguma, nem a árvore alguma, ma somente aos homens que não têm o selo de Deus sobre as suas frontes. Foi-lhes ordenado, não que os matassem, mas que os atormentassem durante cinco meses; o tormento que causam é como o tormento do escorpião, quando fere um homem. Naqueles dias, os homens buscarão a morte e não a encontrarão, desejarão morrer e a morte fugirá deles.


Os gafanhotos eram parecidos a cavalos aparelhados para a batalha; sobre as suas cabeças (tinham) um espécie de coroas semelhantes ao ouro, e os sus rostos eram como rostos de homens; tinham os cabelos como os cabelos das mulheres, e os seus dentes eram como os dentes de leões; tinham couraças como couraças de ferro, e o estrondo das suas asas era como o estrondo de carros de muitos cavalos que correm ao combate; tinham caudas semelhantes às dos escorpiões, e havia aguilhões nas suas caudas, em que estava o poder de fazer o mal aos homens durante cinco meses; tinham sobre si como rei o anjo do abismo, chamado em hebraico Abadon e em grego Exterminador”. (9, 1-11).


O tempo de “cinco meses” poderia muito bem relacionar-se com os cinco séculos em que predominou a Revolução.


“O sexto anjo tocou a trombeta, e ouvi uma voz (que saía) dos quatro cantos do altar de ouro, que está diante dos olhos de Deus, a qual dizia ao sexto anjo, que tinha a trombeta: Solta os quatro anjos que estão atados no grande rio Eufrates. Então foram desatados os quatro anjos que estavam preparados para a hora, dia, mês e ano, para matarem a terça parte dos homens. O número dos de cavalaria eram de duzentos milhões: ouvi dizer o número. Eis como vi na visão os cavalos e os que estavam montados neles: tinham couraça de cor de fogo, de jacinto e de enxofre; as cabeças dos cavalos eram cabeças de leões e da sua boca saía fogo, fumo e enxofre. Por estas três pragas: pelo fogo, pelo fumo e pelo enxofre, que saíam da sua boca, foi morta a terça parte dos homens. O poder dos cavalos estava na sua boca e nas suas caudas, porque as suas caudas assemelhavam-se a serpentes, tinham cabeças e com elas faziam mal”.


Os pecados cometidos pelos homens dizem respeito à idolatria e coisas similares, enquanto que no fim do mundo o grande pecado será a adoração da besta, uma espécie de “demonolatria”. Isto mostra que tais castigos ainda não dizem respeito ao fim do mundo. Provavelmente se referem aos que Nossa Senhora previu em Fátima:


“Os outros homens que não foram mortos por estas pragas, não fizeram penitência das obras das suas mãos, de modo a não adorarem os demônios e os ídolos de ouro, de prata, de cobre, de pedra e de madeira, que não podiam ver, nem ouvir, nem andar, e não fizeram penitência dos seus homicídios, nem dos seus malefícios, nem da sua fornicação, nem dos seus furtos.” (9, 13-21).


“Não fizeram penitência”, quer dizer, os castigos ainda se destinam a tentar converter as pessoas.


“Depois vi outro anjo forte, que descia do céu, vestido de uma nuvem, com o arco-íris sobre a sua cabeça; o seu rosto era como o sol, e os seus pés como colunas de fogo; tinha na sua mão um livrinho aberto, pôs o pé direito sobre o mar, o esquerdo sobre a terra, e gritou em alta voz, como um leão quando ruge. Depois que gritou, sete trovões fizeram ouvir as suas vozes. Depois que os trovões fizeram ouvir as suas vozes, eu dispunha-me a escrevê-las, mas ouvi uma voz do céu que me dizia: Sela as palavras dos sete trovões e não as escrevas. O anjo, que eu vira de pé sobre o mar e sobre a terra, levantou a sua mão ao céu e jurou por aquele que vive pelos séculos dos séculos, que criou o céu e tudo o que nele há, a terra e tudo o que nela há, o mar e tudo o que nele há, que não haveria mais tempo, mas que nos dias da voz do sétimo anjo, quando começasse a soar a trombeta, se cumpriria o mistério de Deus, como ele o anunciou pelos profetas seus servos.” (10, 1-7).


“Que não haveria mais tempo”, quer dizer, os castigos que virão não se destinam mais a converter as pessoas, que tiveram o tempo necessário nos castigos anteriores. Agora, cumprir-se-á apenas o castigo final com o respectivo julgamento divino.


Santo Elias e Santo Enoque serão mortos pelo poder do Anticristo, mas ressuscitarão. Onde está a grande vitória deles? É que os bons, que o seguirão, não aderirão ao Anticristo, ficarão fiéis até o fim e presenciarão a ressurreição vitoriosa de seus dois guias e líderes:


“Darei às minhas duas testemunhas o poder de profetizar, revestidos de saco, durante mil duzentos e sessenta dias. Estes são as duas oliveiras e os dois candelabros, postos diante do Senhor da terra. Se alguém lhes quiser mal, sairá fogo das suas bocas, que devorará os seus inimigos; se alguém os quiser ofender, é assim que deve morrer. Eles têm poder de fechar o céu, para que não chova durante o tempo que durar a sua profecia, e têm poder sobre as águas, para as converter em sangue, e de ferir a terra com todo o gênero de pragas, todas as vezes que quiserem. Depois que tiverem acabado de dar o seu testemunho, a fera, que sobe do abismo, fará guerra contra eles, vencê-los-á e matá-los-á. O seus corpos ficarão estendidos nas praças da grande cidade, que se chama espiritualmente Sodoma e Egito, onde também o Senhor deles foi crucificado.


“Os homens das diversas tribos, povos, línguas e nações, verão os seus corpos durante três dias e meio, e não permitirão que sejam sepultados. Os habitantes da terra se alegrarão por causa deles, farão festas e mandarão presentes uns aos outros, porque estes dois profetas tinham atormentado os que habitavam sobre a terra. Mas, depois de três dias e meio, o espírito de vida entrou neles da parte de Deus, e eles puseram-se de pé, e apoderou-se um grande temor dos que os viram. Ouviu-se uma grande voz do céu, que lhes dizia: subi para cá. Subiram ao céu numa nuvem e viram-nos os seus inimigos. Naquela mesma hora deu-se um grande terremoto, caiu a décima parte da cidade, e no terremoto foram mortos sete mil homens; os restantes foram atemorizados e deram glória ao Deus do céu.” ( 11, 3-13).


“Depois vi outro anjo, voando pelo meio do céu, que tinha o Evangelho eterno, para pregar aos habitantes da terra, a toda a nação, tribo, língua e povo, dizendo em alta voz: temei o Senhor e dai-lhe glória, porque é chegada a hora do seu juízo, e adorai aquele que fez o céu e a terra, o mar e as fontes das águas”


Babilônia é mais uma figura simbólica. Que quer significar? Não pode se referir à cidade com o mesmo nome, já extinta. No entanto, desde os tempos proféticos que Babilônia era citada como centro da idolatria, da gnose, da feitiçaria, do satanismo e da sensualidade. No caso, pode representar ela uma civilização inteira baseada nos erros da Babilônia antiga. A Babilônia do Apocalipse seria, então, a civilização revolucionária e anticristã, a babel moderna, tudo o que representa a vida baseada nos erros da Revolução.


Outro anjo o seguiu, dizendo: caiu, caiu aquela grande Babilônia que faz beber a todas as gentes do vinho do furor da sua impudicícia.


Seguiu-se a este um terceiro anjo, dizendo em alta voz: Se alguém adorar a besta e a sua imagem, e receber o sinal dela na sua testa ou na sua mão, também este beberá do vinho da ira de Deus, lançado puro no cálice da sua ira, e será atormentado em fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro. A fumaça de seus tormentos se levantará pelos séculos dos séculos, sem que tenham descanso algum, nem de dia nem de noite, aqueles que tiverem adorado a besta e a sua imagem, e aqueles que tiverem recebido a marca do seu nome. Aqui está a paciência dos santos, que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus.


Ouvi uma voz do céu, que me dizia: Escreve: Bem-aventurados os mortos, que morrem no Senhor. De hoje em diante diz o Espírito que descansem dos seus trabalhos, porque as suas obras os seguem.


Depois olhei e vi uma nuvem branca e uma pessoa sentada sobre a nuvem semelhante ao Filho do Homem, a qual tinha na sua cabeça uma coroa de ouro, e na sua mão uma foice aguda. Outro anjo saiu do templo, gritando em alta voz para o que estava sentado sobre a nuvem: Lança tua foice e sega, porque é chegada a hora de segar, pois a seara da terra está seca. Então, o que estava sentado sobre a nuvem lançou a sua foice à terra e a terra foi segada.


Outro anjo saiu do templo que há no céu, tendo também ele mesmo uma aguda foice. Saiu do altar outro anjo, que tinha poder sobre o fogo, e gritou em alta voz para o que tinha a foice aguda, dizendo: Lança tua foice aguda, vindima os cachos da vinha da terra, porque as suas uvas estão maduras. O anjo lançou sua foice aguda à terra, vindimou a vinha da terra e lançou-a no grande lagar da ira de Deus. O lagar foi pisado fora da cidade, e do lagar saiu sangue (que subiu) até aos freios dos cavalos, num espaço de mil e seiscentos estádios. (14, 6-20)


Começa a descrição da consumação dos tempos:


“Depois vi no céu outro sinal grande e admirável; sete anjos que tinham as sete últimas pragas, porque com elas é consumada a ira de Deus. Vi um como mar de vidro misturado de fogo; e os que venceram a besta, a sua imagem e o número do seu nome, estavam sobre o mar de vidro, tendo cítaras divinas, e cantavam o cântico do servo de Deus, Moisés, e o cântico do Cordeiro, dizendo: grandes e admiráveis são as tuas obras, ó Senhor Deus onipotente; justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Reis dos séculos.


Quem não te temerá, Senhor, e não glorificará o teu nome? Com efeito, só tu és misericordioso; em conseqüência do que todas as nações virão e se prostarão na tua presença porque os teus juízos foram manifestados.


Depois disto, vi que se abriu o templo do tabernáculo do testemunho no céu. Os sete anjos, que traziam as sete pragas, saíram do templo, vestidos de linho puro e branco e cingidos pelos peitos com cintas de ouro. Então, um dos quatro animais deu aos sete anjos sete taças de ouro, cheias da ira de Deus, que vive pelos séculos dos séculos. O templo encheu-se de fumo pela majestade de Deus e pela sua virtude, e ninguém podia entrar no templo, enquanto se não cumprissem as sete pragas dos sete anjos. (15, 1-7).


As taças da ira de Deus começam a ser derramadas


“Ouvi uma grande voz (que saía) do templo, a qual dizia aos sete anjos: ide e derramai sobre a terra as sete taças da ira de Deus. Foi o primeiro e derramou a sua taça sobre a terra, e formou-se uma úlcera cruel e maligna nos homens que tinham o sinal da besta, e naqueles que adoraram a sua imagem.


O segundo anjo derramou a sua taça sobre o mar e converteu-se em sangue como de um corpo morto e morreu no mar todo o ser vivo.


O terceiro anjo derramou a sua taça sobre os rios e sobre as fontes das águas, e converteram-se estas em sangue. Ouvi o anjo das águas, que dizia: Justo és, Senhor, que és e que eras, tu o Santo que isto julgaste; porque eles derramaram o sangue dos santos e dos profetas, deste-lhes também a beber sangue, pois assim o merecem. Ouvi outro que dizia do altar: Sim, certamente, Senhor onipotente, (são) verdadeiros e justos os teus juízos.


O quarto anjo derramou a sua taça sobre o sol e foi-lhe dado (poder de) afligir os homens com ardor e fogo. Os homens abrasaram-se com um grande calor e blasfemaram do nome de Deus, que tem poder sobre estas pragas, e não se arrependeram para lhe darem glória.


O quinto anjo derramou a sua taça sobre o trono da besta, e o reino dela tornou-se tenebroso, e (os homens) mordiam a língua com a dor, e blasfemaram do Deus do céu por causa das suas dores e úlceras, e não se arrependeram das suas obras.


O sexto anjo derramou a sua taça sobre aquele grande rio Eufrates, e secaram-se as suas águas, a fim de se abrir caminho aos reis do oriente.


Vi sair da boca do dragão, da boca da besta e da boca do falso profeta, três espíritos imundos semelhantes a rãs, que são espíritos de demônios, que fazem prodígios, e que vão aos reis de toda a terra, a fim de os juntar para a batalha no grande dia do Deus onipotente. Eis que venho como um ladrão (diz o Senhor). Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes, para que não ande nu e não vejam a sua vergonha. Ele os juntou num lugar que, em hebraico, se chama Armagedon.


Na Cruz, Nosso Senhor pronunciou o “Consumatum est” referente à Sua Missão na primeira vinda à terra; no Juízo Final, repetirá a frase, mas desta forma como sinal da consumação de sua Obra e do fim dos tempos:


O sétimo anjo derramou a sua taça pelo ar, e saiu uma grande voz do templo (vindo) do trono, que dizia: está feito. Seguiram-se relâmpagos, vozes e trovões, e houve um grande terremoto, tão grande que nunca houve outro igual desde que existiram homens sobre a terra. A grande cidade foi dividida em três partes, e as cidades das nações caíram; e Babilônia, a grande, foi recordada por Deus, para lhe dar a beber o cálice do vinho da indignação da sua ira. Todas as ilhas fugiram e os montes não foram achados. Caiu do céu sobre os homens uma grande chuva de pedras, como do peso de um talento. Os homens blasfemaram de Deus, por causa da praga da pedra, porque foi grande em extremo”. (16, 1-21)


Nota: “Armagedon” – Significa “monte do Megido ou Magedon”. Simboliza a carnificina e a derrota (Jz 5, 19; Zac 12, 11), celebrizada pela derrota do rei Josias (2 Reis 23, 29).


“Depois disto, vi descer do céu outro anjo, que tinha um grande poder: a terra foi iluminada com sua glória. E exclamou fortemente, dizendo: Caiu, caiu Babilônia, a grande, e tornou-se habitação de demônios, guarida de todo o espírito imundo e albergue de toda a ave hedionda e abominável, porque todas as nações beberam do vinho da cólera da sua impudicícia e os reis da terra se mancharam com ela e os mercadores da terra tornaram-se ricos com o excesso de seu luxo”.


Quando a civilização gnóstica e igualitária, chamada Babilônia, começar a ser destruída, Deus providenciaria um espécie de “êxodo” para dela separar os bons dos maus.


Ouvi outra voz do céu, que dizia: Sai dela, povo meu, para não seres participantes dos seus delitos e para não seres compreendido nas suas pragas, porque os seus pecados chegaram até ao céu e o Senhor lembrou-se das suas iniqüidades. Retribuí-lhe como ela mesma vos tratou, e dai-lhe o dobro conforme as suas obras; na taça que ela vos deu a beber, dai-lhe a beber dobrado. Quanto ela se glorificou e viveu em delícias, tanto lhe dai de tormento e pranto, porque diz no seu coração: Estou sentada como rainha, não sou viúva e não verei o pranto. Por isso, num mesmo dia, cairão sobre ela as pragas, a morte, o pranto e a fome, e será abrasada em fogo, porque é forte o Deus que a há de julgar. (18, 1-8).


Toda uma civilização baseada na adoração do dinheiro, do comércio, do luxo, do gozo, será destruída - a “bancarrota financeira”:


“Chorá-la-ão os reis da terra, que pecaram com ela e viveram em delícias, quando virem a fumaça do seu incêndio. Estando de longe, com medo dos tormentos dela, dirão: Ai, ai daquela grande cidade de Babilônia, daquela cidade forte! Num momento veio o seu juízo! Os negociantes da terra a chorarão e a lamentarão, porque ninguém comprará mais as suas mercadorias: mercadores de ouro, de prata, de pedras preciosas, de pérolas, de linho fino, de púrpura, de seda, de escarlate, toda a madeira odorífera, todos os vasos de marfim, todos os vasos de pedras preciosas, de bronze, de ferro, de mármore, o cinamomo, as essências, os bálsamos, o incenso, o vinho, o azeite, a flor da farinha, o trigo, os animais de carga, as ovelhas, os cavalos, as carroças, os escravos e até almas humanas. Os frutos desejados pela tua alma se retiraram de ti e todas as coisas pingües e magníficas se perderam para ti, e não mais se encontrarão. Os mercadores destas coisas, que se enriqueceram, estarão longe dela com medo dos seus tormentos, chorando, lamentando-se e dirão: Ai, ai daquela grande cidade, que estava vestida de linho fino, de púrpura e de escarlate, e que se adornava de ouro, pedras preciosas e de pérolas! Como num momento foram reduzidas a nada tantas riquezas! Todos os pilotos e todos os que navegam no mar, os marinheiros e quantos negociam sobre o mar, ficaram ao longe, e, vendo o lugar do seu incêndio, clamaram, dizendo: Que cidade houve semelhante a esta grande cidade? Lançaram pó sobre as suas cabeças e fizeram alaridos, chorando e lamentando-se assim: Ai, ai daquela grande cidade, de cujas riquezas se enriqueceram todos os que tinham navios no mar! Num momento foi arruinada!


Exulta sobre ela, ó céu, e vós, santos apóstolos e profetas, porque Deus, julgando-a, fez-vos justiça.


Então um anjo forte levantou uma pedra como uma grande mó de moinho e lançou-a no mar, dizendo: Com este ímpeto será precipitada aquela grande cidade de Babilônia e não será jamais encontrada. Não se ouvirá mais em ti a voz dos tocadores de cítara, dos músicos, dos tocadores de flauta e de trombeta; não se encontrará mais em ti artista algum de qualquer arte, nem se tornará mais a ouvir o ruído da mó. Nem luzirá mais a luz da lâmpada, não se ouvirá mais em ti a voz do esposo e a da esposa, porque os teus mercadores eram uns príncipes da terra, porque por causa dos teus encantamentos erraram todas as nações. Nesta cidade foi encontrado o sangue dos profetas e dos santos e de todos os que foram mortos sobre a terra. (18, 9-24).




O Reino de Maria (ou de Cristo) é comemorado no céu


“Ouvi uma espécie de voz de grande multidão, voz como ruído de muitas águas e como o estampido de grandes trovões, a dizer: Aleluia, porque tomou posse do seu reino o Senhor nosso Deus onipotente. Alegremo-nos, exultemos e demos-lhe glória, porque chegaram as bodas do Cordeiro, e sua esposa está ataviada. Foi-lhe dado o vestir-se de finíssimo linho, resplandecente e branco. Este linho fino são as virtudes dos santos


“E (o anjo)disse-me: Escreve: Bem-aventurado os que foram chamados à ceia das bodas do Cordeiro! E ajuntou: Estas palavras de Deus são verdadeiras. Então, caí a seus pés para me prostrar diante dele. E ele disse-me: Vê, não faças tal; eu sou servo como tu e como teus irmãos, que têm o testemunho de Jesus. Adora a Deus. Com efeito, o testemunho de Jesus é o espírito de profecia. (19, 6-10).


A realeza divina é reconhecida na Terra pela Igreja Militante


“Seguiam-no [o Verbo de Deus] os exércitos que estão no céu, em cavalos brancos, vestidos de fino linho branco e puro. Da sua boca saía uma espada de dois gumes, para ferir com ela as nações; ele as governará com cetro de ferro e ele mesmo pisa o lagar do vinho do furor da ira de Deus onipotente. No seu vestido e na sua coxa, traz escrito: Rei dos reis, e Senhor dos senhores” (19, 14-16)


O Reino de Cristo será um festim divino


“Vi um anjo, que estava de pé no sol, chamar com voz forte a todas as aves, que voavam pelo meio do céu: Vinde e juntai-vos para a grande ceia de Deus, a fim de comerdes carne de reis, carne de tribunos, carne de poderosos, carne de cavalos e dos que neles montam, carne de todos, livres e escravos, pequenos e grandes” (19, 17-19)


Mas que não isenta de grandes batalhas


“E vi a besta, os reis da terra e os seus exércitos, reunidos para fazerem guerra àquele que estava montado sobre o cavalo e ao seu exército. A besta foi presa e com ela o falso profeta, que fez prodígios na sua presença, com os quais tinha seduzido os que tinham recebido o caráter da besta e tinham adorado a sua imagem. Foram ambos lançados vivos no tanque de fogo a arder com enxofre. Os outros foram mortos pela espada que saía da boca do que estava montado sobre o cavalo, e todas as aves se fartaram das suas carnes” (19, 19-21)


Lúcifer é acorrentado até o fim do mundo


“Vi descer do céu um anjo que tinha na sua mão a chave do abismo e uma grande corrente. Prendeu o dragão, a serpente antiga, que é o demônio e satanás, e amarrou-o por mil anos; meteu-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não seduza mais as nações até se completarem os mil anos. Depois disto, deve ser solto por um pouco de tempo”. (20, 1-3).


Preparativos para o Grande Juízo Universal


“Vi tronos e (vários personagens que) se sentaram sobre eles e lhes foi dado o poder de julgar; vi também as almas daqueles que foram degolados por causa do testemunho de Jesus e por causa da palavra de Deus, e aqueles que não adoraram a besta nem a sua imagem, nem receberam o seu caráter sobre a fronte ou sobre as suas mãos e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos.


Ressurrectos viverão até o Juízo Final


“Os outros mortos não tornarão à vida até se completarem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo aquele que tem parte na primeira ressurreição; a segunda morte não tem poder sobre estes, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele durante mil anos”. (20, 4-6).


Somente quando se completarem os “mil anos” os demônios serão soltos novamente: e aí chegará o fim dos tempos:


“Quando se completarem os mil anos, satanás será solto da sua prisão, sairá e seduzirá as nações que estão nos quatro ângulos da terra, Gog e Magog, e os juntará para a batalha: o seu número é como a areia do mar”. (20, 7)


A visão de Jesus Cristo como Juiz:


“Depois vi um grande trono brilhante e um que estava sentado sobre ele, de cuja vista fugiram a terra e o céu e não deixaram rastos de si. Vi os mortos, grandes e pequenos, de pé diante do trono. Foram abertos os livros, e foi aberto outro livro, que é o da vida; e foram julgados os mortos pelas coisas que estavam escrita nos livros, segundo as suas obras. O mar deu os mortos que estavam nele, a morte e o inferno deram (também) os mortos que estavam neles e fez-se juízo de cada um segundo as suas obras. Depois, a morte e o inferno foram lançados no tanque de fogo (o tanque de fogo é a segunda morte). Aquele que se não achou inscrito no livro da vida, foi lançado no tanque de fogo”. (20, 11-15).


Maldição lançada sobre quem deturpar o Apocalipse


“Eu declaro a todos os que ouvem as palavras da profecia deste livro, que se alguém lhes fizer acréscimos, Deus o castigará com as pragas escritas neste livro. Se alguém tirar qualquer coisa, Deus lhe tirará a sua parte do livro da vida, da cidade santa e das coisas que estão escritas neste livro”. (22, 18-19).




O QUADRO DE S. METÓDIO E O JUÍZO UNIVERSAL




“Um peregrino e o dia do Juízo universal. – Um devoto peregrino atravessava um dia o Vale de Josafá na Palestina, e caminhando recitava orações. Ao dizer o Credo, parou às palavras: Inde venturus est judicare vivos et mortuos, e começou a pensar: “Eis aqui o lugar onde Jesus virá do Céu para julgar os vivos e os mortos. Virá no dia da ira, das tribulações e da angústia, dia de calamidade e de miséria: Dies irae, dies tribulacionis et angustiae, dies calamitatis et miseriae (Sof 1, 15); dia que não teve e nem nunca terá igual no terror: Similis ei non fuit... et post eum non erit (Joel 2, 22). Isso é também verdade de fé!” - Parecia a esse peregrino ver no ar o divino Juiz em toda a sua majestade, no ato de julgar os pecadores; e diz a história que ele ficou tão apavorado, que ninguém mais o viu rir, e bastava lembrar-lhe o Juízo para o fazer tremer e chorar.


Quantos, no entanto, também entre os jovens, jamais pensam nessa verdade! Se pensassem nisso, sim, poriam o cérebro em condições, e viveriam como bons cristãos! – Consideremos agora o Juízo final; e quando ouvirdes a história de um quadro, ide em pensamento ao Vale do Josafá: 1) para ver o aparecimento do Filho de Deus; 2) para assistir ao grande exame de consciência; 3) para ouvir a sentença do divino Juiz.


I – 0 comparecimento do Filho de Deus


1. A TERRÍVEL CENA. – Um quadro do Juízo universal. – O monge S. Metódio († 861), que converteu à fé cristã a Bulgária e outras nações bárbaras, era também um bom pintor. Um dia ele foi chamado pelo rei dos búlgaros, de nome Bógoris, o qual lhe disse: “Deveis fazer-me um belo quadro para eu pôr em meu palácio, e quero que esse quadro represente coisas que metam mêdo a todos os que o olharem”. – É mister saber que esse rei era pagão e meio selvagem, e só se deleitava com caçadas de animais ferozes e cenas terríveis. O santo, então, recomendando-se a Deus, pintou o Juízo universal.


No meio do quadro via-se Jesus Cristo em sua tremenda majestade entre as nuvens e num trono de glória, rodeado pelos anjos; à direita uma fila de pessoas com os rostos esplendorosos de luz (os justos); à esquerda uma multidão de pessoas monstruosas com caras horríveis, cheias de pavor e de desesperada angústia (os pecadores). Em baixo afinal se via um abismo cheio de figuras horrendas de demônios, e desse abismo saíam chamas ameaçadoras e fôscas. – Quando o rei viu esse quadro, ficou impressionado e perguntou: “Que espetáculo é esse tão magnífico e pavoroso?” Aí Metódio lhe deu a seguinte explicação.


2. OS DOIS JUÍZOS. – S. Metódio e a explicação do quadro. – “Majestade (iniciou S. Metódio), esse quadro representa o Juízo Universal. Ficai sabendo que logo após a morte haverá, para todos, o Juízo Particular; isto é, deveremos todos comparecer perante Deus para dar contas do bem e do mal que tivermos feito em vida. Mas além do Juízo Particular, haverá outro Juízo, que se diz Universal, e este será feito por Jesus Cristo no fim do mundo no Vale de Josafá. Ao Juízo Universal deverão apresentar-se todos homens do mundo, que existiram, que existem e que existirem; grandes, pequenos, soberanos e súditos, sábios e ignorantes, ricos e pobres, bons e maus”- Ao ouvir isso, o rei já começava a empalidecer e indagou:


3. “QUANDO E COMO SERÁ O JUÍZO UNIVERSAL?’ – Responde Metódio: “Esse dia ninguém o sabe, nem os Anjos do Céu, exceto apenas o Pai (Deus): De die autem illa et hora nemo scit, neque Angeli coelorum, nisi solus Pater” (Mt 24, 36). – Como depois se dará o Juízo, di-lo a Sagrada Escritura. Primeiro haverá sinais: guerras espantosas dos povos e dos reinos, que se lançarão uns contra os outros: Consurget enim gens in gentem, et regnum in regnum (Mt 24, 7); pestes, carestias, terremotos; et erunt pestilentiae, et fames, et terraemotus (ibid.). Depois o sol escurecerá, e a luz não dará mais a sua luz, e cairão do céu as estrelas, e haverá a destruição do Universo: Sol obscurabitur, et luna non dabit lumen suum, et stellae cadent de coelo, et virtutes coelorum commovebuntur (Mt 24, 29); depois vira do céu um dilúvio de fogo que destruirá tudo: terra autem, et quae in ipsa sunt opera, exurentur (2 Pedr 3, 10). E então será grande a tribulação, como não houve desde o início do mundo: Erit tunc tribulatio magna, qualis non fuit ab initio mundi (Mt ibid. 21). E tudo isso é verdade de Evangelho.


4. A RESSURREIÇÃO DIFERENTE – Quando estiver tudo destruído pelo fogo, os Anjos soarão uma trombeta que se fará ouvir nos quatro ventos: e os mortos ressuscitarão: Canet enim tuba, et mortui resurgent (1 Cor 15, 52). E aí se dará um grande espetáculo. Todos os mortos, saídos de seus túmulos, da terra, do mar, dos abismos, deverão estar vivos – Mas com que diferença! As almas dos bons, vindas do Céu, retomarão o seu corpo belo, resplendente, impassível: Tunc justi fulgebunt sicut sol (Mt 13, 43). As almas dos réprobos, surgidas do inferno, unir-se-ão a seus corpos que no entanto serão disformes, horríveis, esquálidos, fedorentos.


5. A SEPARAÇÃO. Depois virão os Anjos, e separarão os malvados dos justos: Exibunt Angeli, et separabunt malos et medio justorum (Mt 13, 49). E os justos ficarão à direita, e os pecadores à esquerda. Não vos parece vê-los?... Todos os blasfemadores, caluniadores, desonestos, soberbos, ladrões, avarentos, escandalosos, sacrílegos, serão separados dos bons; e, vendo-os, dirão com raiva: Eis aqueles de quem zombamos em vida: Hi sunt quos habuimus in derisum (Sab 5, 3). Estultos que fomos! Julgávamos uma insensatez a sua vida: eis no entanto como se incluíram entre os filhos de Deus: Nos insensati! vitam illorum aestimabamus insaniam...; ecce quomodo computati sunt inter filios Dei (Sab 5, 4-5).


6. A CRUZ – Feita a separação, abrir-se-ão os Céus, e entre fileiras de Anjos aparecerá o sinal do Filho do Homem: a Santa Cruz: Tunc parebit signum Filii hominis (Mt 24, 30). E aí bater-se-ão no peito todas as tribos da terra: Et tunc plangent omnes tribus terrae (ibid.). E eis a descer nas nuvens Jesus Cristo com grande potestade e majestade: Et videbunt filium hominis venientem in nubibus coeli cum virtute multa et majestate (ibid.). Aí os réprobos cairão como fulminados. E que berros de choro! Que pavor! Que desespero! Ao passo que os justos rejubilar-se-ão!


Depois o divino Juiz fará um exame público: manifestará as consciências todas, revelando as culpas, diante de todo mundo. Depois pronunciará a sentença de bênção sobre os bons e a de maldição sobre os maus; e estes irão para o eterno suplício com os demônios: os justos ao contrário para a vida eterna: Et ibuns hi in supplicium aeternum: justi autem in vitam aeternam (Mt 24, 46). Eis o que ouvistes no quadro pintado: a tremenda verdade do Juízo, que é verdade de Evangelho”.


Assim concluiu o monge S. Metódio. – Ao ouvir isso, o rei Bógoris ficou aterrorizado: fez-se logo instruir na religião, e, iluminado pela graça de Deus, converteu-se ao Cristianismo, e com ele se converteram também os seus súditos.


II – O exame de consciência


1. A VISTA DO JUIZ – Queridas crianças, ouvistes num só exemplo como se dará o comparecimento do Juiz divino. Agora assistis ao exame das consciências.


Um olhar investigador. – O rei Frederico II da Prússia (1756), durante a guerra dos 7 anos, após uma batalha vitoriosa, invernava na Saxônia. Ali um copeiro de nome Glasau deliberou matá-lo, e lhe apresentou num copo uma bebida envenenada. O rei, que havia notado qualquer coisa estranha na atitude de seu servo, fixou-o profundamente no rosto. Ante este olhar o servo começou a tremer tão forte, que lhe cai da mão o copo. Aí confessou ao rei o assassínio que havia meditado. – Eis como só o olhar penetrante de um rei bastou para fazer tremer e aniquilar um malvado.


Ora, como deverão tremer os pecadores quando os fulminar o olhar de Deus que tudo conhece e que de tudo pedirá pormenorizadíssimas contas. Quantos tremor est futuros, Quando Judex est venturus, Cuncta stricte discussurus!


2. O LIVRO ABERTO. Será aberto então o grande livro onde tudo está anotado., o bem e o mal de cada qual: Liber scriptus proferetur, In quo totum continetur. E tudo será revelado diante dos Anjos e dos homens; tudo: não só as obras, mas também os segredos do coração; pois todas as coisas são nuas e reveladas aos olhos de Deus: Omnia nuda et aberta sunt oculis eius (Hebr 4, 13). Aí ele aclarará os esconderijos das trevas, e manifestará os conselhos dos corações: Illuminabit abscondita tenebrarum, et manifestabit consilia cordium (1 Cor 4, 5). E tudo o que está oculto surgirá, e ninguém ficará impune: Quidquid latet apparebit: nil inultum remanebit.


Para os justos: Oh! Que consolo e glória, ao ouvir manifestar todas as suas boas obras, os esforços para vencer as tentações, as orações, as mortificações.


Para os maus: Que confusão e opróbrio, ao ouvir revelados todos os seus feios pecados, as imposturas, as mentiras, os furtos, as desobediências, os escândalos dados, as vinganças..., os sacrilégios cometidos desde o uso habitual da razão. Eram crianças de poucos anos, e já velhos na malícia!


3. AS DESCULPAS? – Que desculpas então, ante as censuras de Jesus Cristo Juiz que porá diante dos pecadores todo o mal que hajam cometido?


Nabucodonosor e o rebelde Sedecias. – Lê-se na História Sagrada que Nabucodonosor fez um terrível juízo de Sedecias que se rebelara contra ele. Primeiro lhe mostrou os benefícios que lhe fizera, depois lhe disse: “Eu podia mandar cortar-te a cabeça; e no entanto te dei a coroa de rei. Eu podia enterrar-te numa cova, e no entanto te pus no trono. E tu?... Ingrato! Viraste contra mim todas as tuas forças para trair-me! Pois bem, fica sabendo que és indigno de ainda ver o meu rosto”. E imediatamente mandou arrancar-lhe os olhos, e o fez meter numa prisão, todo acorrentado (4 Rs 24-25). – Que desculpas podia dar Sedecias?


Também não poderão desculpar-se os pecadores no Juízo de Deus que, na presença do Universo, porá ante eles todos os seus benefícios, as suas graças, o seu sangue derramado, e todas as infidelidades e ingratidões deles. E então que desespero para os pecadores desgraçados que se encontrarem à esquerda! Trêmulos e berrando quererão esconder-se; mas onde?... Gritarão às montanhas: “Cai sobre nós!”, e às colinas: “Sepultai-nos!”: Tunc incipient dicere montibus: cadite super nos; et collibus: operite nos! (Lc 23, 30) – Oh! Que dia haverá mais pavoroso do que esse! Quantos pecadores converter-se-ão e tornar-se-ão santos ao pensar em se ver envergonhados no terrível exame que se fará nesse dia!


III – A sentença


1. AO JUSTOS. Feito o exame das consciências e revelados os pecados e as boas obras de todos, Jesus Cristo Juiz pronunciará a grande sentença que ficará para sempre. Qual será? Ei-la. Aos justos que estão à direita ele voltar-se-á com o olhar doce e benigno, e dirá: “Eis chegado o momento em que enxugarei vossas lágrimas, recompensarei vossas fadigas, premiarei vossas virtudes. Porque me servistes fielmente, vinde, ó abençoados de meu Pai; tomai posse do Reino preparado para vós desde a fundação do mundo: Tunc dicet his qui a dextris eius erunt: Venite benedicti Patris mei, possidete paratum vobis regnum a constitutione mundi (Mt 25, 34). Oh! Que alegria para os jovens que no Juízo tiverem a sorte de ouvir dirigidas a eles tais palavras! Abençoados de Deus!... Ter dele a glória imortal! Eris corona gloriae in manu Domini (Is 62, 30). Que felicidade!


2. AOS RÉPROBOS. – Voltado em seguida para os réprobos com olhar fulmíneo dir-lhes-á: “A vós que em vida não me quisestes conhecer nem servir, que me maltratastes com as iniqüidades, que desprezastes o meu sangue... a vós a minha maldição: Fora daqui, malditos, para o fogo eterno! Tunc dicet et his quia a sinistris erunt: Discedite a me maledicti in ignum aeternum! (Mt 25, 41).


E aí eles aos montes, berrando, desesperadamente e blasfemando, cairão na voragem do inferno, e ouvirão fechar atrás de si a tremenda porta de fogo com eterno segredo. E Deus jogará as chaves da hórrida prisão no mar da eternidade. – O justos, ao contrário, voarão alegres e bendizendo a Deus, para a eterna felicidade do Céu. – Assim terá fim o dia do Juízo Universal, que a Igreja com razão chama “dia bem grande e amargo”: Dies magna et amaris valde. E aí quem está salvo, está salvo, e quem está condenado, está condenado.


Conclusão


Dizei agora, ó queridos filhos, em que Juízo nos devemos encontrar? E que sentença será a minha? Qual a vossa? Estaremos à direita com os eleitos, ou à esquerda com os condenados? Depende de nós.


São Jerônimo e a trombeta do Juízo. – S. Jerônimo († 420), grande doutor da Igreja e dos maiores penitentes, deixou todas as belezas e magnificências de Roma, para ir ocultar-se num deserto da Palestina. Ali não fazia mais do que pregar, estudar e mortificar-se com aspérrimas penitências. Amiúde tomava de uma pedra e com ela batia no peito já chagado e sangrento, pedindo a Deus piedade. Por que isto? Ele pensava sempre no Juízo Universal; e por isso aterrorizado exclamava: “ Ai de mim! A todo momento me parece ter nos ouvidos o som da trombeta que se fará ouvir no Vale de Josafá com esta fala: Surgi, ó mortos, vinde ao Juízo! Semper videtur illa tuba insonare in auribus meis: Surgite mortui, venite ad judicium! E nesse Vale qual será a minha sorte? Estarei com os eleitos ou com os réprobos? Terei a sentença da bênção ou da maldição?”. – Também S. Alberto Magno exclamava: “Toda vez que penso no dia do Juízo, tremo todo: Quoties diem Judicii cogito, toto corpore contremisco”.


Pensemos nele também nós. E se nesse grande dia vos quiserdes achar à direita entre os eleitos, ponde logo mãos à obra, remediando o passado e iniciando uma vida santa. - Ó bom Jesus, Deus de misericórdia, recordai que pela nossa salvação sofrestes tantos padecimentos e derramastes o vosso sangue: a vós rogamos ter piedade de nós. Oh! Salvai-nos no dia do Juízo: Recordare, Jesu pie, Quod sum causa tuae viae, Ne me perdas illa die!


OUTROS EXEMPLOS


(1) UM IMPERADOR E A RESSURREIÇÃO DOS MORTOS. – O imperador romano Teodósio († 395) numa ocorrência especial fez abrir todas as prisões e deu liberdade a todos os prisioneiros. Satisfeito com esse ato generoso, exclamou: “Oh! Se eu tivesse também o poder de abrir todos os túmulos e dali fazer surgir todos os mortos!” – Mas esse poder nunca o teve nem terá nenhum imperador do mundo. Só Jesus Cristo poderá chamar de novo à vida todos os mortos; e isso fá-lo-á ele no dia do Juízo. Ele disse claramente: “Virá a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus: Venit hora, in qua omnes qui in monumentis sunt, audient vocem Filii Dei” (Jo 5, 28).


(2) “RECONHECER-NOS-EIS...” (Santa Perpétua) – A mártir Santa Perpétua foi encarcerada em Cartagena com outros cristãos, para depois ser morta. Quando estava no cárcere, foram vê-la uns pagãos, os quais a encaravam fixamente. – “Sim, disse a santa, olhai-nos bem de frente, e imprimi bem em vossa mente as nossas feições; reconhecer-nos-eis assim no dia do Juízo Universal”. –Estas palavras causaram tal impressão nos pagãos, que uns deles se converteram à fé cristã.


(3) UM LÍRIO NO TÚMULO – Nos Anais da Propagação da Fé se lê este fato ocorrido na Conchinchina. Uma jovem de 15 anos, de nome Tho, por ser cristã, devia ser condenada à morte juntamente com uma irmãzinha. Mas um jovem pagão, rico e poderoso, fez tudo para que essa menina não fosse morta, por sua rara beleza; queria porém que ela fosse com ele. E entrementes lhe fez mil promessas lisonjeiras. A jovem respondeu resoluta: “Ah! Não!”- E o pagão: “Se não consentes em seguir-me, serás morta com tua irmãzinha”. – “Tanto melhor: iremos todas duas para o Céu”. – Aí, para apavorá-la, o pagão fez cavar uma cova; depois lhe disse: “Vês? Pôr-te-emos lá dentro e sepultar-te-emos viva”. A jovem nada respondeu e deixou andar a coisa. Entretanto, à beira da cova ela recitou umas orações; depois disse: “Agora estou pronta”. Aí foi jogada uma esteira na cova, e a jovem lá desceu com a irmãzinha que não gritava nem chorava. Quando se deitou na esteira aduziu: “Agora podeis cobrir-me de terra: rever-nos-emos depois no Juízo Universal”. Cobriram a cova e as duas mártires ficaram sepultadas. Oh! Com que festa terão levado os Anjos essas duas almas para o Paraíso! E como ressurgirão belos e esplêndidos esses corpos no dia da ressurreição universal!


(4) O OLHAR DE UM RETRATO – Conta S. Gregório Nazianzeno que uma senhora foi a um palácio a fim de cometer pecados. Ao passar por um corredor, onde estavam pendurados uns quadros, viu o retrato de um filósofo antigo que parecia fitá-la com olhar feroz e severo e censurá-la. – Se apenas o olhar de um retrato fez tremer essa pecadora, como não fará tremer os pecadores o olhar severo do Juiz divino?


(5) SANTA PELÁGIA E O VALE DE JOSAFÁ – Santa Pelágia foi uma das maiores pecadoras do mundo. Como se converteu aquela alma tão perdida? E como chegou depois a se tornar santa? Escutai. Numa igreja de Antioquia, onde havia uma grande multidão de povo, pregada o bispo S. Nono, e o sermão era sobre o Juízo Universal. Entre o povo que ouvia estava também Pelágia: mas não fora ali para ouvir a palavra de Deus, mas sim para se mostrar, e para fazer às vezes do diabo. Entrementes o pregador, de semblante todo iluminado e com lágrimas nos olhos, representava o rigor da divina justiça e gritava: “Nesse grande dia eu vos espero, ó pecadores endurecidos! Nessa exame, nesse Juízo, ó desonestos e escandalosos!” – Todo o povo estava comovido; ouviram-se freqüentes soluços e em muitos se viam lágrimas. Pelágia sentiu partir-se-lhe o coração; puxou o véu sobre os olhos e toda trêmula derramou copiosas lágrimas de contrição. Finda a prédica, correu logo a fazer uma confissão geral d seus enormes pecados; e de volta pra casa, jogou fora seus enfeites, cortou os cabelos, vestiu-se de saco e foi para um deserto fazer penitência. – Que mudança, hein? Olhai-a agora nesse deserto, longe de todas as oportunidades de pecado, de pés descalços e cilícios. Sim, mas as tentações do demônio estavam também lá. E aí? – “Acharei bem o remédio”, disse a penitente; e foi logo para o monte das Oliveiras, onde fez uma pequena cela com uma janelinha da qual se via em baixo, longe e distante, oVale de Josafá. Nessa janelinha ela se apresentava todo instante, e no silêncio dizia para si: “Esse é o Vale onde eu serei julgada. Aqui deverei comparecer com o corpo. Aqui se abrirá o livro dos meus pecados... e aqui terei a sentença. Eis, parece-me ver a Cruz de Jesus Cristo entre as fileiras dos Anjos, e ouvir de Jesus Cristo a sentença e maldição sobre os condenados!” – Com essa vida e com essas reflexões a penitente venceu todas as tentações, manteve-se com Deus até a morte, e se tornou grande santa. Eis o que pode fazer a idéia do Juízo Final.


(“A Palavra de Deus em Exemplos” – G. Morotarino J. C. – Ed.Paulinas, 1961 – págs. 68/75.)




“DONDE HÁ DE VIR JULGAR OS VIVOS E OS MORTOS”


“Julgar é função do rei: O rei, que está sentado no trono da justiça, pelo seu olhar dissipa todo o mal (Prov. 20, 8). Porque Cristo subiu ao céu e sentou-se à direita de Deus Pai como Senhor de todos, evidentemente compete-lhe o juízo. Por isso, pela regra da Fé Católica, confessamos que virá julgar os vivos e os mortos. Isto também foi dito pelo Anjo: Este Jesus, que do meio de vós foi elevado aos céus, virá também assim como o vistes subir para os céus. (Mt 1, 11).


Devemos considerar nesse juízo três coisas: primeiro, a sua forma; segundo, que ele deve ser temido, e, terceiro, como para ele devemos nos preparar.


No juízo devemos ainda distinguir três elementos componentes: quem é o juiz, quem deve ser julgado e qual a matéria do julgamento.


Cristo é o juiz, conforme se lê no Livro dos Atos: Ele que foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos (10, 42). Pode este texto ser interpretado, ou chamado de mortos os pecadores e, de vivos, os que vivem retamente; ou designando vivos, por interpretação literal, os que agora vivem, e, mortos, todos os que morreram. Ele é juiz não só enquanto Deus, mas também como homem, por três motivos.


Jesus Cristo será nosso Juiz enquanto Homem


Primeiro, porque é necessário, aos que vão ser julgados, verem o juiz. Como a Divindade é de tal modo deleitável que ninguém a pode ver sem se deleitar, e nenhum condenado poderia vê-la sem que não sentisse logo alegria, foi necessário que Cristo aparecesse em forma só de homem, para que fosse visto por todos. Lê-se em São João: Deu-lhe o poder de julgar, porque é o Filho do Homem (5, 27).


Segundo, porque Ele mereceu este ofício como homem. Ele, enquanto homem, foi injustamente julgado e, por isso, Deus O fez juiz de todos. Lê-se: A tua causa foi julgada como a de um ímpio; receberás o julgamento das causas (Jo 37, 17).


Terceiro, para que os homens não mais desesperem, vendo-se julgados por um homem. Se somente Deus julgasse, os homens ficariam desesperados, devido ao temor. (Mas todos verão um homem julgar), pois se lê em São Lucas: Verão o Filho do Homem vindo na nuvem (21, 27). Serão julgados os que existiram, os que existem e existirão, conforme ensina São Paulo: Convém que todos nós sejamos apresentados diante do tribunal de Cristo, para que cada um manifeste o que fez de bom e de mal enquanto estava neste corpo (2 Cor 5, 10).


Haverá varões apostólicos que também julgarão sem serem julgados


Há quatro diferenças, segundo São Gregório, entre os que devem ser julgados. Estes, ou são bons, ou são maus.


Entre os maus, alguns serão condenados, mas não julgados, como os infiéis, cujas ações não serão discutidas, porque, como está escrito, o que não crer já está julgado (Jo 3, 18). Outros, porém, serão condenados e julgados, como os fiéis que morreram em estado de pecado mortal. Disse o Apóstolo: o salário do pecado é a morte (Rom 6, 23). Estes não serão excluídos do julgamento por causa da fé que tiveram.


Entre os bons também haverá os que serão salvos sem o julgamento, os pobres de espírito por amor de Deus. Lê-se em São Mateus: vós que me seguistes, na regeneração, quando o Filho do Homem estiver sentado em seu trono majestoso, sentar-vos-ei também sobre doze tronos, julgando as doze tribos de Israel (19, 28).


Estas palavras não se dirigem só aos discípulos, mas a todos os pobres de espírito. Caso assim não fosse, São Paulo que trabalhou mais que todos, não estaria nesse número. Este texto deve, portanto, ser aplicado a todos os que seguiram os Apóstolos, e aos varões apostólicos. Eis porque São Paulo escreve: Não sabeis que julgamos os Anjos? (1 Cor 6, 3). Lê-se ainda em Isaías: O Senhor virá com seniores e com os príncipes do seu povo (Is 3, 14).


Outros serão salvos e julgados, isto é, aqueles que morreram em estado de justificação. Bem que tivessem morrido neste estado, erraram, todavia, em alguma coisa durante a vida terrena. Serão, por isso, julgados, mas receberão a salvação.


A matéria do julgamento


Todos serão julgados pelos atos bons e maus que praticaram. Lê-se na Escritura: Segue os caminhos do teu coração... mas fica certo de que Deus te levará ao julgamento por causa deles (Ecle 11, 9); Deus citará no julgamento todas as tuas ações, até as ocultas, quer sejam boas, quer sejam más (Ecle 13, 14). Serão julgados também pelas palavras inúteis: Toda palavra inútil pronunciada por alguém, este dará conta dela no dia do juízo (Mt 12, 36).


Serão julgados, por fim, pelos pensamentos que tiveram. Lê-se no Livro da Sabedoria: Os ímpios serão argüidos a respeito dos seus pensamentos (Sab 1,9).


Fica assim esclarecida a matéria do julgamento.


Motivos pelos quais o Juízo Final deve ser temido


Por quatro motivos deve ser temido aquele juízo.


Primeiro, devido à sabedoria do Juiz, porque ele conhece todas as coisas, os pensamentos, as palavras e as ações, já que, como se lê na Carta aos Hebreus, todas as coisas estão nuas e abertas aos seus olhos (4, 13). Lê-se ainda na Escritura: Todos os caminhos dos homens estão diante dos seus olhos (Prov 16, 1).


Conhece Ele as nossas palavras: Os teus ouvidos atentos ouvem tudo (Sab 1, 10).


Conhece os nossos pensamentos: O coração do homem é depravado e impenetrável. Quem o pode conhecer? Eu, o Senhor, penetro nos corações e sondo os rins, retribuo a cada um conforme o seu caminho e conforme os frutos dos seus pensamentos (Jer 17, 9).


Haverá neste Juízo também testemunhas infalíveis, isto é, as próprias consciências dos homens, segundo se lê em São Paulo: A consciência deles servirá de testemunho no dia em que o Senhor julgar as coisas ocultas dos homens, enquanto pelos pensamentos se acusam ou se defendem (Rom 2, 15-16).


Segundo, devido ao poder do Juiz, porque Ele é em si mesmo todo-poderoso. Lê-se: Eis que o Senhor virá com fortaleza (Is 11, 10).


É poderoso também sobre os outros, porque toda criatura estava com Ele. Lê-se: O universo inteiro combaterá com ele contra os insensatos (Sab 5, 2); Ninguém há que possa livrar-se de vossa mão (Jo 10, 7); e ainda: Se subo aos céus, vós ali estais; se desço aos infernos, estais lá também (Sl 138, 8).


Terceiro, devido à justiça inflexível do Juiz. Agora é o tempo da misericórdia. Mas o tempo futuro é tempo só de justiça. Por isso, o tempo de agora é nosso; mas o tempo futuro será só de Deus.


Lê-se: No tempo que eu determinar, farei justiça (Sl 134, 3). O varão furioso de ciúmes não lhe perdoará no dia da vingança, não atenderá às suas súplicas, nem receberá como satisfação presentes, por maiores que sejam (Prov 6, 34).


Quarto, devido à ira do Juiz. Aparecerá aos justos doce e deleitável, porque, conforme diz Isaías: Verão ao rei na sua beleza (Is 33, 17). Aos maus, porém, aparecerá tão irado e cruel, que eles dirão aos montes: Cai sobre nós, e escondei-nos da ira do cordeiro (Apoc 6, 16).


Esta ira de Deus não significa uma comoção de espírito, mas significa o efeito da ira, a pena infligida aos pecados, isto é, a pena eterna. A propósito disso escreveu Orígenes: Como serão estreitos os caminhos no Juízo! No fim estará o Juiz irado.


Remédios para não cair neste temor


Contra este temor devemos aplicar quatro remédios.


O primeiro remédio é a boa ação. Lê-se em São Paulo: Queres não temer a autoridade? Faze o bem e receberás dela o louvor (Rom 13, 3).


O segundo é a confissão dos pecados cometidos e a penitência feita por eles. Na confissão deve haver três coisas: a dor interior, a vergonha da confissão dos pecados e o rigor da satisfação por eles. São essas três coisas que remediam a pena eterna.


O terceiro remédio é a esmola que torna tudo puro, segundo as palavras do Senhor: Conquistai amigos com o dinheiro da iniqüidade, para que, quando cairdes, eles vos recebam nas tendas eternas (Lc 26, 9).


O quarto remédio é a caridade, quer dizer, o amor de Deus e do próximo, pois conforme a Escritura: A caridade cobre uma multidão de pecados (I Ped 4, 8; cf Prov 10, 12).


(“Exposição sobre o Credo” - São Tomás de Aquino – Edições Loyola, págs. 63/67.)




O Juízo Final nas palavras do próprio Nosso Senhor Jesus Cristo


No Evangelho estão consignadas as diversas profecias em que o próprio Nosso Senhor fala do Juízo Final.


“Porque assim como o relâmpago sai do Oriente e se mostra até ao Ocidente, assim será a vinda do Filho do homem. Em qualquer lugar, em que estiver um cadáver, juntar-se-ão as águias.


“Logo depois da tribulação daqueles dias, ‘escurecer-se-á o sol, a lua não dará a sua luz, as estrelas cairão’ do céu e as potências do céu serão abaladas. Então aparecerá o sinal do Filho do homem no céu, e todas ‘as tribos da terra chorarão’ e verão o Filho do homem vir sobre as nuvens do céu com grande poder e majestade. Ele mandará os seus anjos com poderosas trombetas, os quais juntarão os seus escolhidos dos quatro ventos, de uma extremidade dos céus até à outra”. (Mt 24, 29-31).


“Mas, quanto àquele dia e àquela hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas só o Pai. Assim como foi nos dias de Noé, assim será também a vinda do Filho do homem. Porque, assim como nos dias antes do dilúvio (os homens) estavam comendo e bebendo, casando-se e casando seus filhos, até ao dia em que Noé entrou na arca; e não souberam nada até que veio o dilúvio, e os levou a todos; assim será também na vinda do Filho do homem”. (Mt 24, 36-39).


“Vigiai pois, porque não sabeis a que hora virá o vosso Senhor. Sabei que, se o pai de família soubesse a que hora havia de vir o ladrão, vigiaria, sem dúvida, e não deixaria minar a sua casa. Por isso, estai vós também preparados, porque o Filho do homem virá na hora em que menos o pensardes”. (Mt 24, 42-44).


“Quando pois vier o Filho do homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então se sentará sobre o trono da sua majestade. Serão todas as gentes congregadas diante dele, o qual separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. Porá as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda.


Então o rei dirá aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí o reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome, e deste-me de comer; tive sede, e deste-me de beber; era peregrino, e recolheste-me; nu, e me vestistes; enfermo, e me visitaste; estava na prisão, e fostes visitar-me. Então, lhe responderão os justos, dizendo: Senhor, quando é que nós te vimos faminto, e te demos de comer; sequioso e te demos de beber? Quando te vimos peregrino, e te recolhemos; nu, e te vestimos? Ou quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos visitar-te? Respondendo o Rei, lhes dirá: Na verdade vos digo que todas as vezes que vós fizeste isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. Então dirá também aos que estiverem à esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que foi preparado para o demônio e para os seus anjos; porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; era peregrino, e não me recolhestes; (estava) nu, e não me vestistes: enfermo e na prisão, e não me visitastes. Então, eles também responderão, dizendo: Senhor, quando é que nós te vimos faminto ou sequioso, ou peregrino, ou nu, ou enfermo, ou na prisão, e não te assistimos? Então, lhes responderá, dizendo: Na verdade vos digo: Todas as vezes que o não fizestes a um destes mais pequeninos, a mim o não fizestes. Esses irão para o suplício eterno, os justos para a vida eterna”. (Mt 25, 31-45).


Qualidade do Juiz


O sumo sacerdote O conclama a se proclamar Filho de Deus, mas Nosso Senhor não só confirma tal título como declara que não é nesta qualidade que virá julgar a todos no Juízo Final, e sim de Filho do homem: “Jesus porém estava calado. E o sumo sacerdote disse-lhe: Eu te conjuro por Deus vivo que nos diga se tu és o Cristo, o Filho de Deus. Jesus respondeu-lhe: Tu o disseste: mas também vos digo que vereis o Filho do homem sentado à direita do poder de Deus, e vir sobre as nuvens do céu”. (Mt 26, 63-64).


Juízos que serão feitos sobre cidades ou povos


“Ai de ti Corozain! Ai de ti, Betsaída! porque, se em Tiro e em Sidônia tivessem sido feitos os milagres que se realizaram em vós, há muito tempo que eles teriam feito penitência em cilício e em cinza. Por isto vos digo que haverá menor rigor para Tiro e Sidônia no dia do Juízo, que para vós. E tu, Cafarnaum, elevar-te-ás porventura até ao céu? Não, hás de ser abatida até ao inferno. se em Sodoma tivessem sido feitos os milagres que se fizeram em ti, ainda hoje existiria. Por isso vos digo que no dia do Juízo haverá menor rigor para a terra de Sodoma que para ti” (Mt 11, 21-24)


N. Senhor não julgará sozinho: outros também julgarão com Ele


“Jesus disse-lhes: Em verdade vos digo que, no dia da regeneração, quando o Filho do homem estiver sentado no trono da sua glória, vós, que me seguistes, também estareis sentados sobre doze tronos, e julgareis as doze tribos de Israel”. (Mt 19, 28)


“Os habitantes de Nínive se levantarão no Juízo contra esta geração, e a condenarão, porque fizeram penitência com a pregação de Jonas. Ora, aqui está quem é mais do que Jonas. A rainha do mei-dia levantar-se-á no dia do Juízo contra esta geração e a condenará, porque veio dos confins da terra a ouvir a sabedoria de Salomão. Ora, aqui está quem é mais do que Salomão” (Mt 12, 41-42).


O Juízo sobre os Bons


“Vinde a mim todos os que estais fatigados e carregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu peso leve”. (Mt 11, 28-30)


A matéria do julgamento


“Por isso vos digo: Todo o pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens, porém a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada. Todo o que disser alguma palavra contra o Filho do homem, lhe será perdoado; porém o que a disser contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro. Ou dizei que a árvore é boa, e o seu fruto bom; ou dizei que a árvore é má, e o seu fruto mau; pois que pelo fruto se conhece a árvore. Raça de víboras, como podeis dizer coisas boas, vós que sois maus? Porque a boca fala da abundância do coração. O homem bom tira boas coisas do bom tesouro (do seu coração); e o mau homem tira más coisas do mau tesouro. Ora, eu digo-vos que de qualquer palavra ociosa que tiverem proferido os homens, darão conta dela no dia do Juízo. Porque pelas tuas palavras serás justificado ou condenado” (Mt 12, 31-37)


As sentenças impostas pelo Juiz: castigo e prêmio


“De maneira que, assim como é colhida a cizânia e queimada no fogo, assim acontecerá no fim do mundo. O Filho do homem enviará os seus anjos, e tirarão do seu reino todos os escândalos e os que praticam a iniqüidade, e lançá-los-ão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes. Então, resplandecerão os justos como o sol no reino de seu Pai”. (Mt 13, 40-43).


“Será assim no fim do mundo, virão os anjos, separarão os maus do meio dos justos, e lançá-los-ão na fornalha de fogo. Ali haverá choro e ranger de dentes”. (Mt 13, 49-50).


“Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai com os seus anjos; então dará a cada um segundo as suas obras. Em verdade vos digo que entre aqueles que estão aqui presentes, há alguns que não morrerão, antes que vejam vir o Filho do homem ao seu reino”. (Mt 16, 27-28). Quando Nosso Senhor precedia a expressão “em verdade vos digo”, queria dizer com isto que estava fazendo uma declaração solene, como que dogmática, uma espécie de juramento, a fim de que todos cressem que aquilo ocorreria da forma como dizia. Então, podemos crer que alguns daqueles que estavam a Lhe ouvir só morrerão no fim do mundo (poderiam muito bem ir fazer companhia a Elias e Enoch), ou então atingiriam uma santidade tão alta que chegariam a ver (misticamente) a posse de Nosso Senhor em Seu reino. Como as verdades divinas às vezes se cumprem em tempos e formas diferentes, e ao mesmo tempo, ambas as afirmações podem ser corretas.


No fim do mundo não haverá mais fé sobre a terra


“Mas, quando vier o Filho do homem, julgais vós que encontrará fé sobre a terra?” (Lc 18, 8). Isto combina com o que diz São João no Apocalipse: “conheço as tuas obras, que não és nem frio nem quente; oxalá foras frio ou quente; mas, porque és morno, nem frio nem quente, começar-te-ei a vomitarda minha boca” (Apoc. 3, 15-16).




No Juízo Final, a presença de Jesus causará tormento e terror aos maus


(Da obra de Santa Catarina de Sena)


“Saiba que, no último dia do Juízo, o Verbo, meu Filho, quando vir, não surgirá como um pobrezinho, como quando nasceu, saindo do ventre da Virgem, nascendo num estábulo entre os animais e morrendo depois entre ladrões.


Naquela oportunidade ocultei nEle o meu poder, deixando-O sofrer penas e tormentos, como homem. Não é que minha natureza divina estivesse separada da humana, mas que lhe deixei padecer como homem para satisfazer por todos vossos pecados.


Não virá assim agora, neste último momento, mas com autoridade, para repreender Ele mesmo em pessoa; e não haverá criatura alguma que não trema. Dará a cada um o merecido.


Nos infelizes condenados, sua presença produzirá tanto tormento e terror, que nenhuma língua será capaz de contá-lo. Nos justos produzirá temor reverencial, junto com grande alegria. Não é que se lhe mude o rosto, pois é imutável, por ser um comigo. É também imutável desde que tem a glória da ressurreição, segundo a natureza divina e igualmente segundo a natureza humana. Aos olhos do condenado, sem embargo, lhe aparecerá com aquele olhar terrível e tenebroso, qual tem o mesmo condenado em si mesmo. Assim chegará.


Como o olho enfermo, que por si mesmo não vê mais que trevas, e o olho são vê a luz – isto não porque a luz seja distinta para o cego e para o são, mas por defeito do olho que está enfermo, assim os condenados o vêem em trevas, em confusão e no ódio; não por defeito de minha Majestade, com a qual virei julgar o mundo, mas por defeito deles”.


(Santa Catalina de Siena – “El Diálogo” - Obras – BAC - pág. 121)


Nosso Senhor julgará a todos, e com mais rigor papas e bispos


A propósito, transcrevemos abaixo parte do sermão do Padre Vieira, pronunciado na Capela Real, em 1650, no Domingo do Advento:


“Sairão pois os anjos; vêde que suspensão e que tremor será o dos corações dos homens naquela hora. Sairão os anjos e irão primeiramente ao lugar dos papas: Et separabunt (faz horror só imaginar, que em uma dignidade tão divina e em homens eleitos pelo Espírito Santo há de haver também que separar). Et separabunt malos de medio justorum. E separarão os pontífices maus dentre os pontífices bons. Eu bem creio que serão muito raros os que se hão de condenar, mas haver de dar conta a Deus de todas as almas do mundo, é um peso tão imenso que não será maravilha que, sendo homens, levasse alguns ao profundo. Todos nesta vida se chamaram padres santos; mas o dia do Juízo mostrará que a santidade não consiste no nome senão nas obras. Nesta vida beatíssimos, na outra mal-aventurados: Oh que grande miséria!
Sairão após estes outros anjos e irão ao lugar dos bispos e arcebispos: Et separabunt malos de medio justorum. Lá vai aquele porque não deu esmolas: aquele porque enriqueceu os parentes com o patrimônio de Cristo: aquele porque, tendo uma esposa, procurou outra melhor dotada: aquele porque faltou com o pasto da doutrina a suas ovelhas: aquele porque proveu as igrejas nos que não tinham mais merecimento que o de serem seus criados: aquele porque na sua diocese morreram tantas almas sem sacramentos: aquele por não residir: aquele por simonias: aquele por irregularidades: aquele por falta de exemplo da vida e também algum por falta de ciência necessária, empregando o tempo e o estudo em divertimentos, ou da côrte e não de prelado, ou do campo e não de pastor. Valha-me Deus, que confusão tão grande! Mas que alegres e que satisfeitos estarão neste passo, um São Bernardino de Sena, um São Boaventura, um São Domingos, um São Bernardo, e muitos outros varões santos e sisudos, que quando lhes ofereceram as mitras, não quiseram subir à alteza da dignidade, porque reconheceram a do precipício. Pelo contrário, que tais levarão os corações aqueles miseráveis condenados? Maldito seja o dia em que nos elegeram, e maldito quem nos elegeu: maldito seja o dia em que nos confirmaram, e maldito quem nos confirmou. Se um homem mal pode dar conta de sua alma, como a dará de tantas? Se este peso deu em terra com os maiores atlantes da Igreja, quem não temerá e fugirá dele?”


(DA OBRA DO SERMONISTA MOR, “GLÓRIA DE PORTUGAL E GLÓRIA DE NOSSAS LETRAS” – Sermões do Padre Vieira, 2º. Volume.)