sábado, 28 de setembro de 2019

FAMÍLIA TRIBAL, GRUPO SEM QUALQUER VÍNCULO MORAL







Imaginemos como se inicia a formação de uma “família”  na tribo.  Inicialmente se forma um casal, que muitas vezes é fruto da conquista brutal do  homem que raptou a mulher, acrescido, algum tempo depois, de outras mulheres e de quantos filhos elas quiserem ter, na medida que assim o consentir a vontade de agradar ao homem. Carl von Martius afirma que “além deste modo violento (raptos), o selvagem brasileiro pode adquirir sua companheira por consentimento pleno do pai, de duas maneiras: por serviços prestados na cabana do sogro...  ou por compra”. Esta “compra” deve ter consumado o seu pagamento por certa quantidade de animais caçados ou de alguma roça de milho plantada. De modo geral, portanto, a mulher se nivela a uma escrava, e muitas vezes de um senhor brutal que a submete pelo resto da vida sob ameaças até de morte.  Na incipiente união tribal não há palavra dada, promessas e juramentos a cumprir, isto é, qualquer forma rudimentar de contrato social: requer apenas (quando o pai o exige) a  presença de um pajé ou do cacique para aprovar aquela união, feita sem qualquer comprometimento moral de ambos os consortes.


Informações do Padre Anchieta sobre a noção que os índios tinham da família

I – Indissolubilidade – Nenhuma noção, apenas casos isolados de índios que viveram toda a vida com uma só mulher sob seu poder, mas sempre tendo outras em outros lugares:
“Dos que têm uma só mulher de que houveram filhos, com a qual perseveraram até à velhice, pode haver mais dúvida, porque parece que estes têm diferente afeição e ânimo marital, não porque no princípio o tivessem tal, porque todos se juntam com elas duma mesma maneira. E também estes, como todos os outros, “in preparatione animi” têm muitas, e se não as tomaram, foi não por se terem por obrigados àquelas, senão porque houveram filhos delas, e os serviram bem, e lhes foram leais, e não tiveram poder para ter outras...”
II – Adultério, poligamia, ciúmes – “O adultério não costuma suscitar atentado contra a vida da mulher, havendo exceções porém de extremas crueldades, coisa que nem sempre ocorre contra os outros homens por medo de suscitar revides. A diferença entre concubinas e esposas legítimas praticamente não existe”.
III – Legitimidade familiar – “Jamais usavam o adjetivo “etê” (legítimo, verdadeiro, excelente), em matéria de parentesco. Sobrinhas por parte das irmãs eram despojadas, pois só considerava do mesmo sangue ou “filhas” as que nasciam dos irmãos: só a geração paterna era levada em conta, nada mais  representando a mulher do que um saco para o desenvolvimento do ser humano; o nome “Temirecô etê”, isto é, “Uxor Vera”, creio que o tomaram dos padres, que lhes queriam dar a entender a perpetuidade do matrimônio, e qual é a mulher legítima, porque este vocábulo “etê”, que quer dizer legítimo, usam eles nas coisas naturais da sua terra, e assim o seu vinho chamam “cãoy etê”, vinho legítimo, verdadeiro, à diferença do nosso a que chamam de “cãoy áyá”, vinho agro. As suas antas chamam “tapiretê”, verdadeira, e às nossas vacas à sua semelhança chamavam “tapyruçu”, vacas grandes, etc.  Mas na matéria de parentesco nunca usam deste vocábulo “etê”, porque chamando pais aos irmãos de seus pais, e filhos aos filhos de seus irmãos, e irmãos aos filhos dos tios irmãos dos  pais, para declararem quem é seu pai, ou filho verdadeiro, etc., nunca dizem “xerubetê”, meu pai verdadeiro, senão “xeruba xemonhangára”, meu pai que “me genuit”, e ao filho “xeraiara xeremimonnhanga”, meu filho “quem genuit”.  E assim nunca ouvi o índio chamar a sua mulher “xeremirecô etê” senão “xeremerecô”  (simpliciter) ou “xeraicig”, mãe de meus filhos; nem a mulher ao marido “xemenetê”, “maritus verus”, senão “xemêna” (simpliciter)  ou “xemenbira ruba” pai de meus filhos, do qual tanto usam para o marido, como para o barregão; e se alguma hora o marido chamar algumas de suas mulheres “xeremirecô etê”, quer dizer, mulher mais estimada ou mais querida, a qual muitas vezes é a última que tomou, porque “etê” também quer dizer fino ou estimado, como “caá etê”, mato fino, de boa madeira, “igbira etê”, pau fino, etc[1]



[1] “Textos Históricos” – Pe. José de Anchieta – Edições Loyola, 1989, págs. 78/80

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

TENTATIVAS RECENTES DE INSTAURAR A "PAJELANÇA" NA IGREJA






A tentativa de implantar ao que chamamos de “pajelança” pode ser sintetizado pela permissão do casamento entre sacerdotes e, depois disso, a mistura de elementos de culto indígena e xamanista na Missa e demais ritos católicos. Noticia-se que tais coisas serão abordadas no sínodo amazônico que se aproxima.
O primeiro passo para o relativismo dogmático e de fé é o relativismo moral. E este primeiro passo foi dado pouco mais de 10 anos após o término do último Concílio, e em Salvador (BA).
A 5 de janeiro de 1975, Dr. Plínio Corrêa de Oliveira publicou artigo no jornal “Folha de São Paulo”, sob o título de “Quem ainda é católico na Igreja Católica?”
Nesse artigo, ele relata o seguinte:
“Em uma sala junto à Igreja da Piedade, em Salvador, religiosos capuchinhos permitiram que se instalasse uma boutique, na qual se vendem objetos unissex, entre os quais biquínis.
Como bem se pode imaginar, a iniciativa causou escândalo a muitos freqüentadores do templo.
Frei Benjamim Capelli explicou que o aluguel da loja garantirá maior disponibilidade de renda para as obras assistenciais da paróquia.
Sentindo talvez a inconsistência da alegação — pois a imoralidade do meio não se justifica pela liceidade do fim — Frei Bruno Rossi aduziu outro argumento: "Só lamento — disse ele — que alguns dos nossos irmãos, certamente firmes e radicados na fé, se escandalizem com tanta facilidade e alimentem preconceitos tão pueris. É interessante e sintomático que frades tradicionalmente austeros como os capuchinhos não tenham percebido a inconveniência do negócio. Será que não chegou a hora de derrubar falsos preconceitos?" Esses dados são extraídos de uma notícia do "Jornal do Brasil", de 5 de dezembro passado. Ou seja, de exatamente há um mês”.
No final do artigo, Dr. Plínio dá seu principal argumento pelo qual a atitude dos frades era condenável pela Igreja, e faz aquela pergunta que hoje ainda angustia os católicos verdadeiros “QUEM AINDA É CATÓLICO NA IGREJA CATÓLICA?”:
“Mas — dirá alguém — usar biquíni é pecado contra o 6º ou o 9º Mandamento, conforme o caso. Contudo, uma pessoa não peca contra a Fé por violar um desses Mandamentos. Logo, minha argumentação é sem base.
Evidentemente, não digo que quem fabrica ou vende biquínis, ou os usa, peca contra a Fé. Mas quem afirma, implícita ou explicitamente, que a Moral da Igreja mudou, este sim, peca contra a Fé.
E daí uma pergunta que, também a propósito da conduta face ao comunismo e de diversos outros assuntos, pode ser feita: quem ainda é católico apostólico romano dentro desse imenso magma de 600 milhões de pessoas — cardeais, bispos, sacerdotes, religiosos e leigos — habitualmente tidos como membros da única e imperecível Igreja de Deus?”
Era uma tentativa de instaurar o relativismo moral entre católicos. Passo importante para o relativismo na Fé.


Padre tenta introduzir a pajelança na Missa

3 décadas depois, o episódio que chamou a atenção foi mais profundo e deixou os católicos mais perplexos ainda. Em 2006, um sacerdote, também em Salvador tornou-se famoso por infringir normas do culto católico, desobedecer as autoridades religiosas e, depois, ser suspenso de ordem. Que fez ele? Diferentemente dos capuchinhos que apenas venderam biquinis dentro da igreja, o então famoso Padre Pinto, já falecido,  quis mudar as regras do culto católico por conta própria, introduzindo nele indumentos e rituais indígenas e do candomblé. Era uma tentativa de pajelança (os rituais se assemelham com a dos índios) mais de 13 anos antes do sínodo da Amazônia.
Eis como um portal de notícias informa o que ocorreu naquele ano:
“Chamado por seus conterrâneos de Padre Pinto, o religioso ficou nacionalmente conhecido janeiro de 2006, após celebrar a Festa de Reis vestido de índio, incrementado com roupas e adornos do candomblé, na igreja da Lapinha, em Salvador.
A festividade chamou a atenção da opinião pública, já que não é usual um sacerdote substituir o terço por fios de conta, rezar a missa vestido de índio guerreiro e de Oxum (orixá das águas doces), bem como estar maquiado e com grandes argolas penduradas nas orelhas. O episódio ganhou repercussão e o padre foi imediatamente afastado de suas atribuições”.
Naquele tempo ainda haviam pastores zelosos da ortodoxia e do culto católicos, e as medidas saneadores foram tomadas.
“Monsenhor Gaspar Sadoc lamenou o posicionamento de padre Pinto. Para ele, foi gerado um problema canônico, daí a importância da declaração da arquidiocese, voltada a prestar um esclarecimento à sociedade e aos católicos em geral.
- A tentativa, a expectativa e o desejo é que ele volte para onde estava. A tranqüilidade da Igreja foi como a de uma mãe que espera o retorno do filho. Tenho muita tristeza pelo acontecido. Não admito que ele seja isso que está sendo. Qual a causa, não sei. Mas esse não é o padre Pinto que conheci e isso me faz sofrer - desabafou monsenhor Sadoc, que iria assistir à entrevista do padre gravada por um sobrinho.
Com a opção pela vida artística, Pinto assume de vez uma posição que vinha desgastando também membros da Igreja Católica. As sucessivas tentativas de diálogo realizadas pela arquidiocese sinalizam que o rumo escolhido pelo padre não condizia, desde o início, com a disciplina sacerdotal. Primeiro dom Geraldo Majella, depois os bispos auxiliares, padres de outras congregações e por fim, o superior geral da Sociedade das Divinas Vocações, Caputo. A Igreja pediu para que ele refletisse sobre seus atos, e que ele fosse padre antes de artista, polemista, agitador cultural e celebridade."  (Globo Online  [09/04/2006] [12:19])


quarta-feira, 25 de setembro de 2019

COMO OS ÍNDIOS PAGÃOS TRATAM SUAS MULHERES : POLIGAMIA E ESCRAVIDÃO






O escritor renascentista Michel de Montaigne pode ter sido o expoente, ou o pioneiro, da moderna corrente indigenista. Já naquele tempo, século XVI, ele apresentava  a “família”  indígena da seguinte forma:
“Os homens têm várias mulheres, em tanto maior número quanto mais famosos e valentes. Particularidade que não carece de beleza, nesses lares o ciúme, que entre nós impele nossas esposas a impedir que busquemos a amizade e as boas graças de outras mulheres, entre eles as induz a arranjarem outras para seus maridos...”[1]  Montaigne conclui que isto é uma “virtude” matrimonial...
Na realidade, as mulheres indígenas nada mais são do que escravas do homem, estão sempre a seu serviço. O padre francês André Thevet informa que quanto mais se notabiliza o homem por sua bravura e proezas, tanto maior será o número de mulheres que terá a seu serviço:
“E diga-se, a bem da verdade, que as mulheres trabalham incomparavelmente mais que os homens, pois é a elas que cabem as tarefas de colher raízes, reparar a farinha e as bebidas, apanhar os frutos, cultivar os campos, e tudo o mais que se refere à faina doméstica.
“Apesar de tudo isso, não costuma a mulher trair o marido depois de casada, pois este, no caso de surpreendê-la em adultério, não hesitará em matá-la...  ...O marido, no entanto, nada fará ao culpado, pois se tocar nele acarretará contra si a inimizade de todos os parentes do outro.
“(...) Há sempre uma entre elas que goza de maior consideração e respeito por parte do marido, não estando sujeita a tantos trabalhos como as outras...”[2]
A mesma coisa é confirmada pelo naturalista Carl von Martius:
“...fica a mulher qual criada submissa, a escrava do homem, num rebaixamento que se harmoniza no mais com o estado fero do selvagem brasileiro. Forçadas, têm as mulheres de sujeitar-se a todos os trabalhos agrícolas e domésticos e, sem a menor independência, sofrem todos os caprichos e todas as arbitrariedades do homem. E mais: O poder, a influência sobre a comunidade, a ambição e o temperamento do homem são motivos que mais tarde o determinam a aumentar o número de suas sub-esposas ou concubinas até cinco ou seis, raras vezes mais, porque a posse de muitas mulheres é considerada luxo para satisfazer a vaidade...  O marido é temido por todas as suas mulheres até idade avançada  e, o maior número de vezes conquista a sua aparente paz doméstica à custa de rigor extremo; sempre é ele o juiz em todas  as contendas do seu harém...”[3]
Muitas vezes ficava difícil saber qual a mulher verdadeira, ou a principal, dada a facilidade com que se largava uma e pegava outra. O sentimento que muitas índias adquirem ao se unirem a um homem é o de escravidão. Sendo escrava ela procura obedecer cegamente a seu senhor e à “principal” das suas mulheres, aquela que é mais do agrado dele e a quem todas as demais devem ser submissas. Tais sentimentos  impedem, naturalmente, que surjam questiúnculas e ciúmes, não por benquerença e sim por medo.
Havia ainda outro tipo de escravidão, a que se submetiam os inimigos capturados para serem mortos e comidos. Neste caso, as mulheres escravas eram destinadas aos serviços mais pesados, no meio das outras, e sempre na expectativa de que um dia iriam ser mortas e comidas.
Mais recentemente, Francisco Varnhagen (século XIX) também confirma que havia escravidão entre os índios:
“Cada homem, segundo sua valia, tinha uma ou mais mulheres: quando eram várias, a primeira, ainda que desdenhada e velha, era sempre considerada superior às outras. Em geral todas aturavam os maridos como escravas: acompanhavam-nos, nas suas longínquas jornadas, e às vezes até nas expedições de guerra. Estes hábitos marciais e a dura condição em que, sem ter a elas respeito,  as guardavam os maridos, não as levavam a separações”[4]
Era tal a submissão da mulher ao homem que quando as mesmas acabavam de parir era o marido que fazia o resguardo. Frei Vicente do Salvador diz que o índio se deita na rede e, ali coberto de alguma forma para que não tome vento, fica recebendo as visitas dos amigos até que seque o umbigo do filho. O mesmo informa o padre Simão de Vasconcelos, acrescendo que os outros vêm visitá-lo e trazem comidas para ele.
A sorte da mulher era julgada tão inferior a do homem que muitas mães matavam as filhas logo ao nascer. O Padre Anchieta conta que, com dificuldade, conseguiu salvar uma recém-nascida que a mãe queria matar. Este costume bárbaro ainda hoje é comum entre os índios Yanomâmis[5], na Amazônia. Costume, aliás, que é praticado também entre outros povos pagãos, como os chineses.





[1] Ensaios” – Michel de Montaigne – Biblioteca dos Séculos, pág. 267
[2] “As Singularidades da França Antártica” – André Thevet – Livraria Itatiaia Editora Ltda e Universidade de São Paulo, 1978, págs. 137/138
[3] “O Estado de Direito entre os Autóctones do Brasil – Carl F. P. von Martius – Editora Itatiaia e Ed. Universidade de São Paulo, 1982, págs. 50/51
[4] “História Geral do Brasil”, Edições Melhoramentos –Francisco Adolfo de  Varnhagen, vol.1, 9ª. Edição, 1978, pág. 49
[5] V. reportagem da revista “Veja”, edição de 19.09.1990.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

GUERRAS E ESPÍRITO DE VINGANÇA ENTRE OS ÍNDIOS





Quando os nossos primeiros colonizadores chegaram ao nosso país encontraram um clima de constantes guerras entre os índios locais. As levas de nativos que chegavam à costa guerreavam-se mutuamente umas com as outras, e os inferiorizados em geral fugiam para o interior, daí originando várias denominações e tribos diferentes espalhadas pelos vastos sertões.
O espírito guerreiro pode ser um atributo altamente nobre num povo, mas quando destinado a fins mais elevados como a defesa da honra, da Pátria, de valores morais, etc. Não era assim movido o espírito guerreiro dos índios, mas sim o da vingança ou de alguma futilidade qualquer. Muitas vezes as guerras destinavam-se à simples captura de inimigos para serem comidos em seus festins antropofágicos ou escravidão de mulheres para possuírem em seus haréns.
O padre francês Pierre Thevet informa que os índios faziam guerra uns contra os outros por motivos fúteis, ou o simples desejo de vingança: “Move-os apenas o mero apetite de vingança, e nada mais, tal e qual se fossem animais ferozes”. Diversos outros cronistas afirmam a mesma coisa, ao contrário de Montaigne, que só via nobreza e generosidade nas guerras indígenas.
Um desses cronistas, outro padre francês, Claude d”Abbebille, afirma:
“...haverá maior barbaridade do que se mostrar hostil contra os vizinhos, a ponto não somente de lhes  fazer sem trégua uma sangrenta guerra, mas ainda, para exterminar-lhes a raça, comer-lhes a carne até vomitar? Crueldade bárbara, barbaridade cruel! No entanto, disso é que se vangloriam os tupinambás, julgando-se tanto mais gloriosos quanto o número de homens que mataram na guerra e de inimigos que comeram”.  “(...) é  preciso que se saiba que não fazem a guerra para conservar ou estender os limites de seu país, nem para enriquecer-se com os despojos de seus inimigos, mas unicamente pela honra e pela vingança. Sempre que julgam ter sido ofendidos pelas nações vizinhas ou não, sempre que se recordam de seus antepassados ou amigos aprisionados e comidos pelos inimigos, excitam-se mutuamente à guerra, a fim, dizem, de tirar desforra, de vingar a morte de seus semelhantes”[1]
Diversos outros historiadores ou cronistas manifestam o mesmo ponto de vista de Claude d’Abbeville, como o pastor protestante Jean de Léry:
“Os selvagens se guerreiam não para conquistar países e terras uns aos outros, porquanto sobejam terras para todos; não pretendem tampouco enriquecer-se com os despojos dos vencidos ou o  resgate dos prisioneiros. Nada disso os move. Confessam eles próprios serem impelidos por outro motivo: o de vingar pais e amigos presos e comidos, no passado... ...o ódio entre eles é tão inveterado que se conservam perpetuamente irreconciliáveis”[2]
O historiador do século XIX, Francisco de Varnhagen, também confirma o que se disse acima, acrescentando que havia também guerras feitas apenas para escravizar inimigos ou para a conquista brutal de mais mulheres para seus haréns. Causava, além disso, o enfraquecimento e até extermínio das tribos: “...as guerras de extermínio, que mantinham entre si, eram causa de que as tribos ou cabildas se debilitassem cada vez mais em número, em vez de crescerem. Além de que, essas mesmas cabildas pequenas que existiam, mantinham-se por laços sociais tão frouxos, que tendiam a fracionar-se cada vez mais e a guerrear-se, ficando inimigos acérrimos os que  antes combatiam juntos...”[3]  O cronista português Gabriel Soares de Sousa acrescenta que a população indígena só fazia diminuir por causa das guerras. Como exemplo diz ele que a nação dos Tupinaês estava sendo dizimada pelos Tupis da costa do Brasil, sendo expulsos para o sertão.
Idéia bem diferente da realidade era apregoada pelos renascentistas, repetida pelos estruturalistas e indigenistas modernos (como os do CIMI), como Michel de Montaigne, que dizia que os índios “fazem a guerra de um modo nobre e generoso e ela é desculpável e bela na medida em que pode ser desculpável e bela essa doença da humanidade, pois não têm entre eles outra causa senão a da inveja da virtude...”[4]
Montaigne nunca esteve nas Américas, mas mesmo assim resolveu escrever sobre os costumes de nossos silvícolas como se fosse um entendido. No entanto, tal pensamento já fazia parte de uma corrente filosófica que procurava deturpar completamente a visão da vida tribal, chegando ao ideal defendido por Rousseau e dos estruturalistas do século XX.
Ao contrário de tal corrente, São José de Anchieta afirmou conclusivo:
“Mas como esta é guerra antiga, que no Brasil não se acabará, senão com os mesmos índios”.  Quer dizer, somente civilizando-o e fazendo-o deixar de ser índio, largando a vida tribal em sua natureza mais brutal, é que faria o silvícola acabar com esta belicosidade insana.




[1] “História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e Terras Circunvizinhas – Claude d’Abbeville – Ed. Itatiaia e Ed. Universidade de São Paulo, 1975, pág. 229
[2] “Viagem à Terra do Brasil” – Jean de Léry – Liv. Martins Editora, 1967, págs. 157/158
[3] “História Geral do Brasil”, Edições Melhoramentos –Francisco Adolfo de  Varnhagen, vol.1, 9ª. Edição, 1978, pág. 24
[4] Ensaios” – Michel de Montaigne – Biblioteca dos Séculos, pág.  265

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

PROMISCUIDADE DO COMUNITARISMO INDÍGENA





Contrastando com a visão idílica de certos autores, tanto humanistas ou renascentistas do passado como os modernos estruturalistas, a vida tribal na realidade nada mais é do que um afundamento na promiscuidade, ocasionando todo tipo de imundícies e doenças. Os índios do Maranhão, que chegaram a ser catequizados pelo Padre Vieira, tiveram a vida tribal assim descrita por um biógrafo do missionário italiano Gabriel Malagrida:
“Dificilmente se conhece o tipo humano nos índios moradores destas regiões. Abrigam-se em cavernas como as feras, vivem dispersos nos matos, e alimentam-se unicamente de caças. Às vezes travam-se em cruéis pelejas, e então ai dos vencidos! Estes são amarrados em postes e engordados algum tempo como sórdidos animais, e depois, em horríveis banquetes, acompanhados de danças e de frenética gritaria, são comidos pelos seus algozes” [1]
A descrição acima retrata tais silvícolas mais de um século depois da chegada dos portugueses no Brasil. No entanto, quando os jesuítas iniciaram a catequização a situação era mais ou menos esta descrita pelo padre Cardim:
 “Moravam os índios antes de sua conversão, em aldeias, em umas “ocas” ou casas mui compridas, de duzentos, trezentos ou quatrocentos palmos, e cinqüenta em largo...  ...com as paredes de palha ou de taipa de mão, cobertas de “pindobas”... ...dentro delas vivem logo cento ou duzentas pessoas, cada casal em seu rancho, sem repartimento nenhum, e moram duma parte a outra...  ...e todos ficam como em comunidade, e entrando na casa se vê quanto nela está, porque estão todos á vista uns dos outros, sem repartição nem divisão...  Parece a casa um inferno ou labirinto, uns cantam, outros choram, outros comem, outros fazem farinha e vinhos, etc., e toda a casa arde em fogo...”[2] 
Talvez não estejamos longe de ver o dia em que algumas localidades modernas cheguem a tal estado, se continuar a se propagar entre alguns o “ideal”  de vida comunitária.  É lá que caminha o que se chama de comunitarismo moderno.

A vida tribal não traz doenças aos índios?
A afirmação de que a vida tribal não atrai doenças tanto quanto a vida do civilizado, carece completamente de fundamento. A realidade é bem outra, pois vivendo completamente despidos, sob os efeitos do sol, da chuva e dos ventos, convivendo em cabanas sujas e sem o mínimo cuidado de asseio, os silvícolas são muito mais susceptíveis de contrair doenças do que o civilizado.  A “tokelau”, por exemplo, é uma doença típica do selvagem. Trata-se de uma dermatose causada por cogumelos ou plantas onde os indígenas sem querer (ou querendo) se esfregam nos matos, ou mesmo quando espremem os sumos delas para curar suas enfermidades.  Esta doença foi relatada pela primeira vez pelo navegador inglês William Dampier em 1616;[3]
As doenças da vida selvagem começa nos próprios pés dos índios, os quais, andando descalços são atacados pelos “bichos-de-pé”, chamados naquela época por outros nomes como “tom” ou “tunga”.  Alguns tinham os pés  completamente deformados pela quantidade excessiva daqueles bichinhos. E dos pés, passavam para a cabeça, atingindo os olhos, como certas oftalmias causadas pela excessiva exposição à fumaça de suas fogueiras, e também o couro cabeludo, em geral tão cheios de piolhos que chegavam a causar feridas e sangramentos.

Doenças sexuais, fruto da luxúria e sensualidade
As doenças mais degradantes eram as de origem sexual, provenientes da excessiva promiscuidade e luxúria em que viviam. São José de Anchieta fala de uma velha índia  que havia morrido “tendo corrupto os órgãos secretos (esta era uma enfermidade, que é muito comum nestas mulheres do Brasil, ainda nas virgens), exalava de si tão mau cheiro, que os mesmos seus a desamparavam”. Tratava-se da índia Bartira, mulher de João Ramalho.
A doença que causou maior controvérsia entre os estudiosos foi, na realidade, a sífilis, conhecida como “mal americano” exatamente por supor-se que tenha se originado dos índios americanos. Antes da descoberta das Américas esta doença não era conhecida na Europa. O seu nome originou-se de “Syphilis”, o protagonista de um poema renascentista de Girolamo Fracastoro, publicado pelo início do século XVI.  A sífilis tomou diversos nomes pelos primeiros cronistas que a descreveram, chamada inicialmente de “pian”, que era como os aborígines a denominavam. O naturalista Guilherme Piso, que esteve no Brasil com os holandeses em 1637, a denomina de “bouba”, afirmando que trata-se do “mal da América” e aqui foi encontrado pelos portugueses.  Angyone Costa nega que a “pian”  seja a mesma sífilis, baseado em estudos publicados pelos Drs. Chapot-Prevost, Austregésilo e Silva Araújo, mas não transcreve as razões de tais estudiosos para contestar Guilherme Piso e outros.
Pode ser que não haja consenso entre os estudiosos neste particular, mas o certo é que a primeira epidemia da doença se deu no ano de 1495, portanto 3 anos após a primeira viagem de Colombo. Uma teoria surgiu, parecendo plausível, que teriam sido os marinheiros de Colombo (não foi possível evitar que alguns se contaminassem com as índias) que tenham levado o vírus para a Europa no retorno de suas viagens.  E a primeira epidemia surgiu exatamente em Nápoles, uma região que deu muitos marinheiros para aquelas viagens.
Seria, portanto, a “pian”  ou “bouba”,  a mesma sífilis, haja vista que a descrição dessas doenças se assemelham. O padre Thevet a descreve como doença proveniente de certos abusos relacionados aos excessos de contatos carnais entre homens e mulheres. A mesma opinião é expressada por todos os cronistas da época.   Jean de Léry é mais detalhado, embora defenda a tese de que os índios sofrem menos os efeitos de tais doenças:
“Além das febres e doenças comuns, às quais, em razão do clima saudável  estão menos sujeitos do que nós, sofre os nossos americanos de uma moléstia incurável denominada “pian” e que tem por causa a luxúria, embora tenha visto meninos tão atacados dessa doença, que se pareciam com variolosos. Transformando o mal em pústulas mais grossas do que o polegar, que se espalham por todo o corpo, os indivíduos que o contraem ficam recobertos de marcas que se conservam durante a vida toda, tal como entre nós ocorre com os engalicados e cancerosos que se contagiaram na torpeza e na impudicícia. Com efeito, vi nesse país um intérprete natural de Ruão que, tendo chafurdado na obscenidade com as raparigas da terra, recebeu tão amplo e merecido salário que tinha o corpo coberto de “pians” e o rosto desfigurado a ponto de parecer com um desses leprosos em que as cicatrizes se tornam indeléveis. É essa a moléstia mais perigosa do Brasil”[4]
Os índios idosos eram os mais vulneráveis a essas doenças. Jean de Léry e o padre Thevet contam que os índios velhos usavam de algumas folhas de plantas para cobrir o membro viril, não tanto com propósitos de natural pudor mas para encobrir as enfermidades de que eram atacados.  Mais adiante, São José de Anchieta conta que vários índios adquiriam uma moléstia sexual causada pela excitação da luxúria provocada por uma lagarta de fogo, chegando ao ponto de apodrecer seus membros viris.[5] 

As pestes provinham somente dos homens civilizados?
A teoria já foi muito difundida: os índios são mais vulneráveis às pestes que grassam entre os homens civilizados pois seu organismo não possui os anticorpos com que as combata. Será que isto é tão verdadeiro quanto dizem?
Vejamos um exemplo. Ocorreu no Brasil uma peste, pelos idos de 1563, provavelmente de bexiga, causando terrível mortandade principalmente entre os índios. O fato é fartamente narrado em diversas cartas dos jesuítas e foi para eles motivo de muito heroísmo ter que cuidar de tantos doentes, muitos incuráveis, outros morrendo, numa situação calamitosa. O padre Leonardo do Valle afirmou que “chegou a cousa a tanto que já não havia quem fizesse covas e alguns se enterravam pelos monturos e arredores das casas e tão mal enterrados que os tiravam os porcos...”
Em carta ao Padre Provincial, datada da Bahia de 30.05.1564, o padre Antonio Blásquez assim relata como deu-se aquela peste:
“...saiba que houve entre eles duas grandes mortandades: a primeira teve origem e princípio de umas febres que, segundo eles diziam, “lhes dava logo no coração”,[6]as quais mui rapidamente os derrubavam, sem se lhes poder valer nem socorrer com auxílios humanos, salvo com os espirituais, como eram confissões e batismos, no que se houveram os padres com muito fervor e caridade, usando com estes miseráveis do ofício de médico e enfermeiro, tanto no espiritual quanto no corporal.
“...Neste tempo não se viam entre eles nem ouviam os bailes e regozijos costumados, tudo era choro e tristeza, vendo-se uns sem pais, outros sem filhos, e muitas viúvas sem maridos, de maneira que, quem os via neste seu desamparo, recordando-se do tempo passado, e quão muitos eram então e quão poucos agora, e como dantes tinham o que comer e ao presente morriam de fome, e como antes viviam com liberdade e se viam, além de sua miséria, a cada passo assaltados e cativos à força pelos Cristãos...
“Passada esta atribulação, já quando queriam erguer um pouco a cabeça, sobreveio-lhes outra doença muito pior que a outra, a qual eram umas varíolas e bexigas, tão asquerosas e hediondas que não havia quem as pudesse suportar com grande fetidez que delas saía, e por essa causa morriam muitos ao desamparo comidos dos vermes que das chagas das bexigas nasciam e se engendravam em seus corpos, em tanta abundância e tão grandes, que causavam um grande horror e espanto a quem os via, e com isto resultava grande merecimento a quem os curava, que eram os nossos Padres e Irmãos; porque, além de exercerem este ofício de caridade em suas aldeias, onde os nossos nasciam, era este nosso colégio um como hospital deles, onde ganharam muito os nossos Padres e Irmãos com eles, nos serviços e ministérios que lhes faziam em lavar-lhes as chagas e tirar-lhes os bichos e gusanos que ferviam em seus corpos como formigas em formigueiros. Mas, posto que isto em si fosse muito asqueroso e causasse grandíssimo fedor não pequena dor de cabeça, e os serviçais irmãos nossos mui prontamente, não tendo em conta outra cousa senão o que a obediência lhes encarregava, se exercitaram nesta obra de caridade e creio que tanto mais obra de misericórdia quanto mais eles são miseráveis”.[7]
Mas de onde teria vindo peste tão terrível?  O padre Leonardo do Valle tece considerações sobre a origem de tal praga que são dignas de credibilidade. Segundo ele, ela teria vindo do sertão e não do litoral, o que poderia indicar que tais epidemias já eram comuns antes dos portugueses aqui chegarem.
“De maneira que seu pecado foi castigado com uma peste tão estranha que porventura nunca nestas terras houve outra semelhante; alguns querem dizer que se pegou da nau em que veio o padre Francisco Viegas, porque começou nos ilhéus, onde ela foi aportar, mas parece mais certo ser açoite do Senhor, e começar donde os romeiros primeiro começaram a correr a “Santidade” que andava pelo sertão a dentro, e mesmo se pode dizer da fome que quase é geral entre eles, porque nesta terra nem a  água nem o muito causa fome como em Portugal e outras partes...
“(...) e com tudo isto diziam os Índios que não era nada em comparação da mortandade que ia pelo sertão, que ainda nisto nos diz Nosso Senhor favorecer para eles acabarem de crer que, não pela conversação dos Cristãos nem por causa da doutrina, mas por sua cegueira e péssimos ritos, lhes veio o castigo como alguns da Taparica[8] confessavam, dizendo que bem os avisava o Padre que ninguém passasse para a banda de além de Paraguaçu enquanto lá andasse a “Santidade” e que alguns revés que lá foram sem querer dar por isso trouxeram dela a morte”.[9]
O que poderia se esperar de um ajuntamento de gente, convivendo promiscuamente em palhoças fétidas, sem qualquer noção ou prática de higiene, com os pés no chão e completamente despidos, sujeitos a todo tipo de infecções oriundas das próprias intempéries, e ainda por cima praticando os costumes mais bárbaros e desumanos? Gripes, infecções pulmonares devido à exposição do corpo ao tempo sem proteção, não predispõem tais pessoas a qualquer tipo de doenças, como alguns vírus vindos de fora? É o que sucedia vez por outra, causando inclusive uma praga coletiva. Como, pois, acusar unicamente os europeus de haver trazido tais epidemias?  Também lá, quando não havia profilaxia adequada, as epidemias grassavam e matavam em  massa. É bem verdade que haviam homens inescrupulosos que se promiscuíam com os índios, daí se originando todo tipo de misérias que os jesuítas tanto procuravam evitar, como as doenças venéreas e a propagação de tais vírus. Mas afirmar  que os europeus eram os únicos responsáveis pela mortandade em massa de índios é evidente exagero sem comprovação histórica.



[1] “História de Gabriel Malagrida” - Paul Mury – Instituto Italiano di Cultura e Edições Loyola, pág. 50
[2] “Tratado da Terra e Gente do Brasil” – Fernão Cardim – Ed. Itatiaia e Ed. Da Universidade de São Paulo, 1980, pág. 152
[3] vide reportagem na revista “Visão”, de 01.11.1989
[4] “Viagem à Terra do Brasil” – Jean de Léry – Liv. Martins Editora, 1967, pág. 207
[5] v. item “c” sobre nudismo e sensualidade dos índios nos “aspectos morais”.
[6] Os antigos clínicos diziam ser a febre terçã maligna, espécie de malária, com a morte pelo coração.
[7] “Cartas Jesuíticas 2 – Cartas Avulsas” – Azpilcueta Navarro e outros – Ed. Itatiaia, págs. 431/432
[8] Ilha de Itaparica, na Bahia de todos os Santos.
[9] “Cartas Jesuíticas 2 – Cartas Avulsas” – Azpilcueta Navarro e outros – Ed. Itatiaia, págs 408/411

HÁ COMUNISMO NA VIDA TRIBAL?








Trata-se de um assunto controverso, mas que facilmente elucidável se usarmos o bom senso. E a questão não é de hoje, data do tempo do historiador Varnhagen (século XIX), que afirmou: “havia entre os da mesma tribo uma verdadeira fraternidade comunista. Nenhum comia ou bebia sem que o fizesse os outros participantes. A idéia do roubo era quase desconhecida, e muitas vezes tirar o que o outro sem usar possuía nem se considerava delito...”
Estas observações demonstram certa parcialidade em prol da idéia do comunitarismo como norma de vida, mas não entra no mérito da questão do comunismo como filosofia e método de vida política e social. É verdade que entre certos agentes da Revolução, pelo menos em alguns momentos fugazes da Revolução Francesa e Comunista, houve uma certa “fraternidade”, toda ela interesseira e logo transformada em ódio quando posta diante de algum inimigo. Tão logo o orgulho seja ferido  ou um destes elementos se visse na contingência de perder um bem apreciável, a sua “fraternidade” se transformava radicalmente em ódio mortal. Na vida tribal nem sequer algo de “fraternidade”  existe e a vida comunitária, e não comunista como querem alguns, é apenas uma escolha momentânea de um estilo de vida.
Com relação ao suposto “comunismo” tribal, ou seja, a ausência da propriedade privada e a vida em comunidade, vejamos o que diz Dr. Plínio Corrêa de Oliveira em sua obra “Tribalismo Indígena, Ideal Comuno-Missionário para o Brasil do Século XXI” (Editora Vera Cruz, 1976, São Paulo):
“Nossos índios podem ser qualificados de comunistas? A pergunta só pode despertar o sorriso.
“De comunista, o índio nada tem. Nem a doutrina, nem a mentalidade, nem os desígnios.
“O estado em que ele se encontra apresenta apenas traços de analogia com o regime comunista. Por um desses jogos de coincidência que aparecem, freqüentes, quando se faz a comparação entre os estágios primitivos e os de decadência. Entre a infância e a velhice, por exemplo.
“Não é porque seja doutrinariamente contrário à propriedade privada, que o primitivo tem (ou quase só tem) a propriedade comum.
“Pela mesma razão porque o homem da era da  pedra lascada, se não usava a pedra polida, não era de modo algum porque pensasse que não a devia usar. Mas simplesmente porque não a tinha inventado.
“”Nessa perspectiva, o índio não pode ser equiparado ao “civilizado”, que conhece a propriedade privada, a família monogâmica e indissolúvel, e tudo quanto dessas fecundas instituições nasceu e floresceu, mas tem aversão a esses troncos e a seus frutos. Este “civilizado” lhes quer pôr o machado na raiz.
“Em suma, uma nação indígena pode ser comparada a uma planta que não cresceu, mas ainda poderá crescer. O adversário da família e da propriedade, nostálgico do comunitarismo ou do comunismo (classifique-o cada um como melhor entenda) tribal, é um demolidor...”[1]
Apesar de nos parecer que o texto acima tenha esclarecido a questão com bastante clarividência, exporemos abaixo outros em que se fala a respeito das rústicas noções que os índios tinham (e ainda têm algumas tribos) do direito de propriedade, consideradas básicas para um regime dito comunista se forem simplesmente desconhecidas ou negadas.

O direito de propriedade entre os índios
O pesquisador naturalista Carl F. P. von Martius descreve detalhes sobre o conceito que o índio tinha da propriedade privada:
“Por inferior que pareça a civilização dos autóctones brasileiros por estes traços de seus costumes em relação ao direito, todavia,  não lhes é desconhecida a idéia da propriedade, tanto em relação à comunidade como ao indivíduo...
“...Em toda a extensão que as famílias de uma horda ocupam numa certa região, é esse território considerado propriedade da comunidade. Esta idéia está clara e viva na alma do índio e ele compreende a propriedade comum como cousa inteiriça da qual porção alguma pode pertencer a um indivíduo só...
“Esta idéia nítida de uma propriedade determinada da tribo toda, baseia-se principalmente na necessidade de possuir uma certa região de mata para terreno exclusivo de caça...
“...o selvagem... considera como propriedade da tribo o terreno que ele cultiva mas, em sentido restrito torna-se, todavia, imóvel privado, tal como acontece com a cabana, sendo estes dois imóveis considerados mais como propriedade de toda a família ou famílias que moram nele, do que propriedade individual exclusiva...  ...Tais bens de raiz são adquiridos somente em comum e por isso, com mais direito ainda, considerados  propriedade de todos...
“Quando várias famílias habitam o mesmo edifício, pertence a cada uma o lugar onde tem armada a rede e onde acende a sua fogueira. Neste lugar, geralmente marcado por postes na parede, cada família trata de seus negócios particulares... sem que as outras tomem parte neles.  ...Estas moradias, e também a cabana do chefe onde tem lugar as reuniões, são consideradas propriedades dos moradores, embora que toda a tribo ou várias famílias vizinhas ajudassem para a sua construção...
“...A circunstância, porém, de que todos estão nas mesmas condições para obter o que precisam e que, aqui não existe como nos países civilizados, ricos e pobres, parecer  o paládio da probidade do índio, porque no índio se acende também a cobiça daquilo cuja posse, só casualmente e com dificuldade se alcança, de forma que também aqui a ocasião faz o ladrão.
“Consideram-se como objetos de propriedade privada: as armas e os ornatos dos homens, os ornatos e as roupas das mulheres quando as tiverem. Tudo mais, como redes, vasilhames, aparelhos para o fabrico da farinha, etc., constitui propriedade da família. [2]
Vemos descritas acima três tipos de propriedades, tão tênues quanto a cultura tribal: a coletiva, a familiar e a privada. Devido atraso em que vivem os índios, estes rudimentos de propriedade seria até essencial, mas não ideal, isto é, é-lhes útil para a sobrevivência mas de forma precária e não os faz crescer mais culturalmente. É diferente do sistema comunista, pelo menos do comunismo clássico, que se convencionou chamar de “capitalismo de Estado”, onde toda a propriedade deve ser coletiva “por direito”, isto é, por força de uma disposição legal do Estado:  se há algo na posse de um indivíduo ou família é transitório e considerado como favor estatal, em benefício do que eles chamam de “bem comum”...



[1]Tribalismo Indígena, Ideal Comuno-Missionário para o Brasil do Século XXI” – Plínio Corrêa de Oliveira – Editora Vera Cruz, 1978, pág. 40.
[2] “O Estado de Direito entre os Autóctones do Brasil – Carl F. P. von Martius – Editora Itatiaia e Ed. Universidade de São Paulo, 1982, págs. 35/40

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

DOM MACEDO COSTA, BISPO DO PARÁ, DEFENDENDO A VIRGINDADE DA SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA





Dom Antonio Macedo Costa foi bispo do Pará, no período de 1861 a 1889, quando foi nomeado para a Diocese de Salvador, vindo a falecer em março de 1891 antes de tomar posse. Foi um dos principais protagonistas da “questão religiosa”, no reinado de Dom Pedro II, juntamente com Dom Vital, Arcebispo de Olinda e Recife, quando ambos foram presos e depois indultados e libertados por interferência da Princesa Isabel.
A Carta Pastoral abaixo transcrita demonstra uma época em que nossos bispos tinham grande conhecimento de teologia e defendiam os dogmas católicos com ardor. O Bispo está se dirigindo ao lugar chamado Vigia, uma vila próxima a Belém, onde foi publicado um artigo contrário à virgindade de Nossa Senhora. Dom Macedo não o diz, mas é provável que o tal professor deveria ser protestante, os quais já andavam nessa época fazendo proselitismos na Amazônia.

“Li com pesar em um periódico publicado aí na Vigia um artigo assinado por um professor público de primeiras letras, no qual não só nega um dogma de fé católico definido no último Concílio Ecumênico do Vaticano, mas insinua claramente que não crê na virgindade de Maria Santíssima.
Esse professor opõe à crença de todos os séculos no dogma da Virgindade perpétua da Mãe de Deus os testemunhos dos Evangelhos de São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João. Já se vê que ele alude às passagens de que os protestantes e exegetas racionalistas abusam para atacar a Virgindade de Maria Imaculada.
Sustentou antigamente este erro um sórdido herege chamado Helvídio, a quem São Jerônimo refutou cabalmente, e cuja heresia foi condenada nos Concílios Ecumênicos 2º de Constantinopla e 2º de Latrão.
Vejamos estes textos dos Evangelhos. O primeiro é o de São Mateus I, 24: Despertando de seu sono, fez José o que o Anjo lhe ordenara, e recebeu Maria por sua esposa; e não tinha relação alguma com ela, até que ela deu à luz seu filho primogênito, a que deu o nome de Jesus. Logo, concluem os hereges, Maria não foi sempre virgem.
As palavras “até que” indicam só, segundo o uso da língua hebraica, que até aquele tempo os dois castos esposos não se conheceram, mas não quer dizer que se conhecessem depois. Assim, quando o salmista diz: O Senhor disse a Meu Senhor: “Assentai-vos à minha mão direita, até que eu reduza vossos inimigos a vos servirem de escabelo”; não quer dizer que, depois de reduzidos os inimigos a escabelo, ao Filho de Deus cessaria de assentar-se à mão direita de seu Pai; “Como os olhos da serva nas mãos da sua senhora, assim nossos olhos estão fitos no Senhor, nosso Deus, ATÉ QUE se compadeça de nós” (Salmo 122). Ainda aqui o ATÉ QUE não indica, de nenhum modo, que o profeta só terá os olhos elevados a Deus enquanto lhe pede misericórdia, mas que depois de alcançada a misericórdia os volverá para as criaturas.
Lemos no Deuteronômio: “Morreu Moisés... sepultaram-no no país de Geth... e ATÉ HOJE  ninguém sabe onde está o seu sepulcro”. ATÉ HOJE, isto é, até o tempo em que o escritor sagrado  escrevia. Segue-se que depois, nos séculos seguintes, se veio a descobrir o sepulcro de Moisés? De fato, nunca se descobriu.
“Eu estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos” disse Jesus. – Pode-se concluir que depois da consumação dos séculos Ele se separaria dos seus discípulos, e que quando eles se assentarem para julgar as tribos de Israel estarão privados da presença do Senhor?
Todos esses passos e outros muitos alegados por São Jerônimo contra Helvídio tapam a boca aos que blasfemam contra a virgindade de Maria Santíssima fundados naquele texto de S. Mateus.
Ainda hoje dizemos: Eu amei e respeitei a meu pai até o dia de sua morte. A ninguém vem à cabeça pensar que, falando assim, nós queremos dizer que, depois da morte de nosso pai, lhe faltamos ao amor e ao respeito.
O que o Evangelista queria simplesmente afirmar era que Jesus não foi gerado como os outros homens, mas por uma operação miraculosa do Espírito Santo. Nada mais.
A palavra primogênito (“hecor’ em hebraico) significa propriamente o filho que não tem outros antes. Moisés diz: (Êxodo III, 2) “Santificai-me o primogênito que abre o seio materno”. Evidentemente Deus não ordena que lhe seja oferecido somente o primogênito que teve outros irmãos depois de si, mas todo menino cujo nascimento não é precedido de outro.
Se primogênito só significasse o filho que é seguido de outros, então a lei mosaica não obrigaria senão depois que de fato estes nascessem.
Mas não, a lei entende por primogênito também o filho único. E o Evangelista fala no mesmo sentido.
Lê-se no Êxodo: “Sucedeu, porém, que de cerca de meia noite feriu o Senhor todo primogênito na terra do Egito, desde o primogênito do Faraó, etc.” Pergunta-se: também foram mortos pelo Anjo exterminador os unigênitos, ou só os primogênitos?
“Se primogênitos só se chamam aqueles que têm irmãos, logo foram livres da morte os unigênitos. Se, porém, também os unigênitos foram mortos, foi isso contra a sentença, matando-se os unigênitos de envolta com os primogênitos.  Ou livrarás os unigênitos da pena, e serás ridículo; ou se confessares que foram mortos teremos te obrigado a reconhecer que também os unigênitos se chamam primogênitos” (“Liber adversus Hebridium”)
É argumento irrespondível do exímio doutor São Jerônimo.
Agora vejamos os textos em que se fala dos irmãos de Jesus.
Lê-se em Mateus que os judeus de Nazaré, vendo as maravilhas operadas pelo Salvador, diziam: “Não é este o filho de um carpinteiro? Sua Mãe não é uma chamada Maria? Tiago, José, Simão e Judas não são seus irmãos?”  (S. Mateus XIII, 55; Marcos VI, 3)
Em outro lugar, estando Jesus ensinando ao povo, vieram-lhe com este recado: “Vossa Mãe e vossos irmãos aí estão fora, e vêm vos procurar...” (Math XII, 47-50) e São João ajunta que os irmãos de Jesus não criam nele (Joan VII, 5 et álibi). Desta palavra IRMÃOS, mal entendida, têm abusado os antigos hereges, e os hodiernos protestantes e racionalistas, contra a Virgindade de Nossa Senhora. Mas isto é um comento ou invenção sem fundamento.
1º . Sempre foi doutrina, geralmente recebida na Igreja, ensinada por todos os Padres e doutores, desde o tempo dos Apóstolos, que Maria foi sempre Virgem, antes do parto, no parto e depois do parto. De modo que, quando mais tarde apareceu a doutrina contrária de Helvídio, Joviniano e outros, foi ela repelida por toda a Igreja como uma novidade ímpia e uma horrenda blasfêmia. Ora esta crença, esta tradição prendeu-se ao berço do Cristianismo, como poderia ter-se estabelecido, se Jesus tivesse publicamente irmãos no sentido próprio da palavra?
2º . Irmãos na língua hebraica não significa só os irmãos propriamente ditos, mas os parentes chegados. Prova-se pela Escritura.
Loth é chamado irmão de Abraão, bem que só fosse sobrinho (Gên XIV, 14-16).  Labão, irmão da mãe de Jacó, é chamado irmão de Jacó (Gên XXIX, 15).  Jacó diz a Raquel que ele é irmão do pai dela (Gên XXIX, 11). Ora, Jacó só tinha um irmão propriamente dito, que era Esaú, e em outra parte fala de irmãos seus e de Labão, isto é, parentes chegados (Gên XXIX, 31,36, 37). A língua hebraica é pobre e só tem a palavra irmão para designar primão irmão, sobrinho, cunhado, etc.
Por isso, quem não sabe deste hebraísmo se engana facilmente com a palavra irmãos vertida literalmente do original para a vulgata.
3º . São José tinha um irmão chamado Cleofas, ou Alfeo (É a mesma palavra hebraica, com ou sem aspiração).
Maria, esposa de Cleofas, era, portanto, cunhada de Maria Santíssima (S. Juan XIX, 25).
Ora, esta Maria, segundo São Marcos (XV, 40), era mãe de Tiago (o menor) e de José. Além disso, São Judas na sua epístola diz ser ele Judas irmão de Tiago. Portanto, o Tiago, José e Judas que, segundo S. Mateus, eram considerados pelo povo como irmãos de Jesus, eram exatamente os três filhos de Cleofas, que vinham a ser primos-irmãos de Jesus.
Falta Simão. Segundo Hesesipo e Eusébio, autores antiquíssimos, Simão, que foi bispo de Jerusalém, foi também filho de Cleofas, Temos, pois, inteirada a conta e os evangelistas concordes.
Os irmãos de Jesus eram, pois, seus primos-irmãos.
4º . Pode-se ainda supor que São José, depois da morte de seu irmão Cleofas, tivesse adotado os filhos dele. Estas adoções não eram raras entre os judeus, diz o sábio Mr. Dehaut. Nesta hipótese os filhos de Cleofas seriam ainda em sentido mais próprio irmãos de Jesus.
5º . O ímpio Renan, que sabe o Hebreu, confessa que Tiago, José, Simão e Judas, chamados no Evangelho irmãos de Jesus, são filhos de Maria,  mulher de Cleofas, e, portanto, primos de Jesus (Vida de Jesus, pág. 24). Mas, como serpente, faz um torcicolo, e diz para satisfazer a sua impiedade, e sem prova alguma, que Jesus teve também verdadeiros irmãos. “Os irmãos de Jesus, diz ele, constituíam na igreja primitiva uma espécie de ordem paralela à dos Apóstolos”.  Que mentiroso! Mas, se havia publicamente esta ordem paralela dos Apóstolos, devia ser tão conhecida como os Apóstolos. Por que é que nenhum Evangelista, nenhum autor eclesiástico conheceu os nomes desses irmãos de Jesus? Se Jesus tinha irmãos como é que do alto da Cruz deixou sua Mãe a São João, filho de Salomé e de Zebedeu?  Por que não fazem menção os Evangelistas desses irmãos quando tratam da viagem de Maria Santíssima a Jerusalém? A ordem paralela é, pois, um romance de Renan, sem valor nenhum científico.
6º . As mais altas conveniências da fé nos firmam na certeza de que a Mãe do Verbo ficou sempre Virgem: “Não se pode supor, diz Santo Ambrósio, que aquela que recebeu Deus em seu seio pudesse receber depois, nesse santuário da divindade, um homem impuro e manchado pelo pecado original, e que José ousasse tocar, consagrada como estava pelo nascimento do Salvador, aquela que ele antes tinha respeitado”.
Olshansen, exegeta protestante, nota com razão que parece natural e conveniente que a última descendente de Davi, de cujo ramo devia nascer o Messias, terminasse sua raça por este último e eterno florão.
As explicações e argumentos que acabamos de expor bastam para satisfazer as pessoas bem intencionadas. Se aí houver alguma cuja fé vacile, leia e explique esta minha carta escrita no dia da festa da Maternidade da Virgem Maria, ínclita Padroeira dessa paróquia e da diocese, como uma homenagem à sua integridade virginal, à sua pureza sem mácula, que o inferno com imunda blasfêmias tenta debalde ofuscar.
Deploremos muito d’alma, Sr. Vigário, que num país católico apostólico romano, como o nosso, se ache a mocidade exposta a ouvir atacar por um professor público os dogmas mais respeitáveis do Cristianismo; deploremo-lo, e dobremos de vigilância para guardar o depósito sagrado e vinga-lo contra os assaltos da impiedade. Receba  minha bênção afetuosa.

Antonio, Bispo do Pará.

(Rev. Sr. Padre Mâncio Caetano Ribeiro, Pároco da Vigia)

(Extraído do livro “Dom Macedo Costa, Bispo do Pará”, págs. 364/369)