quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Á IMPORTÂNCIA DE SÃO TOMÁS DE AQUINO



( 28 de janeiro, é dia de São Tomás. Lembramos aqui sua importância, ressaltada pelo Dr. Plinio):

Falando para um tal auditório, sei que é inteiramente supérfluo afirmar a importância de Santo Tomás de Aquino. Mas, infelizmente, há muitos católicos que não vêem Santo Tomás de Aquino com os olhos com que nós o vemos, e que discutem Santo Tomás como algo que é perfeitamente discutível. De maneira que como nós vamos nos enfrentar com tais católicos, acho interessante dar aqui alguns dados para mencionarmos, se acharem que nos baseamos num  doutor cuja opinião é respeitável, mas que é tão susceptível de ser contestado como a de qualquer outra pessoa. 

1o) É o único Doutor da Igreja que foi elogiado em documentos oficiais por nada menos do que 69 papas. Queira-se dizer o que se quiser sobre o fato de que os papas não são infalíveis quando não se exprimem ex cathedra, o elogio de 69 papas, para um católico, representa muita coisa. 

2o) A Encíclica Studiorum ducem [29-6-1923] de Pio XI, sobre Santo Tomás de Aquino, lembra que no Concílio de Trento, que se deu no século XVI para refutar os erros protestantes – um dos maiores Concílios que houve em todos os tempos –, sobre o altar do Concílio, onde se achavam os livros para consulta dos padres conciliares, só havia duas obras: a Bíblia e a Suma Teológica. Ora, para que um Concílio coloque esta obra ao lado da Bíblia, num altar, como fonte de consulta, como fonte de ensinamento infalível da Igreja, vale alguma coisa mais do que “x”. 

3o) O Código de Direito Canônico elaborado por um santo, São Pio X, e promulgado por Bento XV, com autoridade de Papa, recomenda que nos seminários o ensino oficial seja feito de acordo com o método e a doutrina de Santo Tomás de Aquino. Quer dizer, para a formação de seus clérigos é a orientação que a Igreja determina. 

4o) Ainda ele tem a autoridade (que muitos santos também têm) de Doutor da Igreja, mas elevado a esta categoria por outro santo, que foi São Pio V, em 1567. 

5o) Alguns elogios feitos a ele pelos papas. Por exemplo, João XXII, século XIV, declarou o seguinte: “A doutrina dele é, por si mesma, miraculosa, porque excede a capacidade do homem levar o seu acerto tão longe quanto ele levou”. “Ele sozinho iluminou mais a Igreja do que todos os outros doutores juntos”. 

Na Encíclica Aeternis Patris, de Leão XIII, o Papa diz a respeito dele o seguinte: “Ele é comparável ao sol, porque reaquece o mundo com o esplendor de sua virtude, e o enche com a irradiação de sua doutrina”. 

Santo Inácio de Loyola, nas regras sentire cum Ecclesia, aponta como indício de espírito católico o fato da pessoa seguir a filosofia escolástica. Quer dizer, é um Doutor tal que pensar como ele é indício do espírito católico; discordar dele é, portanto, falta de espírito católico. E isto é dito pela figura máxima do espírito católico, que é Santo Inácio, que brilhou na questão do senso católico, assim como Santa Teresa brilhou no assunto da oração, etc. 

Pio XII deu-lhe o título de “o doutor comum da Igreja inteira”. Quer dizer, Doutor de todos para tudo. 

Por fim, na obra de Pio XII as referências a Santo Tomás de Aquino são incontáveis. 

Portanto, trata-se de uma autoridade incontestável. 

 (Plinio Corrêa de Oliveira - Conferência pronunciada em 1957 sobre o Igualitarismo)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

A MORTE DE UM REI CATÓLICO E SANTO

 



Falamos de São Fernando III, rei de Castela. Corria o ano de 1252, quase quatro anos tinham se passado desde a conquista de Sevilha e São Fernando ainda mantinha sua corte naquela cidade. No final do mês de maio o calor já prenunciava um verão rigoroso. Ao retornar de uma visita de rotina que sempre fazia, o rei tem uma súbita recaída de uma doença que já tivera tempos atrás. Levaram-no ao leito e assim que repousou um pouco e pôde falar, disse aos que estavam ao seu lado:

- Cumprido é o tempo de minha vida e chegada a hora em que hei de morrer.

Assim, com muita naturalidade, sem dar nenhum sinal de pena por ter que renunciar a sua glória e seu poder, o santo rei informa da sua morte que se aproxima. Manifesta-se inteiramente conformado com a vontade de Deus.

O médico de São Fernando era um judeu convertido, Judá Bem Joseph, e logo que acorreu ao chamado urgente para assistir ao enfermo, informou a todos que nada mais poderia fazer. Quando o Infante Dom Alfonso, filho mais velho do rei, perguntou ao médico o que achava do estado de seu pai, o judeu simplesmente baixou a cabeça, indicando que ele tinha razão e que a morte estava bem próxima.

São Fernando preocupado com sua alma, pediu logo que lhe trouxessem o Viático. Enquanto os clérigos preparavam a comitiva que ia lhe trazer o Rei dos reis, o santo rei, humilde e contritamente, se preparava para os solenes instantes finais de sua vida. Pediu que lhe vestissem sua mais vistosa roupa de festas, um brial branco e dourado. Em homenagem à realeza de Cristo mandou tirar de seu quarto tudo que lembrasse a humana majestade: não queria ver mais sua coroa, seu cetro e outros objetos que lembrassem-lhe o poder material a fim de que nenhum pensamento lhe afastasse do reino eterno.

Perante o seu leito armaram um formoso altar ornamentado com damasco de cor púrpura e finíssimas alfaias brancas de linho. Foi colocado ao centro do mesmo um belíssimo crucifixo para lhe lembrar a Paixão do Senhor, ladeado por seis candelabros de prata maciça e lindos círios acesos. Um após outro foram chegando os filhos e os irmãos do rei. Ali estavam também sua esposa, a rainha D. Joana, e todos os ricos-homens e nobres da corte. São Fernando mantinha os olhos fechados e permanecia completamente absorto em suas orações.  No silêncio do quarto só se ouviam a respiração ofegante do doente, os soluços mal contidos e o crepitar das chamas dos círios.

 

Um rei confessa humildemente seus pecados

Repentinamente, ouviu-se o tinir de uma sineta de prata se aproximando. Neste momento o rei abriu os olhos e olhou em direção da porta por onde ia entrar o Viático. Por ela entraram em cortejo os clérigos, frades e cavaleiros, conduzindo círios acesos, dando ao ambiente um ar de celestial bênção divina. Logo atrás vinha um frade portando um cálice de ouro contendo o Santíssimo Sacramento. Ao contemplá-Lo à pequena distância de seu leito o rei sentiu-se tomado de uma santa alegria e uma poderosa energia do amor divino encheu sua alma de novo ânimo. Isto foi o bastante para lhe dar forças para se erguer do leito e prostrar-se de joelhos no chão de mármore, declarando-se réu pecador perante Deus e entregando sua realeza humana à divina ali presente.

Junto ao altar estava o arcebispo Dom Remondo, já pronto com os ornamentos pontificais e aguardando para iniciar a cerimônia. Porém antes de tudo o rei falou:

- Dai-me primeiro a Santa Cruz para que ante ela me arrependa completamente de meus pecados.  

            Puseram a Cruz em suas mãos, e ele, fixando nela os seus olhos começou a chorar com amargas lágrimas, dizendo:

            - “Vês-me aqui Senhor, Jesus Cristo, em Tua presença como réu muito mau, pois bem sei e conheço os muitos pecados com que te ofendi. Mas por maiores que sejam eu confio em vossa misericórdia que pelos méritos de vossa Santa Paixão e morte preciosíssima me hás de os perdoar. Lembra-te Senhor de tantas afrontas e tormentos que por mim passaste, pelas quais tendes o nome de Salvador, livra a este teu servo de seus pecados, que de tuas penas foram causa”.

            A nobreza real aqui dá-se às mãos com a santidade, e a virtude que mais brilha não é do poder majestático mas da humildade. O rei pára um pouco sua oração com a voz embargada pelo sentimento de contrição. Um instante depois, continua:

            - “Muito me pesa Senhor da morte que com meus pecados te dei, e porque a tua Santa Igreja me os perdoe eu os quero confessar, porque os maus exemplos que eu dei a estes meus vassalos que aqui estão sejam apagados com saberem que muito os aborreço e muito quisera nunca os haver praticado...”

E humildemente, contritamente, com arrependimento sincero, foi manifestando em voz alta aquilo que ele supunha terem sido os pecados de sua vida, desde os que praticara na meninice até as últimas faltas do fim da vida. Cobria-se de vergonha a nobre face, mesmo considerando-se que suas faltas eram tão somente algumas falhas inevitáveis que sua consciência acusava como pecados, parecendo-lhe grandes culpas a ponto de lhe doer o íntimo de sua alma, julgando que tinha de passar por aquela vergonhosa declaração pública para obter o perdão e satisfazer a justiça divina. Um dos aspectos mais admirativos da bondade é este sentimento de arrependimento e que todo santo possui até este ponto máximo, mesmo que houvesse cometido os pecados mais abomináveis este sentimento o faria arrepender-se, humilhar-se e obter o perdão divino.

Em seguida o santo moribundo fez uma espécie de Ato de Contrição:

- “Bem merecida é toda esta confusão em minha alma por causa de meus pecados, e Tu, Senhor, a quiseste passar fazendo-os teus, e estando na presença de Deus Pai como se estivesse vestido deles e da grande vergonha que tiveste viestes a suar sangue...  E logo fostes atraiçoado por um dos teus, vestido por um saião e amarrado por grossas cordas... E tu o sofreste para que eu ficasse livre! E levaram-te, Senhor, para ser julgado por Anás, Caifás e Pilatos, e tu permanecestes em pé ante eles como se fosse um réu...  E eu, que tantos males fiz, tenho julgado Castela e Leão!  E isto foram as tuas afrontas, e deram-te punhadas, cuspiram-te o rosto, para que eu, homem pecador, fosse por todos honrado...  E dominaram-te os homens de Pilatos e deram-te açoites muito terríveis; e enquanto tu o sofrias, eu estava em regalos!... E puseram-te uma coroa de espinhos na cabeça, o cetro, e a púrpura vil, e sendo tu assim zombado eu tenho sido por todos obedecido! E condenaram-te, meu Senhor, a morrer na Cruz por causa de minha vileza, e levaste o madeiro pelas costas até o Calvário e nele te deixaste cravar e quiseste morrer para que eu fosse contigo ao Paraíso”.

Ao dizer estas últimas palavras novo pranto afogou a voz do rei, e aquela altiva cabeça, sempre erguida nas memoráveis batalhas, caiu rendida sobre o peito, vencida pelo amor e pela dor, deixando resvalar em sua face grossas lágrimas. Batendo com o punho fechado fortemente no peito, terminou sua confissão:

- “Já que com a vossa morte me ganhaste, eu peço, Senhor, por intermédio da vossa Santa Igreja, e a vós, meu Padre Arcebispo, que queirais os meus pecados perdoar”.

Em seguida o arcebispo ergue pausada e solenemente a mão, e fazendo um Sinal da Cruz bem grande lhe dirige a absolvição dos pecados; pergunta-lhe se crê em Deus Uno e Trino, ao que o rei responde:

- “Creio n’Aquele que é Deus verdadeiro e eterno, e aquele que é nos revelou a Sua glória o creio pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo. E creio que o Filho se fez homem nas entranhas da gloriosa Santa Maria Virgem, e creio e aprovo todas as coisas que crê e ensina a nossa Santa Madre Igreja”.

Quando o arcebispo tomou a Sagrada Hóstia e a elevou ao alto com as mãos, São Fernando levantou a cabeça e fixou-a com uma indescritível expressão de fé e amor a adorá-la. Recebeu o Sagrado Corpo de Cristo e ficou absorto em seus pensamentos, fazendo ações de graças e de adoração numa união real e verdadeira com o Seu Rei eterno.

Após ministrar os sacramentos ao rei, a devota procissão sai de seu aposento rezando as orações de costume. Olhando-a afastar-se, o rei pede então que tirem a túnica que haviam lhe vestido, permanecendo bom tempo imóvel, com a cabeça encostada aos travesseiros, em profunda meditação. Chorava baixo a rainha à sua cabeceira e os filhos que lhe rodeavam o leito esperavam o momento da última bênção.

 

São Fernando despede-se dos seus

Após alguns instantes, São Fernando levanta os olhos para os filhos e passa a chamar o mais velho, o Infante Dom Alfonso:

- Filho Alfonso, aproxima-te.

Pôs-se o Infante de joelhos ao lado de seu pai a espera de sua bênção. São Fernando levanta então a mão direita e, um tanto rápido porque sentia perder as forças, o abençoou. Pegou a mão direita do filho e a colocou entre as suas, dizendo:

- “Filho, vede como se acaba a minha vida e a fim só de dar minha alma Àquele que a criou a redimiu. Amanhã sereis rei de todos estes reinos de Castela e de Leão. Teme, ama, obedece e serve a Deus, e juntando com Ele a tua vontade e obras tu terás um bom fim. Não deixes de fazer o bem enquanto puderes, cá na terra é as boas obras que salvam a alma, e tudo o mais seja para ti apenas ilusão. Mantém os povos com justiça e veja que muito te peço seguir até o fim de tua vida a obra de escrever aos outros reis como o havemos começado. Olha para teus irmãos e se propõe a os proteger, e assim estejas com eles de tal forma que não lhes cause pesar haverem nascidos depois. Tem a rainha como se fosse tua mãe, fazendo-lhe toda honra, como se convém a uma rainha.  Outrossim, vos recomendo ao meu irmão, também chamado Alfonso, e a todos os outros meus irmãos e irmãs. Honra a todos os grandes cavaleiros e ricos-homens de teus reinos, fazendo-lhes sempre muita bondade e mercês, guardando bem os seus domínios, seus direitos e suas liberdades, tanto a eles quanto a seus povos”.

São Fernando começou a sentir as forças diminuírem, por isso fez uma pausa para tomar alento, e olhando novamente com fixidez para os olhos do filho concluiu sua bênção com grande gravidade:

- “Se tudo isto que vos recomendo, e rogo, e mando, compreenderes e o fazeis assim, tereis a minha bênção: e se não, a minha maldição”.

- Amém – Respondeu Dom Alfonso com a voz embargada, sentindo calafrio por causa da importância de tais palavras.

Todos os filhos que estavam ali presentes foram se aproximando, um a um, do leito do rei e recebendo suas bênçãos. Ao chegar a vez do filho Dom Manuel, rapaz de uns dezoito anos, acompanhou-o seu aio, Dom Pedro López de Ayala, o qual disse a São Fernando enquanto o infante se punha de joelhos:

- Senhor, em atenção a algo que lhe servi, por mercê vos peço que não deixes sem herança este vosso filho.

São Fernando estava muito esgotado e desfalecendo. Mas mesmo assim, encontrou forças para controlar as emoções e dirigir palavras confortadoras para o filho. Levantou a mão e a pousou sobre a fronte do mesmo, dizendo:

- “Filho, vós sois o último filho que eu tive da rainha D. Beatriz, que foi muito santa e muito boa mulher, e sei que vos amava muito. Outrossim, não tenho dela herança nenhuma que vos possa dar...  mas vos dou a minha espada Lobera, que é coisa de grandíssima virtude e com a qual me fez Deus muito bem”.

Desejou ficar só, mas ao ver que todos tencionavam sair chamou mais uma vez seu herdeiro do trono, Dom Alfonso, que tanto havia amado e honrado e a quem tanto confiava:

- “Filho, ficas rico da terra e de muitos bons vassalos, mais do que seja rei na cristandade; proponha-te em fazer o bem e ser bom, que bem entendes a razão; tornas-te senhor de toda a terra que vai desde esta parte marítima que os mouros antigamente haviam ganho de Dom Rodrigo de Espanha; fica toda esta terra em teu poder: uma parte conquistada, outra tributada; no estado em que eu as te deixo as sabereis manter, se fores tão bom rei quanto eu; e se ganhares para ti mais, serás melhor que eu; e se pelo contrário as perde, não serás tão bom quanto eu”.

Logo depois foram saindo todos para deixar o rei sozinho. Saiu a rainha apoiada por suas damas; saíram os infantes, seus filhos, seus irmãos, os ricos-homens, todos passando ante o moribundo e beijando por despedida a fria mão estendida e trêmula. São Fernando apenas os observava compassivamente lançando um olhar de despedida, sem mais nada dizer porque o cansaço e a estrema fraqueza não lhe permitiam mais esforços.

Quando seu Mordomo, Dom Rodrigo González Girón, passou perante o rei, ainda se atreveu a perguntar:

- Como quereis, senhor, que façamos a estátua de vosso sepulcro?

E o rei deu-lhe esta resposta sincera e desdenhosa para as humanas vaidades:

- A minha vida sem repreensão nem culpa, à maneira do que me foi possível, e as minhas obras sejam meu sepulcro e estátua.

Ficaram dentro da câmara real apenas os clérigos e os frades, únicas companhias que o rei desejava em sua hora suprema. Ao seu lado, em cima de uma mesinha, encontrava-se a imagem da Virgem das Batalhas ajudando-o a obter vitória nesta batalha final. De súbito fixou São Fernando os olhos no alto, transfigurando seu rosto numa felicidade inefável, de tal forma que lhe tirou o sentido do sofrimento de sua agonia. Assim permaneceu algum tempo, e já o tinham como morto, quando tornando a si sorriu muito alegre e lhes disse:

- Chegada é a hora... dai-me a lamparina.

E voltando a levantar os olhos, como a falar com Deus prosseguiu:

- “Senhor, deste-me reino que não tinha e honra e poder mais que eu merecia. Deste-me vida, esta não durável quanto foi tua vontade. Senhor, graças te dou, e rendo-te e entrego-te o reino que me deste com aquele aprovisionamento que eu pude fazer, e ofereço-te a minha alma”.

Olhando em volta para os religiosos, disse:

- “Eu sinto muito por alguma falta que tenha cometido, sabendo-as vós de alguma que ma perdoeis”.

Todos responderam, chorando:

- Rogamos a Deus que vos perdoe, que de nós estais perdoado.

Tomou então a candeia com ambas as mãos e ainda encontrou forças para alçá-la ao alto enquanto dizia:

- “Senhor, nu saí do ventre de minha mãe, que era a terra, e despido me ofereço a ela, e, Senhor, recebe a minha alma na companhia de teus servos”.

Logo começou o estertor da agonia, o suor impregnando os cabelos e caindo na lívida fronte, rolando em grossas gotas até molhar as almofadas. Com as vozes embargadas pelo pranto os religiosos entoaram em coro a Ladainha de Todos os Santos. Estava chegando o fim, fixou novamente São Fernando os olhos naquele ponto onde para ele se abria o céu.  E ainda falou a todos:

- Cantai o Te Deum!

Sua voz saiu com transportes de júbilos, indicando que em seu êxtase via coisas maravilhosas. Que via ele? Os anjos, os santos? Sua Mãe Santíssima, a Santa Maria das Batalhas? Ou o Rei Eterno, Jesus Cristo com a Santíssima Trindade?  Pausadamente, São Fernando foi fechando os olhos, guardando para sempre neles aquela visão que antecedera sua entrada no céu. A rosada face tornou-se alva, como se fosse de um finíssimo marfim, os lábios ficaram entreabertos, num gesto misto de supremo anelo e fruição inefável... o santo rei, Fernando de Castela, entrava na última e mais nobre de todas as conquistas, o Reino dos Céus. “Te Dominum fitemur”, seguiam cantando os que faziam o coro junto seu corpo já inerte. 

Sua festa é celebrada no dia de seu falecimento, ocorrido a 30 de maio de 1252.

 (Relato extraído do livro “Nuestra Señora en el Arzon”, de C. Fernandez de Castro, A. C. J., publicada em 1948 pela Editora Escelicer, S.L., de Cádiz, Espanha)


terça-feira, 19 de janeiro de 2021

MORTE DE UM NOBRE CRUZADO



Guilherme Marechal foi um nobre inglês que participou das Cruzada e se fez Cavaleiro da Ordem dos Templários no século XIII. William Marshal, seu nome verdadeiro, foi o primeiro conde de Pembroke, nascido em 1146 (1145, segundo outros) e falecido no dia 14 de maio de 1219, portanto, oito séculos atrás. Assim como El Cid na Península Ibérica foi considerado o modelo do cavaleiro medieval, Guilherme Marechal foi tido como “maior cavaleiro de seu tempo”. Como era costume aos cavaleiros cristãos o serviço, serviu a quatro reis: Henrique II, Ricardo Coração de Leão, João (o famoso “João Sem Terra”) e Henrique III.

Na Idade Média surgiu o título de marechal dado a um alto oficial militar responsável pela logística dos exércitos em guerra, cargo inferior ao de Condestável. No entanto, o personagem em questão trazia em seu nome já esta denominação (William Marshal), que em português se traduz hoje por marechal, tudo indicando que foi pioneiro na ostentação do cargo e que deu origem ao título.

Encontramos numa obra biográfica do historiador medievalista Georges Duby um relato do que os cronistas deixaram sobre a morte de tão nobre e católico cavaleiro.

Possuía mais de 70 anos, em 1217, e ainda era visto em campo de batalha, exibindo vigor e coragem. Era comum que cavaleiros cristãos, nascidos e criados sob rigorosas disciplinas das ordens de cavalarias ostentassem tal vigor até à idade senil. Alexandre Herculano conta o caso de um de tais cavaleiros em seu livro “A Morte do Lidador”: o cavaleiro cristão Gonçalo Mendes da Maia, o qual, em 1170, aos 95 anos de idade, resolveu comandar uma última batalha contra os mouros, morrendo em combate mas provocando a fuga do inimigo. O cavaleiro que comandou as defesas de Malta, em 1565, Jean Parisot de La Vallete, estava aos 70 anos de idade, mas demonstrou grande vigor e combatividade. No entanto, na Festa da Candelária, 2 de fevereiro de 1219, Guilherme Marechal “desabou de repente”. De início, nada revelou de suas dores e passou algum tempo sofrendo, sabendo que seu fim aproximava-se. Quando não aguentou mais, chamou os médicos, os quais lhe disseram que tinha poucos dias de vida. A partir daí começou a se preparar para a morte. Sua primeira decisão foi mandar reunir todos seus homens para comunicar a proximidade de seu fim. “Precisa desse séquito numeroso para o grande espetáculo que vai começar, o da morte principesca”, disse Georges Duby. Pede para o levarem até sua casa, onde poderia ter morte mais digna, ao lado da esposa, filhos e seus criados.

“Desde que chegam, sua primeira preocupação é libertar-se do fardo que tanto lhe pesa. Pois o homem que se aproxima da morte deve desfazer-se pouco a pouco de tudo, começando por abandonar as honrarias do mundo. Primeiro ato, primeira cerimônia de renúncia. Ostentoso, como serão também os atos seguintes, pois naquele tempo todas as belas mortes são verdadeiras festas – elas exibem-se como num teatro, perante grande número de espectadores, de ouvintes atentos a cada atitude, a cada palavra, atentos a que o agonizante manifeste seu valor, a que fale e aja segundo a sua posição, a que legue um verdadeiro exemplo de virtude aos que lhe vão sobreviver”, comenta o historiador. Em seguida completa: “...aproveitemos que a grandeza alcançada pelo Marechal o mostre a nossos olhos, brilhando com luz excepcional, e acompanhemos a cada passo, a cada pormenor, o ritual da morte à maneira antiga, que não era uma partida furtiva, esquiva, porém numa chegada lenta, regrada, governada – um prelúdio, passagem solene de uma condição para outra, superior, mudança de estado tão pública quanto as bodas, tão majestosa quanto a entrada dos reis em suas leais cidades.  A morte quer perdemos, e que talvez nos faça falta”.[1]

Após decidir sobre o os bens a legar para seus familiares e fieis soldados, tem que deixar herdeiros também de seus cargos. Para tanto, manda chamar à sua casa o representante do rei e o legado papal. Vinham junto alguns barões e outros nobres para assistir o ato do moribundo. Verdadeira multidão se aglomerou em sua residência, tanto que não houve espaço para todos. Alguns tiveram que se hospedar num mosteiro próximo.

Ainda exercia o cargo de tutor do herdeiro do trono, o pequeno Henrique, começando por este suas despedidas: Pede desculpas por não poder guardá-lo ou protege-lo por mais tempo, passando a desenvolver um discurso moral ao filho do rei como se o mesmo fosse seu próprio filho. Admoesta a criança a viver no respeito à moral e renuncia ao cargo que detivera sem nomear ou recomendar um sucessor, assunto que pede ainda mais um pouco de tempo para pensar.

Não havia documento testamentário: bastava a palavra do declarante. Quando, depois, um notário fosse escrever os documentos legatários bastava que ouvisse aquelas testemunhas ali presentes para registrar os fatos. Nada era posto em dúvida, todos respeitavam as decisões do moribundo. Inclusive os cargos públicos, ali também renunciados em favor de terceiros, presentes ou não naquele momento.

 Agora, cuidemos da alma

 Julgando haver se desfeito de todos os apegos, bens e cargos deste mundo, o cavaleiro cristão pensa agora em sua própria alma. “Já estou liberto. Mas convém que eu prossiga e cuida de minha alma, já que meu corpo está em perigo de morte, e que, diante de vós, terminei de libertar de todas as coisas da terra para só meditar, agora, nas do Céu”, disse ele. Segundo a mentalidade medieval a morte é o passo mais importante da vida, ocasião em que a pessoa tem que subir ao Céu sem nada que o prenda neste mundo. É como se fosse um segundo nascimento, mais importante até do que o primeiro.

No entanto, o lembram de que precisa também determinar sobre os preparativos de seu féretro. Sendo assim, determina que alguém vá num depósito seu e de lá traga dois lençóis de seda, e diz: “Parecem desbotados? Quero-os abertos. Senhores, olhai bem. Tenho estes panos já faz trinta anos; quando voltei do Ultramar trouxe-os comigo, para o uso que agora terão. Haveis de cobrir com eles meu corpo, quando eu for enterrado.”. Ao ser indagado por um filho onde seria sua sepultura, respondeu: “Bom filho, quando eu estava no Ultramar dei meu corpo ao Templo para nele repousar após minha morte.  Vós me cobrireis com os lençóis quando eu morrer. Com eles cobrireis o esquife. E, se fizer mau tempo, comprai um tecido cinzento, bom e grosso, qualquer tecido, colocai-o por cima para que a seda não se estrague, e depois que os irmãos templários me enterrarem deixai-a a eles, para que façam dela o que melhor lhes parecer”.

A partir deste momento se inicia os preparativos, com carpimentos e vigílias tão comuns em tais ocasiões.

Os preparativos religiosos para sua morte começam também a ser feitos como de costume. Mas, os cavaleiros templários davam muita importância ao propósitos feitos na sua Ordem; por isso, os Templários tinham preferência nos preparativos, embora fosse imprescindível o ritual católico e as cerimônias e unção dos enfermos na hora determinada. Realçando tal preferência, assim se referiu o historiador Georges Duby:

“Durante a peregrinação que o fez passar vários meses na Terra Santa, em 1185, Guilherme Marechal pôde ver em ação, no auge de seu poder, esses monges guerreiros. Observou-os, expondo o corpo ao perigo na luta pelo Cristo, enquanto permaneciam estritamente submissos à disciplina monástica, que lhes impunha obediência sem hesitação ou murmúrio, nada terem de próprio, não tocarem nas mulheres, renunciarem à jactância, ao jogo, a tudo o que é ornamento inútil. Admirou-os como alguém que conhecia o ofício: combatentes, alegres, mais capazes do que ninguém. Julgou que na pessoa deles se conjugam os méritos das duas categorias dominantes da sociedade humana, a ordem dos religiosos  e a dos cavaleiros, e que por isso tais homens se postavam, com toda a evidência, na vanguarda dos que hão de ter o Paraíso. Decidiu, portanto, ainda na Terra Santa, fazer parte de sua companhia.”

Completa o historiador que todo cavaleiro deixava para completar sua entrega total á Ordem no momento mais crucial de sua vida, que é a morte. E era por tais motivos que os Templários tinham precedência em todos os preparativos ali sendo feitos.

Inicialmente, o mestre que presidia a cerimônia iniciou um ritual chamado de “passagem”, passagem da cavalaria simples, a terrestre, para uma “nova cavalaria”, a celeste: “...como dizia São Bernardo, à cavalaria renovada, a desses “homens novos” que decidiram tornar-se mais perfeitos”. Para inicio de tal cerimônia vão buscar em seu guarda-roupa o manto branco com a cruz vermelha. Havia sido costurado para aquela ocasião.

Mas, falta algo ainda a se despedir deste mundo. Alguns de seus bens de uso particular, como suas belas e suntuosas roupas. Alguns clérigos sugeriram que doasse para seus cabidos ou conventos, que seriam vendidos e aplicados os recursos nas igrejas. A certo ponto, Guilherme Marechal se irrita com os interesses nestas coisas e diz: a um de seus homens “Por esta fé que deveis a Deus e a mim, mando que façais em meu nome a divisão de todas as roupas. E, se não houver o bastante para todos, mandai comprar em Londres o que estiver faltando. Que nenhum dos meus tenha por que se queixar de mim”.

 Momentos finais

       Numa das tentativas de fazê-lo alimentar-se, estenderam uma toalha cheia de alimentos. Quando a mesma foi posta, chamou um dos seus homens e perguntou: “Enxergarás o mesmo que eu? – Senhor, não sei o que estás vendo. – Pois juro que vejo dois homens brancos: um à minha direita, outro à esquerda; jamais vi homens tão belos”. Como o outro dizia não está vendo nada, concluir o conde: “Abençoado seja Deus Nosso Senhor, que até hoje me conferiu tantas graças”. Não foi confirmado se tais homens que ele viu eram anjos ou santos que lhe haviam aparecido. Não o disse.

A 14 de maio de 1219, após uma crise que prenunciava o desfecho da morte iminente, acorrem de imediato o abade de Nutley com seus cônegos, além do outro abade de Reading também acompanhado, trazendo este último, da parte do legado,  a absolvição pontifícia com valor de indulgência plenária. Dede o começo de sua doença que confessava-se uma vez por semana; supunha-se, portanto, que estava com a alma preparada para o desenlace final e comparecer na presença de Deus. O historiador não fala, mas é evidente que recebeu a unção dos enfermos, talvez mais de uma vez. Os presentes o viram inclinar-se, persignar-se, adorar a Cruz colocada à sua frente e, finalmente, entregar sua alma a Deus. Morreu um justo.


[1] Os dados foram extraídos da obra “Guilherme Marechal” – Ou o Melhor Cavaleiro do Mundo – Georges Duby – Edições Graal Ltda, págs. 9/10 e seguintes)


segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

MORTE DE EL CID, O MODELO DOS CAVALEIROS MEDIEVAIS

 


O século de “El Cid” foi o século do fervor medieval, onde grandes acontecimentos brilharam na Europa. No ano 1001 Santo Estêvão é coroado rei da Hungria.  Dois grandes Papas santos, Leão IX e Gregório VII, além de Urbano II, o proclamador da primeira Cruzada, deixaram sua marca.  Em 1012 é fundada a Ordem dos Camaldulenses, monges que procuravam seguir com mais rigor a Regra de São Bento; também neste século, São Bruno funda a ordem dos Cartuxos, e no seu final, em 1098, é fundada a Ordem de Citeux (Cistercienses), à qual pertenceu São Bernardo no início do século seguinte.

A Cavalaria cristã se tornou oficial no século XI como resultado de um costume arraigado há mais de 4 séculos na Europa. Para ingressar nela, um longo aprendizado (de 3 a 9 anos) era exigido do jovem guerreiro que, ao final de sua educação, era introduzido na Cavalaria com uma cerimônia chamada de “investidura”. O caráter sagrado da Cavalaria, o ideal da perfeição cristã na vida guerreira que ela propunha, tiveram o seu ápice durante as Cruzadas. Foi Gerard de Tom que, ao final do século XI, fundou a primeira Ordem de Cavalaria, chamada Ordem dos Hospitalários de São João. Aprovada pela Igreja, as regras da nova Ordem exigiam que com a investidura o cavaleiro jurasse defender a Igreja, proteger os pobres, os órfãos, as viúvas, ser leal, fiel e bravo até à morte. Depois, outras Ordens surgiram, com nomes diferentes, mas com objetivos e rituais semelhantes: Ordem de Cristo, Ordem dos Templários, Ordem de Malta, etc.

Primordialmente, o termo “cavaleiro” significava apenas qualquer homem montado a cavalo. No decorrer da Idade Média, os suseranos passaram a investir como cavaleiros seus fiéis súditos que lutavam a seu lado. Esta investidura fazia do cavaleiro um vassalo ligado a seu senhor com um laço quase sagrado de servidão.  O Rei Afonso X, “O Sábio”, escreveu o seguinte sobre a vassalagem:

“Um homem se pode fazer vassalo de outro segundo o antigo costume da Espanha, desta maneira, outorgando-se por vassalo daquele que o recebe e, beijando-lhe a mão por reconhecimento de senhorio e ainda há outra maneira de fazer homenagem que é mais grave porque por ela se torna um homem não somente vassalo de outro, mas fica obrigado a cumprir aquilo que promete por postura.  Homenagem tanto quer dizer como tornar-se “homem de outrem” e se fazer como seu para dar-lhe segurança sobre a coisa que promete dar ou fazer, que a cumpra, e esta homenagem não somente tem lugar em pleito de vassalagem mas em todos os pleitos e posturas que os homens ponham entre si com intenção de cumpri-las”  

Posteriormente, com o surgimento das Ordens militares de monges guerreiros, o Cavaleiro passou a ser principalmente aquele que pertencia à uma de tais ordens. 

El Cid foi o Cavaleiro mais típico da Idade Média, embora não conste nas crônicas que o mesmo haja pertencido a alguma Ordem de Cavalaria. Em castelhano, o seu nome de batismo era Rodrigo Díaz. O termo “El Cid”  provém de uma expressão meio castelhana meio moura, significando “O Senhor”.  O primeiro registro histórico deste honroso título provém de um judeu, chamado Joseph ben Zaddie de Arévalo, que ao fazer uma crônica narrando a vitória de El Cid sobre Saragoça escreveu: “Saragoça foi ganha por Cidi Ru Diaz”. Em hebraico “Cidi” quer dizer  “Meu Cid”, ou seja, meu senhor. Este honroso título mostra quanto Dom Rodrigo tinha ascendência senhorial sobre seus vassalos, até entre mouros. 

Rodrigo Díaz nasceu em Bivar, povoado situado ao norte de Burgos, pelo ano de 1043 e tinha origem nobiliárquica muito alta por parte de seus pais. As crônicas não explicam porque razão ele não foi educado por seus familiares, mas na corte pelo Infante Sancho, filho primogênito de Fernando I, primeiro rei de Leão e Castela. Foi Dom Sancho quem o armou cavaleiro e o levou consigo para a primeira expedição militar.

 Morte de El Cid

O grande herói chegou a atingir o seu objetivo principal, que foi a conquista de Valência e estabelecer um protetorado cristão naquela região tão importante para impedir o avanço maometano e consolidar um reino cristão. Incompreendido pelo principal rei da Península, Dom Alfonso, e também por vários outros reis cristãos,  que fazer?  El Cid poderia declarar-se rei de Valência, mas não o fez. Por fidelidade, lealdade ao rei de Castela, ele sempre se considerou seu vassalo e como tal foi assim que sempre agiu.  

Assim, aquele grande cavaleiro, muito superior em méritos a muitos reis cristãos,  entregou sua alma a Deus prematuramente com apenas cinqüenta e seis anos de idade. Morreu na terra que sempre tentou conquistar, Valência, no dia 10 de julho de 1099. Seu corpo foi levado para o mosteiro de San Pedro de Cardaño e ali venerado como santo. É bom salientar que sua morte causou muita dor, principalmente entre seus vassalos. Foram vistos vários homens e mulheres, até mesmo muçulmanos, como era costume naqueles tempos, golpearem-se no peito como sinal de dor. Quanto aos cristãos, fizeram sentir sua tremenda dor mandando rezar missas em várias igrejas e mosteiros como sufrágio de sua alma. As crônicas não dão detalhes sobre como ocorreu sua morte.

De tal forma a morte de El Cid foi sentida na Cristandade, que no Mosteiro de Maillezais, em Poitu, no centro da França, foi registrado que sua morte era tida como um dos grandes acontecimentos humanos.  Consignaram os historiadores que "faleceu o conde Rodrigo, e sua morte causou a mais grave dor na cristandade e grande alegria entre os inimigos muçulmanos".

Eram dois fatos que tomavam conta da Cristandade: a morte de El Cid e a convocação da Primeira Cruzada. No mesmo ano em que o grande varão católico e guerreiro cruzado morreu, a Cruzada foi convocada por Urbano II e Godofredo de Buillon fundava o reino de Jerusalém, rodeado de muçulmanos da mesma forma que o Campeador.

 (Dados extraídos da obra "El Cid Campeador", de R. Menéndez Pidal, Editora Espasa Calpe S.A., Madri, 1955).

 

 


domingo, 17 de janeiro de 2021

O SANTO QUE VIU A VITÓRIA DA IGREJA TAMBÉM NOS DIAS ATUAIS


 

O dia da festa do grande Papa São Pio V é no dia 30 de abril, mas resolvemos relembrar hoje, no início deste ano um dos Santos do Dia do Dr. Plínio Corrêa de Oliveira sobre o santo da guerra de Lepanto:

"Hoje é festa de São Pio V (1551-1572), Papa e Confessor. Dele afirma o Martirológio que se aplicou com zelo e entusiasmo a restaurar a disciplina eclesiástica, extirpar as heresias e esmagar os inimigos do nome cristão. Ele foi inquisidor supremo, promotor da batalha de Lepanto.

Dados narrados por D. Guéranger, em L’Année Liturgique e de Rohrbacher, na sua Histoire Universelle de l’Eglise Catholique:

“Miguel Ghislieri, futuro São Pio V, foi nomeado superior de numerosos conventos, e [deplorou] logo o relaxamento, corrigindo abusos, mantendo a disciplina. Com ele pareceram ressuscitados os Pacômios... Onde se encontrasse fazia reviver o espírito de São Domingos em toda sua pureza e fervor. Era notável sua assiduidade nos exercícios do claustro. No exercício divino, destacava-se por sua humildade sincera, por seu amor à solidão, ao silêncio, à pobreza, à mortificação e seu zelo contra as heresias de seu tempo. Por isso foi feito inquisidor da fé em Como. Cumpriu seu ofício com prudência, mas foi objeto de perseguição, correndo risco de vida. Em 1557, Paulo IV o fez Cardeal. Todo o Sacro Colégio agradeceu ao Pontífice por lhe ter dado um tão digno colega. Malgrado suas numerosas ocupações, o agora cardeal Ghislieri era imensamente afável, quer com aqueles que vinham tratar de negócios sérios, quer com os que vinham importuná-lo...”

“A ninguém jamais fez recusas, nunca foi recusada uma audiência e o todo de sua conduta, como suas menores atitudes, faziam compreender que Deus o elevava dia a dia, a fim de que dessa altura ele pudesse servir, instruir, edificar o maior número de pessoas.

“Eleito Papa, Pio V reuniu todos os dignatários e domésticos de sua casa, prescreveu-lhes regras de conduta, declarou o que esperava deles, segundo seu estado, e advertiu que não aceitava nenhuma infração aos princípios de uma piedade exemplar. E ele dava exemplo. Austeríssimo consigo mesmo, não abandonava suas vestes de monge sob os trajes pontifícios, nem mesmo sobre a dura enxerga que lhe servia de leito. Todas as noites fazia uma longa visita aos sete altares da Igreja de São Pedro”.

Que cena bonita! A Igreja de São Pedro já fechada, e o papa santo, indo de altar em altar para rezar na solidão da igreja, seguido provavelmente por uma ou duas pessoas que conduziam velas, alguma coisa assim, e rezando longamente. Que cena maravilhosa!

“Em conjunturas importantes, passava noites inteiras de joelhos, consultando a Deus sobre suas decisões. Seu sêlo, no lugar do escudo, trazia esse versículo de um salmo: “Possam meus caminhos estar dirigidos a guardar a Vossa justiça”. E para não se afastar nunca do sofrimento de Cristo, tinha sempre diante de si, sobre uma mesa, uma imagem de Nosso Salvador na Cruz, ao redor da qual estavam escritas essas palavras de São Paulo: “Longe de mim gloriar-me senão na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Dirigindo-se a cardeais, notou-lhes que o meio mais seguro de apaziguar a cólera de Deus, de deter os hereges que atacavam a Igreja, os muçulmanos que estendiam seu império de barbárie, era em primeiro lugar regular suas vidas e suas casas. 'É a vós, dizia, que Cristo dirige as palavras: Vós sois a luz do mundo, vós sois o sal da terra'.

“Roma era publicamente devorada pelas cortesãs (...). Pio V publicou um edito muito rigoroso contra (...), banindo-as de Roma e dos Estados pontifícios, chamando-as as ‘pestes da república’ (res publica). (...)

“Depois de seis anos de um pontificado cheio de lutas, entre os quais destaca-se o esforço do papa contra os turcos e a obtenção da vitória de Lepanto (1571) por sua oração a Nossa Senhora do Rosário, Pio V passou a ser objeto do ódio por parte dos inimigos da Igreja. Tentaram matá-lo, empregando para isso os meios mais pérfidos. Uma vez, por um estratagema tão covarde quanto sacrílego, secundados por uma odiosa traição, passaram veneno nos pés do crucifixo que o santo tinha no seu oratório”...

Isso é uma infâmia! Matar um papa, um papa santo, matar na hora em que ele vai oscular o crucifixo, e pôr o veneno no próprio crucifixo, são requintes de infâmia...!

“...que osculava com freqüência. Como se preparasse para sua homenagem diária à sagrada imagem, eis que os pés do Crucificado destacam-se da cruz e como que se afastam do respeitoso ancião. Pio V compreendeu, então, que a malícia de seus inimigos se transformara para ele em instrumento de morte. No leito de morte, lançando um último olhar à Igreja da terra que ia deixar pela do Céu, e querendo implorar uma última vez a divina bondade em favor do rebanho que deixava exposto a tantos perigos, recitou com uma voz quase apagada essa estrofe dos hinos do tempo pascal: ‘Criador do homem, dignai-vos preservar Vosso povo dos assaltos da morte’. Tendo acabado essas palavras, dormiu suavemente no Senhor”.

*    *    *

São tão bonitos esses dados que a gente tem dificuldade em os comentar. Nós podemos em alguma coisa tomar nota da fisionomia moral dele.

Em primeiro lugar, esse aspecto que temos comentado tanto aqui: a distinção entre o briguento e o lutador.

O indivíduo lutador é aquele que luta por princípios, nunca faz uma briga por razões de caráter individual. No campo dos interesses individuais, ele tolera, ele suporta, ele perdoa, ele é magnânimo, não se incomoda com nada, mas no campo da doutrina e dos interesses da Igreja Católica é um leão e aí é verdadeiramente indomável, podendo ser considerado uma fera, porque o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo foi chamado pela Escritura “Leão de Judá”.

Sempre que alguém é muito briguento, é pouco lutador. Luta quem o faz pela Igreja; briga quem é movido meramente por seus interesses pessoais.

Os senhores estão vendo aqui São Pio V afabilíssimo, modelo de afabilidade. Aquele tempo era uma época de Renascentismo, com uma vida de corte muito desenvolvida; todos os Prelados eram importunados por um mundo de cacetes: iam fazer pedidos, faziam visitas supérfluas, atrapalhavam a vida do prelado de várias maneiras... Ele tinha uma paciência completa, recebendo todo mundo de modo edificante, maravilhoso. Mas isso é porque atrapalhava a vida dele e atrapalhando a vida dele estava em jogo ele. E estando em jogo sua pessoa, estavam em jogo interesses dele e os interesses dele não eram nada, porque nenhum de nós diante de Deus é nada. E por causa disso a nossa preocupação deve ser de sacrificar nossos interesses individuais, nossas conveniências, nossa vontade à Causa Católica.

Observem que quando se trata de moral, de doutrina, como a severidade a mais extrema, a mais infatigável, a mais contínua é o traço distintivo desse homem. De começo ao fim, numa época de relaxamento moral, de abandono de todos os princípios, de esboroamento da Cristandade, época da Renascença, como ele representa a moralidade firme! Os senhores vêem que começa por aí: ele entra no convento. Qual era sua nota característica? Destacava-se pela humildade sincera, pelo amor à solidão, ao silêncio, à pobreza e à mortificação. O lutador gosta da solidão, gosta do silêncio, gosta da pobreza e da mortificação.

Pelo contrário, o briguento não. Prestem atenção: gente briguenta nunca gosta de estar sozinha. Gosta sempre de estar perto dos outros atazanando. Diz a Escritura que é melhor a gente morar numa casa com goteiras do que com uma mulher litigiosa, porque a goteira é parada e a mulher sai atrás do homem pela casa. A pessoa briguenta tem muito disso.

O lutador se isola, o lutador se concentra, o lutador tem princípios, ele pensa. E quando chega a hora de falar, fala mesmo!

Ele já era notado por seu zelo contra as heresias, mas heresias de seu tempo. Eu conheci professores de seminário que eram exímios para refutar a heresia dos montanistas, dos donatistas. Dizia-se: “Esse aí é um monstro. Fazia aulas com uma energia contra Ario, mas uma coisa extraordinária!...” Mas era incapaz de protestar contra o vereador do bairro que propusesse uma lei imoral qualquer... Ou seja, eram corajosos retrospectivos...

Feito Cardeal, qual é sua preocupação? É da luta - foi nomeado ao mesmo tempo inquisidor –, é a luta a favor da inquisição contra os hereges.

Feito Papa, recomeça a luta contra a falta de austeridade. Primeiro chama todos os dignatários domésticos de sua casa, prescreve regras de conduta. Naquele tempo de Renascentismo era exatamente para acabar com aquelas frivolidades, porque tem que ser sério, tem que ser austero, não pode andar com carinha assim sorrindo, pimpona... Naquele tempo usava-se batina de seda preta rendada, quase como saia balão, como se fosse uma senhora... jeitos femininos, adamados, cabelinhos arranjados, dois, três anéis nos dedos, etc. Acaba com isso. Porte-se como um Ministro de Nosso Senhor Jesus Cristo que conduz consigo o porte de Cristo crucificado.

Ele mesmo usava sua batina de dominicano, sob os trajes pontificais, e dormia vestido de dominicano. O costume é observado em várias Ordens religiosas de se dormir com o hábito religioso.

Dom Duarte Leopoldo e Silva, que foi um antigo arcebispo de São Paulo, foi acometido de um ataque cardíaco durante a noite. Ele dormia de pijama. Tocou a campainha para chamar o secretário. Antes deste chegar, ele já tinha se vestido e estava deitado de batina na cama. Quer dizer, isso  é o senso eclesiástico! Nunca se apresentar, nem sequer à intimidade de seu próprio secretário, sem o traje talar. Como isso é muito diferente do espírito de hoje...

Ele atribuía toda a tristeza da Igreja no tempo dele - a devastação que o protestantismo continuava a fazer, o espírito da Renascença, o neo-paganismo, a imoralidade, os avanços dos turcos que ameaçavam a Igreja - aos pecados que eram cometidos dentro da própria Igreja. E atribuía isso particularmente aos cardeais. De onde então ele dizer aos cardeais que a reforma de vida devia começar pela reforma deles.

Os senhores dirão: “Mas Dr. Plínio, os cardeais daquele tempo eram bem parecidos com os cardeais de outros tempos, não?” Eu digo: é verdade, com uma “pequena” diferença, mas essa diferença é “pequena”  como o tamanho que vai da terra ao céu: os cardeais daquele tempo tinham uma porção de defeitos, mas quando um cardeal Ghislieri era eleito para o Sacro Colégio, eles iam agradecer ao Papa, e depois elegiam esse cardeal Papa. Não é pequena a diferença...

Os senhores viram a medida dele contra as mulheres de má vida.

Por fim, os senhores conhecem o famoso episódio quando ele viu Nossa Senhora Auxiliadora desbaratar em Lepanto as naus dos turcos. E aqui há uma relação entre a “Bagarre” e esse episódio da vida de São Pio V.  Num “sonho” (visão) que São João Bosco teve, Nossa Senhora Auxiliadora estava presidindo do alto uma batalha em que, como em Lepanto, eram completamente dispersadas as naus dos adversários.

São Pio V viu uma vitória pré-figurativa da vitória que a Cristandade terá  e da implantação do Reino de Maria.

O que podemos pedir a São Pio V hoje? Que ele faça vir quanto antes esses acontecimentos, a fim de que venha logo o Reino de Maria e  possamos ver uma Lepanto imensamente maior do que a Lepanto de seu tempo, para a glória de Nossa Senhora, que com tanto amor ele serviu”.

(Fonte: Conferência, "Santo do Dia", 4 de maio de 1966 -   http://www.pliniocorreadeoliveira.info/DIS_SD_660504_saopiov.htm#.Wue_FaQvwdU  )

 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

MEDITAÇÕES DO ADVENTO E EPIFANIA (XXXIX)

 


6 de janeiro

 COMENTÁRIOS DE SÃO TOMÁS DE AQUINO

 - EPIFANIA DO SENHOR

 Nações caminharão por sua luz, e reis pelo brilho de sua aurora (Is 60, 3). Os Magos são as primícias dos gentios que acreditam em Cristo; em que a fé e a devoção apareceram como um certo presságio dos gentios, que vieram a Cristo de países distantes. E para isso, então

E por isto, assim como a devoção e a fé dos gentios são isentas de erros por inspiração do Espírito Santo, também se deve acreditar que os Magos, inspirados pelo Espírito Santo, sabiamente prestaram reverência a Cristo.

Como diz Santo Agostinho, a estrela que guiou os Reis Magos ao lugar onde o Deus Menino estava com a Virgem Mãe, poderia conduzi-los à mesma cidade de Belém onde Cristo nasceu; mas removido de sua vista até que os judeus também testemunharam sobre a cidade em que Cristo nasceria; para que, confirmados por duplo testemunho, procurassem com uma fé mais ardente que manifestou a clareza da estrela e a autoridade do profecia. Assim, eles próprios anunciam aos judeus o nascimento de Cristo e eles perguntam o lugar. Por disposição divina aconteceu que, desaparecer a estrela, os oReis Magos foram a Jerusalém guiados por luzes humanas, procurando na cidade real pelo rei nascido, a fim de que o nascimento de Cristo fosse anunciado publicamente pela primeira vez em Jerusalém, de acordo com Isaías (2,3): De Sião, a lei, e a palavra do Senhor de Jerusalém, e também para que com a notícia dos sábios que vieram de longe, a preguiça dos judeus foi condenada, eles estavam perto.

Maravilhosa foi a fé dos Magos. Porque se eles, procurando um rei da terra, o teriam encontrado, caso em que teriam ficado confusos, por ter empreendido uma jornada tão dolorosa sem causa; então eles não o teriam adorado, nem oferecido presentes. Mas no presente caso, como eles procuraram um rei celestial, embora sem excelência veriam nele, no entanto, contente com o testemunho da estrela única, adoraram. Eles vêm ao Homem e reconhecem a Deus e oferecem-lhe presentes apropriados à dignidade de Cristo: Ouro como a um grande rei; incenso, que é usado no sacrifício de Deus, como Deus, e mirra, que serve para embalsamar corpos, a fim de demonstrar que deve morrer pela salvação de todos. (3 °, q. XXXVI, a. 8)

E prostrando-se, eles o adoraram (Mt 2:11). A este respeito, diz Santo Agostinho: "Oh infância, à qual as estrelas se submetem! Quem é esta grandeza e glória suprema, diante de cujas fraldas os Anjos assistem, reis tremem e sábios ajoelham-se? Quem é este, então e tão grande? Fico espantado quando vejo as fraldas e olho para o céu; Eu fico agitado quando olho para o mendigo e o mais ilustre na manjedoura do que as estrelas; salvar nossa fé, pois a razão humana falha. " (De Humanitate Christi)

 (Extraído de “MEDULLA S. THOMAE AQUITATIS PER OMNES AMNI LITURGICI SEU MEDITATIONES EX OPERIBUS S. THOMAE DEPROMPTAE.- Recopilação de Fr. Mezar, OP, e tradução do latim para o espanhol por Luís M. de Cádiz)

 

 JESUS DORME NO PRESÉPIO.

 O sono de Jesus Menino era curto e penoso. Uma manjedoura servia-lhe de berço, a palha formava o seu leito e travesseiro, de sorte que o seu repouso era freqüentemente interrompido pela dor que lhe causava essa cama tão dura e incômoda, e pelo rigor do frio que reinava na gruta. Não obstante, de tempo em tempo o tenro menino adormecia apesar de todos os seus sofrimentos. Mas o sono de Jesus diferia muito do das outras crianças.

O sono das outras crianças lhes é útil para a conservação da vida, mas não para as operações da alma, as quais são detidas pelo entorpecimento dos sentidos. Não foi assim o sono de Jesus. Eu durmo, mas o meu coração vigia. Seu corpo repousava, mas sua alma vigiava; pois em Jesus, a natureza humana estava unida à pessoa do Verbo, que não podia dormir nem sofrer o efeito dos sentidos. O santo Infante dormia pois; mas dormindo pensava em todas as penas que devia sofrer por nosso amor durante a sua vida e a sua morte. Pensava no que devia suportar no Egito e em Nazaré, onde viveria uma extrema pobreza e obscuridade; pensava sobretudo nos açoites, nos espinhos e nos opróbrios, nas agonias, em todos os tormentos da paixão e na morte desolada que teria de sofrer na cruz; e dormindo, tudo oferecia a seu Pai eterno, para nos obter o perdão dos pecados e a salvação. Assim, até dormindo, nosso Salvador merecia por nós, aplacava a seu Pai e nos proporcionava graças.

Peçamos-lhe que, pelo mérito de seu bem-aventurado sono, nos livre do sono mortal dos pecadores, que dormem miseravelmente na morte do pecado, no esquecimento de Deus e de seu amor; e que nos dê, ao contrário, o sono feliz da Esposa sagrada, da qual Ele dizia: Não perturbeis o repouso da minha dileta, deixai-a dormir quanto ela queira. O doce sono que Deus dá às suas almas amadas não é outra coisa, segundo São Basílio, que um profundo esquecimento das criaturas. A alma o goza quando se esquece inteiramente de todos os objetos terrestres para só pensar em Deus e no que interessa a sua glória.


Afetos e Súplicas.

 Ó caro e santo Menino, vós dormis; ah! como me encanta o vosso sono! Para os outros o sono é a imagem da morte; mas em vós é um sinal de vida eterna, pois que repousando mereceis para mim a salvação eterna. Vós dormis, mas o vosso coração não dorme: pensa em sofrer e morrer por mim. Dormindo orais por mim e me obtendes de vosso Pai celeste o descanso eterno do paraíso. Mas, antes que me introduzais no céu, como espero, para lá repousar convosco, quero que repouseis sempre em minha alma. Ó meu Deus, tenho-vos repelido outrora; mas tanto batestes à porta do meu coração, ora por temores, ora por luzes, ora por apelas chios de ternura, que creio já tenhais entrado nele. Sim, eu o creio, pois sinto uma grande confiança de haver recebido de vós o meu perdão; experimento profundo horror e sincero arrependimento das minhas ofensas contra vós; esse arrependimento me causa grande dor, mas uma dor sem perturbação, uma dor que me consola, e me dá a segurança de ter obtido o meu perdão da vossa bondade. Agradeço-vos, meu Jesus, e vos peço não vos afasteis mais de minha alma. Sei que não saireis dela se eu vos não expulsar; é essa a graça que vos peço e suplico-vos me ajudeis a pedi-la sem cessar: não permitais vos torne a banir do meu coração. Fazei que tudo esqueça para só pensar em vós, que sempre pensastes em mim e na minha felicidade. Fazei não cesse de vos amar nesta vida até que minha alma unida sempre a vós voe aos vossos braços para repousar eternamente em vós sem temor de vos perder.

Ó Maria, assisti-me durante a vida, assisti-me na hora da morte a fim de que Jesus repouse sempre em mim e que eu repouse sempre em Jesus.

 (SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO - “Encarnação, Nascimento e Infância do Menino Jesus” – Edição Pdf Aparecida – 2004 – Fl. Castro – págs. 190/192)

 -SOBRE A ADORAÇÃO DOS MAGOS

Amável Menino, embora vos veja na gruta deitado sobre palha, tão pobre e desprezado, a fé me ensina que sois o meu Deus, descido do céu para minha salvação. Reconheço-vos pois por meu supremo Senhor e Salvador; mas nada tenho para vos oferecer. Não tenho o ouro do amor, pois só tenho amado os meus caprichos, e não tenho amado a vós, o Bem infinitamente amável. Não tenho o incenso da oração; tenho vivido miseravelmente sem pensar em vós. Não tenho a mirra da mortificação, pois para me não privar dos miseráveis prazeres, tantas vezes desgostei vossa bondade infinita. Que vos oferecerei então? Ofereço-vos o meu coração, manchado e pobre com o é; aceitai-o e transformai-o, pois que viestes a este mundo para lavar os nossos corações no vosso sangue, purificá-los dos pecados e assim converter-nos de pecadores  em santos. Dai-me pois o ouro, o incenso e a mirra, que me faltam: dai-me o ouro do vosso santo amor; dai-me o espírito de oração; dai-me o desejo e a força de mortificar-me em tudo o que vos desagrada. Estou resolvido a obedecer-vos e a amar-vos; mas conheceis minha fraqueza, concedei-me a graça de vos ser fiel. Virgem santa, que acolhestes os piedosos Magos com tanto afeto e os consolastes, dignai-vos também acolher-me e consolar-me, que a seu exemplo vos venho visitar e oferecer me a vosso divino Filho. Maria, minha Mãe, tenho grande confiança em vossa intercessão. Recomendai-me a Jesus. Entrego-vos a minha alma, a minha vontade; prendei-a para sempre
ao amor de Jesus.

(SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO - “Encarnação, Nascimento e Infância do Menino Jesus” – Edição Pdf Aparecida – 2004 – Fl. Castro – págs. 205/206)