segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O REINO DA HIPOCRISIA

O REINO DA HIPOCRISIA

Quem é bom entre nós? Aliás, quem é mau? Ninguém se julga pessoa ruim. Quando a polícia bate em alguém na rua, geralmente da forma costumeira, indiscriminada e brutalmente, a vítima ou seus familiares logo saem em defesa da mesma com a alegação de que tratava-se de pessoa trabalhadora e honrada; mas, alguns dias antes (ou depois) aquela mesma pessoa fez parte de um grupo de saqueadores que haviam tomado de assalto, ou um caminhão quebrado na rua ou mesmo alguma loja do quarteirão. Para alguns o comportamento coletivo, seja de saque ou de manifestações violentas, não é crime. Segundos estes, fazer saques, queimar pneus, jogar pedras e paus na polícia não é crime, isto porque trata-se de uma ação coletiva, foi a “comunidade” que praticou aquelas ações. E ninguém vai prender toda uma comunidade.
Muitos se chocaram com a cena de um pivete amarrado a um poste, a espera da polícia para prendê-lo. Aquilo foi mostrado a todos como exemplo de impaciência da população, a qual já começa a fazer justiça com as próprias mãos. Mas, aqueles mesmos que amarraram o rapaz, em outro dia qualquer, caíam em cima dos policiais que tentavam fazer um despejo de invasores de prédios, jogando-lhes pedras e paus. E se o rapaz preso ao poste era um ladrão, não deixa de sê-lo também os saqueadores somente pelo fato de agirem em comunidade, e muitos destes estariam hipocritamente amarrando pequenos ladrões aos postes de suas ruas, porque, para eles, o roubo deve ser coletivo e não individual. Hipócritas! Se condenam o ladrão solitário não devem também praticar o mesmo crime em comum com vizinhos e amigos...
O nosso povo é honesto? No entanto, o mesmo sujeito que grita contra a corrupção dos políticos e roubalheira dos cofres públicos faz, ele mesmo, suas roubadas, esconde o troco que o caixa da loja ou do banco lhe deu a mais, esquiva-se de pagar o prejuízo que causou a terceiros (por exemplo, numa batida de carros), nega-se a pagar dívidas contraídas por si e sua família, e está sempre atrás de um golpe de esperteza para conseguir sair de sua situação de aperto financeiro. O nosso povo é honesto? No entanto, todos dizem que pagam impostos, mas a maioria maciça faz tudo para sonega-los (embora seja até justificável, em alguns casos de impostos extorsivos, como o IR) e, na realidade, quem paga mais impostos nesse país são os que têm contas a prestar pelo fato dos mesmos serem retidos na folha de pagamento. Os demais só pagam aqueles impostos já embutidos nas mercadorias que compram.
Quando há um crime hediondo, como o perpetrado por pedófilos, que estupram e matam crianças inocentes, logo surgem multidões de indignados para fazer justiça ao criminoso.  No entanto, estes mesmos indignados, geralmente, são adúlteros que convivem com mais de uma mulher, assistem constantemente filmes eróticos, às vezes até com cenas entre menores, pronunciam escancaradamente palavrões sem qualquer respeito à sociedade, e muitos deles praticam até mesmo o pecado de homossexualismo. Hipócritas! Se querem que as crianças sejam respeitadas devem manter uma imoral ilibada em toda a sociedade, pois enquanto matam alguns pedófilos nas ruas, a sociedade está produzindo milhares de outros através dos filmes e das revistas eróticas que transitam pacificamente em toda a nossa sociedade sem qualquer censura. As taras sexuais, especialmente essas mais monstruosas, não nascem por acaso, elas são geradas no dia a dia pela assombrosa liberdade que é dada ao liberalismo sexual.
Há outros tipos de hipócritas entre nós, como os abortistas. Para estes, um feto não é um ser humano e para dar cumprimento aos seus desígnios criminosos criam diversos sofismas e mentiras a fim de justificar suas atitudes. Como a palavra “aborto” soa mal, caracterizada em lei como um crime, criaram o termo “antecipação do parto” ou outro qualquer. E para camuflar oficialmente crime tão monstruoso, criaram um lema chamado “controle da natalidade” ou “paternidade responsável”. Hipócritas! Porque mentem tentando encobrir suas ações maldosas? Abortar ou matar um nascituro sempre será um crime monstruoso, qualquer que seja a denominação dada ao fato.
Aliás, os sofismas existem aos montes nos dias que correm. Um deles, por exemplo, foi alterar o termo “invasão” por “ocupação”. Quando os exércitos aliados ganharam a II Guerra Mundial, ao penetrarem na Alemanha estavam fazendo uma ocupação. No entanto, as ações antes promovidas pela Alemanha ao penetrar seus exércitos nos outros países não podem ser denominadas assim, mas simplesmente de invasão. Uma ocupação faz-se por causa de uma necessidade justa, mas uma invasão é uma ação de tomada de terreno alheio. Assim, quando os arruaceiros do MST tomam uma fazendo estão fazendo uma invasão, mas, para deturpar o sentido de tal ação passaram a chamar de “ocupação”. O mesmo sucede com os sem-tetos quando invadem imóveis nas capitais. É claro que quem invade também ocupa o espaço, mas o engodo está no fato de querer dar a entender que ocuparam algo que estava antes desocupado, vazio, o que nem sempre é verdade. E não é pelo fato de algo está desocupado que seja justo ocupa-lo por terceiros.
Foi exatamente esta ideia de que algo que esteja desocupado “não tem dono” que deturpou na nossa sociedade o significado do direito de propriedade. E, deturpando tal significado, as pessoas perderam a noção de honestidade. Hoje cumpre-se a frase profética de Rui Barbosa, pela qual “o homem vai ter vergonha de ser honesto”.
Crianças com 14, 15, 17 anos? Nestas idades o ser humano já está inteiramente formado. Por que, então, essa hipocrisia de manter uma legislação ridícula (O ECA) considerando-os menores? E, pior, crianças? Na Bolívia, um país pobre e de pouco conceito jurídico, a maioridade se atinge com 14 anos, mas, no Brasil, não. Diz-se que a voz mais forte que impede a mudança dessa legislação é da CNBB. Não sei porque um estado laico teria que ouvir uma organização religiosa, mas, enfim, é o que dizem. O argumento da CNBB seria que diminuindo a idade penal isso faria com que os crimes de pedofilia se extinguissem quase por completo, pois, em geral, são praticados contra menores entre 13 e 17 anos. Argumento pueril, pois a legislação poderia aumentar a maioridade apenas para responsabilidade civil e criminal, mas não para o caso de um menor de ser objeto de crimes. Assim, um menor atingiria a maioridade, por exemplo, aos 15 anos para ser responsável por crimes que venha a cometer, mas caso sofresse assédios sexuais o autor de tal crime seria da mesma forma penalizado como se fosse feito a um menor.  Basta explicitar isso na lei.
Bandidos “honestos”,  o cúmulo da hipocrisia
Já está tornando-se comum bandido mandar o povo ficar em casa, fechar comércio e dar ordens nos bairros. No entanto, bandido reprimir o roubo e mandar o povo devolver objetos furtados, nunca ouvi falar antes.
Em Salvador, na última greve da polícia, houve de tudo. Saques, arrombamentos de lojas e armazéns, roubos a granel, até mesmo das compras de quem estava saindo do supermercado com suas sacolas. Nessa hora ninguém é bandido, pois quando se rouba em comunidade não se comete crime algum.
Há um bairro em Salvador, situado próximo a um outro de classe média chamado de Garcia, que fica num morro bem defronte à uma grande loja de supermercado. Alguns o chamam de “Alto do Garcia”. Pois bem, nos dias daquela greve magotes de moradores desceram do “Alto do Garcia”, invadiram o supermercado e saquearam o que havia de mais valioso, como TVs, computadores e móveis caros. No dia seguinte, um dos chefes de tráfico de drogas do bairro deu a ordem: “devolvam tudo o que roubaram!” Do contrário iam ter que se haver com ele e sua quadrilha. Obedientes, todos os moradores que participaram do saque devolverem os objetos roubados ao supermercado.  É claro que os bandidos não estavam praticando nenhum ato de honestidade:  apenas queriam evitar que a polícia viesse atrás de roubos tão flagrantes em seu reduto. 



domingo, 18 de outubro de 2015

"Vade-Mecum" da esposa e mãe católica





Um exemplo bem marcante da educação religiosa que recebiam as jovens no decorrer do século XIX, principalmente aquelas de elevada posição, tivemos na Imperatriz Leopoldina. Não se trata de uma educação dada no Brasil, mas na culta e católica Áustria. No entanto, espelha a realidade de uma época, que se refletiria futuramente também entre nós. A arquiduquesa Leopoldina casou-se com Dom Pedro I e veio morar no Brasil, transformando-se na saudosa e querida Imperatriz. Após o seu falecimento foi encontrado entre seus pertences um livrinho de percalina vermelha com bordas de ouro, onde se lê os propósitos que ela, ainda noiva, fizera para sua futura vida de casada. O livrinho foi escrito em francês, contendo ainda a seguinte nota em alemão:
"Do dia 13 de maio, meu dia de casamento, em diante proponho-me:
1o. Reprimir a minha veemência, ser boa para com o meu pessoal a fim de acostumar-me à brandura e condescendência.
2o. Quero evitar todo pensamento menos casto, pois deste dia em diante pertenço ao meu marido.
3o. Quero esforçar-me com zelo por trabalhar no meu aperfeiçoamento.
4o. Quero aplicar todos os esforços para falar sempre a verdade".
O livro contém na capa as armas das Casas imperiais Habsburgo e Bragança (famílias reais de D. Leopoldina e D. Pedro I), e uma pintura expressando  o Evangelista São João oferecendo o sacrifício da Santa Ceia a Nossa Senhora.
Eis a versão integral do texto:

"Minhas resoluções - Viena 1817
Lembrai-vos! - Que tendes um deus a glorificar, Jesus a imitar e vossa alma a salvar (S. Mateus, XXII, 37-40).

Para todos os dias
1. Procurarei ter sempre uma hora determinada para me levantar e para me deitar, evitando o excesso de sensualidade durante o repouso.
2. Desde o despertar o meu primeiro pensamento será a lembrança da presença de Deus; minhas primeiras palavras serão: Ó Santíssima e adorável Trindade! Eu vos dou meu coração e minha alma, eu Vos adoro com todos os coros dos Anjos. Ó Jesus!  Meu Salvador! Tende piedade de mim! Minha primeira ação será o sinal da cruz, que farei então desta maneira: em nome do Pai, que me criou à Sua Imagem, e do Filho, que me remiu com seu sangue precioso, e do Espírito Santo, que me tem santificado.
3. Para começar o dia com um ato de mortificação me levantarei prontamente e convencida de estar inteiramente diante de Deus, vestir-me-ei com toda a modéstia possível. Se estiver fraca de saúde que eu não possa me levantar rápido, ocupar-me-ei dos santos exercícios de um cristão, que deve começar seu dia santamente.
4. Tomando água benta, que terei sempre em meu quarto, por-me-ei de joelhos perante meu crucifixo, e penetrada da presença de Deus rezarei com fervor minha oração matinal.
5. Farei todas as manhãs uma meditação sobre uma leitura espiritual.
6. Assistirei à Missa com modéstia e piedade exemplares, comungando sempre, nem que seja espiritualmente.
7. Após meus exercícios de piedade empregarei o resto do tempo em observar os deveres de meu estado, e dos cuidados que a ele estão ligados. Nada de despesas inúteis que desorganizam a economia; mas da esmola farei tanto quanto possível;  me reservarei daquilo que for frívolo para poder socorrer melhor os infelizes.
8. Farei muitas vezes atos de fé, de esperança e de caridade. Formarei sempre em meu coração tais sentimentos:  Ó meu Deus! Penetrada de Vossa infinita Majestade eu Vos adoro com os santos Anjos, que rodeiam Vosso trono. Jesus!  Meu Salvador! Uno-me a Vós em todas as minhas ações.
9. Aproveitarei todas as ocasiões, que se me apresentarem, para fazer atos de humildade, e mortificações exteriores e interiores. Me esforçarei do mesmo modo, no que for possível, para adorar Jesus Cristo em seus Santos tabernáculos, sobretudo em meu oratório, quando o Santo Sacramento estiver nele encerrado.
10. Farei minhas orações da noite como as da manhã, diante de uma imagem do Crucificado e da Santíssima Virgem, as quais terei sempre no meu quarto, e aí acrescentarei o exame especial de minha conduta do dia. Mudando a roupa modestamente na presença de Deus terminarei o dia com estas palavras: "Ó meu Jesus crucificado.  Recebei-me em Vossas Santas chagas. Sagrado  Coração de Jesus! Escondei-me no abismo de Vosso amor para passar esta noite sem Vos ofender.  Ó Maria, Mãe da Graça e da Misericórdia.  Eu me entrego com a maior confiança em Vossos Santos braços. Dai-me Vossa santa bênção maternal. Anjo da Guarda, eu Vos recomendo minha alma e meu corpo; Amáveis Padroeiros e Padroeiras! Bem-aventurados do céu! Rogai por mim, por meus amigos, por meus inimigos, por meus parentes e benfeitores e por todos os antepassados. Eu vos recomendo todos aqueles que caírem em agonia neste noite". Enfim, fazendo com devoção o sinal da cruz dormirei num pensamento cristão, após haver tomado água benta, que trarei sempre próxima de meu leito.

Para todas as semanas
Às sextas e sábados farei pequenas mortificações, como de me privar de qualquer coisa na refeição, ou de guardar o silêncio durante algum tempo ou de privar de uma distração;  entretanto, sem que ninguém note. Farei tais coisas para me lembrar particularmente daqueles dias da Santa Paixão de Nosso Senhor, e para me preparar melhor para comemorar os Domingos.

Para todas as Festas
Para lhes santificar evitarei tudo que possa lhes profanar; assistirei ao ofício divino e ao sermão com toda edificação, dedicando mais tempo à meditação e à leitura espiritual, sobretudo ao cumprir minha devoção. Abster-me-ei nos dias de festas de todos os prazeres, espetáculos, festins, etc., que possam profanar estes santos dias ou impedir sua santificação.  Não negligenciarei as obrigações que assumi como membro da Ordem da cruz estrelada[1], e observarei no que for possível os estatutos que são prescritos a todos os membros.

Para todos os anos
Terminarei o último dia do ano com uma revisão geral de minha conduta; farei com ardor a preparação para a morte segundo orientação de meu Diretor de consciência, e lerei de novo minhas resoluções para gravá-las mais tempo no coração e no espírito.

Para todos os tempos
1. Conservarei no meu coração as boas instruções que tenho recebido de meus parentes e das pessoas encarregadas de minha educação.
2. Terei sempre que for possível um confessor, ao qual obedecerei com exatidão e que o consultarei sempre nas coisas que concernem a minha salvação.
3. Evitarei todas as leituras que sejam contrárias à minha Santa Religião, que ferem a delicadeza da consciência e que excitem à sensualidade ou uma paixão qualquer.
4. Jamais o respeito humano me impedirá de me declarar abertamente pela Santa Religião Católica;  empregarei, ao contrário, todos meus esforços e todas minhas rendas supérfluas para a propagar, para construir ou decorar as igrejas, sobretudo para sustentar os Institutos que se consagrem á educação da juventude ou que faça profissão de assistir os necessitados.
5. Meu coração será eternamente fechado ao espírito perverso do mundo; assim, bem longe de mim os gastos inúteis, o luxo nocivo, os adornos indecentes e as mundanidades e vestimentas escandalosas. Minha virtude tão necessária será sempre a modéstia para conservar a pureza de meu coração, sem a qual jamais agradarei a Deus.
6. Não me cansarei de combater minhas paixões, começando pela dominante, e para lhes destruir mais rápido voltarei contra elas todas as armas espirituais: a vigilância sobre meu coração e sobre meus sentidos, o exame quotidiano, a contrição e a penitência depois de cada queda, a leitura, a meditação, a freqüência usual ao Santíssimo Sacramento, as orações fervorosas, enfim, a invocação dos santos, que se destacaram na virtude oposta ao vício que quero destruir.
 7. Principiarei todas as ações na presença de Deus, unindo-as às de Jesus Cristo, mesmo aquelas que me sejam agradáveis, como o beber e o comer, o repouso, as recreações e divertimentos. Vigiarei que a sensualidade e o amor próprio não me roubem o mérito, mas que seja santificado por coisas sobrenaturais.
8. Na conversação falarei com muita prudência, para não falar muito, e para não ficar calada, que possa ferir a verdade, a caridade, e a modéstia; e se outros começarem conversas contrárias a essas virtudes, que não possa evitar ou impedir, eu farei ao menos com meu olhar um imperioso respeito, e pelo silêncio o desprazer que tenho nisso.
9. Lembrar-me-ei sobretudo das promessas que fiz no dia de meu casamento perante a Igreja e das obrigações ali contraídas. Guardarei inviolavelmente a fidelidade devida a meu marido e evitarei todas as familiaridades com as pessoas de outro sexo. Deus me guarde de estar jamais a sós com outro homem, por mais sábio que pareça, num local ermo; não terei amigos que não sejam pessoas virtuosas.
10. Se a Providência me favorecer dando-me filhos, eu lhes protegerei como uma dádiva preciosa do céu, que Deus cobrará um dia de minhas mãos. Terei cuidado de lhes dar uma educação muito cristã, e longe de fazer qualquer frivolidade em suas presenças tratarei de lhes imprimir o respeito que os filhos devem a seus pais.
11. Nenhuma familiaridade com meus domésticos; mas lhes tratarei com clemência, e, dando-lhes bom exemplo, exortando-os á virtude, em lhes reprimir todas as ocasiões criminosas, tratarei de salvar ou de santificar minha casa.
12. Considerarei sempre a mentira como a obra-prima do diabo, e como uma peste na sociedade.  Eu me guardarei de sentir-me culpável. Se Deus pede uma conta rigorosa de cada palavra que é proferida, quanto mais das mentiras.
13. Longe de mim todo ar de grandeza e de altivez; mas serei grave e modesta para todos, honesta, doce, afável, e polida com os grandes e os pequenos.
14. Aceitarei todas as penas e aflições da mão de Deus, unindo-as aos sofrimentos de Jesus Cristo; não comentando isto a não ser a Jesus e a meu confessor.
15. Jamais falarei demasiado em meu proveito, ou daquele que me olha, e se alguém me elogiar eu lhe reportarei a Deus, bem persuadida que todos os bens da natureza e da graça que tenho recebido, mesmo aqueles da fortuna, se me pertencem não vêm senão dEle, e que, no fundo, eu tenho de nascimento o pecado e as más inclinações.
16. Todos os momentos da vida dados para minha salvação eu lhes empregarei segundo as vias de Deus.  Assim, longe de mim os vestidos escandalosos e longos, visitas perniciosas e inúteis.  Terei os divertimentos convenientes á minha idade; nunca terei o gozo das maneiras que me sejam nocivas, mas somente para descansar meu espírito e meu corpo, a fim de lhes deixar mais capazes de servir a Deus com mais ardor. Todo o resto do tempo será reservado às ocupações úteis. Minha piedade não será pouco sociável nem sombria, mas grave e agradável. Eis aí, Jesus Cristo, meu divino Senhor, as resoluções que Vós me destes a graça de me inspirar. Eu Vos ofereço com meu coração. Abençoai e concedei-me os socorros necessários para lhes colocar em prática. Assim seja". [2]







[1]               A Ordem da Cruz Estrelada, instituto religioso leigo no qual ingressou a arquiduquesa Leopoldina sob inspiração da Condessa Lazansky, camareira-mor da quarta esposa do pai dela, Francisco I.
[2]  Texto extraído do livro "A Imperatriz Leopoldina", de Carlos Oberaker

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

COMO ESTAR COM DEUS


É comum as pessoas afirmarem expressões como “estar com Deus”, “Deus será a minha proteção”, “O Senhor está comigo”, etc. Até na liturgia católica há uma resposta à invocação do Sacerdote, na Missa, que diz “O senhor esteja convosco”, a qual se responde assim: “Ele está no meio de nós”. A afirmação pressupõe uma coisa muito elementar, a de que Deus sempre está presente nos acontecimentos. Mas, também a de que Deus somente está ao lado das pessoas que Ele ama, ou que seja uma boa pessoa. Então Deus não estaria ao lado dos maus, por exemplo, ou de quem pratica pecados e O ofende. Se “Ele está comigo”, nada tenho a temer.
Mas, será verdade que Deus realmente está presente na vida de todo e qualquer cristão, ou mesmo de qualquer ser humano, cristão ou pagão?
Vamos analisar em detalhes esta questão.

1.    Deus age por causas segundas

Esta verdade, defendida originalmente por São Tomás de Aquino[1], é uma questão pacífica entre teólogos. Quer dizer, ninguém a contesta. Então, segundo esta afirmação tudo o que Deus faz é sempre através de Suas criaturas, Ele nunca age diretamente. E a ação divina é prioritariamente feita através daquele mais próximo, isto é, preferentemente Ele inspira um homem a agir sobre outro homem, um Anjo sobre outro Anjo, ou, um superior mais próximo sobre um inferior. A ação divina mais perfeita, segundo este princípio de agir por causas segundas, seria Ele usar de um Santo que está no Céu para interceder a favor de um homem. Ou então de um Anjo. Mas, sempre procurando fazer com que chegue até determinado homem a Sua ação através daquele mais próximo dele, até mesmo por intermédio de outro homem que ainda vive. Um dos exemplos mais marcantes deste princípio foi a ação dos Anjos, em nome de Deus, na libertação do povo hebreu sob o comando de Moisés. Os intercessores daquele povo eram Moisés e os Santos Anjos, sendo que estes últimos atuavam mais eficazmente na operação de milagres. Então, quem opera mais eficazmente em nome de Deus é aquele que está mais próximo tanto de Deus quanto do que recebe a ação.

2.    Como Deus habita em nós

A) de forma “natural”

Segundo São Tomás de Aquino, Deus está em nós, naturalmente falando, de três maneiras diferentes:
- por potência  (todas as criaturas estão sujeitas a seu império);
- por presença (por causa de sua onipresença) e
- por essência (porque opera em toda parte e em toda parte Ele é a plenitude do ser e causa primeira de tudo).
Estas três maneiras são as mesmas com que Deus também está não só nos homens, mas em toda a criatura, sendo que nos homens está de uma forma especial por sermos sua imagem e semelhança. Assim está Ele também em qualquer homem, quer seja pagão ou cristão, pecador ou não, até mesmo entre os condenados no inferno. Mas, esta forma de posse é própria da Pessoa do Pai, Criador de todas as coisas e de todos os homens. Há necessidade de que as outras três Pessoas Divinas também habitem em nós.

B) pela lei da Graça

A Santíssima Trindade faz-se presente na alma humana, transmitindo-lhe a vida divina: o Pai vem a nós e continua em nós a gerar o Filho; com o Pai recebemos o Filho em nosso interior, e como fruto do amor de ambos recebemos o Espírito Santo. Fazem as três pessoas divinas sua morada em nossa alma e nos adotam como filho: se acolhemos, pois, em nossa morada o nosso Criador, Redentor e Santificador, transmitem-nos assim participação na vida divina.
O mesmo São Tomás de Aquino também explica como se dá esta outra forma com que Deus habita em nosso interior:

“Acima do modo comum, pelo qual Deus habita em toda criatura, há um modo especial, por que Ele habita exclusivamente na criatura racional, e é como o conhecido está naquele que conhece, e o amado no amante.
“Mas, como a criatura que conhece e ama (trata-se do conhecimento pela fé e do amor pela caridade) alcança a Deus mesmo na sua operação, resulta disso que Deus, por este modo de presença, não só está presente na criatura, mas nela habita, como em um templo” [2]

Como, então, estando Deus em nosso interior precisamos nos dirigir a Ele? Exatamente porque Ele exige que sempre O busquemos através das causas segundas, usando de Seus intercessores entre nós e Ele. Se precisamos de Seu auxílio o melhor meio é procurá-lo entre aqueles que estão entre nós e Ele: nossos superiores aqui na terra e os Santos e Anjos no Céu.
 De outro lado, Deus em Suas três Pessoas Divinas não se satisfaz em morar em nosso interior apenas da forma natural, como fomos criados, mas principalmente da maneira sobrenatural. A forma natural reflete apenas a ação do Pai, porém temos que ter a posse não somente do Pai, mas também do Espírito Santo e do Filho. Ele pede que façamos uma ascese em Sua busca para sermos perfeitos e felizes como Ele.

3.    O juízo de nós mesmos, ou exame de consciência, condição para que atue em nós a Santíssima Trindade

Inicialmente, a fim de que possamos conseguir a posse completa da Santíssima Trindade em nós, comecemos por fazer um exame de consciência. O que é o exame de consciência, uma  auto-análise ou auto-julgamento? É uma espécie de juízo de si mesmo.
Uma das regras de convívio social mais antiga que há entre as ordens religiosas da Igreja é o famoso Capítulo de Culpas. Trata-se da acusação dos defeitos que cada monge faz perante seus confrades, reconhecendo-se culpado e prometendo emenda. Caso o capitulado se esqueça de alguma de suas faltas, ou queira omiti-la por qualquer motivo, um outro monge pode acusá-las perante a assembléia.
Esta regra é como que um ensaio do juízo de Deus sobre nós, pois no Capítulo se aceita de bom grado ser julgado pelo seu semelhante, o que ocorrerá no Juízo Final, pois Nosso Senhor julgará a todos como Homem e não como Deus. No entanto, a Regra não permite que sejam ali desvendados pecados graves sujeitos ao tribunal da consciência no Confessionário, mas apenas as faltas comuns do dia a dia, falta de cumprimento de obrigações, e outras oriundas apenas do convívio fraterno na comunidade.
No Capítulo, o monge aprende a sofrer julgamento dos demais, assim como aprende também a exercer seu juízo sobre outros de uma forma caritativa e formadora do caráter da ascese espiritual. Na ocasião não tem lugar o respeito humano ou qualquer tipo de susceptibilidade que temos diariamente sempre que vemos nossos defeitos aparecer perante os outros. E, no final, a virtude que resplandece é a da humildade.
É como se a comunidade estivesse fazendo um “exame de consciência” de si mesma através do capítulo de culpa de seus membros. Isso que as ordens religiosas da Igreja utiliza como forma de auto-regência de seus membros nada mais é do que a extensão do exame de consciência praticado individualmente por cada um para o âmbito coletivo..


O exame de consciência

Consciência – Segundo Royo Marin, a palavra “consciência” parece provir do latim “cum scientia”, isto é, “com conhecimento”. Cícero e Tomás de Aquino lhe dão o sentido de “consciência comum com outros: “Unde conscire dicitur quase simul scire” (Santo Tomás, De veritatis, 17.1).
Realmente pode tomar-se em dois sentidos principais:
a)    Para expressar o conhecimento que a alma tem de si mesma ou de seus próprios atos. É a chamada “consciência psicológica”. Sua função é testificar, e inclui o sentido íntimo e a memória;
b)    Para designar o juízo do entendimento prático sobre a bondade ou maldade de um ato que temos realizado ou vamos realizar. É a chamada “consciência moral”.
A seguir, define o que seja a natureza da consciência moral nestes termos:
Natureza . A consciência moral pode definir-se: o dictamen ou juízo do entendimento prático acerca da moralidade de um ato que vamos realizar ou temos já realizado, segundo os princípios morais.[3]
Ainda no mesmo tratado de Royo Marin, ele diz que a consciência não é uma potência (como o entendimento ou um hábito como a ciência), mas um ato produzido pelo entendimento por intermédio do hábito da prudência adquirida ou infusa. Consiste este ato em aplicar os princípios da ciência a algum fato particular e concreto que realizamos ou vamos realizar. Define ele a consciência como verdadeira quando “é de si a única regra subjetiva e próxima dos atos humanos”, porque nessa classe de consciência reside o único e verdadeiro dictamen da lei eterna, origem e fonte de toda moralidade. Como a lei divina não suprime, mas confirma a lei natural, toda consciência verdadeira é também conforme esta última. Examinar a consciência é, pois, confrontar os atos que praticamos com o que conhecemos da lei divina ou natural e deduzir se fomos fiéis ou não a tais leis. Para que isto seja feito é necessário que haja “conhecimento” prévio destas leis, daí chamar-se “exame de consciência”, quer dizer, verificar o que praticamos em função do que sabemos sobre a moralidade de nossos atos e atribuir a cada um  deles um grau de gravidade perante o que diz a Lei. Trata-se, pois, de um juízo de si mesmo, um ato de co-regência feito com auxílio da Graça, pois necessitamos desta para iluminar a nossa alma e secundar a natureza de nossas ações.

4.    Complementar o exame de consciência com Confissão e Comunhão

De nada adianta fazer o exame de consciência se a pessoa não prosseguir nos passos seguintes após o mesmo. Há necessidade de expor ao Sacerdote todos os seus pecados, tudo aquilo que seu juízo interior lhe fez ver como mau e ofensivo a Deus, exigindo-se assim que um representante do próprio Deus seja nosso coadjutor neste juízo (que é divino agora), inclusive com a pronúncia de uma sentença, absolvição ou não de nossas faltas. Avança-se, desta forma, mais um passo em direção de uma regência perfeita de si mesmo, buscando a co-regência do Confessor, representante legítimo de Deus entre os homens. Por que? Porque temos necessidade da presença de um juiz humano que, juntamente conosco, exerça o poder de julgar sobre nosso procedimento, sobre nossas ações. O homem nunca conseguirá. sozinho, ser perfeito juiz de si mesmo enquanto viver neste mundo, haverá sempre necessidade de um outro juiz, sendo este sempre outro homem. Embora a Doutrina Católica afirme que a sentença dada pelo Sacerdote é do próprio Cristo, que usa o confessor como instrumento, no entanto também é verdade que este instrumento foi útil para que se exerça a regência sobre o homem ali presente. O próprio Jesus Cristo nos julgará na eternidade como Homem, segundo diz São Tomás de Aquino.
E, também, não ficaria completo tal procedimento se a pessoa não realizar uma Comunhão, se não receber o próprio Cristo, em corpo, sangue, alma e divindade, na Hóstia Consagrada. Algumas das razões são estas:
A)   No ato do auto-julgamento ou juízo de si mesmo (o exame de consciência), a pessoa está sob influência e regência do Pai Eterno, que nos inspira a melhor forma de fazê-lo;

O Padre Eterno, a primeira revelação divina no templo da alma

As manifestações de Deus Pai, no Novo Testamento, sempre mostram uma relação de afeto e veneração com o Filho e revelada aos homens. Manifestou-se no batismo de Jesus (Mt 3, 17), dizendo: “este é o meu Filho amado em quem pus minhas complacências”, frase repetida na Transfiguração sobre o Monte Tabor (Mt 17, 5), parecendo ter sido estas as únicas vezes em que Deus Pai se manifestou publicamente para dar testemunho de Jesus. Aliás, tais cenas revelam uma manifestação da Santíssima Trindade e não só do Pai Eterno.
Nosso Senhor disse que tudo o que fazemos ou o que imaginamos, tudo o que pensamos, enfim, é segredo do Pai (Mt 6, 1-4). Por isso, recomenda orar ao Pai em segredo (Mt 6,6 e 6, 18), pois não serão nossos gestos ou palavras que O farão nos ouvir (Mt 6,7-8).  O Pai perdoa a quem perdoa  (Mt 6, 14/15) e só nos concede coisas boas (Mt 7, 11).  Por fim, só entrará no reino dos céus quem faz a vontade do Pai (Mt 7, 21).
A ação de Deus Pai (que, aliás, é sempre conjunta com as outras duas pessoas divinas, pois todas Elas agem ao mesmo tempo) se circunscreve sempre ao interior mais profundo das almas. E da mesma forma procede do Pai as revelações mais importantes, pois é Ele quem revela (a Sabedoria) aos pequeninos e as esconde aos “sábios”  (Mt 11,25).   Foi Deus Pai quem revelou a São Pedro o caráter divino da natureza de Jesus (Mt 16, 17): “Não foi a carne e o sangue que to revelou, mas meu Pai que está nos céus”,
De outro lado Pai e Filho têm tal união que se completam, pois “ninguém conhece mais o Pai do que o Filho” (Mt 11, 26-27) e vice-versa. Assim também como todas as coisas que são reveladas, inclusive a própria revelação feita a São Pedro, Ele o faz através do Filho, e é o Filho quem revela o Pai (Mt 11,27).
Enfim, Deus Pai se revela no interior de seus filhos verdadeiros, trata-se da luz primeira, dos primeiros conhecimentos que o homem tem em seu interior sobre Deus. Esta imagem primeira, estes sinais mais recôndito de Deus, o homem o encontrará dentro de sua própria alma. Para tanto basta que use a “luz da razão” e consulte sua consciência..
Aquele, pois, que procurar obscurecer sua própria luz da razão e apagar em seu interior a imagem de Deus, estará destruindo o templo divino e, como conseqüência, construindo o de satanás em seu lugar. É um homem morto não só para a vida da Graça, mas até mesmo para a vida natural para a qual foi também criado.
O nome de Pai é mais apropriado a Deus do que o nome de Deus, conforme escreveu São Cirilo de Alexandria:
“O Filho não manifestou o nome do Pai apenas revelando-o e dando-nos uma instrução exata sobre a Sua divindade, uma vez que tudo isso tinha sido proclamado antes da vinda do Filho, pela Escritura inspirada. O Filho também nos ensinou, não só que Ele é verdadeiramente Deus, mas que é também verdadeiramente Pai, e que é assim verdadeiramente chamado, pois tem em Si mesmo e produz para fora de Si mesmo o Filho, que é co-eterno com a Sua natureza.
O nome de Pai é mais apropriado a Deus do que o nome de Deus: este é um nome de dignidade, aquele significa uma propriedade substancial. Porque quem diz Deus diz o Senhor do universo. Mas quem nomeia o Pai específica a característica da pessoa: mostra que é Ele que gera. Que o nome de Pai é mais verdadeiro e mais apropriado que o de Deus mostra-no-lo o próprio Filho pelo modo como o usa. Pois Ele não dizia: «Eu e Deus», mas: «Eu e o Pai somos um» (Jo 10, 30). E dizia também: «Foi a Ele, ao Filho, que Deus marcou com o Seu selo» (Jo 6, 27).
Mas, quando mandou os seus discípulos batizarem todos os povos, ordenou expressamente que o fizessem, não em nome de Deus, mas em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28, 19)”..[4]
É comum nos depararmos com este paradoxo: não conhecemos e nem sequer sabemos onde encontrarmos a nossa própria intimidade, o âmago de nossa própria alma. Se não sabemos nem sequer onde se encontra o âmago, o mais profundo das cogitações de nossa alma, como podemos, pois, saber onde se encontra também o próprio Deus dentro de nós?  O homem desconhecendo a si mesmo, não sabendo quem ele realmente é, também não poderá conhecer seu Criador.

“Na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14, 2)

O que significa a expressão “Casa do meu Pai?”. Trata-se do Templo de Deus. Foi assim que Ele se expressou ao expulsar os vendilhões do Templo de Jerusalém: “Está escrito: a minha casa é uma casa de oração e vós fizestes dela um covil de ladrões” (Lc 19, 45-46). A Casa de Deus, o Templo de Deus e as moradas celestes são a mesma coisa, embora o Templo citado acima diga respeito ao edifício de Jerusalém. E, no entanto, diz-se que o Templo de Deus encontra-se no interior do homem; à semelhança de como está Ele também no céu, encontra-se no coração e na alma do homem. Vale a mesma afirmação para o coração, este interior profundo do homem, que sendo templo de Deus deve ser antes de tudo “casa” de oração.
Existem várias passagens no Evangelho em que Nosso Senhor fala das moradas, ora referindo-se às moradas celestes, ora às do interior do homem. Por exemplo: “Na casa de meu pai há muitas moradas. Se assim não fosse, eu vo-lo teria dito. Vou preparar o lugar para vós. Depois que eu tiver ido e vos tiver preparado o lugar, virei novamente e tomar-vos-ei comigo para que, onde eu estou, estejais também vós” (Jo 14, 2-3). E mais adiante: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos nele morada”  (Jo 14, 23).
A morada pode ser entendida como um lugar geralmente destinado a acolher pessoas de uma forma permanente. Assim como as moradas celestes são destinadas a acolher os bem-aventurados por toda a eternidade, as moradas de Deus no nosso interior são destinadas a acolhê-Lo com o fim de adorá-Lo, reverenciá-Lo, obedecê-Lo, prestar-Lhe culto, etc, isto tudo de uma forma permanente, com intenções de tornar-se eterna na outra vida. Desta forma, as moradas celestes, a que se referia Nosso Senhor nas passagens acima, queria dizer tanto os lugares destinados aos bem-aventurados na outra vida quanto as moradas que existem no interior de nossa alma. No Céu, são os tronos celestes para o descanso eterno de nossa alma, e em nós são as moradas interiores para que nelas Deus reine e seja adorado.
Da mesma forma, o fato de Nosso Senhor dizer que são muitas as moradas, quer também significar a grande diversidade de vida espiritual que cada um pode ter para se chegar até Deus, ou, como são diversas as batalhas para conquistá-las até chegar a Ele. Neste sentido também, existem tanto as moradas celestes quanto as de Deus no interior de nossa alma. Nosso interior pode ter, neste sentido, dois grandes castelos senhoriais: um destinado a ser templo de Deus e outro destinado à Sua morada. Melhor ainda, a mesma morada pode servir ela mesma de templo. Aliás, uma só, não, várias moradas, como disse o próprio Nosso Senhor. Assim, mesmo tendo Deus Pai em nosso interior como luz primeira de nossa existência, precisamos preparar uma morada para Deus Filho e o Espírito Santo. São Paulo disse: “Por essa causa dobro os meus joelhos diante do Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, do qual toda a família, quer nos céus, quer na terra, toma o nome, para que, segundo as riquezas de sua glória, vos conceda que sejais corroborados em virtude, segundo o homem interior, pelo seu Espírito, e que Cristo habite pela fé nos vossos corações, de sorte que, arraigados e fundados na caridade, possais compreender, com todos os santos, qual seja a largura e o comprimento, a altura e a profundidade; e conhecer também o amor de Cristo, que excede toda a ciência, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus”  (Ef 3, 14-19)
Qual a finalidade das moradas celestes? Dar descanso, gozo e paz (descanso não só como fim de nossas tribulações, mas como êxtase nas coisas de Deus; gozo dos bens eternos e paz que é fruto da tranqüilidade da ordem), pois esta é a finalidade de toda morada. E permitir à contemplação do Eterno sem qualquer obscuridade de nosso  espírito humano.
 Por causa disso, as moradas celestes devem ser compostas de substâncias espirituais e corporais próprias do Empíreo (destinadas a acolher também as propriedades do corpo ressurreto: translucidez, sutileza, agilidade, ubiqüidade etc.), além de dons, virtudes e graças para sustentar, alimentar e engrandecer corpo e alma.  Os quais foram necessários à ascese na terra de uma forma imperfeita quanto ao nosso uso, mas perfeitíssimos no céu por causa de estarmos imersos em Deus.
Temos no interior de nossa alma os reflexos das celestes moradas de Deus, as quais se tornam realidade com a vinda da Santíssima Trindade para morar em nós.  Assim, Deus pode morar em nosso interior de uma forma natural, como reflexo de Suas perfeições (somos imagem e semelhança de Deus) e também de uma forma completa através da ascese. Nós somos também uma morada de Deus no verdadeiro sentido da palavra, como citamos acima (Jo 14, 23).
Como, então, poderemos chegar às moradas divinas existentes no interior de nossa alma? Veremos que devemos travar numerosas e renhidas batalhas para o mister. Devemos seguir não somente o Decálogo, mas os conselhos evangélicos e andar nos passos de Nosso Senhor.. E neles vamos encontrar a fórmula que fará com que o próprio Nosso Senhor venha fazer em nós a Sua morada e nos leve para a Morada d’Ele:
“Depois que eu tiver ido e vos tiver preparado o lugar, virei novamente e tomar-vos-ei comigo para que, onde eu estou, estejais vós também. E vós conheceis o caminho para ir onde vou” (Jo 14, 3-4):
Pelo que se viu acima, somente iremos depois que Nosso Senhor foi, e somente iremos para o lugar que Ele nos preparou juntamente com Ele mesmo. Da mesma forma, só iremos com Ele depois de “conhecer o caminho” que Ele também já trilhou (quer dizer, o da Cruz e da santificação);
Como é este caminho? Ele mesmo o responde: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vai ao Pai senão por mim”  (Jo 14, 6). Para se ir ao Pai (portanto, para as moradas celestes) tem-se primeiro que seguir o caminho (que é a Cruz), a verdade (que é a Fé) e a vida (que é o amor a Deus, a caridade), e tudo isto ninguém o fará se não for por intermédio de Nosso Senhor Jesus Cristo.

B)   No ato da Confissão (exposição ao Confessor dos fatos vistos no exame de consciência como pecados e conseqüente arrependimento e absolvição) quem opera é o Divino Espírito Santo, responsável pela nossa santificação e, portanto, auto-regência;

Através do exame de consciência fazemos um auto-julgamento, mas é na Confissão que cumprimos a vontade de Deus, submetendo-nos à justiça divina por intermédio do confessor. É um “tribunal” tão poderoso, o da confissão, que, após o mesmo, todos aqueles pecados são apagados da alma, é como se nunca tivessem sido cometidos. O perdão é total. Ninguém vai ainda ser argüido no Juízo após a morte sobre aqueles declarados ao confessor e absolvidos, pois naquele momento a pessoa já foi submetida a seu julgamento, que é divino, pois Nosso Senhor Jesus Cristo deu este poder aos sacerdotes.

C)   Por fim, está nossa alma pronta pare receber a Terceira Pessoa da Santíssima, o Filho, na forma da Hóstia Consagrada, completando assim a total regência da Trindade Santíssima em nós.

Feito isso, está perfeita a regência divina em nós. Deus reina completamente em nosso coração pela presença da Trindade Santíssima. O templo divino, presente em nosso coração, vai a partir daí encontrar-se completamente ocupado pela Santíssima Trindade, não apenas nas formas naturais, como visto acima, mas sobrenatural, fazendo-nos partícipe da vida divina pela Graça e posse do mesmo Deus. Deus Pai nos inspirou e nos regeu quando fizemos o exame de consciência; Deus Espírito Santo também nos regeu na hora da Confissão, cumprindo assim a vontade divina; finalmente, a regência se completou com a posse do Verbo Encarnado, o Filho de Deus Verdadeiro, ao recebê-Lo na forma Eucarística, na comunhão sacramental. Está completa a regência da Santíssima Trindade em nós.

A terceira vinda de Cristo

É desta forma que se conclui a terceira vinda de Cristo, imaginada por São Bernardo:
“Virá a nós a palavra de Deus.
Sabemos de uma tripla vinda do Senhor. Ademais da primeira e da última, há uma vinda intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta não. Na primeira, o Senhor se manifestou na terra e conviveu com os homens, quando, como o afirmou Ele mesmo, O viram e O odiaram. Na última, todos verão a salvação de Deus e verão ao que traspassaram. A intermediária, em troca, é oculta, e nela somente os eleitos vêem o Senhor no mais íntimo de si mesmos, e assim suas almas se salvam. De maneira que, na primeira vinda o Senhor veio em carne e debilidade; nesta segunda, em espírito e poder; e, na última, em glória e majestade.
Esta vinda intermediária é como uma estrada por onde se passa da primeira para a última: na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; nesta, é nosso descanso e nosso consolo.
E para que ninguém pense que é pura invenção o que estamos dizendo desta vinda intermediária, ouvi-o a Ele mesmo: o que me ama – nos disse – guardará minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos a ele. Li em outra parte: O que teme a Deus obrará o bem; mas penso que se disse algo mais daquele que ama, porque este guardará sua palavra. E onde vai guardá-la? No coração, sem dúvida alguma, como disse o Profeta: Em meu coração escondo teus conselhos, assim não pecarei contra ti.
Assim é como hás de cumprir a palavra de Deus, porque são ditosos os que a cumprem. É como se a palavra de Deus tivesse que passar pelas entranhas de tua alma, teus afetos e tua conduta. Faz do bem tua comida e tua alma desfrutará com este alimento substancioso. E não esqueças de comer teu pão, não ocorra que teu coração se torne árido: pelo contrário, que tua alma repouse completamente satisfeita.
Se é  assim como guardas a palavra de Deus, não cabe dúvida que ela te guardará a ti. O Filho virá a ti em companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém, O que o faz todo novo. Tal será a eficácia desta vinda, que nós, que somos imagem do homem terreno, seremos também imagem do homem celestial. E assim como o velho Adão se difundiu por toda a humanidade e ocupou ao homem inteiro, assim é agora necessário que Cristo o possua todo, porque Ele o criou todo, o redimiu todo, e o glorificará todo”.[5]

5.    “Estar com Deus” é o mesmo que estar em estado de graça

Concluímos então que para que possamos afirmar categoricamente que “estamos com Deus” ou que “Deus está conosco” em sua forma perfeita é necessário que nos encontremos em perfeito estado de graças. De outro modo, Deus somente estará conosco naquelas formas naturais como vimos acima, a mesma que está em toda e qualquer criatura.








[1] Summa Q XXII Art III e IV
[2] Suma Teológica I, Q XLIII, a. 3
[3] V. “Teologia Moral para Seglares – Moral fundamental e especial – BAC,  vol I – págs. 156/158
[4] São Cirilo de Alexandria (380-444), bispo e Doutor da Igreja Comentário ao evangelho de João, 11, 7; Pg 74, 497-499 (a partir da trad. Delhougne, Les Pères

[5] Dos sermões de São Bernardo, Sermão 5 no Advento do Senhor, 1-3; Opera Omnia, edições cistercienses, 4, 1966, 188-1905

DADOS SOBRE A VIOLÊNCIA URBANA E A CULPA DO PT


– A recente pesquisa sobre violência demonstrou que onde ela mais impera é na região dominada pelo PT, o Nordeste, com a Bahia tendo o maior índice. Como se sabe o PT domina a Bahia a mais de 10 anos. No tempo de ACM a situação lá era diferente.
Quase ao findar o ano de 1983, Dr. Plínio Corrêa de Oliveira publicou na "Folha de São Paulo" um artigo intitulado "Quatro Dedos Sujos e Feios", onde analisava a forma misteriosa como ele via a esquerda se transformar na violência urbana que crescia assustadoramente. Passados tantos anos, vê-se hoje como aquelas previsões se cumprem, como se diz, "ao pé da letra". Após lê-lo, convém analisar como anda a violência urbana no Brasil, especialmente a partir dos últimos acontecimentos do Rio. A fim de ressaltar onde se encontra o cerne de tais acertos, coloquei em negrito os trechos principais:

Quatro Dedos Sujos e Feios

Por: Plínio Corrêa de Oliveira
“A perplexidade se dá bem com macias cadeiras de couro, nas quais o homem sente afundar-se gostosamente. É que há certa analogia entre estar atolado em questões perplexitantes, e em poltronas de molas macias. O homem perplexo, afundado em couros, fica atolado tanto de corpo como de alma, o que confere à situação dele essa unidade que nossa natureza pede insistentemente, a todo propósito.
É verdade que tal unidade não vai aí sem alguma contradição. As perplexidades constituem para a mente um atoleiro penoso. Um purgatório. Por vezes quase um inferno. Pelo contrário, os couros e as molas proporcionam ao corpo cansado um atoleiro delicioso, reparador. Mas essa contradição não fere a unidade. E diminui o tormento do homem, em vez de o acrescer.
Para prová-lo ao leitor, bastaria a este imaginar quão pior seria a situação de um homem perplexo, sentado num duro banco de madeira...
Ocorreu-me isto tudo ao recordar que, numa noite destas, chegado ao termo o jantar, resolvi refletir sobre a situação nacional, atoleiro no sentido mais preciso e sinistro do termo. E para isto me afundei instintivamente em uma profunda e macia poltrona de couro. Comecei então a pensar...
A ronda macabra dos vários problemas pátrios, ideológicos, sociais e econômicos, começou a dançar em meu espírito. A fim de ver claro, eu procurava deter a feia ciranda, de modo a analisar, uma por uma, as várias questões que a formavam. Mas estas pareciam fugir a toda avaliação exata, executando cada qual, diante de meus olhos por fim fatigados, um movimento convulsivo à maneira do "delirium tremens". Pertinaz, eu insistia. Mas elas, não menos pertinazes do que eu, aumentavam seu tremor, e de repente retomavam em galope sua ciranda.
Febre? Pesadelo? O certo é que me senti subitamente em presença de um personagem muito real, de carne e osso...
E eu, que tinha intenção de comunicar aos leitores o resultado de minhas lucubrações, fiquei reduzido a contar-lhes o que este personagem me disse.
O tal homem a-temporal me tratava de você, com uma certa superioridade que tinha seu tantinho de irônico e de condescendente. E, pondo em riste o indicador curto e pouco limpo da mão direita, como para me anunciar uma primeira lição, sentenciou: "Saiba que eu, o comunismo, fracassei neste sossegado Brasil. O PC é aqui um anão que dá vergonha. Por isso, evito de o apresentar sozinho em público. O sindicalismo não me adiantou de nada. Possuo muitos de seus chefes, mas escorre-me das mãos o domínio sobre suas bases bonacheironas ("pacifistas", diria você). Entrei pelas Cúrias, pelas casas paroquiais, seminários e conventos. Que belas conquistas eu fiz. Mas ainda aí prosperei nas cúpulas, porém a maior parte da miuçalha carola me vai escapando. Noto, Plinio, sua cara alegre ante minha envergonhada confidência. Você me reputa derrotado. Bobão! Mostrar-lhe-ei que tenho outros modos de progredir.
— Você duvida?
— Sim, eu duvidava.
Então ele levantou teatralmente, ao lado do dedo indicador, o dedo médio, um pouco mais longo e não menos rejeitável. E entrou a dar sua segunda lição.
"Começarei por um sofisma. Farei o que você não imagina: a apologia do crime. Sim, direi por mil lábios, através de mil penas, milhões de vídeos e de microfones, que a onda de criminalidade, a qual tanto assusta os repugnantes burgueses, raramente nasce da maldade dos homens. Nas tribos indígenas, os crimes são mais raros do que entre os civilizados. O que quer dizer que o crime nasce entre nós das convulsões sociais originadas da fome. Elimine-se a fome, desaparece o crime. Como, aliás, também a prostituição.
"Quem você chama de criminoso é uma vítima. Sabe quem é o criminoso verdadeiro? É o proprietário. Sobretudo o grande proprietário. Principalmente este é que rouba o pobre.
"Enquanto um ladrão de penitenciária rouba um homem, o proprietário rouba um povo inteiro. Seu crime social é de uma maldade sem nome!"
O delírio leva a muita coisa. Pensei em expulsar o jactancioso idiota. Mas o comodismo me manteve atolado em minha poltrona. Furibundo e inerte, deixei-o continuar.
Ele levantou o dedo anular, feio irmão dos dois que já estavam erguidos. E prosseguiu.
"Há mais uma "seu" Plinio. À vista de tudo quanto eu disse, um governo consciente de suas obrigações tem por dever desmantelar a repressão e deixar avançar a criminalidade. Pois esta não é senão a revolução social em marcha. Todo assassino, todo ladrão, todo estuprador não é senão um arauto do furor popular. E por isto farei constar ao mundo inteiro que a explosão criminal no Brasil está sendo caluniada por reacionários ignóbeis. A criminalidade é a expressão deste furor justamente vindicativo das massas, que os sindicatos e a esquerda católica não souberam galvanizar."
Suspendendo o minguinho, miniatura fiel dos três dedos já em riste, meu homem riu. "Farei entrar armas no Brasil. Quando os burgueses apavorados estiverem bem persuadidos de que não há saída para mais nada, suscitarei dentre os que você chama "criminosos", um ou alguns líderes, que saberei camuflar de carismáticos. E farei algum bispo anunciar que, para evitar mal maior, é preciso que os burgueses se resignem a tratar com aqueles que têm um grau de banditismo menor.
"Vejo a sua careta. Você está achando a burguesia preparada para cometer mais esse erro. Tem razão. Assim se constituirá um governo à Kerensky, bem de esquerda. O dia seguinte será do Lênin que eu escolher."
Levantei-me para agarrar o homem. Quando fiquei de pé, acabei automaticamente de acordar. Ou cessou a febre...
Escrevi logo quanto "vira" e "ouvira", pois só até poucos minutos depois da febre ou do sono, tais impressões se podem conservar com alguma vitalidade.
Leitor, desejo que elas não lhe dêem febre. Se é que, antes de terminar a leitura, elas não lhe darão sono.
Este não será, em todo caso, um tranqüilo sono de primavera. Mas estará em consonância com essa metereologia caótica dos dias aguados e feios com que vai começando novembro.
P.S. — A Polícia paulista parece hoje em reviravolta. Que diria a isto o hominho dos quatro dedos sujos? Em São Paulo, e pelo Brasil afora, que rumo tomará o buscapé da subversão? Parar, não parará...”    ("Folha de S. Paulo", 16 de novembro de 1983)

Observação: não teria sentido qualquer ligação entre o personagem do Dr. Plínio, o "homenzinho de quatro dedos sujos e feios", e o político Lula, o qual, apesar de também possuir quatro dedos numa mão (por sinal, o "minguinho"é o único que falta nele, e é um dos citados no artigo), na época do presente artigo (em 1983) nem sequer cogitava de se candidatar a presidente.