segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Maria, Rainha-Mãe do Universo


Neste primeiro domingo depois do Natal, a Igreja homenageia a Sagrada Família. Nosso Senhor Jesus Cristo é o principal membro desta Família, pois Ele é o próprio Deus como Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. São José, também símbolo da castidade, esposo da Virgem Santíssima, foi o último dos Patriarcas e precioso auxiliar no decorrer de 30 anos da vida privada de Jesus. Destacamos aqui o papel de Nossa Senhora, não somente como Mãe de Deus, mas também como poderosa auxiliar de Jesus Cristo tanto em sua vida privada quanto pública: Ela é a co-regente de Cristo na regência do Universo.

Papel da Rainha-Mãe no exercício da regência

Quando a pessoa rege assume, principalmente, o poder de legislar ou aplicar a justiça. É por isso que tanto no Antigo quanto no Novo Testamento o cargo de juiz se confunde muitas vezes com o de rei ou governante. “O rei, que está sentado no trono da justiça, pelo seu olhar dissipa todo o mal” (Prov. 20, 8). Quando no Credo se diz que Jesus Cristo virá novamente para “julgar os vivos e os mortos” , na realidade está se afirmando que será sua completa regência sobre todos os homens a ocorrer no Juízo Final, mas auxiliado por seus co-regentes : “Jesus disse-lhes: Em verdade vos digo que, no dia da regeneração, quando o Filho do Homem estiver sentado no trono da sua glória, vós, que me seguistes, também estareis sentados sobre doze tronos, e julgareis as doze tribos de Israel”. (Mt 19, 28). Não se compreende que sua Mãe Santíssima não esteja sentada também num trono semelhante. Essa figura do juiz, como se viu, confunde-se com a de regente. No entanto, há um importante papel exercido pela esposa ou pela mãe do juiz ou do regente. Uma rainha-consorte pode ser uma regente secundária de um povo, pode ser também a “rainha-mãe” com funções adjutórias, mas importantes para uma boa regência. Trata-se de uma grande e poderosa auxiliar ao principal regente, com poderes muito maiores do que seus próprios ministros. Há um encargo exercido pela Rainha-Mãe que, não só extrapola, mas até transcende ao do regente principal. Nesse caso é ela também regente, uma co-regente. Um dos seus papéis mais importantes é como geradora ou continuadora da dinastia, que antecede e sobrepõe ao próprio poder de legislar ou aplicar a justiça. Assim, as matriarcas Eva, Sara, Rute e tantas outras do Patriarcado foram antecessoras das modernas Rainhas-Mães enquanto geradoras ou continuadoras da descendência patriarcal ou dinástica. Um outro papel é o de intercessão, exercendo também um cargo auxiliar de julgar ou de aplicar a justiça, pois a intercessão é uma função advocatícia e competente da lei. Existem diversos intercessores, mas uma intercessora é de importância primordial e indispensável entre o legislador (o rei ou regente) e seus súditos, mediadora que tem função de pacificar os que ferem a lei. Não se trata de punir, não se trata de aplicar as penas e os castigos, ou até mesmo de condená-los com acusações formais (funções também exercidas pelos advogados de acusação), mas de usar a misericórdia, o perdão, instrumento muito útil no processo judicial. É claro que a palavra final, a sentença de castigo ou perdão continua com o juiz, o principal regente, mas há necessidade de alguém que sirva para atenuar a pena ou para defender eventual inocência do acusado. Essa função de perdoar é mais sublime do que a de condenar, pois demonstra mais grandeza. Tal é o valor do perdão que Nosso Senhor o colocou no Pai Nosso: “Perdoai as nossas dívidas”, ou, como se diz hoje, “Perdoai as nossas ofensas”. Poderia ter posto assim “condenai aos que erram”, etc., mas, não, preferiu colocar o perdão num patamar mais alto. Por isso o perdão sempre é dado através dessa co-regência, de uma intercessora ou mediadora incumbida somente de usar a misericórdia. E quando há uma mediadora especialmente designada para obter esse perdão é porque lhe foi dado especial poder. Segundo São João Crisóstomo quando o homem perdoa faz o papel de Deus, tratando-se, portanto, de um atributo divino transmitido aos homens. E no exercício dessa função, dentro do poder regencial, a pessoa mais importante é a mãe do legislador, ou mãe do regente, também chamada de “Rainha-Mãe”, ou, em alguns casos, “Rainha-Consorte”. Assim, há necessidade de alguém que tenha poder e influência sobre o principal regente legal e que tenha por fim principal dentro da regência obter a paz social como solucionadora de contendas. Nesse caso, a primeira co-regente da História foi Eva, que Deus criou como “adjutório semelhante ao homem” (Gên 2.18). Será que não teria sido esse o papel de Eva perante e contenda entre Caim e Abel e que ela não tenha exercido a contento? Já Rebeca, a mãe de Jacó, pelo contrário, usou bem o seu ofício e evitou que Esaú o matasse. (Gn 27, 41-45). Nos casos acima, a mediadora ocupa a função de pacificadora. Nas primeiras dinastias da História (especialmente durante o Patriarcado), ainda não se sobressaía o papel da consorte do Patriarca (a não ser no caso de Sara, esposa de Abraão), pois elas ainda não podiam aparecer na regência da sociedade. Esse papel passou a preponderar quando surgiram as primeiras monarquias, especialmente no caso dos hebreus, quando as mães dos reis tinham poder de destaque. No decorrer do tempo foi aos poucos sendo ressaltado o papel das mulheres nas regências, ou como mandatárias legais, ou então como mães dos reis ou príncipes. Uma das principais características nesse papel era a formação das elites, como educadoras de príncipes e de reis. Um dos exemplos mais frisantes, já no decorrer do Cristianismo, foi o da mãe de São Luís IX (Branca de Castela) e da esposa de Dom João I (Filipa de Lancastre, “mãe da ínclita geração”, segundo Camões), ambas exímias educadoras de príncipes e de reis. Os exemplos de intervenções mediadoras de tais mulheres são contados aos milhares na História, como Santa Helena e tantas outras.

Importância das rainhas-mães no povo hebreu

A Sagrada Escritura, porém, não dava pouca importância ao papel das mulheres na sociedade. Além dos exemplos heróicos narrados nos livros de Rute, Judite e Ester, temos também a referência que se fazia ao nome das mães dos reis israelitas. Quase todo rei hebreu tem seu nome ligado ao de sua mãe. O primeiro episódio em que isso se dá ocorreu assim:
“Foi, pois, Betsabéia ter com o rei Salomão, para lhe falar em favor de Adonias. O rei levantou-se para a vir receber, saudou-a com profunda reverência e sentou-se no seu trono; e foi posto um trono para a mãe do rei, a qual se sentou à sua mão direita.”(I Reis 2, 19).
Em seguida a Sagrada Escritura narra o diálogo entre os dois, ocasião em que a rainha intercede por Adonias. A partir daí, tornou-se tradição entre os hebreus colocar a mãe do rei em papel de destaque, geralmente como sua intercessora perante os súditos. É bem uma pré-figura de Nossa Senhora como Mediadora, sentada num trono de Nosso Senhor Jesus Cristo à Sua mão direita. Depois da morte de Salomão e do cisma de Samaria, os reis são citados na Sagrada Escritura quase sempre junto com o de sua genitora, tal passou a ser o papel dela na regência do trono e a fim de que assim fosse conhecida também a descendência pelo levirato. Os reinos tinham como sedes as cidades de Jerusalém, o de Judá, e Samaria, o de Israel. De modo geral, são citadas as mães dos reis de Judá, talvez por causa da profecia que previa a origem do Messias naquela tribo. Na seqüência de reis que vai da morte de Salomão até a destruição do reino de Israel (da Samaria) são de modo geral citadas as mães daqueles que procederam corretamente. Depois disso, são citadas todas as mães dos reis de Judá, quer tenham sido eles bons ou não. O primeiro a ter a mãe assim mencionada foi Josafá (I Rs 22, 41-42): “Josafá, filho de Asa, sua mãe chamava-se Azula, filha de Salai... ...fez o que era reto diante do Senhor”. Seu sucessor, Jorão, não mereceu que tivesse sua mãe citada certamente porque “...procedeu mal diante do Senhor”. Já o seguinte, Acazias, embora tenha procedido mal mereceu que sua mãe, Atália, fosse mencionada, uma mulher ruim que perverteu mais ainda o reino após a morte do filho. Um outro rei muito ruim foi Acaz, tão ruim que ofereceu seu próprio filho para ser queimado aos ídolos, e, talvez por isso, não se sabe o nome de sua mãe. Temos, depois, uma sucessão de reis de Judá que são mencionados ao lado de sua mãe: Joás, filho de Sebia; Ananias, filho de Joadan; Azarias, filho de Jequélia, Joatão, filho de Jerusa, Ezequias, filho e Abi (todos estes tendo procedido corretamente); Manassés, filho de Hafsiba; Amon, filho de Messamelet; Josias, filho de Idida; Joacaz, filho de Amital; Joaquim, filho de Zébida e Sedecias, filho de Amital (sendo que, entre estes seis últimos reis, apenas Josias procedeu bem). Quanto ao reino de Samaria, ou de Israel, tivemos apenas alguns deles citados ao lado de sua mãe, como o primeiro deles que foi Jeú, o qual começou bem o reinado mas acabou mal: "No sétimo ano de Jeú, Joás começou a reinar e reinou quarenta anos em Jerusalém. Sua mãe chamava-se Sebia, de Bersabéia..." (II Reis 12, 1); tudo indica que a citação procede do fato de Sebia ser da tribo de Judá. Um outro citado com a mãe foi Facéia, filho de Romélia. Parece que o Divino Espírito Santo inspirava o escritor sagrado a prefigurar nas mães dos reis do povo eleito a importância que seria dada futuramente à Mãe do Rei dos reis, Maria Santíssima. E a Sagrada Escritura dava importância às mães dos reis de Judá, por ser desta tribo que viria o Messias, e àqueles que procediam corretamente. O livro de Rute, como que deu início a esta citação matriarcal, a qual seria respeitada nas pessoas de todos os reis legítimos de Judá. E, como se sabe, foi graças a Rute que não foi interrompida a descendência de onde nasceria o Messias, da tribo de Judá, com a qual ela conseguiria o casamento com um de seus filhos ilustres, embora sendo ela moabita: seu primeiro marido morreu sem deixar descendência e, mais uma vez, a tribo de Judá, de onde nasceria o Messias, iria ficar sem descendência.

O costume do levirato entre os hebreus

Para se entender melhor o papel das mulheres e do levirato durante o Patriarcado, vejamos, no caso de Rute, o que aconteceu com os ancestrais de sua tribo, de onde nasceria o Messias. A descendência de Judá iria ficar interrompida já no primeiro filho primogênito daquele Patriarca, chamado Her, que "foi mau diante do Senhor e o Senhor o fez morrer" (I Crôn. 2, 3). Como Her não iria deixar descendência, sua viúva, Tamar, se prevaleceu do chamado "levirato" e se casou com Onan. Mas este também prevaricou e foi morto por Deus. Como Judá prometera-lhe o último de seus filhos, Sela, mas esqueceu-se, Tamar fez uma trama para se unir ao sogro Judá, embora de uma forma artificiosa, e com ele ter filhos para dar continuidade à sua herança. Lembremo-nos que o termo "irmão" é utilizado nas Sagradas Escrituras de uma forma abrangente a todos os parentes colaterais, primos, tios, até cunhados, sogros e genros, além dos irmãos propriamente ditos. . Fato semelhante estava para ocorrer no tempo dos Juízes com Maalon, último descendente da tribo de Judá, casado com Rute. O Patriarca principal e pai de Maalon, chamado Elimelec, casado com Noemi, havia saído de seu país por causa da seca e emigrado para as terras dos moabitas. Lá, morre Elimelec e seus filhos homens, Maalon e Quelion, sem deixar filhos. A tribo de Judá estava novamente sem descendentes e não havia como cumprir a profecia de Jacó: “O cetro não será tirado de Judá, nem o príncipe da sua descendência, até que venha Aquele que deve ser enviado. E ele será expectação das nações” (Gen 49, 10-11 Resolveu então Noemi voltar para sua terra, aconselhando às suas duas noras, Orfa e Rute, moabitas, para ficarem entre seu povo. No entanto, as duas insistiam em acompanhar Noemi. Noemi era efrata, natural de Belém, onde residia a tribo de Judá e lá havia deixado seus bens e parentes. Enquanto Rute, moabita, por ser uma mulher de boa índole, queria, de todo o coração, ser parte do povo hebreu e seguir as leis que o regiam. Por causa disso insistiu e seguiu sua sogra, enquanto que a outra nora ficou. Como deveria se comportar a estrangeira junto dos hebreus? Moisés havia determinado: "Quando segares a messe no teu campo e deixares por esquecimento alguma gavela, não voltarás para a levar, mas deixa-la-ás tomar ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, a fim de que o Senhor teu Deus te abençoe em todas as obras das tuas mãos". (Deut. 24, 19-20). Rute disse à sua sogra: "Se o mandas, irei ao campo apanhar as espigas que escapam das mãos dos segadores, onde quer que eu encontre algum pai de família que se mostre clemente para comigo". Havia na cidade um rico parente de Elimelec, chamado Booz, e foi para lá justamente que Rute se dirigiu, embora sem saber quem era. Rute já era conhecida como uma pessoa bondosa, e tendo exercido o seu trabalho com afinco, pois ia "atrás dos segadores desde manhã até agora, e não voltou a casa nem um momento", Booz gostou dela e lhe autorizou que diariamente viesse ali fazer seu trabalho. Rute estranhou que ele tivesse sido tão benevolente para com ela, e Booz respondeu: "Foi-me contado tudo o que tens feito para com tua sogra depois da morte do teu marido; como deixaste os teus parentes, a terra onde nasceste, e vieste para um povo que antes não conhecias". Em seguida ordenou que lhe dessem de comer e, quando estivesse no campo, não só permitissem Rute apanhar as espigas que caíam das gavelas mas deixassem que algumas caíssem de propósito para que ela as apanhasse. Naquele dia, Rute apanhou muitas espigas de trigo e, chegando em casa, mostrou-as à sua sogra. Havia também juntado muita comida que lhe deram do sobejo, a qual deu também à Noemi. Quando contou que aquilo tudo tinha sido colhido na propriedade de Booz, Noemi sentiu viva alegria e contou-lhe que aquele homem era seu parente e muito poderoso em Belém. Em seguida, ordenou a Rute que voltasse a segar no campo de Booz, orientando-a para tentar conquistar o coração dele. Rute prometeu fazer tudo da forma como a sogra lhe recomendou... E de fato o fez. Parece que era uma espécie de "ritual" ou costume, que Booz certamente muito conhecia, e que significaria um pedido de casamento ou, pelo menos, uma apresentação ou pedido de proteção. Quando Booz deu por conta e viu Rute, exclamou: "Quem és tu?" Ao que ela respondeu: "Sou Rute, tua serva. Estende tua capa sobre tua serva, porque és parente". Em seguida, Booz passa a elogiar a boa mulher e lhe prometer fazer tudo por ela, mas por causa de suas virtudes e não por motivos materiais ou egoísticos. Sim, a lei do levirato mandava que a obrigação de casar-se com a viúva deveria recair sobre o irmão mais próximo. Booz sabia que através de Rute passaria a assumir toda a herança da família, que era rica, eles eram os principais herdeiros da tribo de Judá, mas insistia em cumprir a lei: deveria procurar o parente mais próximo de Rute e lhe perguntar se não tinha interesse em desposar a viúva. Para casar-se com Rute, Booz se utilizou de um estratagema: "Foi pois Booz para a porta (da cidade) e sentou-se ali. Vendo passar o parente de que antes falamos, chamando-o pelo nome, disse-lhe: Vem cá por um pouco, senta-te aqui. Ele foi e sentou-se. Então Booz tomando dez homens dos anciãos da cidade, disse-lhes: Sentai-vos aqui. Estando eles sentados, disse ao seu parente: Noemi, que voltou do país de Moab, está para vender uma parte do campo de Elimelec, nosso irmão; eu quis informar-te disso e dizer-to diante de todos os que estão aqui sentados, e dos anciãos do meu povo. Se o queres possuir pelo direito de parentesco, compra-o e fica com ele, mas se te desagrada, dize-mo, para que eu saiba o que devo fazer; porque não há outro parente senão tu, que és o primeiro, e eu, que sou o segundo". O inquirido respondeu que tinha interesse em comprar o campo de Noemi, mas Booz aí acrescentou que era necessário que ele se casasse com a viúva Rute, "mulher do defunto, para que suscites o nome do teu parente na sua herança". Neste caso, o interessado desistiu porque não queria renunciar a dar continuidade ao parentesco de sua família, ele já era um patriarca e não queria desistir do patriarcado de sua estirpe em benefício de outra. Era um costume antigo em Israel entre os parentes, que quando um cedia o seu direito a outro, para a cessão ser válida, o que cedia tirava o sapato e dava ao seu parente, a fim de evitar o que preceituava o Deuteronômio 25, 9-10. Assim, Booz exigiu que seu parente tirasse o sapato e lhe desse, declarando em seguida: "Vós sois hoje testemunhas de que entro a possuir tudo o que era de Elimelec, de Quelion e de Maalon, entregando-me Noemi; e de que recebo por esposa Rute, moabita, mulher de Maalon, a fim de eu fazer reviver o nome do defunto na sua herança, para o seu nome não se extinguir na sua família e entre os irmãos e no seu povo". Foi desta forma que a descendência de Judá não foi mais uma vez interrompida, continuou com Booz gerando Obed, e Obed gerando Isaí (ou Jessé), que foi o pai do rei Davi, de cuja família nasceu Nosso Senhor Jesus Cristo, exatamente em Belém, a mesma cidade onde ocorreu esta história. Eis a razão da história de Rute. É como se ela fosse um elo para dar continuidade ao Patriarcado de uma das mais importantes famílias, da qual sairia o Messias. E como a descendência atingiu seu ponto alto num monarca, ficou assim mais sólida e sem perigo de se desfazer.

Alguns anos depois, nascia numa gruta de Belém o Rei dos reis, amparado nos braços da Rainha-Mãe.

domingo, 29 de dezembro de 2013

O QUE SIGNIFICA FICAR VELHO NOS DIAS ATUAIS

Ancianidade tornou-se sinônimo de solidão. A situação dos anciãos no mundo moderno está cada vez pior, pois estão fadados a viver na solidão e morrer abandonados, inclusive assassinados sob amparo legal pelos próprios médicos, e muitas vezes com autorização ou ordem perempta da família – a terrível eutanásia. Idosos fogem da Holanda com medo da eutanásia, segundo noticia o jornal "Deutsche Welle". Asilo na Alemanha converte-se em abrigo para idosos que fogem da Holanda com medo de serem vítimas de eutanásia a pedido da família. São quatro mil casos de eutanásia por ano, sendo um quarto sem aprovação do paciente.(...) Estudo justifica temores – Uma análise feita pela Universidade de Göttingen de sete mil casos de eutanásia praticados na Holanda justifica o medo de idosos de terem a sua vida abreviada a pedido de familiares. Em 41% destes casos, o desejo de antecipar a morte do paciente foi da sua família. 14% das vítimas eram totalmente conscientes e capacitados até para responder por eventuais crimes na Justiça. (...) Não, não é na China nem na Coreia do Norte. É numa daquelas sociedades perfeitas do Norte da Europa. Aliás, é na Europa onde os idosos são mais desprezados, apesar de tantas leis que lhes dizem garantir uma aposentadoria tranquila - mas não o próprio fim da vida. Veja o vídeo abaixo, muito esclarecedor.


https://www.youtube.com/watch?v=S09zpRXm1U8

domingo, 22 de dezembro de 2013

Propostas de reforma da Cúria Romana são bem antigas




A “Cúria” é o órgão administrativo da Santa Sé, formado pelas autoridades que regem o funcionamento de toda a Igreja. O termo “cúria” vem do latim, e quer dizer “corte”, dando à igreja sua característica monárquica. Foi no Pontificado de Paulo VI que a Cúria sofreu sua última reforma, através do Decreto “Christus Dominus”, de 28.10.1965. Uma outra reforma, forçada, havia sido feita no século XIX, quando a Igreja teve seus Estados Pontifícios invadidos e tomados pela força, pois a partir desta data não havia mais como administrar tais estados, forçando a Igreja a assinar o Tratado de Latrão em 1929.

Muitos tentam separar os problemas meramente administrativos, políticos e legais dos religiosos; mas, com a Igreja, isso é impossivel, pois tudo o que fizer qualquer representante da Igreja terá que mostrar um sentido moral e religioso naquilo que faz. Assim, fala-se hoje numa reforma da Cúria Romana apenas com medidas de caráter burocráticos, como se os membros da Igreja, seus clérigos e presbíteros que atuam na sua direção, não exercessem nenhum papel religioso em seus trabalhos. Falam de questões econômicas e financeiras como se a Igreja vivesse apenas em função delas. Não é bem assim, como veremos adiante.

E para avaliar bem, vamos pôr em confronto dois Papas, o atual e Adriano VI (século XVI). Podemos traçar alguns traços de semelhanças entre os dois, apesar de tão distantes no tempo.

O Papa Adriano VI, de curtíssimo reinado de pouco mais de um ano, foi um dos poucos Pontífices a adotar o próprio nome após eleito, pois trazia de nascimento o nome (era de Ultrecht, Países Baixos) de Adrian Floriszoon Boeyens. O Papa Francisco também rompeu uma tradição de homenagear um antecessor, apenas não adotou seu nome de nascimento. Adriano foi também o único Papa não italiano até João Paulo II, tendência que segue até hoje. No início do ano seguinte a seu pontificado, em janeiro de 1523, começou a fazer uma reforma na Cúria Romana, programa que o atual Papa também está tentando implantar no Vaticano. Diz-se que Adriano VI era impopular entre os italianos por ser estrangeiro e pouco culto, não tendo sido também muito feliz na condução de assuntos políticos e religiosos da época. Francisco é estrangeiro na Itália e não muito culto, mas é muito diferente daquele Papa no que diz respeito à popularidade. Com relação ao sucesso do Papa atual nas questões políticas e religiosas, ainda é muito cedo para se avaliar.

Transcrevemos aqui o texto de um documento em que Adriano VI falava da reforma na Cúria. Se o Papa Francisco pretende fazer uma reforma que atinja o cerne da questão e da crise religiosa que atualmente assola a Igreja, deverá pautar sua reforma nos termos em que o pretendia aquele outro Papa. Embora os tempos sejam outros, no entanto, se a causa de tantos problemas são de origem moral e doutrinária, e envolvem principalmente o clero, será pensando em tais questões que qualquer reforma deverá ser pautada.

O famoso historiador Ludovico Pastor, autor da obra “História dos Papas”, transcreve um documento memorável de Adriano VI, a instrução lida pelo núncio Francesco Chieregati e dirigida aos príncipes alemães reunidos em Nueremberg no dia 3 de janeiro de 1523. Estava em plena efervescência a revolta protestante, ainda em seu nascedouro, e a admoestação do Papa visava essencialmente prevenir o que veio a ocorrer depois, pois o protestantismo nasceu exatamente no seio do clero decadente (não se esqueçam que Lutero era padre). Como havia muita corrupção entre os clérigos, o Papa desejava uma reforma profunda que sanasse tais males. Eis o texto:

“Deves dizer também que reconhecemos livremente haver Deus permitido esta perseguição a sua Igreja, por causa dos pecados dos homens, e especialmente dos Sacerdotes e Prelados, pois de certo não se encurtou a mão do Senhor para nos salvar; mas são nossos pecados que nos afastam d’Ele, de modo que não nos ouve as súplicas.

“A Sagrada Escritura anuncia claramente que os pecados do povo têm origem nos pecados dos sacerdotes, e por isto, como observa (São João) Crisóstomo, nosso Divino Salvador, quando quis purificar a enferma Jerusalém, dirigiu-se em primeiro lugar ao Templo, para repreender antes de tudo os pecados dos sacerdotes; e nisso imitou o bom médico, que cura a doença em sua raiz.

“Bem sabemos que, mesmo nesta Santa Sé, há já alguns anos vêm ocorrendo, muitas coisas dignas de repreensão; abusou-se das coisas eclesiásticas, quebrantaram-se os preceitos, chegou-se a tudo perverter. Assim, não é de espantar que a enfermidade se tenha propagado da cabeça aos membros, desde o Papa até aos Prelados.

“Nós todos, Prelados e Eclesiásticos, nos afastamos do caminho reto, e já há muito não há um que pratique o bem. Por isso devemos todos glorificar a Deus e nos humilharmos em sua presença; que cada um de nós considere por que caiu, e se julgue a si mesmo, ao invés de esperar a justiça de Deus no dia de sua ira.

“Por isto deves tu prometer em nosso nome que estamos resolvidos a empregar toda a diligência a fim de que, em primeiro lugar, seja reformada a Cúria Romana, da qual talvez se tenham originado todos esses males; e acontecerá que, assim como a enfermidade por aqui começou, também por aqui comece a saúde.

“Nós nos consideramos tanto mais obrigados a levar isso a bom termo, quanto todo o mundo deseja semelhante reforma.

“Porém não procuramos nossa dignidade pontifícia e de mais bom grado teríamos terminado na solidão da vida privada nossos dias; de bom grado teríamos recusado a tiara, e só o temor de Deus, a legitimidade da eleição e o perigo de um cisma nos determinaram a aceitar o supremo múnus pastoral. Em consequência, queremos exercê-lo não por ambição de mando, nem para enriquecer nossos parentes, mas para restituir à Santa Igreja, Esposa de Deus, sua antiga formosura, prestar auxílio aos oprimidos, elevar os varões sábios e virtuosos, e, genericamente, fazer tudo o que compete a um bom pastor e verdadeiro sucessor de São Pedro.

“Não obstante, que ninguém se surpreenda, se não corrigimos todos os abusos de um só golpe; pois as doenças estão profundamente enraizadas e são múltiplas; pelo que é preciso proceder passo a passo, e opor primeiramente os oportunos remédios aos danos mais graves e perigosos, para não perturbar ainda mais a fundo por meio de uma precipitada reforma de todas as coisas.Com razão diz Aristóteles que toda mudança repentina é muito perigosa para uma sociedade”.



quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Devolvam também o mandato de Dom Pedro II

Em sessão solene desta quarta-feira (18), o Congresso Nacional devolveu de maneira simbólica o mandato de presidente da República a João Goulart, que foi destituído do cargo em 1964. A presidente Dilma Rousseff e ministros de Estado participaram da cerimônia. Qual o efeito prático de tal medida? Aparentemente, nenhum. Se o ato é simbólico, nenhum poder ou mandato foi realmente restituído ao ex-presidente, que teve sua paz cadavérica incomodada outro dia com uma exumação esdrúxula para ver se havia sido envenenado. Como se vê tanto a exumação do cadáver quanto esta restituição de mandato são meros atos teatrais, meras encenações de políticos esquerdistas querendo desenterrar e memória de seus líderes fracassados do passado. É também a única coisa que está sabendo fazer a inútil “Comissão de Verdade”, na falta de alto mais prático e efetivo na consecução de seus objetivos. Não é nenhum reconhecimento de valor do ex-presidente, mas uma mera alfinetada nos militares, uma vingança tardia do que fizeram com aquele político e seus seguidores. Segundo a mídia, trata-se da mera “anulação” da sessão legislativa que destituiu o ex-presidente. Ora, se aquela sessão foi “anulada” deveria surtir seus efeitos legais, isto é, o deposto deveria voltar ao cargo do qual foi ilegalmente destituído. Mas, como cadáveres não podem atuar como os vivos, designaram o ato como “simbólico”. E, no entanto, é de supor que poderia surtir outros efeitos legais, como, por exemplo, garantir alguma pensão à viúva ou aos familiares de Goulart. Será que isto ocorreu? Se ocorreu, nada foi informado à opinião pública. Há uma outra significação que dizem não ser “simbólica”, que é tornar ilegal o golpe militar de 1964. Vejam bem: se o golpe de 64 foi tornado ilegal qual o resultado prático desta medida? Então, os ex-presidentes Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo vão ser declarados como ilegais? E as leis que eles aprovaram vão ser todas revogadas? É claro que se eles não eram presidentes legítimos tudo o que fizeram, inclusive as leis que assinaram, também são ilegítimas e devem ser revogadas, como, por exemplo o FGTS, o PIS-PASEP, a fundação do Banco Central e tantas outra que ainda persistem. E, por causa desta constatação haverão outras consequências, como, por exemplo, anular as pensões das viúvas ou dos familiares deles? Ou tudo realmente não passa de uma peça teatral? Teatro por teatro, sugiro aos políticos que promovam uma sessão tornando também ilegal o golpe de 1889, feito também pelos militares, e que destituiu do cargo o nosso imperador Dom Pedro II. Devolvam-lhe, nem que seja simbolicamente, o seu cargo. Feito isso acreditarei na sinceridade de quem promoveu a restituição do cargo de Goulart.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O "APARTHEID" ACABOU?


O termo foi generalizado na mídia após a dramática experiência da África do Sul. Mas, o sistema de “apartheid”, ou segregação racial, é bem antigo. Para que se entenda a questão é preciso, antes de tudo, destacar alguns pressupostos:
 1º - A segregação de modo geral é feita por uma elite que dirige uma nação, representando maioria ou minoria, conforme o caso. Isto é, pode ocorrer que tal segregação seja feita contra uma maioria ou contra uma minoria, a depender de qual das partes está no poder. Os nazistas quando dominavam um país, impunham a segregação para aqueles que se lhes opunham, fossem maioria ou minoria, como no caso dos judeus.
2º - Há casos de minorias que se segregam por conta própria, em geral para se proteger contra a maioria hostil: foi o caso dos judeus que sempre optaram pela segregação, vivendo em guetos, separados da população em que moravam. Seguindo o exemplo dos judeus, os protestantes sempre tiveram tal prática nos países que colonizaram. Especialmente os ingleses e os holandeses, os quais nunca aceitavam conviver com os nativos e viviam em “guetos”. Na África do Sul havia também muitas tribos negras que se recusavam à convivência com os brancos, por diversos e variados motivos, mas, um dos principais era o desejo de continuar vivendo na barbárie. Já nas colônias portuguesas e espanholas (por serem católicas) nunca houve tal segregação, daí surgindo uma das maiores miscigenação de raças que já houve na história da humanidade.
3º - Os países ditos democráticos também praticam segregação racial quando impõem aos povos indígenas que vivam reclusos em suas aldeias, sem direito de praticar a vida civil comum dos outros cidadãos, e também impedindo que os civilizados tenham comércio com eles. A Constituição brasileira, ao institucionalizar as terras indígenas como direitos de um povo, nada mais fazem do que regulamentar a segregação, que é racial, pois, no caso, os índios possuem uma etnia diferente do resto de nosso povo. E, por força da lei, obriga tais povos a viverem separados, segregados, do resto da nação, sem desfrutar dos mesmos direitos. Assim como era na África do Sul, o índio só tem o direito de votar se comprovar formação escolar. Essa questão é muito antiga entre nós: data do tempo do Marquês de Pombal, o qual proibiu os jesuítas de catequizar os índios, que deveriam permanecer no estado selvagem, conforme aquela mentalidade protestante e laica de que falamos.
Vistos tais pressupostos, vamos analisar como surgiu no mundo moderno a discussão em torno deste tema. O termo “apartheid”, que alguns dizem vir do idioma africâner, significa simplesmente “separação” ou “segregação” racial, sistema que não permite a mistura de raças. Se tal sistema existia em outros países mais como culturas locais, praticado pelos povos por causa da educação protestante ou pelos judeus, no caso da África do Sul foi implantado como sistema legal pelo próprio governo. Os detratores de tal sistema alegam sempre, para o censurar, que era feito por um governo de “minoria branca”, mas nunca salientam que antes de serem brancos eram protestantes e, portanto, muito ciosos de suas raças como “povo escolhido” de Deus. Veremos adiante como a filosofia do “apartheid” surgiu de princípios religiosos, oriundos de judeus e protestantes.
Tais leis racistas começaram a vigorar na África do Sul a partir de 1948, sendo abolidas em 1994. Essa legislação dividia as raças não somente em brancas e negras como se fala habitualmente, mas nas seguintes categorias: negros, brancos, de cor e indianos. Quer dizer, eram quatro as raças em que o povo de lá era dividido. E tal divisão não era somente por classificação étnica e cultural, mas envolvia, principalmente, questão econômica e política. O branco só podia frequentar escola de branco, o negro a dos negros, o indiano a dos indianos, a pessoa “de cor” uma escola para as pessoas “de cor”, etc. No entanto, antes disso tornar-se lei, já havia tal prática em grande parte do país, pois, em várias regiões, a maioria negra não aceitava a mistura com outras raças, nem tampouco os brancos também o aceitavam. Essa resistência existiu sempre, muito mais como consequência dos princípios protestantes ensinados àquele povo do que mesmo por causa de outros fatores, já que muitas das tribos do interior do país nunca foram “evangelizadas” por causa dessa recusa em aceitar culturas estranhas. As desordens e guerras ocorridas por causa do “apartheid” sul-africano foram decorrentes de dois fatores: de um lado o orgulho e prepotência racial dos protestantes brancos e de outro a ignorância dos negros. Por causa dessa guerra muito sangue foi derramado, pois o famoso Congresso Nacional Africano sempre foi um grupo guerrilheiro sanguinário. Era comum entre eles a prática do desumano “necklace of death” (colar da morte): colocavam um pneu em torno da vítima (geralmente preso ao pescoço) e jogavam gasolina em cima, matando-a de uma forma cruel. E tal prática era utilizada pelo CNA contra qualquer opositor político (e não apenas racista), e a maioria dos que matavam era entre os próprios negros.

Antecedentes
A presença protestante na África do Sul começou em meados do século XVII, quando a famosa Companhia das Índias Orientais, dos holandeses, fundou uma colônia na cidade do Cabo. De início vieram alguns agricultores para executar os trabalhos do campo, os chamados “bôers”, mas, ao longo dos anos foi cada vez mais utilizado o trabalho escravo dos nativos. Foram estes os mesmos holandeses que estiveram no Brasil naquela mesma época, em Salvador e Recife, de onde graças a Deus foram expulsos: do contrário estaríamos vivendo hoje por aqui o mesmo problema de segregação que praticaram na África e em outros lugares. No século XIX os holandeses perderam a colônia do Cabo, mas para os também protestantes ingleses, que, do mesmo modo, praticavam a segregação racial. A escravidão ainda era utilizada pelos proprietários de terra, mas quando em 1834 a Inglaterra passou a proibi-lo, os bôers se deslocaram com seus escravos e pertences para outras regiões, fundando o Orange e o Transvaal, da mesma forma nascidos sob o peso da força bruta e do ódio racial protestantes. Os ingleses também aceitavam pacificamente a existência de leis racistas, e até criaram algumas, como a “lei do passe” que regulamentava a circulação de negros para áreas diferentes de onde moravam. No tempo dos ingleses os negros nem sequer tinham permissão para andar nas ruas das cidades do Cabo e de Natal durante a noite. A partir de 1892, também, foram criadas leis que limitavam o direito de voto dos negros, dos indianos e dos “de cor”, conforme a situação financeira de cada um.
A partir do século XX, com a descoberta das minas de diamante e de ouro, a região se viu envolvida em várias guerras, culminando com um tratado do qual surgiu a União Sul-Africana, mas ainda sob o governo britânico. Nesta nova situação política nada mudou para as pessoas negras, indianas ou de cor. Os dirigentes protestantes não permitiam que pessoas de raça considerada inferior dividissem o poder com eles. No entanto, partiu de um partido nitidamente bôer, e não inglês, a legislação oficial do apartheid. Aquilo que, de início, era apenas cultural, costume e crenças entre a população, deveria se transformar em lei. E as restrições raciais envolviam não somente a frequência de lugares públicos, mas até mesmo a posse de terras: os negros e as pessoas “de cor”, por exemplo, não podiam comprar terras fora de suas “reservas indígenas”. A partir de 1948 o “apartheid” foi justificado pelos juristas protestantes como necessário para manter a personalidade dos grupos raciais do país. Cada etnia, cada raça, cada grupo econômico e social, deveria manter suas características próprias e não deveria haver miscigenação. Era o Governo querendo impor a uma nação como deveria ficar suas características raciais. Quem impôs isso foi o Partido Reunido Nacional, chefiado por Daniel François Malan, famoso e poderoso pastor da “Igreja Reformada Holandesa”.
O argumento para a manutenção da segregação racial é de cunho não somente filosófico, mas religioso. Prevalece aquele princípio de “povo eleito”, “raça escolhida”, um ideal nitidamente protestante que herdaram dos judeus. Segundo este pensamento, os brancos oriundos da Holanda, os "boers", eram de uma raça que não deveria misturar-se, especialmente com as pessoas de raças consideradas inferiores. O próprio Partido Nacional definia em seu manifesto que a segregação racial se baseava em princípios cristãos. Por detrás disso está a ideia de um povo ou de uma raça escolhida, diferente das demais, e tendo que ficar “pura” para manter-se como tal. A legislação considerava também que a África do Sul não deveria ser tida como uma nação, mas quatro nações compostas por quatro grupos raciais; brancos, negros, “de cor” (que eram os mestiços) e indianos.
Da mesma forma, o movimento anti-apartheid data de longas datas. O Congresso Nacional Africano, por exemplo, começou suas atividades em 1912. No entanto, houve muita infiltração marxista entre eles, desviando-o de seu verdadeiro objetivo. Antes do combate ao racismo, eles pretendiam mesmo era implantar um regime comunista na região. Da mesma forma, o CNA nunca foi uma organização movida por bons princípios, criando uma situação mais de ódio do que de paz social. Aqueles que se destacavam como atuantes de uma “resistência pacífica” eram estimulados pelo Ocidente, inclusive com prêmios Nobel da paz, mas eram poucos. E aos poucos foram se juntando outras organizações de caráter internacional, chegando a influenciar importantes políticos do Ocidente, seja americanos ou europeus. E a causa do “apartheid” caiu na desgraça da opinião pública mundial, o que não chegou a ser assim entendido pelos dirigentes daquele país, a maioria protestante ou insuflada por ideias afins com os hereges discípulos de Lutero.
Até que a ONU resolveu colocar o regime na clandestinidade, através de uma resolução de 6 de novembro de 1962, onde eram condenadas as práticas racistas e segregacionistas da África do Sul. Daí em diante, todos os esforços do Ocidente, especialmente dos países mais ricos como Estados Unidos e Inglaterra, foi combater o regime do “apartheid”, do que se aproveitou a ex-URSS para infiltrar seus membros no CNA e tentar implantar um regime comunista, haja vista a instabilidade política criada para a elite branca. O próprio Mandela era filiado ao Partido Comunista, fato que costumeiramente não era mencionado na mídia, pois isso poderia causar maior rejeição entre a própria população negra, completamente hostil ao comunismo.
Cedendo às pressões internacionais, a partir da década de 90 o governo libertou Mandela e mandou abolir todas as leis segregacionistas. Um caso em discussão era o documento denominado “Afrikaner Broederbond”. Nele era afirmada a crença Afrikaner na democracia e nos princípios Cristãos. Sua visão da democracia, contudo, sistematicamente excluía não-brancos, e seu entendimento dos princípios Cristãos não estendiam o tratamento igual aos seus vizinhos negros. Aparentemente eles reconheciam negros como sendo inferiores ou "diferentes demais" para serem tratados de forma igual. Quer dizer, o que predomina entre eles é o auto-conceito de “raça escolhida”, de “povo eleito”, algo muito especial e superior às demais raças, motivo por que não deve se miscigenar. Esta grave presunção é uma temerária e excessiva confiança na própria salvação eterna sem basear-se em nenhuma revelação ou princípio de justiça.
O governo sul-africano tentou dividir o Estado da África do Sul reconhecido internacionalmente em um sem número de republiquetas. Algo como 87% da terra era reservada aos brancos, mestiços, e indianos. Cerca de 13% da terra era divida em dez "pátrias" fragmentadas para os negros (80% da população) aos quais era dada "independência", apesar da autonomia ser mais teórica que real: o exército da África do Sul interviria para remover governos das "pátrias" que implementassem políticas que não fossem do gosto da África do Sul. Depois tentou traçar uma equivalência entre sua visão de "cidadãos" negros nas "pátrias" e a visão da União Europeia e dos Estados Unidos sobre imigrantes ilegais vindos da Europa Oriental e América Latina, respectivamente. Quer dizer, eles consideravam as comunidades negras encravadas em seu território como “reservas”, o mesmo que ocorre com nossas reservas indígenas. Onde a África do Sul se diferenciava de outros países é que, enquanto estes desmantelavam sua legislação discriminatória e tornavam-se mais abertos em assuntos relacionados à raça, lá se construía um labirinto legal de discriminação racial.

Há “Apartheid” no Brasil?
Se considerarmos os termos em que a ONU definiu tal regime, sim. Em 1973 a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou o texto da Convenção Internacional da Punição e Supressão ao crime do “Apartheid”. Embora tal convenção visasse quase que exclusivamente a África do Sul, os princípios ali expostos valem para qualquer país. A convenção ganhou força em 1976. Pelo menos dois intens, no Artigo II da convenção que define o apartheid, rezam assim:
(c) Qualquer medida legislativa e outras medidas calculadas para evitar que um grupo ou grupos raciais participem da vida política, social, econômica ou cultural de um país e a criação deliberada de condições que evitem o desenvolvimento completo de um grupo ou grupos raciais, em particular através da negação dos direitos e liberdades humanas, incluindo o direito ao trabalho, o direito de formar uniões comerciais, o direito à educação, o direito de deixar e retornar ao seu país, o direito à uma nacionalidade, o direito de ir e vir e da mobilidade da residência, o direito à liberdade de opinião e expressão, e o direito a junções e associações livres e pacíficas a membros de grupos raciais.
(d) Qualquer medida, incluindo medidas legislativas, destinadas a dividir racialmente a população pela criação de reservas separadas e guetos para membros de um grupo ou grupos raciais, a proibição de casamentos que mesclem grupos raciais distintos, a expropriação de propriedades territoriais pertencentes a grupos raciais a membros que não são da comunidade;
Pensando bem, não é o que ocorre com o governo brasileiro que faz exatamente isso com nossos índios, segregando-os em terras separadas dos habitantes de nosso país, usando até o nome de “reservas” como está classificado nessa convenção da ONU? Mas, apesar de cometer o mesmo crime dos sul-africanos não há uma só movimento que o combata entre nós. Talvez os nossos índios não tenham mesma força numérica dos negros, representando menos de 0,2% de nossa população. Embora “possuam” mais terras do que a própria África do Sul...

Origens remotas do segregacionismo
Seguindo prescrições do tempo de Moisés, o povo hebreu tinha uma consciência muito forte de sua descendência, por isso conservando-se isolados dos outros com suas divisões tribais. Guardavam rigorosamente os registros de suas origens, dos antepassados de todas as 12 tribos. Por exemplo, Nosso Senhor Jesus Cristo tem sua descendência descrita por São Lucas porque Sua família possuía tais registros. No entanto, com o tempo suas tribos foram se espalhando pelo mundo e ocasionando muitas miscigenações com os outros povos, os chamados gentios, que deram sua contribuição ao Povo Eleito. Por exemplo, o rei de Tiro, Hiram, ajudou Salomão na construção do Templo, embora não fosse israelita de nascimento. A própria Rute, ancestral do rei David, não era israelita, mas moabita.
Em geral as comunidades judaicas espalhadas pelo mundo procuram viver isoladas, pretendendo assim manter suas características originais. Orgulham-se de ser um povo escolhido por Deus, e, por causa disso, terem que viver sem mesclar-se com os demais. Até hoje acreditam que o Messias prometido por Deus será um rei poderoso, um chefe de estado dono de grande poder e majestade, fazendo com que seu povo se erga e domine todo o mundo. E isso os faz diferentes. Esta ideia falseada do Messias perdura fortemente até nos judeus de nossos dias, conforme explica Mons. Henri Delassus: “No entanto, a imensa maioria dos judeus mantém-se fiel à antiga crença, assim exposta pelo eminente rabino Drach no seu livro L’Eglise et la Synagogue. “Segundo a doutrina ensinada pelos mestres de Israel, o Messias deve ser um grande conquistador, que submeterá as nações à servidão dos judeus. Estes retomarão a Terra Santa, triunfantes e carregados das riquezas que terão arrancado aos infiéis. Então todos os povos serão submetidos aos judeus e a estes pertencerão os bens e o poder dos vencidos. É com uma saudação a esse mesmo triunfador e com a esperança dos bens que ele deve obter para o seu povo que os rabinos ordinariamente terminam seus discursos”. O mesmo autor narra o seguinte: “Na escola que eu freqüentava, em Estrasburgo, conta Drach, as crianças tomaram a resolução de, na primeira aparição do Messias, roubar todas as confeitarias da cidade... Fiz durante muito tempo, sozinho, o inventário de uma bela confeitaria no canto da Praça de Armas, cuja propriedade queria para mim”. (Drach, Deuxième lettre, p. 319. Paris, 1827).
Esta crença do povo escolhido, embora verdadeira sob alguns aspectos (principalmente porque dele nasceria o Salvador e a Igreja), fazia-os acreditar, por orgulho, que somente os judeus eram destinados à salvação, os demais povos estavam para sempre condenados. Eles eram, pois, o “povo eleito”, destinado a reger os outros povos, indicando com isso que as outras nações eram repelidas ou menosprezadas por Deus. De tal forma que motivou a pergunta feita por um anônimo a Nosso Senhor: “Alguém lhe perguntou: Senhor, são poucos os que se salvam?” (Lc 13, 22). A pergunta não provém de uma dúvida, mas de uma maneira de pensar pela qual todos os judeus julgam que somente eles, a minoria no mundo, se salvarão. O Pe. Lagrange comenta sobre este episódio: “É freqüente esta preocupação dos rabinos. Pensava-se na salvação eterna, sobretudo na dos israelitas, porque os demais haviam merecido sua perdição e quase se alegravam dela”. Da mesma forma que encaravam essa exclusividade na salvação eterna, também viam assim o predomínio temporal sobre os povos. A ideia do exclusivismo judeu perdurou até entre cristãos. O pensamento da “Igreja de Jerusalém” (At 15, 1-3) reflete tal exclusivismo ou primazia. Era assim que pensavam os cristãos oriundos do farisaísmo. O próprio Santiago Menor, Bispo e Apóstolo, era um dos cabeças dessa idéia. E, no decorrer dos anos, a ideia foi vicejando entre alguns falsos cristãos, terminando por imperar completamente entre os protestantes.

Segregacionismo das seitas protestantes
Interpretando mal o sentido de “povo escolhido”, em geral todas as seitas protestantes admitem serem as únicas a ter o direito da salvação eterna, daí se manterem separadas das demais pessoas. Tal maneira de pensar começou a ser comum entre eles especialmente após o movimento de Lutero no século XVI, tendo influenciado vários escritores e políticos no decorrer dos tempos. Todo país dominado por governos protestantes do período viveram o segregacionismo em suas colônias. Tivemos um exemplo no Brasil, quando aqui aportaram os piratas holandeses nas invasões do século XVII e também quando chegaram alguns ingleses estabelecendo colônias anglicanas, como a que se estabeleceu em Salvador no século XIX, inteiramente isolada, segregada do resto da população. Vejam também o exemplo dos ingleses na Índia, período em que dominaram sem que houvesse a menor preocupação na miscigenação com aquele povo. Sendo assim, o “apartheid” não é decorrente de um pensamento nazista, como o afirma gente apressada na análise do tema, mas dos protestantes. E não pode se dizer que o mesmo acabou, mesmo na África do Sul. Lá ainda perdura o “apartheid” cultural, por onde negros e brancos se recusam a viver em comum, embora não seja de uma forma tão intensa quanto antes. Enquanto existirem seitas protestantes, cujos membros cheios de orgulho e presunção se achem puros e merecedores únicos das graças divinas, essa separação, ou segregação, continuará a perdurar, tanto por causa de brancos como por causa de negros, pardos ou indianos.

domingo, 1 de dezembro de 2013

VIOLÊNCIA URBANA, MAIS UMA HERANÇA DAS ESQUERDAS




Fala-se muito no Brasil sobre o legado que a revolução militar de 1964 nos deixou. E a mídia só ressalta o lado negativo das prisões ilegais, torturas e mortes ocorridas com os elementos da esquerda. Não se fala do bom legado, qual seja, os enormes benefícios trazidos pela moralização da chamada “coisa pública” e um grande desenvolvimento econômico que marcou época.

De outro lado, não falam do legado negativo deixado pelas esquerdas. Um deles foi o incremento da violência urbana no Brasil. É a partir do final da década de 60 que começam a surgir os assaltos a banco através do famoso “Comando Vermelho”, uma facção criminosa criada pelas esquerdas que lutava contra os militares na década de 60. Assaltavam bancos com o fim de arrecadar fundos para os movimentos armados contra o governo. Foi criada e alimentada pela esquerda, sendo hoje o modelo de inúmeras outras facções como o PCC em São Paulo. Atualmente, dizem que o “Comando Vermelho” não faz mais um trabalho característico das esquerdas (já que elas estão no poder), sendo apenas mais uma falange de bandidos que assaltam e se organizam para incrementar o tráfico de drogas. É fato notório que há elementos estrangeiros ligados ao socialismo internacional que despejam rios de dinheiro nas facções criminosas brasileiras, ou com fins de alimentar o tráfico de drogas ou então simplesmente para angariar recursos. Líderes políticos comunistas mantêm ligações com todas estas organizações criminosas, e os elementos da esquerda dita moderada não desconhecem esta realidade.

Apesar das esquerdas alimentarem as quadrilhas de traficantes e de guerrilheiros na Colômbia, tanto com recursos financeiros quanto com apoio moral, até hoje o governo brasileiro nunca fez uma condenação oficial daquela guerrilha, dizendo descaradamente que não se trata de terroristas, mas de opositores ao governo em luta armada. E por que não agiria também a esquerda para acobertar e promover o banditismo do “Comando Vermelho” e congêneres do Rio? Mas, afinal, que queriam (ou querem) as esquerdas para o Brasil nos idos de 60? Queriam paz? Queriam um país próspero e progressista, livre da miséria e da pobreza? Ora, continua nos programas dos partidos de esquerda (sem nenhuma exceção) a busca pelo que eles chamam de “socialismo”. Mesmo depois da falência da URSS, quando se revelou para o mundo as falácias e mentiras sobre o socialismo, na verdade uma fonte de miséria e de pobreza, os elementos das esquerdas brasileiras (e com eles alguns outros da América Latina) continuam a apregoar este utópico socialismo. Todos veem claramente que o “socialismo bolivariano” de Hugo Chávez está levando a Venezuela cada vez mais para a miséria e a desgraça. Mesmo assim, o programa deles continua o mesmo: socialismo, “socialismo ou morte”. Se a morte não vier por alguma bala, virá por inanição, tal a miséria em que o mesmo deixará aquele povo...

Há uma outra coisa: foram as esquerdas que inauguraram no Brasil a esperteza política, o chamado popularismo oportunista em busca de votos, a demagogia para se promover aos cargos públicos. A esquerda, hoje, não visa mais as guerrilhas urbanas porque já detêm o poder através de seu principal partido. Não seria esta sua tática se estivessem na oposição a um regime declaradamente anti-esquerdista (ou anti-socialista, dá no mesmo). Mas seus filhos não abortados continuam vivos: os traficantes e as quadrilhas de assaltos a mão armada que se espalharam pelo Brasil.

De outro lado, os principais dirigentes esquerdistas são péssimos exemplos para nossa população. Os governantes de um povo influenciam toda a sua população pela vida que levam. Se forem honestos, vão ser exemplos de honestidade. Se tiverem boa moral, serão exemplos de moralidade e de respeito. No nosso caso, o ex-presidente Lula está sendo apontado como um exemplo de operário que progrediu e chegou ao poder máximo, mas na realidade não é assim que o povo o vê. Veem-no como um homem que soube usar da esperteza para galgar seus postos, como um sujeito labioso que engana facilmente seus ouvintes com palavras falaciosas e, sobretudo, como um homem que não quis estudar, não se esforçou para angariar maior desenvolvimento cultural e, mesmo assim, “passa a perna” em todo mundo.

Ele não seria o modelo da revolta máxima, que seria a reação armada. Este papel caberia a outro, como a sua sucessora, um péssimo mau exemplo de quem pegou em armas contra as autoridades a fim de querer fazer prevalecer suas ideias mirabolantes do socialismo utópico. E mau exemplo também por defender o aborto e apoiar o seu partido que quer descriminalizá-lo entre nós.

Este modelo talvez seja o que deveria vigorar no Brasil a partir de 2011, já inaugurado com os ataques dos bandidos no Rio no final do ano 2010. Ora, não somente estes bandidos sabem que a autoridade principal de nosso país já executou ação armada, mas toda a população que poderá ver a luta armada como uma coisa natural e conseqüência pura e simples da busca de seus ideais. A população não somente sabe que a presidente já pegou em armas, mas também que todos os seus correligionários que o fizeram não só foram perdoados, mas até indenizados com gordas verbas do atual governo. E podem muito bem pensar: “se a gente aderir aos bandidos, quem sabe amanhã alguma ONG de direitos humanos vai conseguir que a gente receba indenizações com a morte ocorrida nas mãos dos policiais que nos combatem”. Enfim, o crime foi banalizado também pela esquerda, e a bandidagem do Rio de Janeiro pode-se dizer que é um dos filhos não abortados desta montanha vermelha, que apesar de quase morta ainda fumega.

Há um fato mais clamoroso. Sempre que um governante de esquerda assume um governo a violência aumenta. Foi assim com Brizola no Rio, ocasião em que os bicheiros e os traficantes mais aumentaram de poder. Foi assim com o atual governador da Bahia (PT), que teve a criminalidade aumentada consideravelmente em seu governo. Foi assim também em Pernambuco, um dos Estados mais violento do Brasil exatamente porque lá sempre mandou o PT. Quais as razões disso? Primeira razão: os bandidos sentem que a autoridade não tem pulso para combater a marginalidade quando a repressão é feita com “excessos de cuidados” aos direitos humanos. E aí eles se aproveitam para aumentar sua ação, que muitas vezes ficam impunes por causa desta política acentuadamente humanitária para com bandidos de alta periculosidade. Segunda razão: a corrupção política domina a administração pública e vai servir de mau exemplo até mesmo para os cidadãos de bem. Talvez os escândalos impunes ocorridos no governo Lula tenham influenciado mais a marginalidade do que as gordas verbas mandadas pelas diversas máfias que alimentam as quadrilhas do Rio. Existiria uma terceira razão, esta localizada em algumas cidades em que a autoridade local fez alianças com bandidos. Mas aí não entra em destaque apenas a ação da esquerda, mas um conjunto de problemas morais da sociedade moderna. Se alguém pensa que Dilma Rousseff não serviu de mau exemplo quando declarou francamente a sua participação na luta armada, e sem demonstrar nenhum arrependimento, até pelo contrário contando vantagens, olhe para o crescimento da violência urbana, ocorrida exatamente após a posse dela. Esperemos para ver se a presidente vai querer tratar os bandidos da mesma forma que ela gostaria que fosse tratada pelos militares quando foi presa a quarenta anos atrás. Eles, os bandidos, sabem que ela e seu governo tratam-nos com brandura e muitos cautelosos na defesa de supostos “direitos humanos” que alardeiam diariamente.





quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A desagregação social é fruto da Revolução



A análise abaixo (feita no ano 1943, quando ainda não havia terminado a Guerra), embora sucinta, não nos leva a considerar que a desagregação social já atingiu o seu clímax nos dias que correm?

ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO AMBIENTE EM QUE SURGIU A AÇÃO CATÓLICA

 
          “Lendo com atenção os documentos pontifícios publicados de duzentos anos a esta parte, notaremos que eles se referem insistentemente, servindo-se por vezes de uma linguagem que faz lembrar os antigos profetas, a uma desagregação social catastrófica, que implicaria na desarticulação e destruição de todos os valores de nossa civilização.
 
a) a desorganização dos Estados liberais

            A Revolução Francesa foi a primeira confirmação destas previsões, e introduziu no terreno político uma agitação devoradora e progressiva, que abalou as mais sólidas instituições até então existentes, e impediu que elas fossem substituídas por outras igualmente duráveis. O contágio deste incêndio político passou da esfera constitucional para o terreno econômico e social, e teorias audaciosas, apoiadas por organizações de âmbito universal, solaparam completamente todo o sentimento de segurança, na Europa convulsionada. Eram tais as nuvens que se acumularam nos horizontes, que Pio XI dizia já ser tempo de se perguntar se esta aflição universal não pressagiava a vinda do Filho da Iniqüidade, profetizado para os últimos dias da humanidade: “Este espetáculo (das desgraças contemporâneas) é de tal maneira aflitivo, que se poderia ver nele a aurora deste início de dores, que trará o homem do pecado, elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto. Não se pode verdadeiramente deixar de pensar que estão próximos os tempos preditos por Nosso Senhor”: “e por causa dos progressos crescentes da iniqüidade, a caridade de um grande número de homens se esfriará” (Pio XI, Encl. “Miserentissimus Redmptor”, de 8 de Maio de 1928).

b)    o pânico universal

Com efeito, a conflagração mundial dissipara os últimos resquícios de otimismo da era vitoriana, e pusera a nu as chagas hediondas que, como uma lepra, de alto a baixo cobriam a civilização contemporânea. Os espíritos que, enganados pela aparência falaciosa e brilhante da sociedade de “avant-guerre”, ainda dormiam despreocupadamente sobre suas ilusões liberais, despertaram bruscamente, e a todos se patenteou a necessidade de medidas de salvação ingentes e drásticas, que evitassem a ruína iminente.

c)    as ditaduras

Surgiram então os grandes condutores de massas humanas e começaram a arrastar atrás de si as multidões postas em delírio pelo terror, a lhes prometer os remédios fáceis das mais variadas reformas legislativas.

d) a suprema catástrofe

Estava precisamente aí a tragédia do século XX. Os Papas haviam proclamado reiteradamente que só o retorno à Igreja salvaria a humanidade. Entretanto, procurou-se a solução fora da Igreja. Em vez de promover a reintegração do homem no Corpo Místico de Cristo, e implicitamente sua regeneração moral, procurou-se “defender a cidade sem o auxílio de Deus”, tarefa vã, cujo insucesso nos arrastou aos transes mortais da presente conflagração. Esta procura frenética, desordenada, alucinante, de uma solução qualquer, sempre aceita, por mais dura que fosse, desde que não fosse a solução que é Cristo, foi a última catástrofe desta cadeia de erros que, de elo em elo, nos conduziu das primeiras negações de Lutero até a amargura dos dias de hoje.  Será difícil fazer previsões sobre o futuro, e não é este o objetivo do presente livro. Da exposição até aqui feita, retenhamos apenas esta noção: a procura ansiosa e alucinada de uma solução radical e imediata foi a grande preocupação, que, consciente ou inconscientemente, a todos nos empolgou, nas duas últimas décadas deste terrível século XX. Como náufragos, os homens procuram agarrar-se até à palha que flutua sobre as ondas, supondo nela virtudes salvadoras.

O delírio do naufrágio não tem por único efeito suscitar nos náufragos a ilusão de se salvarem agarrados à palha. Quando lhe são oferecidos meios de salvação adequados, precipitam-se loucamente sobre eles, utilizam-nos mal, destroem-nos por vezes com sua imperícia e soçobram finalmente entre os destroços dos barcos, em que se poderiam ter salvo.
 

(Plínio Corrêa de Oliveira – “Em Defesa da Ação Católica” – Edição em fac-simile da Artpress, 1983, págs. 9/10)

 

 

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

ORIGENS PRETERNATURAIS DA COMOÇÃO SOCIAL




Que utilidade tem para um telespectador ou leitor de jornal, aqui no Brasil, ficar sabendo que um carro atropelou e matou dez pessoas no interior da Índia; ou que um sujeito estuprou várias mulheres em qualquer parte do mundo; ou que um atirador matou dezenas de pessoas nos Estados Unidos e se suicidou em seguida;  ou, ainda, que crianças estão sofrendo assédios e ataques de pedófilos em várias partes do mundo? Que utilidade há para nós em saber, e ver, um sujeito pular do alto de um prédio rumo à morte? Que utilidade, enfim, teve uma notícia, com a filmagem exposta na TV, onde se vê um preso assassinar outro barbaramente dentro da cadeia? Nenhuma utilidade? Não, há uma utilidade, sim, não para o público, mas para os promotores de uma nova revolução: causar comoção social.
 Comoção é abalo, agitação de ânimo; social, quando ela parte de um ânimo coletivo.  É possível haver um ânimo coletivo? Sim, quando há disposição semelhante entre as pessoas que convivem entre si, no modo de agir coletivamente. Se o ânimo é pacífico produz a paz social, mas se é abalado por comoções promove o contrário: clima de contendas, de rivalidades, etc.
A paz social ocorre quando os ânimos encontram-se em ordem, sem abalos ou agitações, permitindo às multidões um agir coletivo sereno, reto e pacifico, com vistas ao bem comum.
O senso de orientação permite às pessoas e aos povos saber  conduzir-se , inclusive perante a perspectiva do futuro, próximo ou remoto.  A perda desse senso de orientação leva as pessoas a perder  também a paz interior, segurança no agir, até atingir à comoção conjunta com os outros habitantes da mesma localidade.
Quais são os agentes (modernamente falando) dessa comoção social?  Em primeiro lugar está a mídia e os corifeus da Revolução.  Como se sabe, a mídia é composta pelos órgãos de imprensa, rádios, jornais e TVs; quanto aos corifeus da Revolução, estão eles em todas as partes, até na própria mídia, mas em geral são compostos por grupos organizados secretamente nas universidades e outras organizações, dirigidos às vezes por interesses ou grupos internacionais, filosóficos e ideológicos. Tem se destacado ultimamente dentre tais grupos revolucionários os anarquistas, e o mais atuante, o chamado “black bloc”, um movimento que visa destruir toda a estrutura social vigente  e a volta ao tribalismo.
É claro que, antes de tudo, devemos levar em consideração as fontes de onde se originam os fatos, as notícias, que é, além dos protagonistas dos mesmos, a própria policia e a justiça que os leva aos jornais. Entretanto, é preciso notar que o próprio demônio (por ser um anjo regente dos revolucionários, e inteligente como é) procura produzir os fatos que possam gerar comoção social. Isso não é mais feito, como antigamente sempre o foi, pela pura ação das forças secretas, grupos revolucionários ou as pessoas isoladamente. Hoje, podemos dizer que a ação diabólica representa papel preponderante nestas ações. Ele possui, é certo, seus agentes humanos, mas, às vezes,  age também por si mesmo.  Segundo os princípios da “Regência Universal”, o demônio conseguiu os “direitos” de regência sobre seus seguidores, servos ou apenas “alienados” e, ou os impele a agir ou age por eles.  Assim, quando um anjo das trevas possui de fato um atirador para fazer um massacre nos Estados Unidos, como tem acontecido com frequência ultimamente, outros demônios inspiram órgãos da mídia a dar àquele fato o destaque necessário a criar uma comoção em toda a sociedade.
A possessão, vista como a clássica posse dos corpos humanos, já não é tanto visível quanto outrora. No mundo moderno, o que ele põe em uso é um tipo de possessão diferente, onde a regência sobre os maus é feita por efeitos indiretos e não pela imposição da força. Em primeiro lugar, há a regência sobre os homens em estado de pecado, cegando-os, levando-os a agir por impulsos e desregradamente.  Depois vem a fase seguinte, que é a dureza de coração, a qual faz as pessoas ficarem inflexíveis e sem piedade ou cordura perante os semelhantes. Isso não ocorre somente com bandidos, mas até mesmo com pessoas tidas como boas e ordeiras e que praticam certos pecados. Os chamados “atos irrefletidos” dos indivíduos passam a ser feitos conjuntamente, mas já agora sob a regência diabólica. Tendo, pois, a regência sobre indivíduos e grupos sociais, fica fácil aos anjos das trevas levá-los a atingir seus objetivos, dentre os quais está a comoção e, como consequência desta, a desesperança.
Coadjuvando esta ação de regência dos anjos maus (que é direta sobre as pessoas possuídas pelo espírito de revolta e cheias de pecados),  vem a ação da mídia excitando as populações através do realce que dão aos atentados, aos crimes hediondos, as tragédias “inexplicáveis”, cuja repercussão na população é de desânimo, desesperança, etc. Se prestarmos atenção, verificaremos que todo noticiário que envolve tragédias é  feito deixando propositadamente várias dúvidas ou falta de esclarecimento aos ouvintes:  o destaque é dado ao crime insolúvel, ao bandido que ainda não foi preso, ao roubo e tráfico de drogas feitos bem próximos de delegacias ou de viaturas policiais – até mesmo o fato de faltar água nas mangueiras dos bombeiros é chamado a atenção, com o visível intuito de causar a descrença e desconfiança da população na ação dos órgãos policiais.
Isso demonstra que há uma certa regência diabólica para a condução de tais fatos, com o fim de causar desesperança nas populações. Como se viu, não se caracteriza tal regência como uma possessão clássica, mas um domínio coletivo sobre grupos de indivíduos com vistas a um fim específico.
Como ocorre uma comoção social? De modo geral se inicia excitando nas populações uma predisposição ao inconformismo: todo crime bárbaro é apresentado com destaque e se dá a entender que sempre ficam impunes – o que campeia é a impunidade – servindo isso para gerar e incrementar o inconformismo; astutamente a mídia incita a que se peça “justiça”, quando, na realidade, as pessoas estão manifestando o desejo de vingança. Contribui também para incrementar tal inconformismo a ineficácia dos órgãos policiais e da própria justiça, esta última com sua morosidade e real impunidade. Da mesma forma, serve para incrementar tal comoção as manifestações dos inconformados, em geral passeatas e bloqueios de ruas com pneus queimados, às vezes simplesmente protestando contra a violência – coisa inócua e ineficaz para tal fim.  Pois não são manifestações desordenadas, em geral feitas por elementos exaltados que poderia ter como efeito a diminuição da violência urbana; pode até inspirar o aumento da mesma, pois o bloqueio de ruas e estradas já é uma violência em si.
O que é justiça? O que é justiça social? A definição mais básica de justiça diz que é dar a cada um o que lhe é devido ou que lhe é direito, no caso, o mérito ou o castigo.  No entanto, quando o povo é insuflado a “pedir justiça”, muitas vezes se está incrementando o desejo de vingança pura e simplesmente. Ademais, a justiça verdadeira não visa somente o castigo, mas também o perdão.  A  perda desse sentimento de perdão leva as pessoas a desejar até mesmo fazer justiça com as próprias mãos. Assim, a justiça social é a distribuição da mesma a toda sociedade, mas inclui castigo e perdão. As anistias existem pra isso e estão previstas em todos os estatutos legais.
No final, sempre ocorre que essa inconformidade não gera a paz de alma das pessoas, mas uma comoção interior, e, no âmbito geral uma comoção social. Aqui entra o anjo das trevas para, através da comoção social, produzir o espírito de desesperança em todo o corpo social, levando as pessoas a praticar atos irrefletidos de toda natureza, até chegar ao suicídio. Como tem sido comum ultimamente: o assassinato de uma pessoa (ou mais) da própria família (sendo o mais comum da própria esposa) seguido de suicídio do criminoso. Há coisa mais diabólica do que isso? Pois bem: mais diabólico ainda é o destaque do fato que a mídia dá em seguida, não gerando outra coisa senão comoção coletiva, pois esta se constitui no caldo de cultura de outros crimes e suicídios que virão depois.
Vejamos, abaixo, alguns exemplos:
Veladamente nota-se um estímulo às torcidas de futebol insatisfeitas com o fracasso de seus times, as quais são levadas a agir intempestivamente praticando violências inauditas nos estádios e até nas ruas, ocorrendo às vezes crimes de mortes entre elas. No entanto, ninguém censura a mídia quando elogia alguma torcida por ser “fanática” – no caso de futebol o fanatismo é plenamente justificável, embora tenha produzido tantos crimes e violências.  
Mas, os casos mais comuns, que são usados pelos instrumentos de promover comoções sociais são:  crimes de estupros, pedofilias, assassinatos chocantes e brutais, crimes políticos e contra crianças, velhos e mulheres (chegou-se a dar destaque a violências contra índios, e fala-se a toda a hora em assassinatos de negros), os altos impostos dos governos, a questão da droga sem solução, a violência em família (pais contra filhos e filhos contra pais, ou marido contra mulher e vice-versa), altos salários de “marajás”,  propinas, etc. Qualquer notícia dos gêneros acima facilmente movimenta em segundos um batalhão de repórteres e câmaras de TV.  Estas estão sempre presentes em alguns casos com a idéia de ação imediata, dando a impressão à população de que aqueles casos são corriqueiros. Em todas as capitais e principais cidades do Brasil há uma infinidade de programas televisivos dedicados exclusivamente a divulgar cenas de violências. Muitos deles com caro aparato de cobertura, composto até de helicópteros.
O último caso mais clamoroso de comoção social foi o da boate Kiss, de Santa Maria. O clamor por justiça tornou-se até um apelo insano, pois não se fala, em nenhum momento, em perdoar os culpados. De outro lado, quando os inconformados comemoram a data do evento, ou quando fazem alguma manifestação sobre o mesmo, fazem apenas “um minuto de barulho”, dando a entender que são pessoas desregradas e descontroladas, sem saber o que fazer para de alguma forma reparar a dor que sofre as famílias das vítimas. E por que não, um minuto de oração?  É disso que mais precisam as almas dos falecidos naquele trágico evento... Falamos de um caso clamoroso, que chamou a atenção de todo o Brasil; mas, casos semelhantes, embora de menor gravidade, ocorrem diariamente em nossas grandes cidades, ocupando a maior parte do noticiário de jornais, rádios e TVs.
O caso mais clamoroso de comoção social produzida pela mídia foi o ocorrido em Ruanda, quando uma etnia entrou em luta contra outra e perpetrou um genocídio.  Depois ficou se sabendo que tudo foi promovido por um canal de TV e uma emissora de rádio. Os culpados foram julgados e condenados, pois tudo foi apurado por organizações internacionais. Os  fatos, embora cheios de lances romanescos do cinema, estão retratados no filme “Hotel Ruanda” e podem ocorrer a qualquer hora também no Brasil, não por etnias, mas por grupos organizados. No caso de Ruanda foram mortas mais de 800 mil pessoas, por motivos torpes e étnicos.  Os casos esparsos, de menor gravidade, que ocorrem em vários países (como o Brasil e Estados Unidos) parece indicar que é um mero treinamento para um grande e trágico lance de comoção geral que a mídia está preparando em todas as nações. E, como visto, contando com a ação diabólica que lhes fornece diariamente a matéria prima que são os crimes hediondos que causam comoções sociais.
Veja postagem sobre o  genocídio de Ruanda:

A Rádio e Televisão Livre de Mil Colinas (RTLM), através de seu proprietário, Ferdinand Nahimana, e o jornal “Kangura”, por intermédio também de seu dono, Hassan Ngeze, extremista hutu, fizeram diversas reportagens conclamando os hutus à vingança. Um outro que foi responsabilizado diretamente pelo genocídio, conforme julgamento feito na própria ONU, foi o jornalista Jean-Bosco Barayagwiza, co-proprietário da RTLM. As transmissões da TV eram feitas sob toques marciais de tambores para incitar o ódio dos hutus contra os tutsis. Os jornalistas, em suas reportagens, exortavam abertamente a população ao massacre.
Um ex-repórter da RTLM, Georges Ruggin, declarou que a emissora recebia informações de milicianos hutus sobre operações que pretendiam desencadear e emitia boletins radiofônicos que ajudavam a localizar e capturar as vítimas, a grande maioria civis, e até mesmo padres e freiras. (dados tirados da “Folha de São Paulo”, 04.12.2003, A-13)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

A participação dos Anjos na História da Salvação


DIA DOS ANJOS CUSTÓDIOS - 2 DE OUTUBRO 

(Audiência geral de João Paulo II, de quarta-feira, 6 de agosto de 1986, publicado pelo L’Ossevartore Romano)

1. Nas últimas catequeses vimos como a Igreja, iluminada pela luz que provém da Sagrada Escritura, tem professado ao longo dos séculos a verdade sobre a existência dos anjos como seres puramente espirituais, criados por Deus. O tem feito desde o começo com o Símbolo niceo-constantinopolitano e o tem confirmado no Concílio Lateranense IV (1215), cuja formulação voltou no Concílio Vaticano I no contexto da doutrina sobre a criação: Deus “criou do nada juntamente ao princípio do tempo, a ambas classes de criaturas: as espirituais  e as corporais, quer dizer, o mundo angélico e o mundo terrestre; e depois, a criatura humana que, composta de espírito e corpo, os abarca, de certo modo, aos dois”  (Const. De fide Cath... DS 3002).  Ou seja: Deus criou desde o princípio ambas realidades: a espiritual e a corporal, o mundo terreno e o angélico. Tudo o que Ele criou juntamente (“simul”) em ordem à criação do homem, constituído de espírito e de matéria e colocado segundo a narração bíblica no quadro de um mundo já estabelecido segundo suas leis e já medido pelo tempo (“deinde”). 
2. Juntamente com a existência, a fé da Igreja reconhece certos graus distintivos da natureza dos anjos.  Sua fé puramente espiritual implica antes de tudo sua não materialidade e sua imortalidade. Os anjos não têm “corpo”  (se bem que em determinadas circunstâncias se manifestam sob formas visíveis por causa de sua missão em favor dos homens), e portanto não estão submetidos à lei da corruptibilidade que une todo o mundo material  Jesus mesmo, referindo-se à condição angélica, dirá que na vida futura os ressuscitados “não podem morrer e são semelhantes aos anjos”  (Lc 20, 36).
3. Enquanto criaturas de natureza espiritual, os anjos estão dotados de inteligência e de livre vontade, como o homem, porém em grau superior a ele, se bem que sempre finito, pelo limite que é inerente a todas as criaturas. Os anjos são, pois, seres pessoais e, enquanto tais, são também eles “imagem e semelhança” de Deus.  A Sagrada Escritura se refere aos anjos utilizando sempre apelativos não só pessoais (como os nomes próprios de: Rafael, Gabriel, Miguel), senão também “coletivos”  (com as qualificações de: Serafins, Querubins, Tronos, Potestades, Dominações, Principados), assim como realiza uma distinção entre Anjos e Arcanjos. Ainda tendo em conta a linguagem analógica e representativa do texto sacro, podemos deduzir que estes seres-pessoas, quase agrupados em sociedade, se subdividem em ordens e graus, correspondentes à medida de sua perfeição e às tarefas que se lhes confia. Os autores antigos e a mesma liturgia falam também dos coros angélicos (nove, segundo Dionísio o Areopagita). A teologia, a especialmente a patrística medieval, não tem recusado estas representações, tratando em troca de dar-lhe uma explicação doutrinária e mística, porém sem atribuir-lhes um valor absoluto. São Tomás preferiu aprofundar as investigações sobre a elevação espiritual destas criaturas puramente espirituais, tanto por sua dignidade na escala dos seres, como porque nelas podia aprofundar melhor as capacidades e atividades próprias do espírito no estado puro, tirando disso não pouca luz para iluminar os problemas de fundo que desde sempre agitam a estimulam o pensamento humano:  o conhecimento, o amor, a liberdade, a docilidade a Deus, a consecução de seu reino.
4. O tema a que temos aludido poderá parecer “alheio” ou “menos vital’ à mentalidade do homem moderno. E sem embargo a Igreja, propondo com franqueza toda a verdade sobre Deus criador inclusive dos anjos, crê prestar um grande serviço ao homem. O homem tem a convicção de que em Cristo, Homem-Deus, é ele (e não os anjos) que se acha no centro da Divina Revelação. Pois bem, o encontro religioso com o mundo dos seres puramente espirituais se converte em preciosa revelação de que seu ser não é só corpo, mas também espírito, e de sua pertinência a um projeto de salvação verdadeiramente grande e eficaz dentro de uma comunidade de seres pessoais que para o homem e com o homem servem ao desígnio providencial de Deus.
5. Notamos que a Sagrada Escritura e a Tradição chamam propriamente anjos àqueles espíritos puros que na prova fundamental de liberdade elegeram a Deus mediante o amor consumado que brota da visão beatífica face a face, da Santíssima Trindade. O diz o mesmo Jesus: ”Seus anjos vêem de contínuo no céu a face de meu Pai, que está nos céus”  (Mt 18, 10). Esse “ver de contínuo a face do Pai” é a manifestação mais alta da adoração de Deus. Se pode dizer que constitui essa “liturgia celeste”, realizada em nome de todo o universo, à qual se associa incessantemente a liturgia terrena da Igreja, especialmente em seus momentos culminantes. Baste recordar aqui o ato com que a Igreja, cada dia e cada hora, no mundo inteiro, antes de dar início à prece eucarística no coração da Santa Missa, se apela “aos Anjos e aos Arcanjos” para cantar a glória de Deus três vezes Santo, unindo-se assim àqueles primeiros adoradores de Deus, no culto e no amoroso conhecimento do mistério inefável de sua santidade.
6. Também segundo a Revelação, os anjos que participam na vida da Trindade na luz da glória, estão também chamados a ter sua parte na história da salvação dos homens, nos momentos estabelecidos pelo desígnio da Providência Divina. “Não são todos esses espíritos ministros, enviados para serviço em favor dos que vão herdar a salvação?”, pergunta o autor da Carta aos Hebreus (1, 14). E isto crê e ensina a Igreja, baseando-se na Sagrada Escritura, pela qual sabemos que é tarefa dos anjos bons a proteção dos homens e a solicitude por sua salvação.
Encontramos estas expressões em diversas passagens da Sagrada Escritura, como por exemplo no Salmo 90/91, citado já repetidas vezes: “Pois te encomendarás a seus anjos para que te guardem em todos teus caminhos, e eles te carregarão em suas mãos para que teus pés não tropecem nas pedras” (Sl 90/91, 11-12). Jesus mesmo, falando dos meninos e admoestando a não escandalizá-los, apela a seus “anjos”  (Mt 18, 10). Ademais, atribui aos anjos a função de testemunhos no supremo juízo divino sobre a sorte de quem tiver reconhecido ou renegado a Cristo: “A quem me confessar diante dos homens, o Filho do homem o confessará diante dos anjos de Deus”  (Lc 12, 8-9; cf Apoc 3, 5). Estas palavras são significativas porque se os anjos tomam parte no juízo de Deus, estão interessados na vida do homem. Interesse e participação que parecem receber uma acentuação no discurso escatológico, em que Jesus faz intervir os anjos na parusia , ou seja, na vinda definitiva de Cristo ao final da história (cf Mt 24, 31; 25,31-41).
7. Entre os livros do Novo Testamento, os Atos dos Apóstolos nos fazem conhecer especialmente alguns episódios que testemunham a solicitude dos anjos pelo homem e sua salvação. Assim, quando o anjo de Deus liberta os Apóstolos da prisão (ct. At 5, 18-20), e antes de todos a Pedro, que estava ameaçado de morte por mão de Herodes (cf At 12, 5-10).  Ou quando guia a atividade de Pedro a respeito do centurião Cornélio, o primeiro pagão convertido (At 10, 3-8; 11, 12-13), e analogamente a atividade do diácono Felipe no caminho de Jerusalém a Gaza (At 8, 26-29).
Destes poucos fatos citados a título de exemplo, se compreende como na consciência da Igreja se pode formar a persuasão sobre o ministério cofiado aos anjos em favor dos homens. Por isso a Igreja confessa sua fé nos anjos custódios, venerando-os na liturgia com uma festa especial, e recomendando  o recurso à sua proteção com uma oração freqüente, como na invocação do “Anjo de Deus”. Esta oração parece enriquecer as belas palavras de São Basílio: “Todo fiel tem junto a si um anjo como tutor e pastor para levá-lo à vida”  (cf. São Basílio, Adv. Eunomium, III, 1; veja-se também São Tomás, S. Th., I, q. 11, a.3).
8. Finalmente é oportuno anotar que a Igreja honra com culto litúrgico a três figuras de anjos, que na Sagrada Escritura se lhes chama com um nome. O primeiro é Miguel Arcanjo ( cf. Dan 10, 13-20;  Apoc. 12, 7; Judas 1, 9). Seu nome expressa sinteticamente a atitude essencial dos espíritos bons. “Mica-El significa com efeito: “Quem como Deus?”.  Neste nome se acha expressa pois a eleição salvífica graças à qual os anjos “vêem a face do Pai” que está nos céus. O segundo é Gabriel: figura vinculada sobretudo ao mistério da Encarnação do Filho de Deus (cf Lc 1, 19-26). Seu nome significa: “Meu poder é Deus” ou “Poder de Deus”, como para dizer que o ápice da criação, a Encarnação, é o sinal supremo do Pai Onipotente. Finalmente o terceiro arcanjo se chama Rafael. “Rafa-El’ significa: “Deus cura”. Ele se fez conhecer pela história de Tobias no Antigo Testamento (cf Tob 12, 15-20), etc.). É muito significativo o fato de que Deus confie aos anjos seus pequenos filhos, sempre necessitados de custódia, cuidado e proteção. Refletindo bem se vê que cada uma destas três figuras: Mical-El, Gabri-El e Rafa-El refletem de modo particular a verdade contida na pergunta posta pelo autor da Carta aos Hebreus: “Não são todos esses espíritos ministros, enviados para serviço em favor dos que vão herdar a salvação?”  (Heb 1, 14). 


(texto extraído do livro “Juan Pablo II: Los Ângeles”, Secretariado del Opus Angelorum de Bogotá, e adaptado pelas Servas dos Corações Traspassados de Jesus e Maria).


domingo, 29 de setembro de 2013

ANJOS EXECUTORES DAS BÊNÇÃOS CELESTES





Mais do que os castigos divinos, os Anjos têm sido portadores de muitas bênçãos para os homens. Veremos abaixo vários exemplos em que os seres angélicos intercederam pelos homens e nos trouxeram mensagens de paz, de graças, de perdão divino, as bênçãos de Deus.

a) Até a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo

A Anunciação à Maria
A mais importante das comunicações angélicas foi a que São Gabriel fez à Santíssima Virgem, a Anunciação, que é contada com encanto pela Legenda Dourada, com comentários de São Bernardo:
“Disse, pois, o anjo a Maria: “Deus te Salve, cheia de graça”. Comentário de São Bernardo: “Cheia da graça da divindade em seu ventre; da graça da caridade em seu coração; da graça da afabilidade em sua boca; da graça da misericórdia e da generosidade em suas mãos... Verdadeiramente cheia; e tão cheia, que de sua plenitude recebem todos os cativos, redenção; os enfermos, saúde; os tristes, consolo; os pecadores, perdão; os justos, santidade; os anjos, alegria; a Trindade, glória, e o Filho do homem a natureza de sua humana condição.
“O Senhor é contigo”. Contigo o Senhor enquanto Pai, que é quem engendra eternamente ao que engendra em seu seio; contigo o Senhor enquanto Espírito Santo, por cuja virtude concebes; contigo o Senhor enquanto Filho, ao que revestes com tua própria carne”
“Bendita entre todas as mulheres”. Segundo São Bernardo isto quer dizer: Bendita sobre todas e mais que todas as mulheres, posto que tu fostes Virgem, Mãe e Mãe de Deus.
“As mulheres estavam submetidas a uma destas três maldições: ou de opróbrio, ou de pecado ou de suplício. A de opróbrio afetava às que não tinham filhos; neste caso havia estado, por exemplo, Raquel, que a ela havia se referido quando disse: “O Senhor me livrou do opróbrio em que me achava”. A de pecado alcançava às que concebiam: esse é o sentido das palavras do Salmo 50: “Olha que em maldade fui formado e em pecado concebeu minha mãe”. A de suplício recaia sobre as parturientes, as quais, como se adverte no Gênesis, “parirão com dor”.
“Bendita foi e é Maria entre todas as mulheres e sobre todas as mulheres, porque somente ela esteve isenta destas maldições: em sua virgindade não houve opróbrio, posto que concebeu sem detrimento de sua integridade; em sua concepção não houve pecado, senão que, pelo contrário, concebeu em santidade;  nem houve tormento em seu parto, posto que pariu, não já sem dor, mas com inefáveis transportes de alegria.
“Com razão Maria foi chamada “cheia de graça”, porque, como observa Bernardo, em sua alma se deram quatro plenitudes, a saber: plenitude em sua humilde devoção, em sua santíssima pureza, em sua fé sem limites e na imolação de seu coração.
“Com razão também pôde dizer o anjo: “o Senhor é contigo”, porque a presença do Senhor em sua alma se acreditou sobejamente, disse o mesmo São Bernardo, com os quatro portentos celestiais de que Maria foi objeto: a santificação de seu ser, a saudação do anjo, a intervenção do Espírito Santo e a Encarnação do Filho de Deus.
“Com razão, igualmente, foi proclamada “bendita entre as mulheres”, posto que, como o citado São Bernardo nota, Deus concedeu a seu corpo estes quatro privilégios: virgindade absoluta, fecundidade sem corrupção, prenhez sem moléstias e parto sem dor.
 “Ela se turbou ao ouvir estas palavras e tratou interiormente de averiguar o significado que poderia ter tudo o que o anjo lhe dizia”.
“Este texto do Evangelho constitui um elogio do comportamento da Virgem, da atenção com que escutou o anjo, das disposições internas de sua alma e do discurso de seu pensamento. O evangelista pondera a modéstia com que acolheu aquela mensagem, ouvindo e calando, o pudor de seus sentimentos e a prudência de sua mente, posto que, raciocinando, tratou de buscar explicação ao que o anjo lhe dizia.
“A turbação de sua alma procedeu, não de ver ao angélico mensageiro – estas criaturas celestes eram-lhe já conhecidas, porque anteriormente já as havia visto muitas vezes -; proveio de ouvir o que estava ouvindo, porque até então nunca havia ouvido coisas semelhantes. A respeito desta turbação, eis aqui o que escreveu Pedro de Ravena: “Não se impressionou Maria por ver o anjo, que se apresentou perante ela sob uma aparência doce e normal, mas pelo estranho conteúdo de sua mensagem. A turbação chegou à sua alma, não através dos olhos do corpo, posto que o que via era muito agradável, mas através dos ouvidos, enquanto que o que estava ouvindo resultava-lhe inaudito”. Por sua parte, São Bernardo comenta: “Turbou-se por seu pudor virginal, porém não se alarmou, porque era mulher de notável fortaleza, nem se assustou, nem se calou, em silêncio refletiu, dando provas de admirável prudência e suma discrição”.
“O anjo lhe disse: “Não temas, Maria, porque encontrastes graças diante do Senhor”. “Encontrastes”, disse São Bernardo, “a graça de Deus, a paz para os homens, a destruição da morte e a restauração da vida”.
Conceberás em teu seio e darás á luz um filho a quem porás o nome de Jesus, que quer dizer Salvador, porque Ele salvará ao povo de seus pecados; esse filho será grande e chamado Filho do Altíssimo”. “As palavras anteriores”, comenta São Bernardo, “querem dizer: este Filho, que já é grande enquanto Deus, será também grande enquanto homem, grande enquanto doutor, e grande enquanto profeta”.
“Disse Maria ao Anjo: Como poderá ser isto se eu não conheço varão?”   Como poderá ocorrer tudo quanto dizes se eu me comprometi a não ter contato carnal com homem algum? Mediante tais palavras Maria declara que era Virgem em sua alma, em seu corpo e em seus propósitos com relação ao futuro.
“Observe-se que Maria pergunta. Quem pergunta é que tem alguma dúvida: logo duvidava. E se duvidava, como se explica que não incorresse em semelhante penalização imposta a Zacarias, de quem sabemos que por suas dúvidas foi castigado com a pena de ficar mudo? Pedro de Ravena responde a esta questão da seguinte maneira, e observemos que em suas palavras se contêm, não uma senão quatro respostas: “Aquele que sabe perscrutar o fundo dos homens, não se guia tanto pelo som dos vocábulos, quanto pelo que se vê no fundo dos corações; do mesmo modo julga os pecadores não ao teor do que dizem, mas atendendo-se ao que sentem. A razão que moveu a ambos interrogadores a formular suas perguntas foi diferente quanto à sua origem e quanto ao seu alcance. Maria admitiu sem vacilação algo que parecia ir contra a natureza; Zacarias, pelo contrário, não admitiu, mas duvidou de algo e fundamentou sua dúvida precisamente numa circunstância que não ia realmente contra a natureza. Maria, ao perguntar, tratou de conhecer como sucederia o que lhe anunciava, enquanto que Zacarias, sem mais, descartou a possibilidade de que se realizasse o que Deus havia determinado que aí se realizasse.  Este homem, apesar de que já anteriormente houvesse ocorrido casos semelhantes, se obstinou em qualificar de impossível o que, sim, era possível. Maria, pelo contrário, ainda sabendo que nunca havia ocorrido nada parecido ao que o anjo lhe comunicava, teve fé no poder divino. Maria se limitou a mostrar-se admirada ante o anúncio de que uma virgem ia ser mãe; coisa muito distinta da atitude de Zacarias, que pôs em tela de juízo a possibilidade de que uma relação conjugal dele com sua esposa desse resultado positivo. Maria, pois, não abrigou dúvidas acerca da divindade da mensagem angélica, mas tratou de conhecer o procedimento mediante o qual ela chegaria a ser mãe; sua pergunta foi muito razoável, já que à maternidade se pode chegar por três caminhos diferentes: o da concepção natural ou normal, o da concepção espiritual e o da concepção milagrosa; ela, ao perguntar, procurou informar-se acerca de qual delas ia a seguir-se em seu caso”.        
 “O anjo lhe contestou: O Espírito Santo virá sobre ti. Quer dizer: O divino Espírito, em virtude de recursos sobrenaturais fará que concebas um filho. Por isso se diz que Jesus Cristo foi concebido por obra e graça do Espírito Santo”  e mais adiante: “A virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra”. [i]

O nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo
Quando Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu foram os Anjos que chamaram os pastores para o Menino-Deus ser adorado, conforme relata São Lucas em seu Evangelho:
“Na mesma região havia uns pastores que estavam nos campos e que durante as vigílias da noite montavam guarda a seu rebanho. O Anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor envolveu-os de luz; e ficaram tomados de grande temor. O anjo, porém, disse-lhes: “Não temais! Eis que eu vos anuncio uma grande alegria, que será para todo o povo: Nasceu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo-Senhor, na cidade de Davi. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas deitado numa manjedoura”. E de repente juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste a louvar a Deus dizendo: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens de boa vontade!” (Lc 2, 8-14)  .
A vidente alemã Anna Catharina Emmerich assim relata como os Anjos anunciaram a chegada do Messias:
“Vi três pastores, que estavam juntos, diante do rancho, admirando a maravilhosa noite; no céu vi uma nuvem luminosa, descendo para eles. Ouvi um doce canto. A princípio se assustaram os pastores, mas de repente lhes surgiu um Anjo, dizendo: “Não temais, anuncio-vos uma grande alegria, que é dada a todo o povo, pois nasceu hoje, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, Nosso Senhor... Eis o sinal para conhecê-lo: achareis uma criança envolta em panos e deitada num presépio”. Enquanto o Anjo assim falava, aumentava o esplendor em redor e vi então cinco ou sete Anjos, grandes, luminosos e graciosos, diante dos pastores; seguravam nas mãos uma fita, como de papel, na qual estava escrita uma coisa, em letras do tamanho de um palmo: ouvi-os louvar a Deus e cantar: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade”. [ii]

A Natividade de Nossa Senhora
Quando da Natividade de Nossa Senhora, um Anjo foi o portador daquela extraordinária graça que Deus dava a São Joaquim e Santa Ana. Já estavam casados há vinte anos e ainda não tinham filhos. Todos os anos o casal ia até Jerusalém depositar suas oferendas e pedir a Deus que lhes desse um herdeiro, como o exigia a tradição judaica. Numa destas ocasiões, foi severamente repreendido pelo sacerdote do templo: “como, sendo tu estéril, te atreves a misturar-te com os fecundos? Não te é permitido trazer as tuas oferendas, porque não geraste descendência em Israel”. São Joaquim saiu do templo confuso e envergonhado. Retirou-se para a montanha, num lugar ermo, armou ali sua tenda e ficou jejuando quarenta dias e quarenta noites. Santa Ana, por sua vez, chorava desconsolada, quando recebeu a visita de um Anjo do Senhor que lhe disse:
“Não tenhas medo, Ana, nem creias que é um fantasma que tens diante dos olhos. Sou o Anjo que apresentou vossas orações e esmolas ante o acatamento de Deus. Fui enviado a vós para anunciar-vos o nascimento de uma filha cujo nome será Maria, que será bendita entre todas as mulheres. Desde o próprio momento de seu nascimento, repousará nela a graça do Senhor e permanecerá na casa paterna até os três anos de idade. Depois viverá consagrada ao serviço de Deus no Templo. Ali permanecerá noite e dia servindo a Deus em jejuns e orações e abstendo-se de toda coisa impura. Jamais conhecerá varão, senão que, ela só, sem precedente e livre de toda a mácula, dará à luz, sendo Virgem, ao Filho, e sendo escrava, ao Senhor que com sua graça, seu nome e sua obra é Salvador de todo o mundo.
“Levanta-te, pois, sobe até Jerusalém. E quando chegares àquela porta que chamam Áurea, por estar dourada, encontrarás ali, em confirmação do que te digo, a teu marido, por cuja sorte estás aflita. Tem, pois, como certo que, quando se cumprirem essas coisas, o conteúdo de minha mensagem se realizará sem qualquer dúvida”.
Ao mesmo instante, o Anjo Gabriel apareceu também a São Joaquim e lhe falou:       
“Não tenhas medo. Sou o anjo do Senhor. Venho a ti enviado por Ele para comunicar-te que tuas orações foram ouvidas e que os méritos de tuas esmolas que distribuis entre os pobres hão chegados até os céus. Sei que estás envergonhado. A repreensão que recebestes no templo foi injusta. Tu não tens a culpa de não haver tido filhos. Deus toma vingança do pecado porém não da natureza de suas criaturas. Ele, às vezes, obstrui os canais da fecundidade temporariamente; porém logo os deixa correr para que produzam seu efeito. Quando age assim o faz para que ponha de manifesto que o filho que nasce dessa fecundidade recuperada não é fruto da concupiscência, mas de uma providência divina especial. Relembra o caso de Sara, aquela mulher de que procede a vossa linhagem: até noventa anos sofreu ante todos a humilhação de sua esterilidade, e, não obstante isso, em tão avançada idade concebeu a Isaac e deu a Abraão o filho de que Deus a havia falado quando lhe prometeu que de sua descendência nasceria o que havia de trazer a bênção a todas as nações do mundo. Lembra o caso de Raquel: também esta foi estéril durante muito tempo; porém logo engendrou a José, o qual anos mais tarde chegou a ser praticamente o senhor de toda a terra do Egito. Quem mais forte que Sansão? Que mais santo que Samuel? Pois suas respectivas mães permaneceram estéreis muitos anos antes de concebê-los. Se reparas nestes exemplos te ficará mais fácil admitir que é verdade isto que te digo: que os filhos nascidos tardiamente de mães que durante certo tempo passaram ante o povo por estéreis, foram pessoas notáveis. Agora presta muita atenção porque vou lhe comunicar algo muito importante: Ana, tua mulher, te dará uma filha, a qual quando nascer porás o nome de Maria. Fiéis ao que haveis prometido, a consagrareis a Deus desde sua infância. A menina nascerá já cheia do Espírito Santo, pois será santificada ainda no seio de sua mãe, e, para que não possa ser objeto de suspeitas malignas, a separareis do trato e comunicação com os povos da rua e desde pequena a mantereis recolhida no recinto do Templo. A este fato, já por si admirável, de que tua filha nasça de mãe estéril, seguirá em seguida outro muito mais admirável: dela nascerá um Filho divino engendrado em suas entranhas pelo Altíssimo. Esse Filho se chamará Jesus e através dEle  virá a salvação sobre o mundo inteiro. Vou dar-te uma garantia de quanto estou te dizendo ocorrerá tal e qual te falo: volta a Jerusalém; quando chegares à Porta Dourada encontrarás ali a tua esposa Ana que, preocupada por tua ausência, anda a tua procura. Vosso encontro produzirá nela grande alegria.
“Dito isto o Anjo desapareceu”.  [iii]

O nascimento de Sansão
Os hebreus haviam pecado contra Deus e, por castigo, há quarenta anos que eram dominados pelos filisteus. Para anunciar a vinda de um libertador santificado no ventre de sua mãe, Sansão, houve a aparição de um Anjo mensageiro:
“Ora, havia um homem de Saara, da linhagem de Dan, chamado Manoá, cuja mulher era estéril, à qual apareceu um anjo do Senhor e lhe disse: Tu és estéril e sem filhos, mas conceberás e darás à luz um filho. Toma cuidado, não bebas vinho nem coisa que possa embriagar, nem comas coisa alguma impura; porque conceberás e darás à luz um filho, cuja cabeça não será tocada por navalha; pois ele será nazireu (*) de Deus desde a sua infância e desde o ventre de sua mãe. Ele começará a livrar Israel das mãos dos filisteus.
“Ela, indo ter com seu marido, disse-lhe: Veio ter comigo um homem de Deus, que tinha um rosto de anjo, em extremo terrível. Tendo-lhe eu perguntado quem era, donde vinha e como se chamava, não mo quis dizer, mas respondeu-me: Eis que conceberás e darás á luz um filho; toma cuidado, não bebas vinho nem coisa que possa embriagar, nem comas coisa alguma impura, porque o menino será nazireu de Deus desde a sua infância, desde o ventre de sua mãe, até ao dia de sua morte.
“Manoá pois fez oração ao Senhor e disse: Peço-te, Senhor, que o homem de Deus, que enviaste, venha outra vez e nos ensine o que devemos fazer acerca do menino que há de nascer. O Senhor ouviu a oração de Manoá e o anjo de Deus apareceu de novo à sua mulher, estando sentada no campo. Não estava então com seu marido Manoá. Ela, tendo visto o anjo, apressou-se e correu a seu marido e lhe noticiou, dizendo: Eis que me apareceu o homem que eu tinha visto antes.
“Ele levantou-se e seguiu sua mulher. Tendo chegado ao homem, disse-lhe: És tu que falaste a esta mulher? Ele respondeu: Sou eu. Manoá disse-lhe: Quando se tiver cumprido a tua palavra, que queres tu que faça o menino? Ou de que coisa se deverá ele abster? O anjo do Senhor respondeu a Manoá: Abstenha-se tua mulher de tudo o que eu lhe disse; não coma nada do que nasce da vinha; não beba vinho, nem coisa que possa embriagar, não coma coisa alguma impura; observe e cumpra o que lhe ordenei.  Manoá disse ao anjo do Senhor: Rogo-te que condescendas com minhas súplicas e que te preparemos um cabrito.   O anjo respondeu-lhe: Ainda que me faças violência não comerei do teu pão, mas, se queres fazer um holocausto, ofereceu-o ao Senhor. Manoá não sabia que era um anjo do Senhor. E disse-lhe: Qual é o teu nome, para que, cumprida que seja a tua palavra, nós te honremos?  O anjo respondeu-lhe: Por que perguntas tu o meu nome, que é admirável?
“Tomou pois Manoá o cabrito e as libações e pô-lo sobre a pedra, oferecendo-o ao Senhor, que faz maravilhas, e ele e sua mulher estavam vendo. Quando a chama do altar subiu ao céu, subiu também o anjo do Senhor junto com a chama. À vista disto, Manoá e sua mulher caíram com o rosto por terra, e não lhes apareceu mais o anjo do Senhor. Manoá compreendeu logo que era o anjo do Senhor, e disse para sua mulher: Certamente morreremos, porque vimos a Deus. A mulher respondeu-lhe: Se o Senhor nos quisesse matar, não teria recebido de nossas mãos o holocausto e as libações, nem nos teria mostrado todas estas coisas, nem nos teria dito o que está para acontecer”  (Jz 13, 2-23).  
(*) Nazireu ou nazireno era o hebreu que recebia as bênçãos de Deus e Lhe era consagrado, alguns antes do nascimento (Num 6, 1-21). Os nazireus mais conhecidos foram Sansão, Samuel, Ezequiel e São João Batista, pois foram consagrados diretamente por Deus ainda no ventre da mãe.  
Na aparição do Anjo aos pais de Sansão, observa-se que o mesmo não só se recusa a dizer seu nome (como ocorreu com quase todas as aparições angélicas), mas também a aceitar os alimentos oferecidos por Manoá “ainda que me faças violência”. Em troca, o Anjo ordena que o casal ofereça o animal a Deus como holocausto. Talvez os pais de Sansão estivessem sob influência do paganismo filisteu, e assim o Anjo manda que faça o holocausto para que eles possam realizar algo agradável a Deus. Quando o sacrifício foi feito, o Anjo desaparece junto com a chama da fogueira dando a entender que aquilo havia sido agradável a Deus. Ao desaparecer desta forma, fez sentir ao casal que era um Anjo de Deus. Sendo um Anjo, e com aspecto tão belo que ele disse que era “admirável”, por que Manoá e a esposa não perceberam isto logo desde o início?

Anunciando a Ressurreição do Senhor
Passada toda a tristeza da Paixão, Nossa Senhora, os Apóstolos e as santas mulheres, rezavam contritos para que Deus lhes viesse em auxílio na angústia em que estavam. Foi aí que, no domingo, Santa Madalena seguiu para o sepulcro, junto com a outra Maria. Lá chegando:
“Eis que se deu um grande terremoto. Porque um anjo do Senhor desceu do céu, e, aproximando-se, revolveu a pedra e sentou sobre ela. O seu aspecto era como um relâmpago. A sua veste branca como a neve. Pelo temor dele, aterraram-se os guardas e ficaram como mortos.
“Mas o anjo tomando a palavra, disse às mulheres: Vós não temais, porque sei que procurais a Jesus, que foi crucificado; ele já aqui não está; ressuscitou como tinha dito. Vinde e vede o lugar, onde o Senhor esteve depositado. Ide já dizer aos seus discípulos que ele ressuscitou; e eis que vai adiante de vós para a Galiléia; lá o vereis; eis que eu vo-lo disse antes.
“Saíram logo do sepulcro com medo e grande gáudio e foram correndo dar a nova aos discípulos”  (Mt 28, 2-8).

Anunciando a Ascensão do Senhor
Após a Ressurreição, Nosso Senhor passou ainda quarenta dias instruindo seus Apóstolos e discípulos, após o que voltou ao Céu:
“Tendo dito isto, elevou-se á vista deles; e uma nuvem o ocultou aos seus olhos. Como estivessem olhando para o céu, quando ele ia subindo, eis que se apresentaram junto deles dois personagens vestidos de branco, os quais lhes disseram: Homens da Galiléia, porque estais olhando para o céu? Esse Jesus que, separando-se de vós, foi arrebatado ao céu, virá do mesmo modo que o vistes ir para o céu”. (Atos 1, 9-11)            



b) Anjos portadores de bênçãos divinas para a Cristandade

No decorrer da expansão do Cristianismo, especialmente após a queda do Império Romano e a Idade Média, houve casos em que os Anjos apareceram publicamente para manifestar às populações o perdão e as bênçãos divinas. Dentre estes, conta-nos Santo Antonio Maria Claret como os Anjos trouxeram para a Cristandade a oração do “Triságio à Santíssima Trindade”.

Triságio[1] à Santíssima Trindade
“O santíssimo triságio não é invenção do engenho humano, senão obra do mesmo Deus, que Ele inspirou ao profeta Isaías quando este ouviu que o cantavam os Serafins, para exaltarem a glória do Criador.
“Na escola dos mesmos Serafins e na dos outros coros angélicos foi onde o aprendeu milagrosamente aquele menino que, como São Paulo, foi arrebatado ao céu, segundo referem as histórias eclesiásticas. No ano 447, e sendo Teodósio Júnior imperador do Oriente, sentiu-se um terremoto quase universal, violentíssimo, e que pela sua duração e espantosos estragos se fez o mais célebre de todos quantos até então se tinham visto. Foram incalculáveis os prejuízos que seis meses de abalos quase contínuos causaram nos mais suntuosos edifícios de Constantinopla e em toda a famosa muralha de Quersoneso. Abriu-se a terra em muitos pontos e ficaram sepultadas em suas entranhas cidades inteiras; secaram-se as fontes e apareciam outras novas, e era tal a violência dos abalos que arrancava árvores corpulentíssimas, apareciam montanhas onde antes havia planuras, e profundos abismos onde havia antes montanhas. O mar lançava às praias peixes de grandeza enorme; e as praias e navios ficavam sem águas, que iam inundar grandes ilhas.
“Em semelhante conflito, achou-se prudente abandonar os povoados e assim o fizeram os habitantes de Constantinopla com o imperador Teodósio, sua irmã Pulquéria, São Proclo, então Patriarca daquela Igreja, e todo o clero. Reunidos num lugar chamado o Campo dirigem aos céus grandes clamores e fervorosas súplicas, pedindo socorro em necessidade tão apertada. Um dia, entre oito e nove horas da manhã, foi tão extraordinário o abalo que fez a terra, que pouco faltou para que não causasse os mesmos estragos que o dilúvio universal. A este espanto sucedeu admiração do prodígio seguinte:
“Um menino de poucos anos foi arrebatado pelos ares à vista de todos os do Campo, que o viram subir até perdê-lo de vista. Depois de algum tempo desceu à terra, do mesmo modo que subira ao céu, e logo em presença do Patriarca, do imperador e da multidão pasmada, contou que sendo admitido nos coros celestes ouviu os Anjos cantarem estas palavras: Santo Deus, Santo forte, Santo imortal, tende misericórdia de nós; e que ao mesmo tempo lhe mandaram que comunicasse a todos esta visão. Ditas estas palavras, aquele inocente menino morreu.
“São Proclo e o imperador, ouvida esta relação, mandaram unanimemente que todos entoassem em público este sagrado cântico, e imediatamente cessou o terremoto, e ficou quieta a terra. Daqui nasceu o uso do Triságio, que o Concilio geral Calcedonense prescreveu a todos os fiéis, como um formulário para invocar a Santíssima Trindade nos tempos funestos e nas calamidades; daqui veio merecer a aprovação de tantos Prelados da Igreja, que apoiaram o uso dele, enriquecendo-o com o tesouro das indulgências, e daqui, finalmente, veio que se pusesse em método, que se imprimisse e reimprimisse tantas vezes, e sempre com universal aplauso e aceitação dos fiéis, que o consideram como um escudo impenetrável contra todos os males que Deus manda à terra em castigo de nossos pecados.
“O Papa Clemente XIV concedeu 100 dias de indulgência para cada dia que se reze: 100 mais três vezes no dia, nos domingos, na festa da Santíssima Trindade, e durante a sua oitava, e indulgência plenária a quem o rezar todos os dias durante um mês seguido, confessando e comungando no dia do mês que se escolher”. [iv]

O “Regina Coeli”
Na vida do grande Papa São Gregório, a “Legenda Dourada” narra um fato extraordinário ocorrido no início daquele pontificado, no ano 590:
“Como a peste de que temos falado continuava fazendo estragos na cidade, naquele mesmo ano durante o tempo pascal dispôs que se celebrassem umas solenes preces públicas pelas praças de Roma, cantando as Ladainhas e seguindo o itinerário acostumado em semelhantes ocasiões; porém quis que na frente do cortejo, com toda reverência, se levasse a imagem da Bem-aventurada sempre Virgem Maria. A imagem que naquela ocasião presidiu as preces foi a mesma que atualmente se conserva na igreja de Santa Maria Maior, de Roma; dela se diz que foi feita pessoalmente por São Lucas, que além de médico era pintor, e que guarda muita semelhança com o rosto de Nossa Senhora. Pois bem, ao passo que a procissão prosseguia, a infecção do ar ia cessando; como se a pestilência fugisse da venerável imagem, pelos lugares onde ela passava o ambiente ficava maravilhosamente puro e sereno.
“Se assegura que num determinado momento das preces o povo ouviu um coro de Anjos que cantava lá do alto, em torno da imagem da Virgem, a antífona “Regina coeli laetare, alleluya!” : “Alegrai-vos, Rainha do céu, aleluia, porque aquele que merecestes portar em tuas entranhas, aleluia, ressuscitou como havia dito, aleluia” ; e que após estas palavras, São Gregório acrescentou de sua parte: “Roga por nós a Deus, te suplicamos, aleluia!”.  Igualmente se diz que o santo pontífice naquele momento viu sobre o castelo de Crescêncio um Anjo que, após limpar a espada ensangüentada que levava em sua mão, a introduziu na bainha, e que por este gesto entendeu que a peste havia terminado. Assim, com efeito, ocorreu, porque a partir daquele dia a epidemia desapareceu e desde então a fortaleza em que São Gregório vira o Anjo passou a chamar-se “Castelo de Santangelo”, ou Castelo do Santo Anjo”. [v]

A ação angélica nas aparições de Nossa Senhora
Durante as diversas aparições de Nossa Senhora, especialmente na época do chamado “ciclo das mensagens marianas”, isto é, a partir de meados do século XIX, sempre houve uma intervenção angélica, antes, durante ou depois daqueles fenômenos sobrenaturais. Antes das aparições, os Anjos se manifestavam preparando os videntes para o que estava para ocorrer com eles. No decorrer das aparições, supõe-se que os Anjos apenas agiam sobre os sentidos dos videntes a fim de puderem suportar a visão da Virgem Santíssima, pois aparecendo Ela com seu corpo glorioso, e sendo Ela muito superior em glória do que todos os Anjos do Céu, ninguém na terra tem condições humanas de suportar a visão de Sua presença. Assim, os Santos Anjos agem sobre os sentidos dos videntes, especialmente sobre os olhos, amortecendo neles o impacto sobrenatural da visão.  Depois das aparições, a atuação angélica consiste apenas em orientar os videntes naquelas dúvidas que permanecem, por acaso, ou então em trazer novas mensagens que sirvam para corroborar as outras trazidas pela Virgem Santíssima.

Nossa Senhora das Graças
As aparições de Nossa Senhora à Santa Catarina Labouré, ocorridas no ano de 1830 também foram precedidas de visões angélicas. Os relatos referem-se a uma aparição de São Vicente de Paulo e outra de Nosso Senhor, antes que se dessem as de Nossa Senhora. Provavelmente, os Santos Anjos vinham atuando com a santa vidente para preparar seu espírito e devem ter-se manifestado a ela neste período antecessor da Virgem Santíssima. Porém não há registro.
No dia 19 de julho daquele ano se deu a primeira aparição da Virgem, precedida por um Anjo, que a própria santa narra como ocorreu:
“Haviam distribuído às noviças um pedaço de roquete de linho de São Vicente. Eu cortei a metade e a engoli, adormecendo com o pensamento de que São Vicente me obteria a graça de ver a Santíssima Virgem.
“Enfim, às onze e meia da noite, ouvi que me chamavam pelo nome: “Minha irmã! Minha irmã!”  Acordando, corro a cortina e vejo um menino de quatro a cinco anos vestido de branco que me diz: “Vinde à capela, a Santíssima Virgem vos espera”.
“Vesti-me depressa e me dirigi para o lado do menino que permanecera de pé. Eu o segui, sempre à minha esquerda.  Por todos os lugares onde passávamos, as luzes estavam acesas, o que me espantava muito. Porém, muito mais surpresa fiquei quando entrei na capela: a porta se abriu mal o menino a tocou com a ponta do dedo. E minha surpresa foi ainda mais completa quando vi todas as velas e castiçais acesos, o que me recordava a missa da meia-noite...
“Por fim, chegou a hora. O menino me preveniu: “Eis a Santíssima Virgem; ei-La...”
Em seguida a santa conta como correu em direção da Santíssima Virgem ajoelhou-se e pôs suas mãos sobre os joelhos dela, ouvindo depois de seus santíssimos lábios o teor da missão que os Céus lhe confiava. 

Nossa Senhora de Fátima
Em Fátima, a primeira aparição angélica se deu em 1915, quase dois anos antes das visões de Nossa Senhora. Lúcia estava pastoreando o rebanho, não com seus primos, Francisco e Jacinta, mas com outras meninas. De repente, as quatro viram, pairando sobre o arvoredo do vale, uma espécie de nuvem alvíssima com forma humana, conforme palavras da própria Lúcia “uma figura, como se fosse uma estátua de neve, que os raios do sol tornavam ainda mais transparente”.  Esta aparição repetiu-se por mais duas vezes, em dias diferentes.
No ano seguinte, foi a vez de Lúcia ver a aparição angélica juntamente com Francisco e Jacinta.  Desta vez o Anjo se revelou de uma forma humana mais clara.  Depois de rezar, como costumavam, as crianças estavam brincando quando um vento forte sacudiu as árvores. Elas vêem, então, caminhando sobre o olival em sua direção, um jovem resplandecente e de grande beleza, aparentando ter 15 anos, de uma consistência e um brilho como o do cristal atravessado pelos raios do sol. Chegando próximo às crianças, o Anjo falou:
- Não temais! Sou o Anjo da Paz. Orai comigo. 
E, ajoelhando em terra, curvou a fronte até o chão e fez as crianças repetir três vezes esta jaculatória:
“Meu Deus! Eu creio, adoro, espero e amo-Vos! Peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e Vos não amam”.
Depois, levantou-se, e disse para as crianças assim rezarem aos Corações de Jesus e Maria, que estão atentos à todas as súplicas. Depois o Anjo desapareceu deixando as crianças em sublime êxtase, assim descrito por Lúcia:
“A atmosfera sobrenatural que nos envolveu era tão intensa que quase não nos dávamos conta da própria existência por um grande espaço de tempo, permanecendo na posição em que nos tinha deixado, repetindo sempre a mesma oração. A presença de Deus sentia-se tão intensa e íntima que nem mesmo entre nós nos atrevíamos a falar. No dia seguinte, sentíamos o espírito ainda envolvido por essa atmosfera, que só muito lentamente foi desaparecendo” .
O mesmo Anjo apareceu uma segunda vez, pedindo aos pequenos pastores que rezassem muito, pois os Corações Santíssimos de Jesus e de Maria tinham desígnios de misericórdia sobre eles. Como o Anjo disse que oferecessem constantemente orações e sacrifícios ao Altíssimo, e as crianças perguntassem como o fariam, o Anjo respondeu:
“De tudo o que puderdes, oferecei a Deus sacrifício, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e súplica pela conversão dos pecadores. Atraí assim sobre a vossa pátria a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo aceitai e suportai com submissão o sofrimento que o Senhor vos enviar”.
Da primeira vez o Anjo disse que era o Anjo da Paz. Desta vez disse que era o Anjo da Guarda de Portugal. Seria o mesmo Anjo? Para ser o mesmo, supõe-se que seria São Miguel, o Arcanjo que apareceu ao primeiro rei português, Afonso Henriques, no século XII. E numa terceira aparição, o Anjo veio portando na mão esquerda um cálice, sobre o qual estava suspensa uma Hóstia, da qual caíam gotas de sangue dentro do cálice. Deixando o cálice e a Hóstia suspensos no ar, o Anjo prostrou-se em terra junto às crianças, pronunciando com elas esta belíssima oração de reparação:
“Santíssima Trindade, Pai, Filho, Espírito Santo, ofereço-Vos o Preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido.  E pelos méritos infinitos do seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores”.
Depois, levantou-se e deu a Hóstia à Lúcia, e o cálice com o sangue, deu-o a beber a Francisco e Jacinta, dizendo: “Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos! Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus”. E, prostrando-se de novo em terra, repetiu com as crianças três vezes a mesma oração: “Santíssima Trindade...etc”, e desapareceu.
Como se vê, as aparições angélicas visaram preparar as inocentes e ignorantes crianças para a vinda de Nossa Senhora. Adquiriram graças para ter um espírito de oração, de sacrifício e penitência e, principalmente, de reparação. Assim preparados, eles poderiam então receber a visita divina da Mãe de Deus. Além disso, ficaram elas imersas em profunda contemplação das coisas celestes e aptas para contemplar grandezas maiores. 
Interessante notar que no decorrer das aparições de Nossa Senhora, Lúcia, a mais velha, via, ouvia e falava com a Virgem; Jacinta apenas via e ouvia, mas não falava, enquanto Francisco via mas não ouvia e nem falava com a aparição. Esta singular disposição foi posta pela Providência com o fim de mostrar a diferença com que Deus trata as almas. A Lúcia era permitido ver, ouvir e falar com a Virgem porque era a mais velha e a quem foi dada a missão de ficar na terra para propagar a Mensagem que Ela lhe transmitia, sendo também a guia das outras crianças. Jacinta não falava com a Virgem, mas no íntimo de seu coração dizia muita coisa, enquanto que Francisco nada ouvia, mas pelo que via ele sentia toda a sobrenaturalidade divina e a efusão de graças que provinha de Nossa Senhora. Quando Lúcia lhe contava depois tudo o que a Santíssima Virgem havia lhe dito, o menino exultava de alegria como se tivesse ouvido aquilo da própria aparição. [vi]

c) Anjos executores de obras de arte piedosas

Nos tempos de Moisés os Santos Anjos traziam inspiração para os artistas fazerem obras sacras: “Eis que eu chamei pelo nome a Beseleel, filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá, e o enchi do espírito de Deus, de sabedoria e de inteligência, e de ciência para toda a qualidade de obras, para inventar tudo o que se pode fazer com o ouro, com a prata e com o cobre, com o mármore, com as pedras preciosas e com as diversas madeiras. Dei-lhe por companheiro Ooliab, filho de Aquisamec, da tribo de Dan. E pus a sabedoria no coração de todo (o artista) hábil, para que façam tudo o que ordenei” (Ex 31, 1-6). Quando Moisés ordenou que se fizessem as obras que Deus pedia, o Tabernáculo, a Arca da Aliança e o Propiciatório, anunciou publicamente que os referidos homens haviam recebido aqueles dons diretamente dos Anjos (Ex. 35, 30-35).
Durante o Cristianismo, porém, houve casos em que os Santos Anjos agiam eles mesmos como artistas. Nas histórias dos santos e dos cultos de devoção à Nossa Senhora constam vários casos de intervenções angélicas com o objetivo de executar ou completar obras de arte que têm a finalidade de estimular a piedade cristã. Um belo exemplo encontramos na Vida de São Fernando, quando a rainha sua segunda esposa, D. Joana, encomendou a feitura de uma imagem de Nossa Senhora a dois artistas, que expressasse no rosto aqueles sentimentos que São Fernando se costumara a ver quando a ele Ela aparecia em visões. Assim como os artistas apareceram, sem dizer quem eram e de onde vieram, assim também sumiram, deixando apenas pronta a bela imagem da Virgem dos Reis. Eis o relato:

A Virgem dos Reis      
Já fazia muito tempo que São Fernando tentava romper as defesas de Sevilha para conquistá-la, mas não obtinha êxito. A rainha, D. Joana, percebia claramente que seu santo esposo estava sofrendo muito com aquela situação, mas que sua santidade aumentava com isto e crescia muito nele uma grande devoção à Santíssima Virgem, Mãe de Deus. Ouviu ele queixar-se várias vezes de que os homens não sabiam fazer as imagens da Virgem Santa Maria com um rosto que sorrisse como Ela realmente o faz. Deduziu a boa rainha que seu santo esposo, se dizia isto, provavelmente era porque havia visto a Santíssima Virgem. Pensou que seria para ele uma grande alegria ter uma imagem de Santa Maria que a retratasse mais fielmente.
Enviou a rainha algumas cartas para Burgos pedindo que lhe mandassem um artífice, o melhor que houvesse por lá.
Já se passara um mês e nada do artífice chegar. O calor no acampamento era intenso e horroroso, muitos adoeciam e morriam, e as coisas andavam prenunciando terríveis calamidades para frente. A rainha estava impaciente com a demora da chegada do artífice que solicitara quando um dia se lhes apresentou dois escultores. Segundo contam as crônicas sobre a história da Virgem dos Reis, eram dois anjos. Chegavam em boa hora, pois o próprio rei não os vira e ela queria mandar fazer a encomenda de uma forma reservada.  Pediu a um capitão que arranjasse um local onde os dois homens pudessem trabalhar sem que ninguém o soubesse. Levaram-nos então para uma torre e lá permaneceram encerrados até que um dia mandaram avisar à rainha que tinham terminado sua obra.
A rainha foi ao local apreciar a obra de arte. Ela havia pedido que os artífices se esmerassem no rosto da Virgem e o fizesse da forma como seu esposo desejaria que fosse. Ficou a rainha comprazidíssima com a imagem, pois seu rosto tinha uma expressão amável e dulcíssima. Os dois anjos, de forma humana, artífices daquela belíssima imagem, logo desapareceram sem se declararem quem eram ou receber o pagamento de seu trabalho. Deixou D. Joana a imagem naquele mesmo local e voltou à sua tenda para providenciar com suas damas as vestes e adereços da Virgem.  Costuraram sem parar os ricos panos reais com as mais formosas sedas que mandaram buscar em Granada. As roupas foram bordadas de ouro e pedrarias. Foram encomendados os sapatos, o véu e tudo o que faltava para ornamentar a imagem sem que São Fernando de nada tomasse conhecimento.
Preparada a imagem, D. Joana chama Dom Remondo, o confessor do rei, e lhe mostra para saber dele se realmente o rei gostaria da expressão do rosto e da beleza da Virgem. O religioso concordou em que realmente a expressão do rosto era muito piedosa. Era preciso levar a imagem até à capela real sem que São Fernando a visse. Assim, quando o mesmo saíra, Dom Remondo, que também tinha a chave da capela, entrou no interior dela com a imagem e a colocou no altar principal.
Que surpresa teve o rei quando pela manhã foi à capela fazer suas orações matinais!  Tão viva foi a recordação que a imagem lhe dera da Mãe de Deus que, todo o tempo que duraram a Santa Missa e as orações dos clérigos, o rei permaneceu absorto contemplando a imagem da Senhora que ali via pela primeira vez.  Somente escultores angélicos poderiam realmente transmitir para a madeira algo da expressão divinal da Virgem Maria.
- Esta é a Virgem dos Reis! – falou o rei para os circunstantes.
A rainha olhava de lado, contentíssima por ver que o rei permanecia ajoelhado e comprazido aos pés da Virgem. A partir daquele momento, São Fernando passou a rezar com redobrado fervor perante aquela imagem, e através dela foram obrados muitos milagres.

Nossa Senhora do Bom Sucesso
Sob a invocação do Bom Sucesso, Nossa Senhora vinha aparecendo com regularidade à Irmã Mariana de Jesus Torres, no Mosteiro das Concepcionistas de Quito. Solicitou a Virgem que mandassem esculpir uma imagem que A representasse e possibilitasse o incremento de Sua devoção entre os católicos. As freiras encomendaram a um escultor a realização do trabalho, que Maria Santíssima pedia que fosse concluído dentro de determinada data. A obra foi iniciada no dia 15 de setembro de 1610.  Mas, chegando o dia marcado, 16 de janeiro do ano seguinte, a obra ainda permanecia inacabada. Foi aí, então, que os Anjos entraram em ação e a concluíram. Eis como a própria Madre Mariana de Jesus Torres conta como se deu o milagre:
“Na oração da Comunidade da tarde do dia 15, Deus preveniu-me que, na madrugada do dia 16, eu presenciaria suas misericórdias em favor do nosso Convento e do povo em geral. Pediu que me preparasse para receber essas graças, com penitência e orações noturnas.
“Assim o fiz. Os Arcanjos São Miguel, São Gabriel e São Rafael dirigiram-se para o trono da Rainha dos Céus.
“São Miguel, saudando-A submisso, disse:
“- Maria Santíssima, Filha de Deus Pai!
“E São Gabriel acrescentou:
“- Maria Santíssima, Mãe de Deus Filho!
“E São Rafael concluiu:
“- Maria Santíssima, Esposa Puríssima do Espírito Santo!.
“Em seguida chamaram a milícia celeste e cantaram todos juntos: Maria Santíssima, Templo Sacrário da Santíssima Trindade.
“Nisto apareceu São Francisco de Assis, acompanhado pelos três Arcanjos e seguidos da milícia celeste. Aproximaram-se então da Imagem semiconcluída e, num instante, a refizeram.
“Entrementes, a Imagem estava totalmente iluminada como se estivesse no meio do sol. A Santíssima Trindade olhava comprazida e os Anjos cantavam o “Salve Sancta Parens”  
O biógrafo de Madre Mariana de Jesus Torres, padre Manuel Sousa Pereira, completa o relato com os testemunhos das outras freiras do Convento: 
“No dia 16 de janeiro, bem de manhãzinha como de costume, levantaram-se para rezar o Ofício Parvo as fervorosas religiosas, cheias de santas emoções. Ao se aproximarem do coro, começam a ouvir melodiosas harmonias. Pressurosas entram no coro, e... – oh! Prodígio! O coro encontrava-se todo banhado por uma luz celeste, ressoavam vozes de Anjos que, ao som de uma música celeste, entoavam com suave a arrebatadora harmonia o “Salve Sancta Parena”.
“A santa imagem concluída estava pelos Anjos!
“Do seu rosto partiam raios de vivíssima luz e se difundiam por todo o coro e a igreja, tornando-se pouco a pouco mais suaves para que as religiosas pudessem acercar-se e contemplar muito de perto o prodígio operado por Deus, em favor do seu Convento e do povo em geral, através da conclusão angélica da santa e veneranda Imagem.
“Aureolada por essa luz vivíssima, a fisionomia da santa Imagem não era severa, mas majestosa, serena, doce, amável e atraente, como convidando as suas filhas a se achegarem com confiança à sua Mãe vinda do Céu e dar o filial abraço de agrado e boas-vindas.
“O Divino Menino era um primor. Seu semblante exprimia amor e ternura para com as esposas tão favorecidas de seu Coração e tão amadas de sua Mãe”
O testemunho de que a imagem era obra angélica foi dado pelo próprio escultor, o qual comparecia no outro dia para concluir seu trabalho:
“Na hora concertada, e depois de ter comungado, o Sr. Francisco del Castillo chegou ao Convento para dar a última demão á sua grande obra, provido das melhores e mais finas tintas que encontrou para aquele fim.
“Madre Mariana de Jesus e as Fundadoras julgaram conveniente fazer o escultor entrar a fim de certificar-se do sucedido. Sem nada lhe dizer, introduziram-no na clausura.
“Chegando ao coro, surpreendeu-se diante de tal maravilha e exclamou emocionado: “Madres, que vejo? Esta primorosa Imagem não é obra minha! Não sei o que sente o meu coração: mas esta é obra angélica, pois um trabalho desse gênero não se pode produzir na terra com mão de frágil barro. Oh, não! Escultor algum, por hábil que seja, poderá jamais imitar sequer tanta perfeição e tão peregrina beleza”. [vii]
O fato, ocorrido no início do século XVII, foi atestado por escrito pelo referido escultor e depois confirmado pessoalmente pelo Bispo de Quito, D. Salvador de Ribeira.

Nossa Senhora de Copacabana
Junto às margens do lago Titicaca, nos Andes peruanos, havia uma aldeia indígena com o nome de Copacabana. Como era comum entre os Incas, lá eles adoravam deuses pagãos. Quase todos os índios da aldeia foram convertidos á Fé Católica, mas alguns ainda relutavam e mantinham antigas crenças pagãs.
Um índio cristão, de nome Francisco Tito Yupanqui, animado de santo zelo cristão, fez a promessa de conseguir uma imagem de Nossa Senhora para sua aldeia a fim de combater as superstições pagãs e incrementar o culto à Virgem Santíssima.  Mas ali era praticamente impossível se conseguir cumprir a sua promessa, pois não havia artesão capaz de realizar sua obra. Certo dia, a Santíssima Virgem apareceu ao índio com o Menino Jesus nos braços, parecendo ao mesmo que era daquela forma que Nossa Senhora desejava ser representada numa imagem.
Assim, começou Francisco Tito a realizar ele mesmo o trabalho. Mas por mais que tentasse não conseguia dar os contornos da imagem com arte e fidelidade. Mostrou uma primeira imagem aos religiosos que sempre lhe visitavam, mas todos a reprovavam por não representar fielmente a Virgem Maria.  Sem desanimar, o índio continuou a fazer outras imagens, mas sem obter êxito.
Por fim, resolveu ir até à cidade de Potosi para aprender algumas lições de escultura com um artista que lá havia. Depois de algumas noções de tão bela arte, julgando-se apto resolveu tentar novamente fazer a sua imagem, mas deu em rotundo fracasso. Um dia, oito meses após a aparição de Nossa Senhora, vieram dois Santos Anjos e aperfeiçoaram uma das imagens que o índio fizera, principalmente os rostos de Maria Santíssima e do Menino Jesus.
A imagem tornou-se milagrosa e mereceu a construção de um Santuário. Copacabana hoje fica na Bolívia e a devoção à imagem espalhou-se por toda a América Latina chegando até ao Brasil.

Nossa Senhora do Bom Conselho
A história da devoção à Nossa Senhora do Bom Conselho nos leva à pequena cidade de Genazzano, na Itália, onde ao final do século XV ocorreu um extraordinário fenômeno angélico. Vivia nesta cidade uma piedosa viúva, de nome Petrúcia, que rezava constantemente perante um baixo-relevo de mármore que representava Nossa Senhora do Bom Conselho, situado na capela de São Brás. Naquele local, recebeu inspiradas revelações divinas de que a milagrosa imagem de Maria Santíssima que se venerava em Scútari, na Albânia, deveria ser transportada para aquele mesmo lugar. Em seguida, apareceu-lhe a Virgem Santíssima dando-lhe a ordem de começar a construir ali um templo para Ela.
Petrúcia começou, então, a providenciar o necessário para reconstrução daquela capela e torná-la adequada para abrigar a santa imagem que deveria vir de Scútari.  Gastou ela todos os seus parcos recursos e teve que parar a obra quando as paredes estavam apenas a um metro de altura. Sem dinheiro, passou a pedir ajuda aos outros habitantes da cidade, mas a viúva era tratada com desdém como se fosse uma alucinada.
Enquanto isto, a Albânia era varrida por uma sangrenta invasão muçulmana, que já chegava á capital, Scútari. O principal herói nacional, Scanderbeg, havia morrido e os cristãos estavam desamparados. Neste ínterim, dois soldados amigos, De Sclavis e Geórgio, foram rezar contritamente à Virgem do Bom Conselho, pois estavam perante um dilema: fugir, deixando seu país e sua Padroeira, ou cair sob o jugo maometano.
Quando Geórgio estava dormindo, Nossa Senhora apareceu-lhe em sonho, dizendo que ele e seu amigo tomassem todas as providências para uma longa viagem, pois era preciso deixar para sempre aquele infiel país. Disse-lhe que sua imagem abandonaria Scútari para escapar das mãos sacrílegas dos turcos. Suas graças e bênçãos estariam reservadas a outro lugar.
Geórgio procura o companheiro De Sclavis e lhe conta a comunicação divina que tivera. Qual não foi sua surpresa ao saber que seu amigo também tivera o mesmo sonho. Ajoelham-se na capela e começam a rezar a Nossa Senhora do Bom Conselho. Seus olhos fitavam fixamente a imagem que ocupava a parede central do santuário. Quando estavam absortos em suas orações, os Santos Anjos começaram a agir.
Eis que, de repente, os dois soldados viram admirados o afresco se desprender da parede e ser envolvido por uma nuvem branca e luminosa, dentro da qual distinguiam com perfeita nitidez a Imagem sorridente da Virgem amparando em seus braços o Divino Infante. A imagem vem flutuando em direção à porta, deixa o recinto da capela e eleva-se um pouco, indo em direção ao mar.
Os dois amigos seguiram instintivamente a imagem por onde ela seguia. Assim, chegaram até às margens do Mar Adriático, trinta quilômetros distante de Scútari. Perplexos, notaram que a imagem flutuava sobre o mar, indicando que deveriam atravessá-lo. Quando deram conta de si já estavam caminhando sobre as ondas do mar. Viram maravilhados que sob o mais leve toque de seus pés, as massas líquidas se transformavam em sólidos diamantes, e novamente se liquefaziam assim que deixavam de pisá-la.
Finalmente, o quadro da Virgem e os seus dois seguidores chegaram à costa da Itália. Porém, quando chegam às portas de Roma, a nuvem desaparece com a imagem e os dois albaneses se vêem perdidos na Cidade Eterna. Andaram errantes por toda a cidade, mas ninguém entendia o que eles tanto perguntavam, ou o que eles tanto procuravam. Desolados, resolvem rezar e pedir à Virgem Maria que lhes revelasse onde se encontrava.
Mas a Santíssima Virgem tinha seus desígnios e motivos para ficar incógnita algum tempo perante seus dois fiéis soldados. Os Santos Anjos tinham levado sua imagem para Genazzano. Dentro de pouco tempo acabaria a animada feira da cidadezinha, e alguns poucos cristãos iriam rezar junto ao altar do Bom Conselho na capela de paredes carcomidas que Petrúcia anelava reconstruir. Estávamos no dia 25 de abril de 1467.
De repente, aconteceu o maravilhoso, o inesperado. Por volta das quatro horas da tarde, a multidão que ainda estava na praça ouviu ondas de harmonia celeste. Parecia a alguns que as portas do Paraíso se abriram de repente e que Deus permitira aos coros angélicos dar aos mortais alguma amostra das alegrias dos Bem-aventurados. Todos os sinos tocavam ao mesmo tempo e sem que houvesse ninguém os movendo.
Emocionados, os habitantes de Genazzano procuravam perscrutar os céus para saber de onde vinham aqueles sons.  Todos voltados os olhares para o alto e viram, então, bem acima de todas as casas e dos campanários das igrejas uma bela nuvem branca enviando em todas as direções vivos raios de luz, em meio à música celeste tocada pelos anjos e a um esplendor que ofuscava o próprio sol. A nuvem foi descendo aos poucos e, para grande espanto do povo, pousou suavemente sobre a parte mais retirada da parede inacabada da capela de São Brás, exatamente no baixo-relevo que Petrúcia pretendia reconstruir para conter Nossa Senhora do Bom Conselho. Pouco a pouco os raios de luz deixaram de brilhar, a nuvem começou a se desfazer lentamente e a imagem da Virgem com o Menino Jesus nos braços surgiu belissimamente diante de todos. A população entusiasmada, gritava e bradava perante o estupendo milagre.
A notícia da descida da imagem em Genezzano e dos numerosos milagres que ocorreram em seguida chegaram logo a Roma. Mais perplexas ficaram as autoridades quando souberam que era esta a imagem que os dois soldados albaneses andavam procurando, os quais a haviam seguido milagrosamente da Albânia até à Itália. Esclarecido tudo, Geórgio e De Sclavis foram até Genazzano, finalmente, rezar perante sua Padroeira.
A ação angélica sobre o quatro de Nossa Senhora do Bom Conselho perdura até hoje, pois o afresco permanece flutuando  como um milagre permanente até nossos dias. Vários são os milagres que ocorreram e que ainda ocorrem no local.

A Mãe do Bom Conselho vem ao Brasil através de um Anjo
O Padre José de Campos Lara, natural de Itu, São Paulo, era jesuíta e acompanhou o drama que se passou com seus irmãos na Companhia de Jesus quando foi perseguida e fechada no século XVIII. No ano de 1785, passeava certo dia meditando numa praia deserta, quando de repente se deparou com um jovem portando um quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho.  O jovem se aproximou do padre e ofereceu-lhe o quadro, pintado a óleo, dizendo que o levasse para o Brasil, pois no lugar onde Nossa Senhora fosse venerada através daquele quadro surgiria um grande colégio jesuíta.
Perplexo, o Padre José começou a argumentar para o jovem que não tinha recursos para fazer a viagem. O jovem lhe disse que havia um navio naquelas proximidades, cujo comandante o deixaria viajar gratuitamente até o Brasil. O padre ficou consolado com a notícia dada pelo jovem, e também pelo fato de se oferecer a oportunidade de construir um colégio jesuíta em Itu, haja vista que a Companhia de Jesus estando extinta a construção de tal colégio significava o seu retorno à atividade.  Mas, ao tentar agradecer ao estranho jovem, este misteriosamente desapareceu. Notando que se tratava de um Anjo, o padre foi confiante procurar o referido navio, onde achou gratuitamente passagem até o Brasil como lhe dissera o Anjo.
A restauração da Companhia de Jesus e a construção do colégio em Itu só se cumpriram porém após a morte do Pe. José, mais de oitenta anos depois da aparição do Anjo. [viii]

Nossa Senhora das Angústias
Quando finalmente os cristãos expulsaram os mouros de Granada, em 1492, os católicos daquela cidade puderam mais pacificamente exteriorizar sua religiosidade, manifestada especialmente na devoção à Nossa Senhora. Os membros de certa irmandade resolveram, então, erguer uma ermida dedicada à Nossa Senhora das Angústias, devoção que crescia por aquela época.
No entanto, não encontravam um artífice que fosse capaz de fazer uma imagem de Nossa Senhora que exprimisse em sua fisionomia toda a sua angústia sentida na Paixão de seu Divino Filho. “Estavam eles pensando no problema, quando certa tarde entraram na igreja dois jovens conduzindo uma senhora coberta por espesso véu preto. Chegando ao pé do altar, ali permaneceram orando por muito tempo e depois se retiraram ficando somente a dama. Já estava na hora de fechar a igreja e ela não se retirava. Ao ver que anoitecia, um dos confrades aproximou-se dela anunciando que precisava fechar o templo, mas não obteve resposta. Intrigado com o estranho fato ele se adiantou para falar-lhe novamente, mas, ao fitar-lhe o rosto imóvel, percebeu tratar-se de uma perfeitíssima escultura e não de uma pessoa de carne e osso. Tinha na sua frente a mais notável representação das Angústias de Nossa Senhora ao presenciar a paixão e morte de seu Divino Filho. Era a efígie que a irmandade havia imaginado para colocar no altar da ermida.
“Diante desse acontecimento extraordinário, os irmãos compreenderam que aquela imagem era um presente do céu”. [ix]
Os prodígios milagrosos operados pela santa imagem fizeram com que a ermida se transformasse futuramente numa suntuosa matriz 

O Crucifixo de São João del Rei
“Entre os tesouros da arte barroca conservada em Minas Gerais reluz uma peça de extrema beleza, exposta à veneração dos fiéis na Igreja de São Francisco de Assis, na história cidade de São João del Rei. A origem dessa preciosidade é assim narrada pelas crônicas:
“Estava já a igreja no século XVII inteiramente terminada, inclusive em sua decoração interna, quando se percebeu faltar o elemento que deveria coroar o cimo do altar-mor: o Crucifixo, em que o Divino Crucificado dirigia a palavra a São Francisco.
Pasmo da comissão encarregada da decoração! O que fazer? Os artistas contratados negavam-se a continuar por mais tempo os afazeres naquela igreja, alegando contratos em outros lugares. E assim, ficou-se numa grande indecisão. Foi quando por aquelas plagas apareceu  um nobre ancião, de feições muito dignas, oferecendo-se para esculpir o Crucificado, e desse modo encerrar a obra artística daquele templo. Não sendo conhecido de ninguém, e não podendo apresentar referências à altura da tarefa, mandaram-no embora.
Passado um certo período, voltou o ancião, reiterando a sua oferta. Novamente, por falta de referências, foi rejeitado sem escrúpulos. Após mais um tempo, e não se tendo achado ainda nenhum outro artista que quisesse levar a obra a cabo, voltou pela terceira vez o bom velho, apresentando seus serviços.  Não tendo outra escolha, os encarregados decidiram aceitá-lo, perguntando-lhe quais eram suas condições.  Respondeu o ancião que não pedia nada antes de findo o serviço. Terminado, retribuiriam, caso julgassem a obra bem feita. Solicitava apenas que recebesse uma refeição e uma medida de água por dia, à hora do almoço.  Por outro lado, exigia fazer todo o trabalho sozinho, trancado em uma sala, sem comunicação com o exterior, a qual só seria rompida estando tudo acabado. Assim foi-lhe concedido.
Transcorridos vários dias, verificaram os responsáveis que os alimentos deixados para o bom velho junto à porta da sala não estavam mais sendo retirados por ele. Reuniram-se então as autoridades e tomaram a decisão de arrombar a porta, a fim de saberem o que ali estava se passando. Entraram e... surpresa! O respeitável ancião havia desaparecido, e um Crucifixo magnífico, de traços como jamais se vira, estava ali inteiramente esculpido! Esse crucifixo é o que se encontra hoje no topo do altar-mor da Igreja de São Francisco de Assis, em São João del Rei”.
“...E esta perfeição de talhes justifica a suspeita de que o artífice, aquele “bom velho” desaparecido misteriosamente, não era senão um anjo, enviado por Deus para esculpir ali essa obra-prima da arte católica. Esse é um Crucifixo cinzelado por mãos angélicas. Dir-se-ia, mesmo, que o artista celestial esteve presente no Calvário, viu a Nosso Senhor nesse estado, lembrou-se da adorável fisionomia que então contemplou e a reproduziu. De tal maneira essa face divina corresponde, não que poderíamos imaginar, mas ao que não logramos conceber...” [x] 



[1] Triságio – Hino que começa com “Sanctus, Sanctus, Sanctus” em homenagem à Santíssima Trindade





[i] La Leyenda Dorada” – Santiago de la Vorágine – Ed. Alianza Forma – vol. 1 – págs. 211/214.
[ii] “Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus” – Anna Catharina Emmerich – Mir Editora – 1999 – pág. 45.
[iii] La Leyenda Dorada” – Santiago de la Vorágine – vol. 2 – Ed. Alianza Forma - pág. 568.
[iv] Caminho Reto e Seguro para Chegar ao Céu” – Santo Antônio Maria Claret – Ed. Ave Maria – págs. 155/158).
[v] La Leyenda Dorada” – Alianza Forma – pp. 188, vol. 1 .
[vi] Dados extraídos do livro “Fátima, Autora do Terceiro Milênio”, de João S. Clá dias, págs. 34/37.
[vii] “Vida Admirável da Rda. Madre Mariana de Jesus Torres, espanhola y una de las fundadoras del Monastério de La Limpia Concepción de la Ciudad de Quito, escrita por el Rdo. Padre Manuel Sousa Pereira de la Ordem Seráfica de los Menores del Convento Máximo de S. Francisco de Quito, en el Ecuador” – Tomo II – pp. 36/37.
[viii] Os relatos sobre Nossa Senhora do Bom Conselho foram extraídos do livro “Mater Boni Consilii” – de João S. Clá Dias, pág 67 a 82.
[ix] “Invocações da Virgem Maria no Brasil”, Nilza Botelho Megale, Ed. Vozes, pág. 37.
[x] Extraído da revista “Dr. Plínio”, n. 48, março de 2002 – pp. 33/35.