sexta-feira, 29 de março de 2024

PATER NON MEA VOLUNTAS, SED TUA FIAT

 



 

“Tendo Jesus dito estas coisas, saiu com seus discípulos para a outra banda do ribeiro de Cedron, onde havia um horto, no qual entraram Ele e os seus discípulos" ( S. João XVIII, 1).

Jesus deixa Jerusalém. Não se tratava de uma partida comum, seguida de breve retorno, mas de uma verdadeira e profunda separação.

O Messias amava a Cidade Santa, as suas muralhas cobertas de glória, o Templo do Deus vivo que nela se alteava, o povo eleito que a habitava. Por isto pregou-lhe a Boa Nova com especial carinho, e combateu seus vícios com vigor particularmente ardente. Mas fora recusado. Deixava, pois, a Cidade maldita.

Era noite. Jerusalém esplendia com todas as suas luzes. Havia calor e fartura dentro das casas, e animação nas ruas. Uma grande despreocupação pairava sobre a cidade alegre e tranqüila. De Jesus, com toda a sua beleza, sua graça, sua sabedoria, sua bondade, pouco se lhe dava. No momento em que Ele deixou a Cidade, ninguém o sentiu, ninguém o soube, salvo talvez um ou outro transeunte que O viu com indiferença. Os judeus não sentiam necessidade de Jesus. Para dirigir suas almas, preferiam Anaz, Caifaz e seus congêneres. A velar por seus interesses nacionais, bastava-lhes Herodes. Toleravam Pilatos com um mau humor muito resignado. Sob a guarda destes pastores espirituais e temporais podiam comer, beber e divertir-se à vontade, consolando depois a consciência com uma oração e um sacrifício no Templo. Assim tudo se arranjava na modorra e no conformismo.

Jesus viera perturbar esta paz. Falara em morte, em juízo, em Céu e em inferno, sem compreender que o século não comportava pregações destas, e que o primeiro dever de um rabi consistia em adaptar-se às exigências do tempo. Conhecedor dos textos sagrados, hábil no raciocinar, exímio em impressionar as multidões, e em atrair as pessoas na intimidade de seus colóquios persuasivos, parecia empenhado em mostrar uma incompatibilidade irremediável entre a Religião de um lado, e a vida larga, despreocupada e sem freios do outro lado. Cindia assim as duas partes do arco, e cedo ou tarde provocaria ruínas. Isto não Lhe importava, porque não era sensato. Acentuando o efeito perigoso de suas palavras, praticava milagres. E, apoiado no prestígio que estes Lhe conferiam, perturbava ainda mais os espíritos, ensinando-lhes que a estrada que conduz ao Céu é estreita, inculcando a necessidade da pureza, da honestidade, da retidão para nele entrar. Ele, que pregava a compaixão, não Se condoía das lutas de alma, dos dramas de consciência que assim desencadeava? Ele, que pregava a humildade, não reconhecia a necessidade de se conformar com o exemplo de prudência que os Príncipes dos Sacerdotes Lhe davam?

Um tempo, é verdade, pareceu na iminência de vencer. Mas o Sanhedrim agiu a tempo. Abrindo generosamente suas arcas, mandou que emissários percorressem o povo, despertando prevenções contra o insolente. Eram ágeis, estes emissários, e souberam tocar nas cordas psicológicas certas. As possibilidades do rabi estavam eliminadas. Jerusalém não seria sua. Mais. A sua morte estava assente, e o povo a aplaudiria. Essa morte era um último e insignificante corolário de tudo. Um pequeno episódio de polícia. Sim, o "caso" Jesus de Nazareth estava encerrado. O povo podia entregar-se novamente ao prazer, ao ouro, às longas cerimônias no Templo. Tudo voltara à normalidade. Sim, uma grande despreocupação tornava mais leve o ar, naquela noite farta e tranqüila.

Estava terminada a pregação de Jesus, e Ele deixava a Cidade porque lá nada teria que fazer. Não era compatível com sua perfeição, associar-Se àquela tranqüilidade tépida e modorrenta em que dormiam as consciências que procurara despertar. A única atitude era sair. Sair, sim, para significar um alheamento completo, uma separação absoluta, uma incompatibilidade sem rebuços.

E saiu. Ficaram para trás as luzes, Ele entrava nas trevas da noite. Ficou para trás a multidão, Ele levava consigo apenas um punhado de seguidores. Ficou para trás tudo quanto era poder, riqueza, glória humana, Ele ia para um lugar ermo, pobre, seguido apenas de uns desconhecidos sem expressão social, sem qualificação cultural, sem nada. Ficaram para trás as alegrias da vida, Ele ia ao encontro da desolação dos abandonados, das angústias terríveis dos que esperam a morte.

 

"E disse a seus discípulos: assentai-vos aqui enquanto oro" ( S. Marcos XIV, 32 ).

O isolamento de Jesus era maior do que à primeira vista parece. Os Apóstolos O seguiam, é verdade. Mas com a alma cheia de apego a tudo quanto na terrível separação deixavam, e cheia de pavor diante de tudo quanto as perspectivas de futuro lhes faziam entrever. Sua alma já não tinha disposição para rezar: era o início da defecção, pois quem não reza está descambando para o abismo. Rezar não podiam. Voltar a Jerusalém não queriam. Ficaram "sentados ali". E consentiram em que o Mestre fosse mais adiante, em que ficasse só. Os Apóstolos se consideravam por certo heróis, por ficarem "sentados ali". Tanto sentiam sua dor, que não pensaram na do Senhor. Deixaram-se por isto esmagar pelo sofrimento. Sentados, daí a pouco dormiram, e logo mais fugiram!

Não rezar, pensar pouco na Paixão de Cristo e muito em suas próprias dores, tudo isto leva a "sentar-se" no caminho e deixar Jesus ir para frente. Depois, é a modorra, o sono, a tibieza. E depois a fuga.

Terrível, terrível lição para os que encetaram a longa jornada no caminho da perfeição!

Jesus lhes dissera: "orai para que não entreis em tentação" ( S. Lucas XXII, 40 ). Não oraram, sucumbiram...

 

"E tomando a Pedro e aos dois filhos de Zebedeu, consigo, começou a entristecer-Se e a ficar angustiado" ( S. Mateus, XXVI, 37 ).

Seleção. Alguns estavam menos embotados pela dor do abandono, da derrota, da separação total do mundo. Doía-lhes mais vivo o sofrimento de Jesus. Mereceram ser chamados de lado, e presenciar o início das dores infinitamente preciosas do Redentor.

Quantos recebem o mesmo chamado! A graça os atrai para uma piedade maior, uma ortodoxia mais profunda, uma compreensão mais exata da situação terrível da Igreja em nossos dias. Para corresponder a essas graças, é preciso ter a coragem de participar da tristeza de Nosso Senhor, e para isto é preciso ter um espírito generoso, forte e sério.

Como se recusa esta graça? Recusando a tristeza de Nosso Senhor, vivendo para as bagatelas, idolatrando o esporte, fazendo do rádio e da televisão o centro da vida, fazendo das piadas o único tema das conversas, fugindo de considerar os deveres terríveis que a época impõe, a gravidade dos problemas que suscita, para se engolfar na vidinha de todos os dias.

Estes não recebem a adorável confidência das dores do Coração de Jesus. São sapos que vivem com o ventre colado à terra, e não águias que cortam com seu vôo possante o mais alto dos céus.

 

"Então lhes disse: minha alma está em tristeza mortal: demorai-vos aqui e vigiai comigo" ( S. Mateus XXVI, 38 ).

"A minha alma está", diz o Salvador, e não "eu estou". Quis Ele significar que o tormento em que estava era todo moral. A parte do corpo ainda não havia começado. Tanto se insiste na Paixão, sobre as dores do Corpo, e isto é bom. A devoção ao Sagrado Coração de Jesus veio insistir sobre as dores da alma de Cristo, e isto é ótimo. Pois as dores da alma são mais profundas, mais cruciantes e mais nobres que as do corpo. Elas se opõem mais aos defeitos da alma, que são os que ofendem a Deus.

E do que sofria a Alma de Cristo? Do que devemos sofrer nós?

De ver a vontade do Padre Eterno violada, Jesus, Nosso Senhor, recusado, negado, odiado. Pensar nisto, medir a extensão e a gravidade disto, é sofrer em nós as dores espirituais de Nosso Senhor.

Jesus Cristo e sua Igreja formam um só todo. Cada vez que vemos um anúncio imoral, uma sentença errada, uma instituição ou uma lei oposta à doutrina da Igreja, devemos sofrer. Senão, se para isto não temos zelo nem forças, servimos tão somente para "ficar sentados" e na hora do perigo fugir.

"Em tristeza mortal": isto é, em suma tristeza. A tristeza de ver a Lei violada, a Igreja perseguida, a glória de Deus negada, deve ser em nós uma tristeza suma, e não, apenas, uma dessas tristezinhas emotivas e passageiras como as que se desprendem das almas frívolas e impressionáveis, à maneira dos fogos fátuos dos charcos e dos cemitérios. Uma tristezinha de epiderme, que não arranca de nós resoluções sérias, zelo profundo, renúncia efetiva de tudo para só viver lutando. Uma alma em "tristeza mortal" não se consola com revistas, com roupas, com restaurantes, com passeios, com bagatelas honestas... ou desonestas! Ela viverá no pesar mortal da glória de Deus ultrajada, encontrando lenitivo só e só na vida interior e no apostolado.

"Demorai-vos aqui", isto é, não vos mistureis nem com os filhos perdidos de Jerusalém, nem com os tíbios que a poucos passos daqui dormem.

"Ficai comigo". Sim, participai de minha solidão, de minha derrota, de minha dor. Fazei disto vossa glória, vossa alegria, vossa riqueza.

 

"E adiantando-Se um pouco, prostrou-Se com o rosto em terra" ( S. Mateus XXVI, 39 ).

Porque "adiantar-Se um pouco", se queria que os três Apóstolos "ficassem com Ele"? "Ficar com Nosso Senhor" é ficar perto dEle em espírito, é estar solidário com Ele. "Fica" com Ele quem está com a Igreja de todo o coração, toda a alma, todo o entendimento. "Fica" com Nosso Senhor quem nas horas de agonia pensa nEle e não em si. "Fica" com Nosso Senhor quem pensa só n’Ele, e não no mundo, seu espírito e seus deleites.

Nosso Senhor adiantou-Se só "um pouco", a "um tiro de pedra", diz S. Lucas ( XXII, 41 ). Porque "adiantar-se"? E porque apenas fazê-lo "um pouco"?

Nosso Senhor queria ser visto, para manter na fidelidade os três Apóstolos escolhidos, queria consolá-los, e consolar-Se sentindo-os perto. Mas era mister que "Se adiantasse", porque era chegada uma hora de especial gravidade. Ia falar com Deus, e Deus ia falar-Lhe. Assim como no culto judaico o Sacerdote entrava só, no Santo dos Santos, assim também Nosso Senhor quis dar só, este primeiro passo de sua Paixão.

Temos na alma solidões santas destas, píncaros em que só Deus e nós estamos, e a que nenhum confidente, nenhum amigo, nenhum afeto terreno chega, no qual só admitimos o olhar de nosso Diretor?

Ou somos destas almas sem reservas nem nobreza, abertas a todos os ventos, a todos os olhares, a todos os passos, como uma vulgar praça pública?

"Prostrou-Se em terra". Humilhação completa, renúncia total. É a vítima pronta para o holocausto.

Que preparação para a oração! Quando falamos a Deus, "prostramo-nos em terra" antes? Isto é, vamos humildes, prontos a obedecer, desejosos de renunciar a tudo, reconhecendo nosso nada? Ou vamos com reservas, com reticências, com pontos doloridos em que Deus não nos pode pedir um sacrifício? Quando ouvimos a Igreja, "prostramo-nos em terra", renunciando a todas as nossas opiniões, a todas as nossas vontades, para obedecer? Junto àqueles que nos edificam, aproximando-nos da Igreja e do Papa, "prostramo-nos em terra" aceitando sua influência, ou erguemos barreiras, levantamos restrições?

 

"Orando e dizendo: Pai meu, se é possível, passe de Mim este cálice: todavia não seja como Eu quero, mas sim como Vós"(S. Mateus XXVI, 39 ).

Estar prostrado em terra, mas ao mesmo tempo orar! Com o corpo posto no que há de mais baixo, que é o chão, e subindo com a alma até o mais alto dos céus, que é o trono de Deus! Nisto está a invencibilidade do verdadeiro católico. No auge da aflição, da humilhação, do desamparo, ele tem ainda nas mãos a arma que vence todos os adversários. Quanto isto é verdade nas lutas da vida interior! Sem recursos para encontrar o caminho, ou para resistir, rezamos... e acabamos por vencer. E quanto é verdade no apostolado! Apavora-nos o ímpeto da onda paganizante? Pensamos logo em concessões, nas quais sacrificamos o acidental por que é acidental, o essencial secundário, porque é secundário, e por fim o principal... "para evitar mal maior". Se conhecêssemos a força da oração, se soubéssemos "prostrar o rosto em terra e rezar", compreenderíamos melhor a eficácia de nossas armas sobrenaturais, o sentido, o valor, a utilidade da intransigência cristã. O Divino Salvador sofreu aqui pelos pessimistas, pelos desanimados, que não têm a noção da força triunfal da Igreja.

"Passe de Mim este cálice..." Qual o cálice? Era o sofrimento atroz, esmagador, injusto, que se aproximava, e que Jesus antevia. Neste passo, o Divino Mestre padeceu pelos que pecam por otimismo, pelos que, colocados diante de perspectivas de luta, de angústia, de dor, praticam a política do avestruz, e entendem que "vai tudo muito bem". Prever a dor, preparar-se corajosamente para ela, é alta, altíssima virtude. E isto quer se trate de nossa vida particular, quer da causa da Santa Igreja. Neste momento em que Ela é tão combatida, não tenhamos a estultice de dizer que vai tudo bem. Reconheçamos a gravidade da hora, olhemos varonil e cristãmente para as ameaças do futuro, com ânimo resoluto e confiante, prontos a reagir pela oração, pela luta, pela aceitação plena do sacrifício.

Foi o exemplo que o Divino Mestre nos deu. Retirou-Se de todos, para face a face com Deus, medir em toda a extensão o oceano de dores que vinha sobre Ele, e tomar atitude diante desta perspectiva.

Que atitude: "se é possível, passe de Mim este cálice: todavia, não seja como Eu quero, mas sim como Vós".

Duas súplicas aí se contêm. Numa, o Homem-Deus pede que a dor dele se afaste "se é possível". Noutra a aceita caso não seja possível evitá-la.

Atitude santa, sem teatralidade nem vanglória. A dor causa naturalmente pavor ao homem, e Nosso Senhor, que é não só verdadeiro Deus mas ainda verdadeiro homem, tinha pavor da dor. Pediu pois que "se possível", fosse ela afastada. Evitar a dor é legítimo, sábio, santo. Mas evitá-la a qualquer preço, não: só "se possível".

"Se possível": o que quer dizer isto? Se diante daquela súplica humilde de um Justo esmagado pela antevisão da dor a vontade divina pudesse mostrar-se exorável, afastando o sofrimento, que assim fosse. Mas se pelo contrário afastar aquela dor era introduzir uma modificação nos planos da Providência, com diminuição da glória de Deus e do bem da Igreja que seria fundada, e das almas, então era melhor sofrer tudo.

"Se possível"... sublime condicional, que o século não conhece. E por isto o mundo inteiro está em crise, em transe, em agonia. Bens da terra, riqueza, glória, saúde, formosura, tudo isto é bom na medida em que lhe sobreponhamos a vontade de Deus. Mas se é preciso renunciar a tudo porque em virtude desta ou daquela circunstância interior ou exterior "não é possível" ter estas coisas sem desagradar a Deus, então façamos a renúncia completa. Se todos os homens pensassem e sentissem assim, seria outro o mundo! É por falta desta condicional na qual está contida toda a ordem e todo o bem, que a civilização vai perecendo.

"Não seja como Eu quero, mas sim como Vós". Palavras sobre as quais assenta toda a vida da Igreja, das almas e dos povos. Palavras santas, doces, duras e terríveis, que o homem de hoje não quer entender. Definição perfeita da obediência, desta obediência que desde Lutero cada vez mais o mundo odeia.

Sim, faça-se a vontade de Deus e não a minha: cumprirei os Mandamentos, e não seguirei meus caprichos. Pensarei com o Papa, ainda que a mim se me afigurasse preferível outra doutrina. Obedecerei a todos os que exercem sobre mim um legítimo poder, porque representam a Deus: e por isto farei a vontade deles e não a minha.

Meu Jesus, como explicar à vista disto, que ainda se diga que fostes um revolucionário, e que viestes trazer à terra a Revolução?

Depois disto, há um silêncio. Os Evangelhos não nos contam o que foi respondido, nem o que Jesus disse a essa resposta. Para que dizê-lo? E com que palavras? Provavelmente na terra só uma pessoa viu tudo, soube tudo, adorou tudo: Maria Santíssima, presente sem dúvida em espírito a tudo, e de tudo participando.

O tema é alto demais para que interpretemos este silêncio, que nem os Evangelistas quiseram romper. Peçamos à Medianeira de todas as graças que nos inicie no recolhimento da vida interior e nos mistérios inefáveis deste momento de silêncio.

 

Jesus aceitou. "Apareceu-Lhe então um Anjo do céu que O confortava. E posto em agonia orava com mais instância. E veio-Lhe um suor como gotas de sangue que corria até a terra" ( S. Lucas XXII, 43-44 ).

Começou assim a Paixão. Jesus previra a dor e a morte, e as aceitara. A simples previsão do inevitável O colocava diante de um cúmulo de tormentos acabrunhador.

Mas "um Anjo O confortava". Sim, sua súplica humilde fora ouvida. Deus Lhe dava forças para vencer o tormento invencível, suportar a dor insuportável, aceitar com conformidade a injustiça inaceitável.

Se compreendêssemos isto! Os Mandamentos nos parecem por demais pesados, ruge em nós o vento dos apetites desregrados e das tentações diabólicas. Se compreendêssemos que esta é a hora de Deus, se "orássemos com maior instância", se aceitássemos a visita do Anjo que nos conforta! Sim, porque também para nós o Anjo vem sempre, desde que rezemos. Ora é um movimento interior da graça, ora é um bom livro, ora um amigo que nos dá um bom exemplo, ou um bom conselho. Mas nós não rezamos. Resultado, caímos.

Na Agonia, o Anjo veio, como fruto da oração. Recebida sua visita, Nosso Senhor continuou a orar: sim, rezar mais insistentemente é o grande segredo da vitória. Quem reza se salva, quem não reza se perde, dizia Santo Afonso de Ligório. E como tinha razão!

Jesus suou sangue. O Sangue Redentor correu pela pressão da dor moral. Pode-se dizer que era sangue do Coração. Que magnífico tema para os devotos do Sagrado Coração.

Suar sangue é o extremo da dor. É o ponto mais alto da pressão do sofrimento moral sobre o corpo. Dir-se-ia que Nosso Senhor estava suportando tudo quanto podia em matéria de sofrimento. Entretanto, nem sequer o primeiro passo da Via Sacra estava dado.

Como explicar esta resistência incomparável? Seu martírio começava onde o de outros chega ao auge.

É que "um Anjo do céu O confortava", e "Ele orava mais insistentemente"...

Oh valor do sobrenatural! E nós ousamos dizer que é por falta de forças que capitulamos na vida interior, ou nas lutas do apostolado!

 

Três vezes disse o Senhor o seu "fiat"( cf. S. Mateus XXVI, 39-44 ). E depois de cada qual veio a seus discípulos.

Da primeira vez, "achou-os dormindo" ( S. Mateus XXVI, 40 ). E lhes recomendou: "Vigiai e orai por que não entreis em tentação. O espírito na verdade está pronto, mas a carne é enferma" ( S. Mateus XXVI, 41 ).

Mas eles não fizeram caso. Por que? Tinham sono. Um sono feito de dois excessos opostos. De um lado, o desespero, de outro a presunção. - O desespero: diante da derrota humana de Jesus, seus sonhos de grandeza terrena estavam desfeitos. O que lhes restava? Aquelas trevas, aquela solidão, aquele chão duro e vulgar em que estavam. A carreira cortada, oh dor das dores! Sob o peso desta dor a única coisa a fazer era dormir. - A presunção: entretanto, tinham-se como fortes. Haviam lutado tanto, certamente seria ofensivo duvidar de sua força. E, convictos de sua resistência, despreocupados por sua perseverança, "matavam o tempo" dormindo.

Sono feito além do mais de grosseria. O Senhor sofria, e eles dormiam! Que se lhes dava o Senhor? Já não Lhe faziam um infinito favor em estar com Ele ali, naquele abandono? O que mais queria? Que ainda ficassem rezando fora de hora? Não. Ele que vigiasse, se quisesse. Quanto aos Apóstolos, iriam dormir.

À medida que se dorme, fica mais pesado o sono. É este o processus de desenvolvimento da tibieza. Da segunda vez, Jesus "os achou dormindo porque seus olhos estavam carregados de sono" ( S. Mateus XXVI, 42 ). Sono da mediocridade, do relaxamento, da moleza. Seguiam eles ainda o Mestre? Sim, e não. Sim, porque afinal ali estavam. Não, porque já Lhe não davam ouvidos. Ele falava, eles desobedeciam. Ele sofria, eles dormiam. Era um início de ruptura.

Como se dão quedas destas tão desastrosas? Dormir quando Jesus fala, é para mim estar desatento, displicente, tíbio quando me falam os que representam a Santa Igreja, os que me devem guiar pelas vias da santidade, aqueles que encarnam para mim pelo seu exemplo, a ortodoxia, a generosidade, a fome e sede de virtude. Quando caio neste sono, que remédio há senão despertar-me "vigiando e orando para não cair em tentação"? E se não o faço qual é o resultado?

O fracasso na vida espiritual e na vocação. Da terceira vez as palavras de Nosso Senhor são de censura: "Dormi agora e descansai. É chegada a hora; eis que o Filho do homem vai ser entregue nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, vamos; eis aí, o que Me há de entregar está próximo" ( S. Mateus XXVI, 45-46 ).

 

Era passada a hora. Nem sequer a súplica afetuosa e carregada de dor os havia comovido: "uma hora não pudestes velar?" ( S. Marcos XIV, 37 ).

Daí a pouco, e "quando ainda falava Jesus, veio Judas Iscariotes, um dos Doze, e com ele uma multidão de gente com espadas e paus" ( S. Marcos XIV, 43 ). E pouco depois, os seus discípulos, desamparando-O, fugiram todos" ( S. Marcos XIV, 50 ).

Fugiram, sim, porque haviam sido tíbios, haviam dormido, não haviam rezado. Se eu, Senhor, não quiser fugir, devo ser firme, não posso dormir, tenho de rezar.

Dai-me, Senhor, essa graça da perseverança em todas as situações, todos os transes, todas as amarguras; essa graça da fidelidade em todos os abandonos, todos os desamparos, todas as derrotas; essa graça da firmeza[,] ainda que todos Vos abandonem opressos pelo sono ou enlouquecidos pela concupiscência das coisas da terra. Ou então, meu Deus, levai-me desta vida. Pois uma coisa eu não quero: fugir.

Pela intercessão onipotente de vossa Mãe Santíssima, é esta graça da perseverança que Vos peço, Senhor Jesus.

 

 

(Plínio Corrêa de Oliveira – “Catolicismo” n. 40, abril de 1954)

quarta-feira, 27 de março de 2024

O QUE DIZER DAS MÃOS

 



Foi com a mão que Deus

Traçando uma cruz do nada

Fendeu-o, e dele tirando o mundo

Deixou toda a Natureza criada


Por isso estamos nesta vida

Nas mãos de Deus Nosso Senhor

Pois foi de suas mãos Sagradas 

Que nasceu também o Redentor


Mãos que nos homens copiam

Tantas belezas que serão eternas

Mãos que, postas em Maria,

Fazem mil súplicas ternas 


Mãos, que nossos primeiros pais

Usaram pra comer o fruto proibido

E depois, com elas levantadas

Rogaram a Deus arrependidos


Pela primeira vez em Caim

As mãos assassinas se fizeram 

Sendo também primeiras em Abel

Que louvores a Deus deram


Com elas Deus perdoa os pecados

Traçando uma cruz no Confessionário

O padre, representante de Deus,

Livra-nos da culpa como seu emissário


São as mãos que alimentam

Mas são elas que também matam

Que curam, que sustentam,

Mas que ofendem, que desacatam 


Foi com suas mãos que Moisés 

Recebeu de Deus os Mandamentos

Mas também com elas os quebrou

Por causa de maus elementos


Tem mãos que logo chegam

Aos lábios pra serem osculadas,

Mas há outras que logo partem

Pra desferir rudes bofetadas 


Outras que juntas logo se erguem

Para implorar preces a Deus

Mas logo d'Ele se esquecem

E ferem os mandamentos seus


As mesmas que erguem o recém-nascido 

Que o amparam com bondade desvelada 

Serão aquelas que no fim da vida

Levarão seu corpo à última morada 



Duas mãos Sagradas superaram

Todas as outras em bondade

Foram as de Cristo, Nosso Senhor,

Pregadas na Cruz pela humanidade


Que crimes fizeram? Que desonra 

Pra merecer tamanho tormento:

Serem pregadas num rude madeiro 

Com angustiante sofrimento?


(Cordéis de autoria de Juraci Josino Cavalcante)













domingo, 17 de março de 2024

EXEMPLOS QUE CONFIRMAM O PODER DA INTERCESSÃO DE SÃO JOSÉ

 







(Extraídos do livro ―”Tesouro de Exemplos”, do padre Francisco Alves, C.SS.R., - Editora Vozes, 1958)

 

1. A estatuazinha de São José

 

Dois carroceiros estavam carregando suas carroças com os escombros de um casarão que fora demolido. Eram bons e honrados, mas, em matéria de religião, completamente indiferentes e ignorantes. De repente um eles tirou com sua pá do montão de entulho uma estatuazinha de São José.

- Toma – disse ao seu companheiro – um deusinho...

- Não o quebres: isto te traria má sorte.

- Tu crês em contos de avozinhas?

- É melhor que mo dês, pois, embora não sendo muito de igreja, prefiro levar um santinho para minha casa a atirá-lo no carro. Isso me sairia mal depois.

- Tens razão, replicou o outro, lembrando-se talvez do tempo de sua primeira comunhão: é melhor levá-lo...

Passaram-se anos. O carroceiro era já um velho inválido, estendido num leito de madeira carcomida. No quarto, duas cadeiras desconjuntadas, uma mesinha cambaleante e uns pedaços de cobertores. Acabava seus dias na miséria. A seu lado uma netinha de treze anos...

- Vovô, o Sr. quer, eu vou chamar o padre que nos dá catecismo; ele é muito bom.

- Não, filha, ainda não estou tão mal...

É sempre assim. Os pobrezinhos nunca julgam estar muito mal. Mas S. José cuidou dele.

- Mariazinha, traga a estátua de S. José que está ali... ela quer me falar... eu a ouço...

- Pobre vovô, a febre devora-o...

Põe-lhe nas mãos a imagem de São José e põe-se a chorar. Parece-lhe chegado o momento de insistir:

- Vovozinho, o Sr. quer falar com o vigário? Ele é tão bom, o Sr. o conhece...

- Falar? Falar é coisa muito vaga; diga-lhe que quero confessar-me, ouviu?

- Obrigada, meu S. José. Salvais a quem vos respeitou; obrigada, obrigada, dizia a menina, correndo em busca do padre. Reconciliado com Deus, e beijando a estatuazinha, dizia às pessoas presentes:

- Não vos esqueçais de Deus, dos deveres religiosos, da missa aos domingos. Eu não fazia nada disso e estou arrependido. S. José me salvou. Alguns dias depois o velho carroceiro morria santamente abraçado á estatuazinha do seu grande benfeitor S. José. (Págs. 73/74)

 

2. A pomba mensageira de São José

 

Há acontecimentos que parecem novelas: que os nossos leitores tomem-nos a seu gosto. A família do Sr. B... sua esposa e uma filha, Josefina, de 20 anos, havia gozado em N. uma bela fortuna; mas, a enfermidade do pai e alguns maus negócios a havia obrigado a viver só do trabalho da filha. A moça era inteligente, enérgica, alegre e, o que é mais, piedosa. Um dia, porém, voltou para casa com uma notícia triste: não quiseram pagar-lhe as costuras, e comunicaram-lhe que, por algumas semanas, não haveria trabalho. Que fazer? Que comer? Mas ela não desanima; confia, não nos homens, mas no paternal auxílio de seu poderoso patrono S. José, cuja festa será celebrada no dia seguinte. Senta-se, escreve num papelzinho a sua situação penosa e abrindo uma gaiola onde tem uma pombinha mansa, ata-lhe debaixo da asa a sua missiva e, beijando-a, solta-a dizendo:

- Vai querida, aonde te guia S. José a fim de que encontres pão para nós e para ti. Passada meia hora, se muito, eis que se apresenta à entrada da casa um moço que pede para falar com Josefina; acompanhava-o um criado com pesado embrulho. Diante da família admirada conta que, sendo devoto de S. José, lhe prometera atender o primeiro pedido de auxílio que se apresentasse. Ora, apenas fizera a sua promessa, entrou pela sua janela uma pombinha em cuja asa viu um papelzinho e a petição a S. José.

- Estou, disse, montando uma oficina de costura e já que Josefina procura trabalho, aqui lhe trago algum e, por ser a primeira vez, pago-lhe adiantado. No volume achava-se discretamente envolvida uma nota de Cr$ 100,00. Os três infelizes não puderam deixar de exclamar cheios de admiração:

- Como S. José é bom! Obrigado, Santo bendito! Era a abundância, após a miséria mais atroz. Mas não parou aí a liberalidade de S. José. Como Josefina teve de ir com freqüência à oficina, logo chamaram a atenção seus finos modos, sua habilidade no trabalho e a fina educação que recebera. Entrou em relações com a família de seu chefe, que logo encontrou boa colocação para o pai de Josefina, melhorando assim a situação do lar. Não sabemos se Josefina se dirigiu a S. José, como fazem muitas moças, para arranjar um bom esposo; o certo é que o encontrou na pessoa de seu chefe e protetor. Na sala de sua casa vê-se em lugar de honra uma estátua de S. José e debaixo dela uma pombinha de ouro com o letreiro: ―A mensagem de São José. (Págs. 74/75).

 

3. São José chama o padre para uma doente

 

Certo dia, apresentou-se na casa paroquial um ancião desconhecido, pedindo ao padre que fosse socorrer uma agonizante. Ele mesmo o acompanharia até á casa. Como a rua era de má fama e a noite se aproximava, o padre desconfiou de alguma cilada, mas o ancião insistiu:

- É preciso que o senhor vá logo, porque se trata de administrar os sacramentos a uma velha que está nas últimas. Partiu o padre levando o Santíssimo e os Santos Óleos. A noite era glacial, mas o velho parecia não senti-lo; ia adiante até chegar a uma casa de péssima reputação; teve o padre um momento de vacilação e temor, mas o ancião animou-o dizendo:

- Eu o esperarei aqui. Bateu o padre à porta repetidas vezes e, como não abrissem, o ancião deu umas pancadas esquisitas e a porta abriu-se imediatamente.

- O Sr. entre, suba a escada, abra a porta do fundo do corredor e encontrará a agonizante. Disse essas palavras com tal força e autoridade que o padre não vacilou mais. Encontrou estendida numa cama miserável uma mulher abandonada que repetia a gritos:

- Um padre! Um padre! Deixar-me-eis morrer sem padre?...

- Filha, aqui estou, sou o padre que a Sra. Chama. Um ancião foi buscar-me... Ela não queria acreditar.

- Não, nesta casa não há ninguém que queira ir em busca de padre e não conheço tal ancião.

Afinal, convencida, acusou os pecados de sua longa vida de pecadora e com tanta dor e arrependimento o fez que o padre se admirou de encontrar tais sentimentos numa pessoa há tanto anos afastada de Deus. Arrumou o padre a mesinha e acendeu as velas para o viático e a extrema-unção. Nesse ínterim várias pessoas entraram e saíram, parecendo não notar a presença do padre. Depois de administrar-lhe todos os sacramentos, perguntou-lhe o padre se havia conservado alguma prática religiosa que lhe mereceu tal benefício em tão grande necessidade.

- Nenhuma, disse, a não ser uma oraçãozinha que rezava todos os dias a S. José para que me concedesse uma boa morte.

Consolado, o padre assistiu ao último suspiro da convertida. Nem à porta nem no caminho encontrou o ancião, e ficou convencido de que não era outro senão o misericordioso patrono da boa morte, o glorioso S. José. (págs. 75/76)

 

4. São José e as crianças

 

a) Nas horas em que não havia ninguém na igreja, notou o irmão sacristão que um menino de cinco anos vinha passar longo tempo do altar de S. José. Ora encostado à grade, ora de joelhos e ora assentado, ali permanecia horas olhando para o Santo. O bom Irmão sentiu-se impelido a fazer esta breve invocação:

- Ó bom S. José, ouvi a oração desse pequenino, não lhe recuseis a graça que vos pede com tanta piedade e inocência! O pobrezinho rezava pela conversão do pai...

- Amiguinho, disse-lhe o sacristão, se você quer dirigir a S. José uma bela oração, diga: ―S. José, rogai por nós

Tomou-o ao pé da letra o menino e, trocando de oração, começou a ir e vir diante do Santo e, ajoelhando-se, dizia:

―S. José, rogai por nós; S. José, rogai por nós!

Nisso se ocupava quando chegou sua mãe para buscá-lo. Teve que sair. Duas horas depois, o papai, que havia doze anos não se confessava, entrou na igreja para reconciliar-se com Deus

b) Um menino da Diocese de Montpellier contava assim um favor que alcançara de São José:

―Quando brincava na esquina de uma rua, fui atropelado por um carro que me esmagou contra uma parede; meu corpo tornou-se uma massa informe. O médico não dava nenhuma esperança. Meus pais apressaram-se a chamar um padre para me dar a extrema-unção. Uma religiosa amiga, muito devota de S. José, enviou-me um cordão bento do Santo. Pedia-me que me encomendasse a Ele com fé e confiança. Assim o fiz. Dormi logo depois e tive um sonho muito esquisito. Parecia-me estar vendo S. José, que garantia a minha cura. Anunciou-me, além disso, que eu seria padre. Despertei alegre e contei a visão à minha mãe. O sonho realizou-se. Até esta data estou bom e são... e não penso senão em ser sacerdote...(págs. 76/77).

 

5. Padroeiro da boa morte

 

―São José teve a felicidade de morrer nos braços de Jesus e de Maria, e não pode deixar de vir com eles, visível ou invisivelmente, para receber seus devotos. Num paróquia de Lyon (França) vivia um piedoso ancião, muito devoto de S. José, que não cessou durante cinqüenta anos de pedir-lhe a graça de uma boa morte. Para isso rezava, pela manhã e à noite, fervorosas orações, jejuava e fazia alguma esmola todas as quartas-feiras. Para ele, o dia da festa de S. José (19 de março) era o mais belo do ano. A 15 de março de 1859, na idade de 86 anos, caiu doente. Pediu imediatamente os santos sacramentos e recebeu-os com uma fé que comoveu a todos os assistentes. A 19 de março mandou celebrar uma santa missa e pediu que lhe rezassem as orações dos agonizantes. O sacerdote estava a terminar a consagração, quando o doente, erguendo os olhos ao céu, cruzando os braços, pronunciou distintamente os santíssimos nome de Jesus, Maria e José, e exalou suavemente o último suspiro. Sua alma voou para o céu precisamente no momento em que o sacerdote, no Memento, ia pedir a Deus que recebesse as almas dos fiéis no lugar do refrigério, da luz e da paz eterna‖. (págs.. 77/78)

 

6. Recuperou a vista

 

―Em Vinovo, aldeia pouco distante de Turim, na Itália, uma moça chamada Maria Satardero teve a desgraça de perder totalmente a vista. Desejando recuperá-la, fez uma visita a S. João Bosco, que então construía, com as esmolas do povo de Turim, a magnífica igreja de Maria Auxiliadora. A moça, depois de ter rezado diante da imagem de Nossa Senhora, falou com S. João Bosco, que lhe perguntou:

- Faz muito tempo que perdeu a vista?

- Sim, muito; faz um ano que não vejo nada.

- Tens consultado os médicos?

- Ah, padre, já não sabem o que receitar-me.

- Distingues os objetos grandes ou pequenos?

- Não; como disse, não vejo nem pouco nem muito.

- Mas não vês a luz desta janela?

- Não, senhor; nada.

- Queres recuperar a vista?

- Sr. padre, sou pobre e preciso dela para ganhar a vida.

- Servir-te-ás da vista para proveito de tua alma e não para ofender a Deus?

- Prometo-o sinceramente.

- Confia, pois, em Nossa Senhora e S. José.

E, em tom solene, D. Bosco acrescentou:

- Para a glória de Deus, da SS Virgem Maria e de S. José, dize: o que tenho na mão? A moça abre os olhos, que antes não viam nada, e diz:

- Uma medalha, de Nossa Senhora.

- E isto, o que é?

- Um ancião com a vara florida; é S. José.

Estava operado o milagre. Pode-se imaginar a alegria da moça e de seus pobres pais!... (págs. 78/79)

 

7. Um lobo que se torna cordeiro

 

Estava no hospital uma infeliz mulher que, há vinte e dois anos, abandonara sua família para se entregar aos vícios mais vergonhosos. Fora, enfim, internada naquela casa pela polícia. A vida que levara, de tal modo a embrutecera que parecia louca; e o médico, não descobrindo nela nenhuma doença, queria despedi-la do hospital para que não perturbasse os verdadeiros enfermos. Pediram-lhe as religiosas que a deixasse alguns dias ainda, enquanto recorriam a S. José. Bem inspiradas, vestiram-na com o hábito e com o cordão de S. José e puseram-se a pedir com fervor que ele tivesse compaixão daquela pobre alma.

O auxílio de S. José não se fez esperar. Poucos dias depois a mulher recobrou a paz, confessou-se com muita dor e arrependimento. Era um verdadeiro lobo e tornou-se tão manso cordeiro que pediu a seu protetor lhe alcançasse antes a morte que voltar à vida de pecado. Atendeu o Santo a tão pios desejos, vindo a convertida a falecer com os mais sinceros sentimentos de dor. Antes da morte pediu humildemente perdão a todos os que escandalizara com seus vícios‖ (pág. 79).

 

8. Padroeiro dos impossíveis

 

Jazia em seu leito de agonia um infeliz apodrecido de vícios, sem o menor remorso, zombando de Deus e desprezando todos os auxílios da religião para a hora suprema. Vendo-o zombar, com riso satânico, de seus esforços para salvar-lhe a alma, resolveram seus parentes recorrer a São José. Este grande Santo havia de fazer com que o misericordioso Coração de Jesus se compadecesse daquele infeliz. Era o mês de março. O sacerdote, os parentes e amigos dirigiram ao Padroeiro da boa morte fervorosas súplicas.

Maravilhoso o poder da oração! Naquela manhã de 19 de março, festa de São José, o próprio doente pediu a confissão e fez questão que chamassem o padre de quem mais zombara até então. Confessou-se com o mais sincero arrependimento e, pouco depois, faleceu... (págs. 79/80)

 

9. O viajante e São José

 

Foi a 18 de março de 1888. Viajava um sacerdote no trem de Mogúncia a Colônia, quando, ao passar por Bonn, notou que seu vizinho se persignou, juntou as mãos e se pôs a rezar.

- Amanhã é festa de São José!... talvez que seja seu patrono, disse o padre.

- Não, Sr., mas minha esposa chama-se Josefina... e gostaria de estar amanhã em sua companhia. Tenho, porém, outro motivo de dar graças; e, se interessar ao senhor, contar-lhe-ei a minha história, pois um sacerdote a entenderá.

- Certamente.

- Quando menino, recebi de minha boa mãe uma educação piedosa. Infelizmente, bem cedo morreu minha mãe; meu pai não se ocupou de minha educação religiosa e logo abandonei todas as práticas de piedade. Encontrei, mais tarde, uma jovem excelente e, desejando fazê-la minha esposa, fingi sentimentos religiosos que não possuía. Uma vez casados, quase morreu de pesar, quando lhe abri meu coração e me pus a zombar de suas devoções. Há cinco anos, na sua festa onomástica, fiz-lhe um rico presente, mas ela, quase receosa, me disse:

- Há outro presente que me faria mais feliz.

- Qual?

- A tua alma, querido, respondeu entre soluços.

- Pede-me o que quiseres: eu o farei.

- Vem comigo amanhã, dia de São José, à Igreja de N. N. Haverá sermão e bênção.

- Se for só isso, podes enxugar tuas lágrimas, que te acompanharei. A igreja estava repleta; o pregador, muito moço, deixou-me frio e indiferente; contudo disse uma coisa que me impressionou:

―Jamais invocou alguém a proteção de São José sem que sentisse o seu auxílio. Tende firme confiança de que correrá em socorro de todo aquele que o invocar na hora do perigo, ainda que seja pecador ou mesmo incrédulo

Ao sairmos da igreja, disse-me minha esposa:

- Meu amigo, muitas vezes estarás em perigo em tuas viagens; prometes-me que, chegando o caso, dirás esta breve oração:

―São José, rogai a vosso divino Filho por mim

- Assim o farei; não é nada difícil.

Pouco depois, viajava por este mesmo lugar em que nos encontramos; éramos sete no compartimento. De repente, um apito de alarma e já um formidável choque nos atirava pelos ares. Não tive tempo de dizer mais que: ―São José, socorro! Tudo foi coisa de um instante. Ao voltar a mim, vi meus companheiros horrivelmente despedaçados e mortos. Eu sofrera apenas leves contusões. Desde aquele dia retomei as práticas religiosas e repito, sempre com grande confiança: ―São José, socorrei-me! (págs. 80/81)

 

10. São José e o primeiro asilado

 

Em 1863 chegava a Barcelona um grupo de Irmãzinhas dos Pobres para fazer a sua primeira fundação na Espanha. Foram muito bem recebidas pelos catalães, que precisavam não pouco de um asilo para tantos infelizes velhos abandonados que costuma haver nas grandes capitais. O Asilo foi, como de costume, colocado sob a proteção de São José, a quem chamam as Irmãs de Procurador da Casa. No começo, por falta de local, admitiam somente mulheres velhas. Mas, eis que São José, um belo dia, lhes traz o primeiro velho. Era um homem de 80 anos que se apresentou, dizendo à Irmã:

- Venho aqui para internar-me.

- É impossível, replicou a Superiora; ainda não podemos receber nenhum homem.

- Seja, mas não há remédio; ficarei assim mesmo.

- Como se chama o Sr.?

- Chamo-me José.

- Este nome chamou a atenção das Irmãs; além disso era dia consagrado a São José.

Não há remédio, recebê-lo-emos em nome de São José. O velho não possuía mais que farrapos e estava coberto de insetos. Roupa de homem não havia. A Superiora, chamando duas Irmãs, disse-lhes:

- Saiam as senhoras a procura de roupa, enquanto vamos lavá-lo e penteá-lo. Durante este breve colóquio ouviu-se a campainha da portaria: era uma senhora desconhecida que, entregando um embrulho, se retirou sem nada dizer. Abriram e viram, com grande surpresa, que era um traje completo para homem. O pobre velho chegou ao cúmulo da alegria; não menos, porém, as Irmãs que compreenderam que São José as convidava a ampliar seus planos de caridade. O Asilo cresceu tranqüila e constantemente e dentro de poucos anos abrigava mais de duzentos velhos sem que lhes faltasse o pão de cada dia, nem as carinhosas atenções das boas Irmãs. (pág. 82).

 

11. Lenda sobre o poder de São José

 

Havia um homem, devoto de São José, que não se preparou para a morte e, mesmo assim, quis entrar no céu. Mas São Pedro, vendo-o chegar manchado, fechou-lhe a porta e deixou[1]o sentado no corno da lua. Entretanto, não faltou quem fosse contar o caso a São José, o qual se apresentou diante do trono de Deus para pedir graça para seu devoto. O Senhor negou-lhe a graça. São José disse que era um devoto seu.

―Devoto que acende uma vela a ti e duas ao demônio?...

São José, porém, decidido a vencer, disse:

- Se meu devoto não entrar no céu, eu me vou embora.

- Pois, vai-te! – disse o Senhor.

São José, que não esperava essa resposta, de chapéu na mão dirigia-se para a porta; mas, no meio do caminho, virou-se e disse:

- Se eu for, não irei só; deve ir comigo minha esposa.

- Pois que vá!

- Mas levando minha esposa, devo levar tudo que lhe pertence...

- Pois leva tudo! – disse o Senhor.

- Tenho uma lista completa. – E São José, em pé no meio do paraíso, começou a ler:

―Rainha dos Anjos!– E já todos os Anjos voam para a porta. Rainha dos Patriarcas! e eles vão se enfileirando perto da porta; Rainha dos Mártires! Vão também eles para a porta. E quando São José ia cantar: Rainha de todos os Santos! Disse o senhor:

- Olha, José; corre, vai dar um banho no teu devoto e, depois, fá-lo entrar no céu; porque, se me empenho em não deixá-lo entrar, por justiça fico sozinho no céu! (págs. 259/260).

 

São José não falha

 

Estrangeiro, quer me responder? Os missionários do Verbo Divino, Pe. Goetz e o Irmão Gervásio tiveram uma ocorrência na China, que escapa à compreensão humana. Irmão Gervásio tinha sido acompanhante do cientista Dr. Filchner através do Tibete para a Índia. Certo dia acompanhou o padre de Kaotai para atender uma doente nas montanhas do sul, chamadas Montanhas do Tribunal. Foram três dias a cavalo. Percorridos mais de 200 km, estavam finalmente no lugar. A doente já havia morrido. Aborrecidos e deprimidos, os missionários trataram de voltar. Haviam descido metade da região montanhosa, quando, à beira da estrada, um moço os esperava e pediu para verem a mãe dele. O jovem conduziu-os uns 10 a 15 km fora da estrada principal, a um lugarejo. Numa casa de pau a pique, achava-se uma velhinha doente. Esta logo os foi abordando com perguntas fora de série.

―Estrangeiro, quer me responder de verdade às minhas perguntas?

―Sem dúvida, mãezinha! Que perguntas tem?

―Existe um Deus em três figuras? Existe na outra vida um lugar de alegria para os bons, e um lugar de horror para os maus? É certo que Deus veio a esta terra, para morrer pelos homens e lhes abrir o lugar da felicidade? Estrangeiro, isso tudo é verdade? O padre confirmou tudo cheio de admiração, perguntando a si próprio, donde a doente tinha estes conhecimentos?

―Bem, o senhor traz água consigo? - prosseguiu a anciã. Lava-me para que eu possa entrar no lugar da felicidade! Donde sabia que o padre trazia água batismal? A forma decidida da doente tinha qualquer coisa de infantil, ao mesmo tempo de muito bem pensado. Pe. Goetz deu-lhe mais umas instruções e a batizou .Foi aí que a doente cheia de alegria, exclamou ainda:

―O Senhor traz consigo também o pão. Não o pão comum, mas é o próprio Deus. Dê-me do pão! O missionário efetivamente trazia o Santíssimo sobre seu peito. A doente sabia isso também. Deu-lhe a santa comunhão e a ungiu com o óleo dos enfermos, após tudo isso, disse-lhe:

―Até aqui a senhora me fez perguntas, agora eu vou perguntar. Onde aprendeu as verdades da fé? Conviveu tempos atrás com cristãos católicos ou evangélicos?

―Não, estrangeiro‖

―Leu então em livros cristãos?

―Nem sei ler estrangeiro, nem eu sabia que podem existir livros assim.

 ―E donde tem esses conhecimentos da fé?

―Eu só pensei que assim devia ser, e há uns 10 anos vivi sempre de acordo com isso. Também ensinei os meus filhos todos, nessa convicção, assim pode lavá-los (batizá-los) a todos.

―E sabia que hoje nós iríamos passar por aqui?

―Sim, com plena certeza. Tive um sonho e vi um senhor mais velho. Ele me disse para mandar meu filho para a estrada e para chamar os dois estrangeiros. Eles iriam me levar para um bom lugar para depois da morte. Os missionários estavam perplexos e emocionados. A disposição cheia de candura da velha doente em face da morte era tão simples que não deixava margem nenhuma de dúvida. Para despedida, deram-lhe um santinho de São José, o padroeiro dos agonizantes. Foi aí que a anciã irradiou de alegria deslumbrante:

―Este eu conheço. Ele me visitou. Esteve várias vezes aqui. Foi ele que me mandou chamá-los na estrada. O que a velha chinesa teve, fora sonho ou visão? Ela mesma não sabia fazer a distinção, e para ela isso não tinha a mínima importância. O importante lhe era o quanto dele aprendera. Os missionários tiveram muita, muita coisa para pensar com este caso. Mais tarde ficaram sabendo que a dita mulher falecera na noite após o batismo. ( Autor: A. M. Weigl - Edições Rosário - 1992 – Curitiba-PR (Ludwig Lenzen) Pag. 202 a 204).