quinta-feira, 30 de junho de 2022

PODE HAVER DISCUSSÃO DE TEMAS DOUTRINÁRIOS COM O PAPA?

 




Após a aprovação do dogma da infalibilidade pontifícia, a opinião católica ficou mais firme na defesa do Papado. No entanto, nos últimos tempos criou-se a idéia de que qualquer discordância com o Papa significa cisma, divisão ou mesmo heresia, o que não é verdade. Se o tema a ser discutido não for matéria de fé, de moral e de doutrina declarada certa por pronunciamento “ex catedra” (quer dizer, usando sua autoridade infalível) pode o católico discordar do Papa sem qualquer problema de consciência. Vejamos o primeiro exemplo de discordância nesse sentido, havido entre São Pedro e São Paulo.

São Paulo foi encontrar-se com São Pedro, ocasião em que o confrontou sobre o problema que se discutia entre os Apóstolos: era lícito aceitar os gentios, isto é, os não israelitas e não adeptos da religião revelada do Deus verdadeiro? Alguns diziam que deveriam ser aceitos desde que se circundassem. São Paulo dizia que apenas se exigisse que fossem batizados na religião cristã. São Pedro era de opinião contrária, seguido por outros apóstolos que desejavam ser fiéis à tradição mosaica. A questão causou controvérsias, havendo intervenção divina do Espírito Santo, como o caso do centurião Cornélio (At 10, 34-48). Por estes dias São Pedro teve visões, narradas nos Atos dos Apóstolos, onde lhe era servido um lauto banquete constante de animais de diversas espécies, alguns tidos como impuros pela lei mosaica, assim narrado na Sagrada Escritura:

“Entretanto, os apóstolos e os irmãos que estavam na Judéia souberam que também os gentios haviam recebido a palavra de Deus. Assim, quando Pedro subiu a Jerusalém, começaram a discutir com ele os que eram da circuncisão, dizendo: Entraste em casa de incircuncisos e comestes com eles! Pedro, então, começou a expor-lhes a questão, ponto por ponto: “Eu estava na cidade de Jope, em oração, quando, em êxtase, tive uma visão: do céu descia um objeto, semelhante a um grande lençol que baixava, sustentado pelas quatro pontas, e chegava até mim. Olhando-o atentamente eu refletia, quando nele vi os quadrúpedes da terra, as feras e os répteis e as aves do céu. Ouvi então uma voz que me dizia: “Levanta-te, Pedro, imola e come! Eu respondi: de modo algum, Senhor! Pois nada de profano ou impuro jamais entrou em minha boca!” Tornou-me a falar a voz vinda do céu: “Ao que Deus purificou não chame tu de profano!” Isto aconteceu por três vezes, e depois tudo foi novamente recolhido ao céu.” (At  11, 1-9). Esta mesma visão é narrada anteriormente em Atos 10, 11-16.

É provável que isso tenha ocorrido depois da discussão com São Paulo, embora os fatos narrados não tragam datas para se ter certeza. .

Mesmo após os sonhos ou visões de São Pedro a questão ainda não ficou completamente resolvida, conforme relata o próprio São Paulo em sua Epístola aos Gálatas (2, 11-14), pois São Pedro e outros apóstolos tinham receio de aparecer publicamente com os gentios convertidos e não circundados. Foi nesse momento que houve um confronto entre São Pedro e São Paulo? Na oportunidade, este último chamou de hipócritas àqueles que procediam diferente a respeito do tema da convivência com os gentios convertidos, batizados, mas não circundados.

O episódio que abordamos, entre São Pedro e São Paulo, pode nos servir de exemplo. São Paulo confrontou São Pedro porque estava se deixando envolver por aqueles que defendiam o cumprimento integral da lei antiga, mesmo após ter tido revelações em sonhos. E foi confrontando seu modo de pensar que São Paulo conseguiu que vencesse a doutrina inspirada pelo Espírito Santo, passando a Igreja, a partir deste momento, a não mais exigir a circuncisão daqueles que se batizassem na Igreja Católica. E vejam que São Paulo nem sequer era um dos 12 que de início acompanharam Jesus Cristo em sua vida pública, ele não conviveu com o Messias, mas, mesmo assim tinha uma firmeza de doutrina muito superior aos demais, inclusive sobre a natureza universal e de corpo místico da Igreja.

Talvez por causa disso é que São Paulo escreveu o texto abaixo: 

“Irmãos, vós todos sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo. Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo. O que vale não é mais ser judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Jesus Cristo. Sendo de Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa”. (Gálatas 3,26-29).

Outro aspecto que se chama a atenção: sendo São Pedro o chefe dos Apóstolos, o primeiro Papa, não foi de sua pena que se publicaram as principais cartas sobre o Corpo Místico de Cristo e outras revelações sobre Cristo e a Igreja, mas da de São Paulo, embora tenha sido dado com São Pedro as visões com o banquete com todos os animais. Aliás, talvez por problemas culturais, São Pedro quase não escreveu nada de doutrina. Foi pouco inspirado? O Espírito Santo o auxiliava inspirando outros apóstolos como São Paulo? São as Cartas de São Paulo que mais sedimentam as doutrinas cristãs, constando inclusive como se fossem doutrinas evangélicas adotadas pela Igreja, enquanto que da lavra de São Pedro tem apenas uma.

Diz-se que São Lucas escrevia o que São Pedro pedia, mas não há comprovação disso. O Evangelho que São Lucas escreveu foi todo feito por ele, sob inspiração divina,  embora não fosse testemunha da maioria dos fatos (a não ser os Atos), tendo os relatado conforme ouvira dos Apóstolos, inclusive do próprio São Pedro.

 




domingo, 19 de junho de 2022

O CORPO MÍSTICO DE CRISTO

 



"Mystici Corporis Christi"

A Encíclica "Mystici Corporis Christi", que encheu de tal contentamento os que ansiávamos por um esclarecimento que pusesse termo a múltiplos e perigosos erros que circulavam sobre este assunto, não pode deixar de ser largamente comentada pelo “Legionário” . E, assim, é a ela que quero consagrar as colunas do artigo de fundo deste dia.

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O primeiro comentário sobre a Encíclica consiste em que, sobre ela, não se pode ficar somente em comentários. Quem ler com atenção o texto pontifício perceberá facilmente a extrema complexidade da matéria de que ela trata, e a série quase interminável de confusões, de erros "serpejantes" - a expressão é do Papa - de ambigüidade de toda ordem que se têm procurado apoderar do assunto.

Precisamente por isto, nota-se que o Vaticano teve especial cuidado em evitar pretextos para que, em matéria de tanta monta, entrasse a "cooperação" de terceiros, desfigurando ao sabor de suas preferências o texto pontifício. Este cuidado transparece sobretudo através de dois indícios: a tradução diretamente feita pelo próprio Vaticano, não só para o português como também para outros idiomas provavelmente, e a cuidadosa divisão do texto em partes, títulos e subtítulos de forma a evitar, sob pretexto de maior clareza, interpolações de terceiros. De ordinário, a Santa Sé só toma estas precauções com documentos de grande valor, em que não quer de modo algum deixar aberto o menor e mais longínquo pretexto para deformações.

Ora, se a Santa Sé teve receio de que a imperícia ou a paixão desfigurassem o próprio texto pontifício, é legítimo que também nós nos acautelemos contra comentários capazes de deformar o pensamento do Soberano Pontífice. E, para isto, nada melhor do que fazer-se o estudo de qualquer comentário, tendo sempre o texto do Papa na mão, e diante dos olhos. Nesta Encíclica, mais do que em qualquer outra talvez, os comentários são feitos não para dispensar do estudo do texto, como sobretudo para incitar a que se vá à própria fonte, que é a palavra do Vigário de Cristo.

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Não se julgue que essa recomendação deve ficar na ordem das coisas vagas e remotamente convenientes. É no próprio texto do Pontífice que ela se funda.

O ambiente contemporâneo é cheio de contradições e entrechoques doutrinários violentos: "enquanto por um lado perdura o falso racionalismo, que tem por absurdo tudo o que transcende e supera a capacidade da razão humana, e com ele outro erro parecido, o naturalismo vulgar, que não vê nem quer reconhecer na Igreja de Cristo senão uma sociedade puramente Jurídica; por outro lado grassa por aí um falso misticismo que perverte as Sagradas Escrituras, pretendendo remover os limites intangíveis entre as criaturas e o Criador".

Em outros termos, nota-se no ambiente hodierno uma série de erros opostos, e em matéria religiosa se dá um fenômeno análogo ao que se observa na política. Com efeito, quer do campo democrático quer do totalitário, se elevam vozes a reivindicar o apoio católico. Analisemos as doutrinas que chegam a nós, confusas e ardentes, através dos clamores da luta: veremos imediatamente que há erros graves em ambos os campos, e que a luta entre eles é uma luta de erros e não de verdade contra o erro. Por isto mesmo, pode-se perguntar onde está o mal menor, se de um lado, se de outro. O “Legionário” de há muito se manifestou contra o lado das chamadas "direitas", nas quais vê o mal maior. Mas não há como indagar onde está o bem, que não se encontra íntegro em nenhum dos campos.

Na esfera política, o resultado foi claro. Poucos foram infelizmente os católicos que souberam ver na disciplina ardente e incondicional à infalível autoridade da Igreja, a verdadeira tábua de salvação. Uns procuraram a fórmula salvadora no nazismo. Outros no comunismo. Outros na forma nazificante, ou nas bolchevisantes. Poucos foram os que se lembraram de que "bonum ex íntegra causa; malum ex quocumque defectu". Se havia mal nos dois lados, ficássemos só com a Igreja, "íntegra causa" por excelência.

E daí uma tremenda confusão. Uns, por amor à autoridade, chegaram ao totalitarismo. Outros, por amor à liberdade, chegaram até à demagogia. A grande tragédia da luta entre nazismo e comunismo, entre fascismo e democracia, não foi tanto o extravio completo dos que já eram maus, mas a ruína, a confusão, a dilaceração interna entre os que eram bons.

Também no campo teológico, o Santo Padre Pio XII nos mostra dois excessos contrários a se entredegladiarem. Vem agora a descrição da confusão, feita pela própria pena do Pontífice: "não só autores separados da verdadeira Igreja espalham graves erros nesta matéria do Corpo Místico de Cristo, mas também entre os fiéis vão serpejando opiniões ou inexatas ou de todo falsas, que podem desviar os espíritos da reta senda da verdade". O perigo é grave. Com efeito, que de mais catastrófico do que o afastamento dos espíritos "da reta senda da verdade?" Se a Fé é o fundamento de todas as virtudes, o que mais triste do que o afastamento das sendas da Fé? O alcance desta afirmação pontifícia só poderá ser devidamente medido à luz da própria doutrina do Corpo Místico. Diz o Pontífice que "como membros da Igreja contam-se realmente só aqueles que receberam o lavacro da regeneração e professam a verdadeira fé, nem se separam voluntariamente do organismo do Corpo (Místico de Cristo), ou não foram dele cortados pela legítima autoridade em razão de culpas gravíssimas". Afastar-se da senda da verdade, ou da Fé, é, pois, "não viver neste corpo único, nem do seu único Espírito divino". Os erros sobre o Corpo Místico acabam, pois, produzindo este resultado paradoxal: afastam, fazem sair do Corpo Místico os que erram. Que de pior?

Infelizmente, o perigo não fica aí. Muitos espíritos, justamente temerosos de se deixarem envolver por esta confusão, não compreendem entretanto que na Revelação tudo é perfeito e admirável, e passam de um explicável temor à vista da confusão, para uma atitude de desconfiança em relação à doutrina a respeito da qual a confusão se estabeleceu. Não que sejam cegos à beleza desta doutrina. Mas - é o mesmo Pontífice que fala -  "consideram esta sublime doutrina como perigosa, e fogem dela como do pomo do Paraíso, belo mas proibido". E com isto gravemente se prejudica a piedade dos fiéis, impedida de se nutrir com o substancialíssimo alimento espiritual contido na doutrina de São Paulo sobre o Corpo Místico de Cristo. O Pontífice protesta contra este infundado temor da própria doutrina do Corpo Místico, como se intrinsecamente considerada, e em si mesma, tivesse erro ou encerrasse perigo, e devesse portanto ser relegada a um prudente esquecimento: "Não; os mistérios revelados por Deus não podem ser prejudiciais ao homem, nem devem permanecer infrutíferos, como tesouro enterrado no campo; senão que nos foram dados por Deus, para proveito espiritual dos que piamente os contemplam".

* * *

Constitui para nós um grave dever cooperar em toda a linha para que a confusão cesse neste terreno. Sejamos prosélitos ardentes da doutrina do Corpo Místico de Cristo. E, sobretudo, insistamos por que todos os estudos feitos nesta matéria tenham por base e constante ponto de referência a admirável Encíclica "Mystici Corporis Christi". Com isto, cessará qualquer dificuldade, e brilhará serena, para a edificação geral, a genuína doutrina da Igreja.

Da Igreja! Como não compreender, admirar e amar ainda mais a Santa Igreja Católica, depois da luminosa e claríssima doutrina ensinada pelo Santo Padre Pio XII sobre o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a própria Igreja Católica!

A Igreja Católica é o maior tesouro que Nosso Senhor deu aos homens. É ela o escrínio em que se encerram todos os outros tesouros que Cristo nos deu. Não sei de coisa mais urgente, mais atual, mais premente, do que inculcar nos fiéis uma ardente devoção à Santa Igreja.

E, para isto, um estudo exato, dócil, metódico, da Encíclica sobre o Corpo Místico de Cristo pode concorrer admiravelmente. Aliás, para só falar dos documentos recentes, temos ainda outro ato do Magistério Eclesiástico, muito importante, a considerar a respeito da Santa Igreja: é a Pastoral de Saudação do Exmo. Revmo. Sr. Dom Jaime de Barros Câmara, em que o ilustre Prelado doutrina acerca das notas distintivas da verdadeira Igreja, pondo ao alcance de todos, de modo atraente, claro, metódico, soberanamente útil, uma exata apreciação das características que tornam clara a divindade da Igreja Católica.

Com base nestes dois documentos, pode-se fazer uma verdadeira campanha de incremento de entusiasmo e ardor para a Igreja de Cristo, por toda a vastidão do território nacional.

 

(Plínio Corrêa de Oliveira - "Legionário", N.º 585, 24 de outubro de 1943)

 

quinta-feira, 16 de junho de 2022

O EXERCÍCIO DO JUÍZO EM NOSSO COTIDIANO

 


 Segundo estudo do famoso Jean Piaget, o homem consegue atingir completamente seu juízo moral com idade em torno dos 12 anos. O “juízo moral” é o conhecimento e prática das regras sociais. É claro que o Autor não inclui como primordial nestas “regras sociais”, o Decálogo. Ele analisa o problema moral sob enfoque natural.

No entanto, após os 12 anos o ser humano vai procurar outras regras morais com que possa viver mais comodamente de acordo consigo mesmo. Enquanto o juízo moral lhe indica que as regras são aquelas que aprendeu na infância, que lhes foram ensinadas em sua casa, na escola e na comunidade em que viveu, a partir de certa idade ele vai ser tentado a criar suas próprias regras, suas normas, baseando-se num conceito de liberdade que lhe dá o direito de escolher a vida que quiser levar doravante. Tem sido esta a tentação mais comum no homem moderno. Fugindo do cumprimento da Lei Primordial, que é o Decálogo, e as regras de conduta ditadas pelo Cristianismo, o homem começa a elaborar seu próprio conceito de juízo moral.

 

É lícito julgar o próximo?

Fazer juízo é um ato comum dos homens, e todos nós o fazemos cotidianamente sem mesmo o perceber. Muitas vezes expomos aos demais os nossos juízos sob a forma de opinião, de parecer ou de sentença. Nem sempre tal procedimento é mal, devendo apenas termos cuidado para não cometermos juízos temerários e não fazermos falsos julgamentos. Antes de tudo, vejamos o que diz São Tomás de Aquino sobre a licitude do ato de julgar o próximo:

“O juízo é justo na medida em que é um ato de justiça. Ora, como do sobredito resulta, três condições se exigem para que um juízo seja um ato de justiça: primeiro, que proceda de uma inclinação justa; segundo, que proceda da autoridade do chefe; terceiro, que seja proferida pela razão reta da prudência. A falta de qualquer delas torna o juízo vicioso e ilícito. – De um modo quando vai contra a retidão da justiça. E, então, o juízo se chama “pervertido” ou “ injusto”. – De outro modo, quando julgamos daquilo para o que não temos autoridade. E, então, o juízo se chama “usurpado”. – De terceiro modo, quando falta a certeza da razão; assim, quando julgamos do que é duvidoso ou oculto, levados por leves conjecturas. E, então, chama-se o juízo “suspeitoso” ou “temerário”.

No final de seu pensamento, conclui São Tomás:

“Nem contudo, por isso, ao julgar os outros, nós nos condenamos, por atrairmos sobre nós um novo motivo de condenação; mas, ao condenar a outrem, mostremo-nos merecedores da mesma condenação, por um pecado igual ou semelhante”..[1]

Não é difícil entender o raciocínio. Os abortistas, por exemplo, fazendo um juízo parcial e errado sobre os que condenam o aborto dizem que estes últimos são hipócritas, pois, segundo eles, querem encobrir a situação em que se encontra uma mulher que aguarda um “filho indesejado”. No entanto, feito um juízo conforme as regras morais cristãs, os abortistas é que se tornam hipócritas querendo encobrir sua vontade de eliminar a vida humana, de uma forma covarde e insana, com o pretexto de proteger a saúde ou a suposta “moral” da gestante. Eles julgam e acusam sem querer se submeter ao mesmo juízo. Um critério para se saber se a gente está fazendo um bom ou mau juízo é verificar se tal juízo é fruto do “juízo moral” da sociedade, as regras sociais cristãs, ou, pelo contrário, de nosso próprio juízo.

E assim são as pessoas hoje em dia. Possuem a capacidade de exercer seu juízo sobre si, sobre as demais pessoas e sobre toda a sociedade, mas o exercício desse juízo será feito de conformidade com suas normas e não com as regras que a sociedade lhes ensinou desde a infância.  Julgar é um ato perfeitamente normal na pessoa humana, mas o ato de julgar deve ser feito conforme as regras que Nosso Senhor Jesus Cristo deixou prescrito no Evangelho: “Não julgueis para não ser serdes julgados...”. Isto é, ninguém deve julgar os demais esperando não ser julgado da mesma forma e pelos mesmos motivos. É uma regra geral. E quem o faz? Para fazê-lo seria necessário praticar a santidade.

Vejamos o exemplo dos santos. Santa Teresinha do Menino Jesus (como todos os outros santos), quando era repreendida por uma falta que não havia cometido nunca procurava “se desculpar”, imaginando sempre que era mesmo capaz de haver cometido tal falta, mesmo estando inocente. São Domingos Sávio também era exímio nesse pormenor: nunca se desculpava das acusações que lhe eram feitas pelos colegas de escola, mesmo as injustas. E quem faz isso hoje? Pelo contrário, todos hoje procuram antes de tudo se desculpar e se dizer inocente perante um juízo ou acusação do próximo, muitas vezes até mesmo por faltas cometidas. Este tipo de comportamento é próprio daquele que elegeu para si mesmo um juízo moral baseado em regras próprias, que é o egoísmo e o amor-próprio. Trata-se de um comportamento corriqueiro no mundo de hoje.

Há uma falta cometida. Uma pessoa que tem autoridade sobre o grupo pergunta: quem fez isso? Vários, ao mesmo tempo, levantam logo a mão, dizendo: não fui eu! Não, eu não cometo tal falta porque sou perfeito! Não me acuse, não faça julgamento sobre mim! E muitas vezes o erro foi cometido exatamente por aquele que mais se desculpou. Mas, aí nesse caso já é uma ação de quem é renitente no erro e tem medo da censura pública :“medo da censura pública” é um comportamento que leva a maioria das pessoas a mentir e negar que cometeu suas faltas. Por que existe tal medo? É porque, ao atingir certa liberdade na prática do juízo moral, a pessoa não quer se expor ao juízo moral que há na sociedade em que vive, o único juízo que ele admite é o de si mesmo. Submeter-se ao juízo dos outros é humilhar-se, é reconhecer que tem defeitos que os outros provavelmente não têm. Este tipo de humilhação é tido como o pior de todos. Os moralistas católicos chamam isso de “respeito humano”, um tipo de receio da censura pública que leva o homem a esconder até seus pecados perante o Confessor.

Por causa deste medo da censura pública, de se submeter ao juízo moral dos outros, um homem é capaz de ir para a guerra, pois teme ser tido como covarde. No entanto, esse mesmo medo o faz esconder atos que mancham sua alma e o tornam desonesto, mesmo secretamente, imaginando que aquilo bem pode se tornar de domínio público.

O juízo e a Fé

Qual o critério para se saber, de antemão, que estamos fazendo um juízo correto? Há vários critérios, mas o principal é que tal juízo seja proveniente da Fé. A opinião é volúvel, instável, trata-se de um juízo parcial e sem o condão da certeza. Já a Fé, não; quem tem Fé é porque está de posse da Verdade e da certeza, não temendo errar em emitir seu juízo. Julgar com Fé, pois, é julgar corretamente. Tal julgamento não é feito como decorrência de uma moral particular, de uma preferência pessoal, mas de uma graça divina, pois quem tem Fé está de posse do próprio Deus e emite se juízo em co-regência com Ele.

A Fé é uma certeza inabalável, trata-se, portanto, da posse plena da Verdade. É um dom divino. Mas, há outros tipos de fé, como aquela que nos faz crer nas pessoas. Assim, uma autoridade, como um pai ou um professor, ao ministrar a educação a seus pupilos transmite-lhes uma confiança semelhante a uma certa fé, o que faz com que acreditem nele sem medo de errar. De algum modo, tais autoridades ao emitir seus ensinamentos o fazem como se fosse o pronunciamento de vários juízos sobre a matéria do ensino. Aí, nesse caso, tais juízos são perfeitos quando provêm de uma autoridade que ensina as regras morais vigentes na sociedade, especialmente se forem cristãs. E quando os filhos ou alunos transmitem tais ensinamentos, não na forma de opinião, mas de juízo, aos demais, emitem um juízo correto.

Assim, há dois graus na emissão do juízo humano: o primeiro passo pode ser sua opinião, depois vem o juízo acompanhado da Fé.  

Na opinião há mais dúvida do que certeza

As pessoas cotidianamente emitem opiniões, espécies de sentenças, aceitando ou repudiando aquilo que está sob seu julgamento. Mas, emitir opinião simplesmente não basta para fazer juízo e ter certeza, pois nossa opinião é falha e cheia de amor-próprio. São Tomás de Aquino diz que o homem não deve ter somente opiniões, mas fé, pois esta é firme e inabalável enquanto nossas opiniões são vulneráveis e cheias de erros. Daí o erro de Descartes e seus seguidores em eleger a dúvida como ponto de partida da certeza. O ponto final de um perfeito juízo deve, pois, ser conseqüência de nossa Fé, e esta é uma certeza inabalável.[2]



[1] Summa, Questão LX, Art. II (tradução de Alexandre Correia), edição da Escola Superior de Teologia de São Lourenço de Brindes – Universidade Caxias do Sul – Livraria Sulina Editora),

[2] São Tomás escreveu que na opinião não havia assentimento: “dubitans non habet assensum... similiter nec opinans”. De Verit, q. XIV, a I. Cfr. III Sent. dist. 23, q. 2, a 2, sol. 1. Ambas estas obras são trabalho de juventude. Nas posteriores, o santo afirma explicitamente a existência de uma adesão, posto que destituída de firmeza, no espírito de quem opina. Cfr. S. Theol. 2, 2ae q. 1 a 4; q. 2, a.

“A opinião é uma adesão mesclada de dúvida e, por isso, mais ou menos vacilante e inconstante”. E. Boirac, ‘Cours élémentaire de philosophie”, Logique. c. V, Paris, 1900, p. 287. « De ratione opinionis est quod id quod est opinatum, existimetur possibile aliter se habere ». S. Tomás, Summa II, Iiae, q. 1, a. 5, ad 4m.

 


quarta-feira, 8 de junho de 2022

EM QUE SE BASEIAM PARA CRER NO “PENTECOSTALISMO”?

 



O “pentecostalismo” é coisa nova, recente, do século passado. Segundo tal doutrina o Espírito Santo continua a atuar nas pessoas da mesma forma que o fez no dia de Pentecostes, isto é, de uma forma extraordinária, transformando as pessoas momentaneamente em pregadores de uma forma milagrosa e estupenda, concedendo dons extraordinários como o das línguas, dos milagres, etc.. Com base nesse pressuposto surgiram várias seitas protestantes, alegando que o Espírito Santo desceu sobre eles, ou sobre alguns de seus pastores, operando maravilhas, como o fez no dia de Pentecostes. Não somente seitas protestantes, mas até entre católicos houve quem acreditasse nessa doutrina, daí surgindo movimentos dentro da Igreja com essa crença e finalidade. Um movimento pentecostal, ou uma seita pentecostal, procura realizar atos extraordinários e milagrosos alegando que é fruto da atuação do Espírito Santo.

Ora, não é bem assim. Não foi assim que o Espírito Santo deixou a sua principal mensagem. É claro que, como Deus, o Espírito Santo pode atuar a qualquer momento em uma ou outra pessoa, operar coisas extraordinárias e milagres com o fim de propagar o Evangelho e o Reino de Cristo. Mas, não constitui o procedimento normal, trata-se de algo esporádico.

No dia de Pentecostes o Espírito Santo baixou em forma de línguas de fogo sobre os Apóstolos que estavam reunidos com Nossa Senhora e as Santas Mulheres no Cenáculo, dando assim início à Igreja fundada por Cristo. O resultado foi extraordinário, saindo todos dali cheios de dons e carismas especiais destinados à pregação do Evangelho. Mas, estes dons e carismas passaram a ser transmitidos a outras pessoas pelos próprios Apóstolos, de uma forma constante ao longo dos anos: é como se a partir daquela data a Igreja fosse a única comunicadora dos dons do Espírito Santo. Nem São Paulo, nem São Marcos e nem São Lucas estavam naquele grupo, portanto, não estavam presentes quando o Espírito Santo desceu naquele dia de Pentecostes. Mas, sem passarem por uma descida assim milagrosa estes santos foram inspirados pelo Espírito Santo a escreveram os Evangelhos, Atos dos Apóstolos e as famosas epístolas paulinas, pois obtiveram todos estes dons pelo fato de pertencerem à Igreja de Cristo. O Novo Testamento foi inspirado e escrito por santos que estavam no dia Pentecostes e por outros que se converteram depois. Além disso, operaram milagres tão extraordinários quanto os que fizeram os demais. O Espírito Santo desceu neles de uma forma diferente daquela primeira vez que apareceu em Pentecostes, isto é, usando da Igreja e de seus apóstolos e não diretamente, mas através da simples imposição das mãos dos primeiros bispos ou apóstolos (At 8, 17).

Essa ação do Espírito fez-se notar logo no início em vários episódios, como nesse relatado nos Atos:

“Eis que chegaram logo três homens à casa, onde eu estava, enviados a mim de Cesaréia. E o Espírito disse-me que fosse com eles, sem hesitação alguma. Estes seis irmãos foram também comigo e entramos na casa daquele homem. Ele contou-nos como tinha visto na sua casa um anjo apresentar-se diante dele, dizendo: Manda a Jope chamar Simão, que tem por sobrenome Pedro, o qual te anunciará palavras, pelas quais serás salvo, tu e toda a tua casa. Tendo eu começado a falar, desceu o Espírito sobre eles, como sobre nós no princípio...”  (At 11, 11-15). Estas palavras foram pronunciadas pelo próprio São Pedro que, como se sabe, foi convencido por São Paulo a aceitar os gentios entre os cristãos sem nenhuma restrições como se vinha fazendo antes. Os dois futuros apóstolos, São Paulo e São Barnabé, receberam os dons do Espírito Santo através da “imposição das mãos” (At 13, 3). Não tratava-se aqui de um batizado, pois já haviam sido batizados antes, mas do recebimento das ordens sacerdotais.

Aliás, antes do Pentecostes o Espírito Santo já se manifestava pela forma comum, como no caso de Santa Isabel que, apenas ao ouvir a saudação de Nossa Senhora “ficou cheia do Espírito Santo” conforme escreveu São Lucas no Evangelho (Lc 1, 41). E, é claro, que Nossa Senhora já se encontrava nesse momento cheia do Espírito Santo, pois somente sua saudação fez o mesmo descer sobre santa Isabel. O Anjo da Anunciação disse: “O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá com tua sombra”  (Lc 1, 35). A forma de “sombra” era uma das maneiras como o Espírito Santo se manifestava no Antigo Testamento. E assim continuou a atuar ao longo de toda a história da Igreja, inspirando dons e carismas extraordinários em Santos e Papas. Quem revelou tal fato a São Lucas, com tantos detalhes inclusive da oração do Magnificat? Houve testemunhas que guardaram fielmente tal episódio? Sim, mas, provavelmente, não eram mais vivos na época em que São Lucas escreveu o Evangelho. Enquanto Nossa Senhora, não, ainda estava viva e, portanto, pode muito bem ter revelado a ele alguns aspectos daquele episódio para serem incluídos no Evangelho e tudo sob a inspiração do Espírito Santo.

Pode ser que ocorra uma nova ação do Espírito Santo semelhante ao de Pentecostes? Pode ser, mas não é normal que ocorra, pois o método que Deus utiliza após a fundação de Sua Igreja é o de usar de intermediários, de intercessores, para distribuir seus dons e carismas. E supõe-se que possa ocorrer novamente isso somente numa situação muito convulsa, em que a Igreja esteja prestes a sucumbir, com vistas a salvar e proteger o Corpo Místico de Cristo. É provável que isso só ocorra talvez na vinda do Anti-Cristo, no fim do mundo, ou numa época anterior em que esteja ocorrendo situação análoga a do fim do mundo..

É sob a ação do Espírito Santo que o Corpo Místico de Cristo forma uma só unidade, conforme ensinou São Paulo:

“E ninguém pode dizer: Senhor Jesus a não ser no Espírito Santo. Há diversidade de graças, mas um mesmo é o Espírito; e os ministérios são diversos, mas um mesmo é o Senhor; e as operações são diversas, mas o mesmo Deus é o que opera tudo em todos. A cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum. Assim, a um é dada pelo Espírito a linguagem da sabedoria, a outro, porém, a linguagem da ciência, segundo o mesmo Espírito; a outro a fé, pelo mesmo Espírito; a outro o dom das curas, pelo mesmo Espírito; a outro o dom de operar milagres; a outro, a profecia; a outro o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro a interpretação das palavras. Mas todas estas coisas as opera um só e o mesmo Espírito, repartindo a cada um como quer”  (I Cor 12, 3-11)

Do mesmo modo que o corpo é um e tem muitos membros, mas como todos os membros do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim é  também Cristo. Com efeito, num mesmo Espírito fomos batizados todos nós, para sermos um só corpo, ou sejamos judeus ou gentios, ou servos ou livres; e todos temos bebidos de um único Espírito”. (I Cor 12, 12-13)

Simbologia

Várias são as formas como o Espírito Santo se faz representar. As mais comuns até hoje foram as seguintes, conforme está consignado no Catecismo da Igreja Católica: água, dedo de Deus, fogo, luz, mão, nuvens, pomba,  selo e unção. É muito usado hoje apenas a simbologia da pomba, querendo indicar somente a paz, mas não foi essa a forma muito usual conforme veremos a seguir. Esta foi a forma como Ele desceu sobre o próprio Cristo em seu batismo, tornando-o um Sacramento a ser adotado pela Igreja criada por Nosso Senhor Jesus Cristo. E essa não é a forma como o Espírito Santo infunde seus dons sobrenaturais na alma humana, pois Jesus Cristo, sendo Deus, não necessitava deles naquele momento, mas apenas um sinal de batismo de fé.

Vejamos primeiramente as denominações dadas ao Divino Espírito Santo, enumeradas no referido Catecismo:

“Ao anunciar e prometer a vinda do Espírito Santo, Jesus o denomina “Paráclito”, literalmente: aquele que é chamado para perto de, “advocatus” (Jo 14, 16-26); 15, 26; 16, 7). “Paráclito” é habitualmente traduzido por “Consolador”, sendo Jesus o primeiro consolador. [1] O próprio Senhor chama o Espírito Santo de “Espírito de Verdade” [2]

Além de seu nome próprio, que é o mais empregado nos Atos dos Apóstolos e nas Epístolas, encontram-se em São Paulo as denominações: o Espírito da promessa (Gl 3, 14; Ef 1,13), o Espírito de adoção (Rm 8, 15; Gl 4,6), o Espírito de Cristo (Rm 8,11), o Espírito do Senhor (2Cor 3, 17), o Espírito de Deus (Rm 8,9-14; 15,19; 1Cor 6,11; 7, 40) e, em São Pedro, o Espírito de glória (1Pd 4,14)

OS SÍMBOLOS DO ESPÍRITO SANTO 

A água. O simbolismo da água é significativo da ação do Espírito Santo no Batismo, pois após a invocação do Espírito Santo ela se torna o sinal sacramental eficaz do novo nascimento: assim como a gestação de nosso primeiro nascimento se opera na água, da mesma forma também a água batismal significa realmente que nosso nascimento para a vida divina nos é dado  no Espírito Santo. Mas “batizados em um só Espírito” também “bebemos de um só Espírito” (1Cor 12, 13): o Espírito é, pois, também pessoalmente a água viva que jorra de Cristo crucificado[3] como de sua fonte e que em nós jorra em Vida Eterna.[4]

A unção. O simbolismo da unção com óleo também é significativo do Espírito Santo, a ponto de tornar-se símbolo dele. [5] Na iniciação cristã , ela é o sinal sacramental da confirmação, chamada com acerto nas Igrejas do Oriente de “crismação”. Mas, para perceber toda a força deste simbolismo, há que retornar à unção primeira realizada pelo Espírito Santo: a de Jesus. Cristo (“Messias” a partir do hebraico) significa “Ungido” do Espírito de Deus. Houve “ungidos” do Senhor na Antiga Aliança[6]: de modo eminente o rei Davi[7].  Mas Jesus é o Ungido de Deus de uma forma única: a humanidade que o Filho assume é totalmente “ungida do Espírito Santo”. Jesus é constituído “Cristo” pelo Espírito Santo.[8] A Virgem Maria concebe Cristo do Espírito Santo, que pelo anjo o anuncia como Cristo por ocasião do nascimento dele[9] e leva Simeão a vir ao Templo para ver o Cristo do Senhor[10]; é Ele que plenifica o Cristo[11], é o poder dele que sai de Cristo em seus atos de cura e de salvação.[12] É finalmente Ele que ressuscita Cristo dentre os mortos.[13] Então, constituído plenamente “Cristo” em sua Humanidade vitoriosa da morte[14], Jesus difunde em profusão o Espírito Santo até “os santos” constituírem, em sua união com a Humanidade do Filho de Deus, “esse Homem perfeito... que realiza a plenitude de Cristo” (Ef 4, 13): “o Cristo total”, segundo a expressão de Santo Agostinho.[15]

O fogo. Enquanto a água significa o nascimento e a fecundidade da Vida dada pelo Espírito Santo, o fogo significa a energia transformadora dos atos do Espírito Santo. O profeta Elias, que “surgiu como um fogo cuja palavra queimava como uma tocha” (Eclo 48, 1), por sua oração atrai o fogo do céu sobre o sacrifício do monte Carmelo[16], figura do fogo do Espírito Santo que transforma o que toca. João Batista, “que caminha diante do Senhor com o o espírito e o poder de Elias” (Lc 1, 17), anuncia o Cristo como aquele que “batizará com o Espírito Santo e com o fogo” (Lc 3, 16), esse Espírito do qual Jesus dirá: “Vim trazer fogo à terra, e quanto desejaria que já estivesse aceso (Lc 12, 49). É sob a forma de línguas “que se diriam de fogo” que o Espírito Santo pousa sobre os discípulos na manhã de Pentecostes e os enche de Si.[17] A tradição espiritual manterá este simbolismo do fogo como um dos mais expressivos da ação do Espírito Santo.[18] “Não extingais o Espírito” (1Ts 5, 19).

A nuvem e a luz. Estes dois símbolos são inseparáveis nas manifestações do Espírito Santo. Desde as teofanias[19] do  Antigo Testamento,a Nuvem, ora escura, ora luminosa, revela o Deus vivo e salvador, escondendo a transcendência de sua Glória: com Moisés sobre a montanha do Sinai[20], na Tenda de Reunião[21] e durante a caminhada no deserto[22]; com Salomão por ocasião da dedicação do Templo[23]. Ora, estas figuras são cumpridas por Cristo no Espírito Santo. É este que paira sobre a Virgem Maria e a cobre “com sua sombra”, para que ela conceba e dê à luz Jesus.[24] No monte da Transfiguração, é ele que “sobrevém na nuvem  que toma” Jesus, Moisés e Elias, Pedro, Tiago e João, “debaixo de sua sombra”; da Nuvem sai uma voz que diz: “Este é meu Filho, o Eleito, ouvi-o sempre” (Lc 9, 34-35). É finalmente essa Nuvem  que “subtrai  Jesus aos olhos” dos discípulos no dia da Ascensão[25] e que o revelará Filho do Homem em sua glória no Dia de sua Vinda.[26]

O selo é um símbolo próximo ao da unção. Com efeito, é Cristo  que “Deus marcou com seu selo” (Jo 6, 27) e é nele que também o Pai nos marca com seu selo[27]. Por indicar o efeito indelével da unção do Espírito Santo nos sacramentos do batismo, da confirmação e da ordem, a imagem do selo (“sphragis”) em sido utilizada em certas tradições teológicas para exprimir o “caráter” indelével impresso por estes três sacramentos que não podem ser reiterados.

A mão. É impondo as mãos que Jesus cura os doentes[28] e abençoa as criancinhas[29]. Em nome dele, os apóstolos farão o mesmo.[30] Melhor ainda: é pela imposição das mãos dos apóstolos que o Espírito Santo é dado[31]. A Epístola aos Hebreus inclui a imposição das mãos entre os “artigos fundamentais” de seu ensinamento[32]. A Igreja conservou este sinal da efusão onipotente do Espírito Santo em suas epicleses[33] sacramentais.

O dedo. “É pelo dedo de Deus que (Jesus) expulsa os demônios”[34]. Se a Lei de Deus foi escrita em tábuas de pedra “pelo dedo de Deus” (Ex 31, 18), a “letra de Cristo”, entregue aos cuidados dos apóstolos, “é escrita com o Espírito de Deus vivo não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, nos corações” (2 Cor 3,3). O hino “Veni,  Creator Spiritus” (Vem, Espírito criador) invoca o Espírito Santo como “dedo da direita paterna”  (digitus paternae dexterae).[35]

A pomba. No fim do dilúvio (cujo simbolismo está ligado ao batismo), a pomba solta por Noé volta com um ramo novo de oliveira no bico, sinal de que a terra é de novo habitável[36]. Quando Cristo volta a subir da água de seu batismo, o Espírito Santo, em forma de uma pomba, desce sobre Ele e sobre Ele permanece[37]. O Espírito desce e repousa no coração purificado dos batizados. Em certas igrejas, a santa Reserva eucarística é conservada em um recipiente metálico em forma de pomba (o columbarium) suspenso acima do altar. O símbolo da pomba para sugerir o Espírito Santo é tradicional na iconografia cristã.

(Extraído do Catecismo da Igreja Católica, Edições Loyola, 1999, tópicos 694 a 701, págs. 200/203) 

 


[1] Epístola I Jo 2, 1

[2] Jo 16, 13

[3] Jo 19,34; 1Jo 5,8

[4] Jo 4, 10-14; 7, 38; Ex 17, 1-6; Is 55,1; Zc 14,8; iCor 10,4; Ap 21, 6; 22, 17.

[5] 1Jo 2, 20-27; 2Cor 1,21;

[6] Ex 30,22-32.

[7] 1Sm 16, 13.

[8] Lc 4, 18-19; Is 61,1.

[9] Lc 2,11

[10] Lc 2, 26-27

[11] Lc 4,1

[12] Lc 6,19; 8,46.

[13] Rm 1,4; 8,11.

[14] At 2,36.

[15] Serm. 341, 1.1; PLm39, 1493; ibid 9,11: PLm 39,1499.

[16] 1Rs 18, 38-39.

[17] At 2,3-4

[18] São João da Cruz, A chama viva do amor.

[19] Teofania é como se denomina a manifestação visível do próprio Deus no Antigo Testamento. A palavra teofania tem origem na combinação de duas palavras gregas, theos, que significa “Deus”, e phainein, que significa “mostrar” ou “manifestar”. Portanto, literalmente teofania significa “manifestação de Deus”.

[20] Ex 24, 15-18.

[21] Ex 33, 9-10.

[22] Ex 40, 36-38; 1Cor 10, 1-2.

[23] 1RS 8, 10-12.

[24] Lc 1, 35.

[25] At 1, 9.

[26] Lc 21, 27.

[27] 2Cor 1,22; Ef 1,13 e 4,30.

[28] Mc 6,5; 8, 23.

[29] Mc 10,16.

[30] Mc 16, 18; At 5,12 e 14,3.

[31] At 8, 17-19; 13,3 e 19,6.

[32] Hb 6,2.

[33] Do grego epíklesis, «apelação”, oração usada nas liturgias orientais após a consagração.

[34] Lc 11, 20.

[35] Em Dominica Pentecostes, Hymnus as I et II Vesperas: Liturgia horarum, v. 2, Tipografia Poliglota Vaticana, 1974, PP. 795 e 812.

[36] Gn 8,8-12.

[37] Mt 3, 16.