sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

SOBRE A CASTIDADE MATRIMONIAL - I

 





A castidade matrimonial é hoje muito esquecida nas famílias ou mesmo quase não se fala dela entre casais cristãos. Muitos se perguntarão se um cônjuge ainda guarda a castidade. É o que veremos nos textos abaixo. Comecemos por um texto de São Francisco de Sales:

 

1. Da honestidade do leito conjugal

 

“O leito conjugal deve ser imaculado, como o chama o Apóstolo, isto é, isento de desonestidades e outras torpezas profanas. Porque o santo matrimônio foi primariamente instituído no Paraíso terreal, onde até então nunca tinha havido nenhum desconcerto da concupiscência, nem coisa desonesta.

Há alguma semelhança entre os deleites vergonhosos e os do comer: porque ambos dizem respeito à carne, embora os primeiros, em razão de sua veemência brutal, se chamem completamente carnais. Explicarei, pois, o que não posso dizer de uns pelo que direi dos outros.

1. O comer é destinado a conservar as pessoas. Ora como o comer simplesmente, para alimentar e conservar a pessoa, é uma coisa boa, santa e prescrita; assim o que se requer no matrimônio para a geração dos filhos, e multiplicação das pessoas, é uma coisa boa e muito santa, porque é o fim principal do casamento.

2. Comer, não para conservar a vida, mas para conservar a recíproca conversação e condescendência que devemos uns aos outros, é coisa sobremaneira justa e honesta: e da mesma sorte a recíproca satisfação dos cônjuges no santo matrimônio é chamada por São Paulo dívida; mas dívida tão grande que ele não quer que uma das partes se possa dela isentar sem o livre e voluntário consentimento da outra; e isso nem mesmo para as práticas da devoção, que é o que me levou a dizer as palavras que a este respeito deixei no capítulo da Santa Comunhão (parte II, cap. XX): quanto menos, pois se poderão eximir por caprichosas afetações de virtudes, ou pelas rixas e arrufos.

3. Como os que comem pela obrigação do mútuo trato devem comer livremente, e não como por força, e ademais hão de procurar mostrar ter bom apetite; assim também o débito conjugal deve ser satisfeito fielmente, francamente, exatamente como se fosse com esperança de sucessão, ainda que por alguma circunstância não haja semelhante esperança.

4. Comer não pelas duas primeiras razões, mas simplesmente para contentar o apetite, é coisa tolerável, mas não louvável. Porque o simples prazer do apetite sensual não pode ser coisa suficiente  para tornar uma ação louvável. Basta, porém para que seja tolerável.

5. Comer, não por simples apetite, mas por excesso e desordem, é coisa mais ou menos censurável, conforme o grande ou pequeno excesso.

6. Ora, o excesso no comer não consiste somente na grandíssima quantidade, mas também no modo e maneira como se come. É caso, para notar, cara Filotéia, que o mel, tão próprio e salutar para as abelhas, lhes pode, contudo ser tão nocivo que às vezes as põe doentes, como quando comem em demasia na primavera; Porque isto traz-lhes fluxo do ventre, e algumas vezes fá-las morrer inevitavelmente, como quando estão cobertas de mel no focinho e nas asas.

Na realidade, o comércio conjugal, que é tão santo, tão justo, tão recomendável, tão útil à república, é, contudo em certos casos perigoso para os que o praticam: porque às vezes faz adoecer as suas almas gravemente com o pecado venial, como sucede com os simples excessos, e algumas vezes dá-lhes a morte pelo pecado mortal, como sucede quando a ordem estabelecida para a geração dos filhos é violada e pervertida; nesse caso, consoante o desvio dessa ordem é maior ou menor, os pecados são mais ou menos abomináveis, mas sempre mortais. Porque, como a geração dos filhos é o primeiro e principal fim do matrimônio, nunca se pode licitamente  aberrar da ordem que ele requer: embora por qualquer acidente, não possa por então levar-se a efeito; como sucede quando a esterilidade ou a gravidez atual estorvam a produção e a geração; porque nestes casos o comércio corporal não deixa de ser justo e santo, contanto que se observem as regras de geração: não podendo jamais qualquer acidente prejudicar a lei que o fim principal do matrimônio impôs.  Na verdade, a infame e execrável ação de Onan, no seu matrimônio, era detestável aos olhos de Deus, como diz o citado texto sagrado no capítulo trigésimo oitavo do Gênesis; e embora alguns heréticos do nosso tempo, mil vezes mais censuráveis que os cínicos (de que fala São Jerônimo sobre a Epístola aos Efésios) tenham querido dizer que era a perversa intenção deste malvado que desagradava a Deus, todavia a Escritura fala de outro modo, e assegura em particular que a mesma coisa que ele fazia era detestável e abominável aos olhos de Deus.

7. É uma verdadeira prova de um espírito truanesco, vil, abjeto, e infame, pensar nas iguarias e nos manjares antes do tempo da refeição, e ainda mais, quando depois dela se saboreia o prazer que se teve, comendo, tomando-o por assunto de conversas e pensamentos, e refocilando o espírito na lembrança do prazer que se sentiu ao tragar os bocados, como fazem aqueles que antes do jantar estão com o espírito preocupado no assador, e depois de jantar nos pratos; pessoas dignas de serem moços de cozinha, que fazem, como diz São Paulo, do seu ventre um deus; as pessoas honradas e dignas não pensam na mesa senão quando se sentam a ela, e depois da refeição lavam as mãos e a boca para não ficar com o gosto, nem com o cheiro do que comeram. O elefante não passa de um grande animal, mas é o mais digno que vive sobre a terra, e que tem mais instinto; eu quero dizer-te aqui um rasgo da sua honestidade: nunca muda de fêmea e ama ternamente a que escolheu, com a qual não tem coito senão de três em três anos, e isto por apenas cinco dias, e tão secretamente que nunca é visto neste ato; é, porém bem visto no sexto dia, no qual, antes de tudo, vai direito a algum rio, onde lava todo o corpo, sem querer de modo algum voltar ao rebanho antes de se ter purificado. Não são belas e honestas as qualidades deste animal pelas quais convida os casados a não ficarem presos de afeição às sensualidades e prazeres, que segundo o seu estado tiveram; mas, passadas estas, a lavar delas o coração e o afeto, e a purificar-se o mais cedo possível, para poder depois praticar com toda a liberdade de espírito as outras ações mais puras e elevadas?

Neste aviso consiste a perfeita prática da excelente doutrina que São Paulo ensina aos Coríntios: O tempo é breve, lhes diz, o que resta é que os que têm mulheres sejam como se não as tivessem. Porque, segundo São Gregório, tem uma mulher como se não a tivesse aquele que toma as consolações corporais com ela de tal maneira que por isso não é desviado das solicitudes espirituais. Ora, o que se disse do marido entende-se reciprocamente da mulher. Os que usam deste mundo, diz o mesmo Apóstolo, hão de ser como se não usassem; que todos, pois usem do mundo, cada um conforme o seu estado: mas de tal sorte que, não lhe ganhando afeição, se fique livre e pronto para servir a Deus, como se dele não usasse. É o grande mal do homem, diz Santo Agostinho, querer gozar das coisas de que só deve usar, e querer usar daquelas de que só deve gozar: devemos gozar das coisas espirituais, e das corporais somente usar; e quando o uso destas se converte em gozo, a nossa alma racional converte-se, outrossim, em alma brutal e bestial.

Creio ter dito tudo o que queria dizer, e dado a entender, sem dizer, o que queria não dizer”. [1]

 

(Extraído de “A Felicidade Através da Castidade”, -Págs. 281/283 – Desejando receber o texto integral desta obra enviar mensagem para meu e.mail juracuca@gmail.com )

 



[1] "Filotéia ou Introdução à Vida Devota" - São Francisco de Sales - págs. 347/352.

 


quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

COMO O SUJEITO DEIXA DE SER ESQUERDISTA

 



Trata-se de uma trajetória difícil de se descrever, pois cada pessoa tem uma forma diferente de pensar e de agir. No entanto, há um comportamento geral nas pessoas que as faz desistir de ser esquerdista após algum tempo: vejamos como isso pode ocorrer. Preliminarmente, alertamos que o esquerdismo é um fenômeno de minoria da população, muito comum nas classes média e alta e entre membros religiosos de certas organizações.

Dentre os indivíduos que aderem ao esquerdismo devemos classificar alguns grupos, divididos entre os passivos e os ativos, isto é, aqueles que pensam mas não agem, que são os passivos, e entre os que agem, os chamados militantes. De modo geral, no entanto, eles começam a aderir àquelas idéias ao participar de alguma atividade ou evento social durante largo tempo de sua vida, podendo ser na escola onde estuda ou em organização social e política. E o cara geralmente adere ao esquerdismo em sua juventude, às vezes até mesmo seguindo os pensamentos de parentes dentro de casa. Ele encontra alguém que lhe fala das utopias da esquerda, como seja o igualitarismo e o poder estatal superior a tudo. Se tudo é igual o Estado pode acabar com as desigualdades, começando pelo poder financeiro: é só o governo tomar conta de tudo, de todos os bens e propriedades, e está resolvida a questão da desigualdade, passando o homem a viver num mar de felicidades. Esta parece ser a idéia base do esquerdismo: a utopia da igualdade social. Em alguns deles nem sequer a falência dos regimes socialistas com a consequente miséria legada a seus povos é suficiente para renunciar a tais idéias, pois continuam cegos e fanáticos por uma utopia, um sonho irrealizável, mas que fascina. Este fascínio era comum, por exemplo, na Revolução Francesa, ocasião em que surgiram os termos "esquerda" e "direita", chegando a encher de ódio anti-igualitário a seus correligionários e assim matavam quem quer que fosse símbolo de desigualdade social.

A partir daí o sujeito começa a não somente pensar, mas agir para que esta igualdade seja imposta à toda sociedade. E pensando ser isso um grande bem o cara não somente pensa que isso é justo mas aprova passivamente quem luta por tal igualdade e, em alguns casos, passa a agir ativamente apoiando os grupos que lutam por ela. Mas, em geral, ele prega essa igualdade somente para os outros, pois não renuncia a nada de si, há casos de grandes líderes comunistas que morreram bilionários como Fidel.

No entanto, a partir de certa fase da vida do esquerdista ele começa a ter necessidade de crescer na vida, ou então de ter certa estabilidade financeira. E seu esquerdismo começa a morrer quando ele estuda para se formar ou ter uma qualificação profissional, pois é a partir daí que ele começa a progredir e tentar auferir bons salários ou rendas para ter um bom padrão de vida. Geralmente, suas idéias começam perder autenticidade e honestidade quando ele compra seu primeiro carro ou sua casa própria. E alguns até progridem mais e tornam-se empresários, como ocorre com milionários que chegaram ao topo da elite financeira. Chega então o momento de agir conforme o pensamento que o escritor francês Paul Bourget explicitou em sua obra “Le Démon du Midi”, citado por Dr. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução: - “cumpre viver como se pensa, sob pena de, mais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu”. Ele percebe que está sendo incoerente com suas idéias, pois para ser coerente, teria que renunciar aos recursos ou bens que angariou para lhe dar uma vida tranquila ou até regalada. E aí, na maioria dos casos, o sujeito, mesmo sem notar, muda de pensamento. E, naturalmente, deixa de ser esquerdista,  não para ser direitista mas simplesmente para não mais lutar pela utópica igualdade que tanto defendia em sua juventude. Trata-se de um amadurecimento que pode ocorrer ao longo da vida. E para que ele seja coerente teria que renunciar a tudo e entregar seus recursos ou seus bens ao Estado, ou à população que o circunda. Já pensou se algum dia estes milionários que financiam a esquerda decidir dividir todos seus bens com os pobres? Algum jovem de esquerda, filho de pai rico, fez algum atestado renunciando à sua herança? Seria o normal para serem coerente com o que pensam, não é verdade?

É preciso notar que estou me referindo apenas aos que deixam de ser esquerdista, pois há uma grande quantidade que, apesar de tais evidências, teimam em continuar com tais idéias até o fim de sua vida, movidos geralmente por interesses ou por alianças que fizeram com certos grupos afins a seus pensamentos. E, muitas vezes, morrem ricos defendendo a idéia da igualdade social.

 


segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

O QUE PENSAR DOS BAILES?

 





O texto  abaixo é de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira:

“Não daríamos por concluída nossa tarefa sem uma observação a respeito dos bailes.  É de toda a evidência, e até uma banalidade, que dançar não constitui, em si, um mal, mas que as circunstâncias que podem existir concretamente fazem, em geral, da dança um mal bastante grave.

Fala-se tanto - e com quanta razão! - da doçura de São Francisco de Sales. O conselho que o Santo Doutor dar a respeito da dança é concludente, e mostra como lhe pareciam perigosas as danças de seu tempo:

"Falo-vos dos bailes, Filotéia, como os médicos falam dos cogumelos; os melhores de nada valem, dizem eles; e eu vos digo que os melhores bailes não são bons. Se por qualquer motivo  de que não conseguirdes desculpar-vos, vos for necessário ir ao baile, velai por que vossa dança seja decente. Dançai pouco, e poucas vezes, pois que do contrário correreis o risco de voas afeiçoar à dança... e outras recreações  que dissipam o espírito de devoção, tornam langorosas as forças, tornam tíbia a caridade e despertam na alma mil variedades de mal afetos; eis porque é necessário  servir-se delas com grande prudência". De que maneira dançar? São Francisco de Sales o explica: "com decoro, dignidade e boa intenção". Que diria o Santo Doutor de certas danças modernas, como a "conga", em que os pares formam longos cordões pelo salão, segurando-se uns aos outros, gesticulando e gritando como crianças? Encontraria ele um meio de se dançar "com decoro" e dignidade a "conga", quando já lhe parecia isto problemático quanto ás danças suaves, artísticas e delicadas de seu tempo?

Certamente não. Muitas pessoas entendem que, porque São Francisco de Sales autorizou, em tese, que se fosse a bailes, fazendo-o embora muito a contra-gosto e cheio de apreensão, se deve com a maior liberalidade estender a quem quer que seja esta autorização. Estas pessoas tomariam o cuidado de aconselhar aos que dançam que façam uso de certos pensamentos salutares durante a dança? E teriam a coragem de aconselhar os pensamentos  que São Francisco de Sales menciona? Quais são eles?  "Pensai, diz o Santo, nas almas que ardem no inferno por causa das faltas que cometeram nos bailes; pensai nos santos religiosos que, enquanto vos divertis, cantam os louvores a Deus; pensai nos homens que no mesmo momento estão sofrendo ou morrendo; pensai em Nosso Senhor, em Nossa Senhora, nos anjos e santos que vos viram no baile, e que tiveram grande pena de ver vosso  coração distraído com tão grande tolice e atento a uma tal sensaboria;  pensai na morte que se aproxima zombando de vós, e que vos faz sinal para que entreis na dança macabra onde os gemidos substituem o violino, e onde fareis vosso trânsito da vida à morte". É interessante ler, neste sentido, a 3a. parte do capítulo XXXIII da jamais assaz louvável "Introdução à Vida Devota".

Vale para quaisquer espécie de reuniões dançantes esta importante observação que faz, em uma interessante monografia sobre "Os Católicos e as novas danças", o insigne dominicano Pe. Vuillermet, O.P., de cuja obra extraímos quase todas as nossas citações sobre danças:

"É raro que as danças frequentes e regulares se conservem como simples distração. Elas se tornam, pelo contrário, e é esta a observação de quase todos os moralistas, uma ocasião de intimidade e de encontros para pessoas que acham assim um meio fácil e aparentemente insuspeito, de dar à sua paixão um alimento de que são sempre ávidas. E mesmo quando não existe este desejo inicial, não é certo que a frequência dos mesmos encontros faz nascer a paixão, tanto mais quanto estes encontros são muitos perigosos porque prolongados? Dança-se hoje durante toda uma festa com a mesma pessoa, o que seria outrora uma grave incorreção; e, depois de ter desaparecido a primeira cerimônia, e quando a familiaridade se vai introduzindo entre o jovem e seu par, não é certo que o pudor se vai debilitando? Não se faz mais a fiscalização dos sentimentos, e insensivelmente os pensamentos e desejos que outrora teriam revoltado a consciência se aclimatam na inteligência e no coração. - Considero, pois, que estas danças frequentes com a mesma pessoa são extremamente perigosas".

Depois de considerações mais indulgentes quanto a pequenas reuniões dançantes absolutamente esporádicas e improvisadas na intimidade de uma família, que entretanto "conservam numerosos inconvenientes  que decorrem da sua natureza", o autor acrescenta a seguinte conclusão: "teoricamente a dança não é imoral... e só se pode tornar tal acidentalmente. Mas não posso negar que, na prática, o acidental seja o mais frequente. As pessoas que pecam por ocasião da dança são incomparavelmente mais numerosas do que as que não pecam. A causa deste fato está, em parte, na diminuição da Fé e no abandono  dos exercícios de piedade, e de outra parte no relaxamento dos costumes que faz com que hoje em dia se permitam, na dança, tais liberdades que é muito raro que a virtude não fracasse durante ela". Estas linhas são de 1924. Que diria o autor das danças de 1942!

Em 1924, a Europa sofria da invasão de certas danças americanas - que hoje nos parecem tão modernas - e que suscitaram entretanto inúmeras condenações da Hierarquia na França. O Cardeal Dubois, o Arcebispo de Chambéry, o Bispo de Lille, condenaram sucessivamente as danças novas. O Arcebispo de Cambrai escreve:

"O tango, o fox-trot e outras danças análogas são diversões imorais em si mesmas. Elas estão proibidas  pela própria consciência, por toda parte e sempre, anteriormente às condenações episcopais e independentemente delas".  E Bento XV, na Encíclica "Sacra prope diem" diz: "estas danças exóticas e bárbaras , recentemente importadas nos círculos mundanos, mais chocantes umas que as outras, são o que há de mais próprio para banir todos os vestígios de pudor". Muitas destas danças provinham das mais baixas camadas de indígenas americanos, e delas disse em sua Carta Pastoral Mons. Charost: "Edulcore-se quanto se queira este enxerto bárbaro, corrija-se com maior ou menor perícia seu despudor nativo. Logo que encontre um temperamento próprio, este enxerto retomará seu ardor e sua violência natural. Ele é o vírus da carne pagã penetrando em um organismo social que dezessete séculos de espiritualismo cristão e de dignidade moral haviam modelado. Ele é mais do que a revolta - de que nenhum cristão foi isento - ele é, no fundo e por tendência, a anarquia do instinto.

Das danças modernas, muitas das quais evidentemente adaptadas e importadas dos "bas-fonds" das velhas danças pagãs de negros norte-americanos, que se poderia dizer?

Quanto aos bailes infantis, porque não reproduzir aqui, como afirmação do que com tanta eloquência disseram nossos Bispos, o que escreveu Luís Veuillot? "Estes bailes infantis são, diz-se, um espetáculo encantador. Sim, para os olhos."

"Mas que triste cena, quando atendermos aos murmúrios da razão. Meninas de oito anos fazem a aprendizagem da vaidade e da faceirice; elas já são hábeis na arte do sorriso, da pose, das atitudes, das inflexões musicais da voz. Os meninos tomam porte e expressões fisionômicas variadas, segundo as indicações maternas: tomam  expressão cavalheiresca, pensativa ou importante; outros se fazem de espertos ou melancólicos, conforme lhes fique melhor. As mães aí estão radiosas. Mas a cena é feia. Percebe-se que os personagens do baile em miniatura foram profanados na flor de sua simplicidade graciosa e ingênua, desde o berço. A impressão de uma pessoa razoável, testemunhas de uma destas festas chamadas de inocência, era de que se experimenta um desejo ardente de chibatear, a torto e a direito, toda a pirralhada"  (Luís Veuillot, "L'Univers, 28.12.1858).

Para encerrar, vejamos o que a este propósito fez aquele que a Santa Igreja aponta como modelo de todos Párocos modernos.

Extraímos nossas citações da magnífica obra de Mons. H. Convert, "Le Saint Curé D'Ars et le Sacrement de Pénitence", ed. Ammenuel Vitte, 1931, pgs. 18-21).

"Tanto o interesse geral do rebanho confiado à guarda de M. Vianney quanto o de certas almas mais particularmente expostas a perder-se exigia o desaparecimento de uma tão perniciosa desordem (as danças). Ele refletiu nisto, e, desde então, se resolveu a aplicar, ao pé da letra, os princípios da Teologia Moral sobre os pecadores ocasionais e os reincidentes, com uma grande bondade, mas também com uma energia de bronze, que nada faria recuar. Ele recusou, com efeito, a absolvição, mesmo no tempo pascal, a todas as pessoas que haviam dançado, ainda que fosse uma vez, no decurso do ano; e, enquanto ele "julgava provável que elas tornariam a cair no seu pecado", afastava-as da participação nos sacramentos. Elas podiam vir confessar-se, e,  de fato, a maior parte continuava a vir; ele as encorajava, exortava-as a mudar de vida, mas não as absolvia. "Se não vos corrigis, lhes dizia, estais condenados!"

"Este procedimento, como se pode conceber, suscitou muitas recriminações; comentou-se abertamente, e de todas as maneiras, de que o Sr. Cura "não era cômodo"; comparou-se o seu método com o de seus confrades mais indulgentes; qualificou-se o Cura D'Ars de "escrupuloso, de ingrato" (no idioma da região, ingrato quer dizer aborrecido, desagradável). Certas pessoas foram confessar-se nas paróquias vizinhas; ele lhes retrucou que elas tinham ido buscar "um passaporte para o inferno". Entre si, estas pessoas o acusavam, dizendo: "Ele quer fazer com que nós prometamos coisas que não podemos cumprir; ele quereria que fôssemos santos, e isto não é muito possível no mundo. Ele quereria que nós jamais puséssemos os  pés na dança, e que jamais frequentássemos os "cabarets" e os jogos. Se tudo isto fosse necessário, jamais faríamos a Páscoa..."  Contudo, "não se pode dizer que não mais se voltará a estes divertimentos, pois que não se sabem as ocasiões que se poderão deparar". A esta argumentação interesseira, ele replicou: "O confessor, enganado, por vossa linguagem artificiosa, vos dá a absolvição, e vos diz: "Sede bem comportados! "Por mim, eu vos digo que fostes calcar aos pés o sangue adorável de Jesus Cristo, que fostes vender vosso Deus como Judas o vendeu aos seus carrascos".

"Que ganhou o Cura D"Ars com tal método? Muitos jovens de ambos os sexos ficaram excluídos dos sacramentos durante anos inteiros... É verdade. Poder-se-á pensar, poder-se-á dizer que foi um mal? De outro modo, eles os teriam recebido nula, senão sacrílegamente; eles teriam aliado as práticas da vida cristã e as desordens do coração; a paróquia teria parecido convertida, sem o estar na realidade; as pompas de Satanás estariam sempre prestigiadas, o príncipe das trevas teria ficado o verdadeiro senhor da situação.  Ora, o Cura D"Ars queria que, de seu rebanho, Jesus Cristo fosse rei sem contraste. Por Jesus Cristo ele se empenhou numa guerra de mais de vinte anos, disputando palmo a palmo o terreno ao inimigo, sacrificando na batalha seu repouso, e, mesmo transitoriamente, sua reputação, derramando seu sangue aos borbotões quase todos os dias, extenuando-se de fadigas e de jejuns. A vitória foi, por fim, completa, definitiva; a piedade e a virtude puderam florescer à vontade sobre esta terra purificada e conquistada para seu único Mestre, e ainda hoje continuamos a saborear os seus frutos.

"De resto, digamo-lo de passagem, não foi somente frente às danças que apareceu a firmeza do Cura D'Ars. "O pecador que não se rendia às suas ternas admoestações - assim depôs seu coadjutor - encontrava-o inflexível em manter as regras e esbarrava numa barreira infrangível".

Acrescenta em nota o mesmo autor: "As danças foram logo abolidas na paróquia, embora experimentasse reaparecer de longe em longe. A partir de 1832 não se fala mais delas. Mas rapazes e moças quiseram se desenfastiar indo dançar na vizinhança. Foi então, sobretudo, que o Santo se armou de uma intransigente firmeza. [1]


(Extraído de “A Felicidade Através da Castidade” - Págs. 176/280 – O texto completo desta obra pode ser obtido enviando mensagem para meu e.mail juracuca@gmail.com )



[1] "Em Defesa da Ação Católica" - Plínio Corrêa de Oliveira – Artpress Papeis e Artes Gráficas Ltda,  págs. 255/260.

 


sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

OCASIÕES DE PERIGO, O BAILE

 


O baile, ou as danças de modo geral, tem sido a preocupação constante de muitos moralistas antigos e de bons pais de família. Toda festa de família, ou entre amigos, tem no baile seu ponto principal. Especialmente no mundo de hoje é voz corrente que trata-se de uma diversão inocente e sem quaisquer efeitos danosos para as virtudes cristãs. Até mesmo grupos de católicos, reunidos em torno de sua paróquia, e ás vezes sob o patrocínio do vigário, pároco ou capelão, fazem seus bailes com muita animação e em completa falta de prevenção de algum malefício que possa causar às almas, especialmente das pessoas mais jovens e imaturas.

Em geral, alegam que não há mal nenhum, pois até Davi dançava em torno da Arca da Aliança. Mas, fazem tal afirmação sem ponderar de que modo e em que circunstâncias o Rei Profeta dançava. Então é bom notar que as danças realizadas entre aquele povo eram, em geral, danças guerreiras, onde havia muito mais a exaltação de feitos gloriosos e guerreiros, e a comemoração de fatos extraordinários.

Basta que busquemos o exemplo na Sagrada Família, da qual nunca se ouviu falar de haver participado de nenhum baile. A festa de casamento realizada em Caná, comentada por São João no seu Evangelho, foi feita sem que houvesse baile ou qualquer tipo de danças. Aliás, poderia até haver algum tipo de baile comemorativo naqueles tempos, mas do qual poderemos indagar se continham passos ou ritmos alucinantes e convidativos para a sensualidade ou para alguma licenciosidade momentânea. Não, certamente que não; se havia alguma dança, especialmente entre os hebreus, era coisa mais séria do que hoje.

A dança de Salomé, pedindo a cabeça de São João Batista, mostra que havia isso entre os pagãos, por causa das cerimônias idolátricas cheias de convites aos vícios e pecados. E alguma coisa de costumes pagãos poderia medrar entre os hebreus, mas não era proveniente da salutar vida religiosa daquele povo, mas copiada de estrangeiros.

Vejamos o que diz dos bailes Francisco Spirago:

“O baile é particularmente perigoso para os que dançam muito ou livremente, ou que, por ocasião do baile têm incorrido já em pecado mortal.

O baile não é por si mesmo coisa torpe ou proibida, senão meio de distrair-se, concluído o trabalho, e de espairecer a alma com honesta diversão; assim mesmo pode ser útil para fomentar a benevolência entre os homens. Entre os judeus (ainda que em forma totalmente diversa do baile moderno), se juntou com certas cerimônias do culto divino.  Assim o rei  David dançou com santo entusiasmo diante da Arca (2 Reis 6, 14), mas as danças em geral tinham o caráter guerreiro naquele tempo. As donzelas hebreias dançavam em coros, em algumas festividades religiosas (Jud. 21, 21; Ex. 15, 20). Até os anjos no céu formam coros e danças diante do Senhor. Porém não se pode dançar no tempo proibido (no Advento, na Quaresma, etc.), ou com pessoa inconveniente (como sucede com frequência nos bailes públicos), nem tais danças em que se fazem gestos ou se tomam posições pouco honestas.

Com tudo isto, na atualidade se pode dissuadir resolutamente o baile a quem quer que seja, porque no mais dos bailes (de parceria), pela mesma posição dos dançarinos (pegados pela mão e pela cintura), se ferem as regras da moralidade e da decência. Para muitos se converte o baile numa paixão, desperta feias inclinações, afugenta o espírito de devoção e é causa de futuras imoralidades.  Ao mesmo tempo o baile é muito contrário à saúde corporal. O respirar um ar adensado pelo pó; a transpiração de muitos que suam; e a respiração agitada; o esfriamento pela bebida inconsiderada em estado de fadiga, a excessiva tensão do esforço (pois em algumas horas saltando se percorre o espaço de várias milhas), produzem às vezes a tísica ou enfermidade do coração. E que desordem se nota no regresso noturno do lugar do baile, na ocasião em que estão superexcitadas as paixões!  Por isto muitos varões apostólicos têm reprovado inteiramente o baile e têm falado como São Efrém: Onde há baile, há tristeza dos anjos e júbilo dos demônios. E em outro lugar: não é possível saltar e bailar aqui e gozar depois dos eternos gozos; pois disse o Senhor: Ai de vós, os que agora ris! Porque chorareis e estareis tristes.

Em certas horas não podem algumas pessoas se recusarem de dançar, por exemplo, nas bodas, festas de família, etc.;  ou quando os pais, esposos, noivos ou parentes solicitam que se faça. Em certos casos, dança pouco e não muitas vezes; o baile seja para ti recreação e não agitação, e não te esqueças da presença de Deus.  O que uma vez, por ocasião do baile, tem caído em pecado mortal, deve evitar, de futuro, todo o possível este perigo; pois do contrário nenhum confessor o poderá absolver (se entende, enquanto tenhas esta intenção). Se alguma pessoa te convida a dançar pode desculpar-se dizendo-lhe com toda verdade: "Perdoe-me você. Me faz mal (à saúde)". Aqui há que apelar para as palavras do Salvador: Se tua mão ou tem pé te escandalizam... (Mt 18, 9); isto é, mais vale renunciar ao baile, e ser um dia bem-aventurado, que dançar agora e condenar-te depois”. [1]

(Extraído de “A Felicidade Através da Castidade” , Págs. 274/275 – O texto completo desta obra pode ser obtido enviando mensagem para o meu e.mail juracuca@gmail.com )



[1] "Catecismo Popular Explanado" - Francisco Spirago - págs. 550/552

 


quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

EXEMPLOS DE CASTIGOS CONTRA A IMPUREZA (III)

 





O vício transforma-se em veneno que castiga terrivelmente

Após narrar o fato ocorrido com o imperador Heliógalo (já exposto anteriomente), o padre Luiz Chiavarino em seu livro “ Confessai-vos Bem”, conta os seguintes casos:

 

Precisamente! Infeliz da juventude que, enganada pelo perfume lascivo e sedutor de tais rosas, passa os anos mais belos gritando: amor, amor. O amor, ou seja, o vício, transformar-se-á bem cedo em veneno que castiga terrivelmente.

 Eu mesmo conheci um jovem forte e sadio, bem disposto, que, dando-se a esse vício aos 17 anos, morreu de uma morte raivosa e convulsa, que despertou pavor em todos os que rodeavam. O seu cadáver tomou um aspecto tão disforme, a sua fisionomia tornou-se tão horrenda, que os próprios parentes não tinham coragem de fita-lo; os poucos que puderam entrar no quarto afirmaram nunca terem visto uma coisa tão assustadora e horrorosa.

Um outro rapaz, que pecava por desonestidade, morreu, e do seu corpo, horrivelmente inchado, emanava um mal cheiro tal que foram obrigados a tirá-lo da casa antes do tempo. Nem os companheiros mais corajosos conseguiram levá-lo ao cemitério por causa do cheiro nauseabundo, e foi preciso carregá-lo numa carroça puxada por um jumento. O quarto onde morreu teve que ser desinfetado por muitas vezes antes que se pudesse tornar habitável.

 Conta-se também o caso de uma moça habituada a atos impuros, que, depois de uma morte aparentemente cristã, foi vestida de branco pela mãe e pelas irmãs. Enfeitaram-na com flores e estenderam-na na cama com um crucifixo nas mãos, afim de que, segundo o costume, as amigas pudessem vê-la pela última vez e orar por ela.

Mas oh, prodígio! O Crucifixo saiu do lugar, e, por mais que o tornassem a pôr nas mãos da morta, por mais que procurassem fazê-lo parar, tudo foi inútil: achavam-no sempre jogado na cama. Jesus não queria ficar naquelas mãos que tinham servido para o pecado.

D.[1] — O Senhor conta coisas cada vez mais horripilantes! Mas então não haverá mesmo saída para quem teve a infelicidade de enveredar por asse caminho?

M. — Sim, há um modo de reconhecer suas faltas e emendar-se e isto consiste em:

1.° — Uma vontade firme.

2.° — Eliminar e afugentar as ocasiões.

3.° — Praticar os Sacramentos. É sobretudo numa vontade firme que isto consiste.

Santo Agostinho levou uma vida de libertino até aos trinta anos, mas quando abriu os olhos, sentiu tamanha vergonha que se converteu, abandonou os prazeres e as loucuras da mocidade, se tornou sacerdote, bispo, Santo, e célebre doutor da Igreja.

 O mesmo aconteceu a Santo Inácio de Loiola, que com trinta anos se aborreceu da vida até então tida: e com uma vontade resoluta foi correndo bater à porta de um convento, onde fez duras penitências; lavou as culpas passadas, e fundou a Ordem dos Jesuítas, de quem é glória e orgulho.

São Camilo de Lelis, da nobre família dos “Abbruzzi” muito jovem também se entrega aos divertimentos e aos prazeres mundanos, mas aos vinte e cinco anos toma o hábito e consagra a Deus e a Maria Santíssima a sua vida, em favor dos doentes e dos moribundos.

O quê diremos então de uma Madalena Penitente? De uma Pelágia, de uma Santa Margarida de Cartona, que de vasos de corrupção e de escândalo, transformaram-se em lírios celestes? A vontade resoluta foi suficiente para salvá-las.

Em segundo lugar, eliminar e afugentar as ocasiões. Aqui também os Santos nos ensinam.

Santo Tomás de Aquino, jovem elegante de família nobre, é fechado numa torre e ali é tentado por uma mulher infame. Não tendo outro meio de se livrar dela, pega no fogão um tição ardente e brandindo-o grita: “Saia, saia, ou eu a queimo”, consegue assim a fuga da tentadora sem escrúpulos.

São Francisco de Sales era também nobre e elegante. Quando aos dezoito anos estudava em Pádua, certa ocasião, uma moça dessas não muito sérias, aventurou-se a abraçá­-lo maliciosamente. Quê fez então? Cuspiu na cara da impudica, dizendo-lhe: "Afasta-te missionária de Satanás".

O moço Dióscoro, depois de vencer todas as insídias dos inimigos de sua fé, foi amarrado numa cama de rosas, na impossibilidade completa de se livrar de quem o queria induzir a pecar. Recomendou-se a Deus, e, cortando a língua com os dentes, cuspiu no rosto da tentadora miserável que borrifada pelo sangue de um mártir, fugiu horrorizada, chorou e se converteu.

 D. — Mas todos esses, Padre, eram Santos!...

M.Naquele tempo ainda não o eram; tornaram-se santos depois de agirem como agiram. Todavia mesmo sem ser santos podemos e devemos ser corajosos: basta ser cristão: Ouve isto:

 Uma jovem que eu conheço, devolveu em envelope fechado um cartão a um soldado libertino, dizendo-lhe: “Isso é indigno de mim como cristã e indigno de ti, como soldado”. Outra moça, em resposta a certas cartas libertinas do noivo, escreveu-lhe: “Nunca me casarei com um homem desonesto! Desde hoje, está tudo acabado entre nós dois”.

 O amor, ou seja, o vício, tansformar-se-á bem cedo em veneno que castiga terrivelmente.

Não fez muito tempo que, em Turim, no aperto da plataforma de um bonde, um “almofadinha”, lascivo tomou certas liberdades com uma mocinha direita. A moça virou-se desdenhosa e, sem mais, aplicou-lhe no rosto uma valente bofetada, dizendo bem alto:

Deseja saber a razão disso?

— Muito obrigado, não é preciso, responde o desastrado que desceu apressado, com o lenço no nariz.

D. — Muito bem! Essa moça merece uma medalha!

M. — Uma medalha igual merece esta, que eu também conheço:

Certa ocasião, um sujeito sem educação sussurrou-lhe no ouvido não sei qual trivialidade. Sem perda de tempo, a moça deu-lhe dois bofetões sonoros, acrescentando: “Estarei sempre pronta para repeti-los”.

D. — Muitíssimo bem feito! Se todas se comportassem assim ficariam logo livres dos zangões, não é, Padre?

M. — Isso mesmo! E os que não são zangões ficariam livres dos pernilongos, ou seja, de certas moças sem pudor.

Do ócio também devemos fugir. Ai dos ociosos: é justamente nos momentos de ócio que o demônio impuro intensifica os seus assaltos e aumenta suas vítimas.

 D. — Então o demônio também tem que ser tratado com cuspidas e bofetões?

M. — Justamente! E em terceiro lugar, para nos podermos livrar das impurezas, é necessária a “frequência dos sacramentos”: a confissão semanal, cada duas semanas ou pelo menos mensal e a Comunhão o mais frequente possível.

Nos Sacramentos o demônio impuro é desmascarado e vencido. Não há nada que ele tema mais porque nada lhe é mais fatal. "É impossível, diz São Felipe Néri com ele D. Bosco, é impossível que quem frequente bem a Confissão e a Comunhão, continue a cometer impurezas!”

O mundo não pode crer na castidade de tantos milhares de sacerdotes, freiras e religiosos: não se convence de que essa flor da juventude possa conservar-se pura e casta no meio de tão grande corruptela; mas sabe por quê? Porque o mundo não compreende a força dos Sacramentos: porque não sabe ou não quer saber que todos eles se purificam com frequência no Sangue de Jesus com a Confissão, e, ainda mais frequentemente, se nutrem do seu Corpo santíssimo na Comunhão.

 Há poucos anos, um jovem advogado disse em tom de brincadeira a um amigo sacerdote:

— Eu acredito na sua fé, admiro a sua abnegação, mas não posso acreditar na sua honestidade, no celibato! O zeloso sacerdote tocado num ponto assim tão delicado respondeu:

— Pois bem, experimenta e verás.

— De que jeito?

Frequenta a Confissão e a Comunhão.

 

Mudaram de conversa, mas voltaram ao mesmo assunto muitas vezes e ao cabo de seis meses o advogado elegante trocava a toga de tribuno pelo hábito de seminarista. Em menos de um ano tornou-se sacerdote e é agora excelente pregador e defensor infatigável da honestidade e do celibato eclesiástico. Experimentou e foi vencido por esses Sacramentos miraculosos.

 D. — Padre, a honestidade, ou seja, a pureza, traz consigo vantagens?

M.Muitas e nobilíssimas: a pureza é como um lírio que se eleva acima de todas as flores pelo perfume e pelo candor; ela nos torna senhores dos tesouros de Deus. O homem puro e honesto sente-se e mostra-se sempre tranquilo: não teme suspeitas e calúnias; não se sente ligado nem escravo de outras pessoas; goza de uma paz íntima, inestimável. Sua vida é plácida e serena a sua morte. Tem imensa esperança, isto é, tem a certeza da salvação eterna: o seu prêmio, o seu gozo no Paraíso são de todo especiais. Termino com um exemplo histórico:

O célebre músico Mozart aos vinte e cinco anos, tinha atingido o apogeu da sua glória. No dia 27 de Janeiro de 1881, completava justamente vinte e cinco anos e, achando-se em Milão, onde foi acolhido triunfalmente, pôde dizer à assembleia que o festejava estas palavras textuais:

“Juro diante de Deus que, em toda a minha vida, nunca cometi ato nenhum contra a pureza, eis o segredo dos meus sucessos e dos meus triunfos...’’ Sentia-se puro e, sentia-se grande. Quantos haverá que podem dizer o mesmo?!” [2]

 

(Extraído de “A Felicidade Através da Castidade”, págs. 269/273 – o texto integral desta obra pode ser obtido enviando mensagem para meu e.mail juracuca@gmail.com )



[1] Nesse diálogo a legra D quer dize discípulo, e a letra M, mestre.

[2] “Confessai-vos Bem” – Pe. Luiz Chiavarino – Edições Paulinas, págs. 20/23


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

EXEMPLOS DE CASTIGOS CONTRA A IMPUREZA (II)


 

História de Pedro I e Eleonora

Após a primeira Cruzada, quando Jerusalém foi tomada pelos cristãos em 1099, estabeleceu-se no Oriente uma dinastia católica de reis provinda da França, muitos dos quais foram reis de Jerusalém.  O último reduto desta dinastia ficou estabelecido na ilha de Chipre, para onde se mudaram os reis depostos de Jerusalém pelos árabes.

Referida dinastia, da família Lusignan, reinou cerca de 300 anos em Chipre. Quando se deperecia o espírito de cruz e a Cavalaria se transformara em cortesã, reinava na ilha Pedro I. Foi coroado em Santa Sofia de Nicósia no ano 1358, dois anos depois novamente "coroado"  (ato simbólico, pois a cidade estava em poder dos mouros) como rei de Jerusalém. Casou-se com a princesa da Catalunha chamada Eleonora, do reino de Aragão.

Muito católico ainda, o rei decidiu reavivar o espírito das Cruzadas e resolveu viajar para a Europa com o objetivo de convencer os príncipes cristãos da necessidade de novas investidas contra os mouros. A 24 de outubro de 1362 embarca, então, levando consigo seus principais cavaleiros e, em vez da rainha, levava apenas uma camisola sua como tesouro e lembrança de sua figura.

Os cronistas dizem que o rei "amava a rainha Eleonora de acordo com os mandamentos divinos".  Por isto, ao partir para a Europa, demonstrando já está possuído do romantismo fátuo da Renascença, ordenou a seu camareiro que pegasse uma camisola da rainha e a colocasse junto dele quando preparasse sua cama para dormir à noite. Desse modo ficaria o rei abraçado à camisola da rainha enquanto dormia.  Estranha forma de manifestar seu amor "de acordo com os mandamentos divinos"...

Na Europa, encontrou-se com diversos príncipes e reis, mas havia uma espécie de obstinação cega contra qualquer projeto de uma Cruzada. A única cruzada que os atraía era para lutarem entre si em suas guerras de fronteiras e de questões dinásticas. Em todos os lugares em que passava, Dom Pedro I era recebido com danças, torneios e banquetes, cada príncipe ou soberano desdobrando-se em cortesias.  Mas em nada encontrava ele o espírito de cruz, de amor a Deus. Os prazeres da vida começavam a dominar a vida dos príncipes. Visitou a França, a Inglaterra, a Itália, a Alemanha, sendo que nesta percorreu a Bavária, a Saxônia, a Boêmia e a Áustria. Por toda parte era cumulado de presentes e retribuía sempre da mesma forma.

Apesar de tanta indiferença ao espírito guerreiro e de cruz, o rei ainda conseguiu arregimentar 115 naus e cerca de 10 mil homens para a sua Cruzada. Sua primeira investida foi contra a cidade de Alexandria, conquistada com facilidade. Como já não predominava nestes cruzados o espírito de cruz e de amor a Deus, a cidade foi objeto de pilhagens e de saques desenfreados. Os cronistas dizem que "no entanto, a inutilidade da tomada da cidade - abandonada imediatamente - já revela a alteração do espírito cavalheiresco, o feito gratuito ao qual de fato se entregaram Pedro e seus companheiros".

 

O demônio da luxúria

Pedro I voltaria novamente à Europa, novamente sem a esposa. Ao que parece o amor platônico do casal continuava vivo, pois o rei estava levando a mesma camisola consigo. Foi recebido em Roma, Treviso e Florença com as maiores homenagens.  Porém más notícias chegaram aos ouvidos da rainha.

Um cronista assim descreve o que houve:

"Como sabeis, o demônio da luxúria que atormenta o mundo inteiro, seduziu o bom rei, fazendo-o cair em pecado com uma dama nobre, chamada Joana Laleman, viúva do senhor João de Montolif, senhor de Khulu (na região de Pafo), e ele deixou-a grávida de oito meses". Como o rei fora pela segunda vez ao Ocidente, lá se demorando muito, a rainha mandou chamar Joana para sua corte, e esta aceitou o convite. Aqui começa o pior drama da família real.

Assim que a cortesã chega à corte de Eleonora, esta dirige-lhe estas palavras:  "Péssima cortesã, roubaste meu marido!"  A nobre dama calou-se, sentindo-se culpada, e também em respeito pela rainha.  Eleonora deu, então, ordem a suas servas para que a jogassem no chão; em seguida, trouxeram um grande almofariz de mármore, que elas colocaram sobre seu ventre e com o qual moeram várias coisas e uma medida de sal para fazê-la abortar.

Apesar de tanta violência e lhe haver torturado o dia inteiro, a criança continuava viva no ventre da mãe.  A rainha, vendo inúteis seus esforços, ordena que a escondessem numa casa até o dia seguinte. Ao amanhecer, ordenou que a trouxessem à sua presença novamente. Nova cessão de tortura para provocar o aborto da criança, novamente sem êxito. Utilizaram de todos os recursos, desde ervas e drogas, coisas ensinadas por feiticeiras e parteiras.  Por um desígnio de Deus, a criança continuava viva dentro do ventre da mãe. Estando sob o completo domínio de Eleonora, a miserável cortesã foi obrigada a ficar reclusa numa casa até conceber o filho.

Quando a criança nasceu, levaram-na e entregaram-na à rainha, e nunca se soube o que foi feito dela. Em seguida, movida por um ódio passional, mandou que trouxessem Joana à sua presença, e ordenou em seguida que a jogassem numa prisão subterrânea, ainda ensanguentada, onde sofreu tudo tipo de maus-tratos. No entanto, o capitão do lugar onde estava presa Joana mudou, sendo substituído por Hugo d'Anathiaume, que era aparentado dela. Em segredo, Hugo tratou de arrumar o fosso subterrâneo onde a infeliz fora jogada. Deu-lhe lençóis para dormir, tratou-a bem, servindo-lhe comida e bebida.

Enquanto estes fatos ocorriam em Chipre, Pedro I ainda permanecia em seu périplo pela Europa. Apesar de Eleonora dominar a situação, não conseguiu evitar que seu esposo tomasse conhecimento do que ocorria. Inconformado, o rei escreveu uma carta à rainha, onde dizia: "Fiquei sabendo das maldades que fizestes à minha muito querida dama Joana Laleman. Por isso anuncio-te que, se, com a ajuda de Deus, eu voltar a Chipre, irei te fazer tanto mal que todos estremecerão. Assim, antes que eu volte, faz todo o mal que puderes".

Temerosa, Eleonora mandou soltar a prisioneira, obrigando-a, entretanto, a ficar reclusa num convento de Santa Clara.

Mas o rei Pedro I continuava sendo dominado pelo demônio da luxúria. Ainda na Europa arranjou outra amante, chamada Echive de Shavel Zion, mulher do senhor Grenier, "o Pequeno", e como dama era casada. Neste caso, Eleonora nada poderia fazer contra ela, pois tinha a proteção do marido.  O demônio da luxúria consegue fazer com que Pedro cometesse agora um pecado maior, o do adultério duplo.

Um cronista da época comenta que o rei, quando levava em suas viagens apenas a camisola de sua esposa, já demonstrava estar dominado pela luxúria. E que após o primeiro pecado, cometido com uma viúva, não era de se estranhar que cometesse tantos outros com outras cortesãs dissolutas, como este último com uma mulher casada.

 

A desgraça se abate sobre a família real

Enquanto o rei se consumia em pecados de luxúria na Europa, a rainha procurava sobrepujá-lo e cometer pecados piores. Assim, ela também resolveu  amasiar-se a outro homem. Seus parentes comunicaram o fato ao rei através de uma carta. A partir daí foi que Pedro mandou que seu camareiro retirasse a camisola de seu quatro, com qual já se acostumara a dormir. Como aquele nobre senhor não mais nutria em seu coração sentimentos cristãos de caridade, de bondade e de amor a Deus, passou-se em sua alma terrível transformação, a qual impressionou vivamente a seu círculo de amizades. Ficou macambúzio, triste e melancólico, fechado em si mesmo. Tal estado de alma influenciou  vivamente seu comportamento e suas decisões.

Determinado apenas a se vingar daquilo que supunha ser uma traição,  sua cólera caiu sobre todos os que imaginava ter culpa de suas misérias morais. Para aquele que lhe traiu com sua esposa, conseguiu mandar que fosse aprisionado num castelo até morrer de fome. A rainha, sentindo-se incapaz de enfrentá-lo, foge de seu furor. Sabia agora que seu antigo amoroso esposo a traía desonrando todas as pequenas e grandes damas.

Mandou construir uma torre e rodeá-la de redutos fortes com fossos. Sentia a necessidade de se proteger contra a fúria do rei. Os cavaleiros que eram de seu círculo de amizade, alguns familiares seus, desconfiavam de que o rei quisesse mandar prendê-la. A partir deste momento começaram a ocorrer atos de demência de ambas as partes.

Segundo conta o cronista Maharias, "começou a brotar a árvore do ódio. Os cavaleiros da corte iriam reunir-se e dirigir-se a dois irmãos do rei. Desde o seu retorno o rei tornou-se tão soberbo que traiu seus juramentos devido ao ódio que alimentava..."  Em vão, um de seus próximos, o almirante João de Monsori, tentou fazer o rei ponderar e depois acalmar os barões que haviam ido à igreja de São Jorge dos Potros, que tramavam nada menos que a morte de Pedro I".

Intrigas, calúnias, injúrias, mortes, traições e guerras seguiram-se até à completa extinção da dinastia dos Lusignan em Chipre, cedendo lugar à invasão turca que alguns anos mais tarde retomaram a ilha. Como se vê pelos fatos acima, se o casal fosse fiel cumpridor dos deveres cristãos e tivessem praticado as virtudes da caridade, sobretudo da castidade matrimonial, teriam evitado não só o desmoronamento de sua família e da dinastia, mas até mesmo de todo o seu povo.  Se os turcos vieram a se apossar de Chipre foi por castigo de Deus por causa desta apostasia.

Pedro I foi assassinado numa cena selvagem,  assim lamentada pela escritora francesa Regine Pernoud: "Cena selvagem, por maiores que fossem os erros de  Pedro, e sem precedentes, pois em vão se procura o exemplo de um regicídio nos anais do Ocidente na época feudal". [1]

(Texto extraído de “A Felicidade Através da Castidade”, págs. 261/264 – o conteúdo integral da obra pode ser obtido enviando mensagem para meu e.mail juracuca@gmail.com  )



[1] Dados extraídos do livro "A Mulher nos Tempos das Cruzadas" - de Régine Pernoud - Papirus Editora - págs. 278/288.