terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A VOCAÇÃO PARA A GRANDEZA

 





“Consciente de sua própria respeitabilidade e da dignidade dos outros, em seu apostolado Dr. Plínio incutia temor naqueles que desejassem afrontar a ordem estabelecida por Deus e estimulava, por sua mera presença, o bom comportamento dos filhos da luz, que se sentiam sustentados , encorajados e benquistos por ele. Assim, movido pelo enlevo em relação à sua pessoa, certo dia o Autor perguntou-lhe:

- O senhor poderia explicar como se harmonizam as virtudes na alma do senhor? Vê-se que, por ser batizado, o senhor possui a fé, a esperança, a caridade, a fortaleza, a temperança, a prudência e a justiça. Entretanto, no senhor essas virtudes apresentam um matiz diferente dos demais, que não sei definir.

Dr. Plínio então respondeu:

- Meu filho, para me compreender bem é preciso levar em consideração o seguinte. Você, que gosta de música, sabe que existe no piano um pedal que abafa o som e outro que o amplia. Em minha alma, Deus quis que houvesse um ampliador de todas as virtudes, em função do qual elas devem ser analisadas. E esse pedal se chama grandeza.

Ele continuou:

- Como você mesmo diz, eu tenho fé, mas minha fé possui uma nota diferente: uma ênfase na certeza absoluta, cristalina e categórica da existência de Deus, de sua Unidade e Trindade de Pessoas, da Encarnação do Verbo e da veracidade de todos os outros dogmas da Santa Igreja. Isso é crer com grandeza, sobretudo numa época relativista e cética, que julga ser moderno pôr em dúvidas todas as coisas. Quanto à esperança, ela consiste, como a de todo católico, em almejar minha salvação, não por méritos próprios, mas pelos de Nosso Senhor Jesus Cristo. No meu caso, porém, essa esperança comporta o desejo ardente de, pela misericórdia de Nossa Senhora, tornar-se mais semelhante possível a Ela, a fim de brilhar pela integridade neste mundo de trevas e conquistar no Céu o mais alto trono de glória a mim reservado. E o mesmo se dá com as outras virtudes.

Após ouvir tal afirmação, o Autor concluiu: assim como São Bento era para os monges o modelo de contemplação divina, São João Bosco encarnava a figura do apóstolo da juventude e São João Batista Vianney se distinguia como perfeito espelho do sacerdócio de Cristo, assim também existia um homem chamado a personificar nesta terra a grandeza de Maria.

A descrição do dinamismo das virtudes na alma de Dr. Plínio, à luz da grandeza, abria para o Autor um novo horizonte:Nossa Senhora Se mostrava a ele habitando de forma misteriosa e espiritual naquele varão que tinha diante de si. No fundo, poder-se-ia dizer que já não era Plínio que vivia, mas a Santíssima Virgem e, por meio d’Ela, o próprio Jesus que viviam nele.

Em Dr. Plínio a grandeza tendia a comunicar-se constantemente. Ao discorrer durante suas conferências e conversas sobre os mistérios da Fé Católica, a Santa Igreja e a Civilização Cristã, ele descortinava ante seu auditório a magnificência dos frutos saídos do costado divino transpassado pela lança no Calvário. E, no seu dia a dia, dedicava-se aos outros com impressionante generosidade, mantendo inalteradas sua boa disposição, inesgotável paciência e a delicadeza de trato. Seu exemplo era uma eloquente ratificação do que ele mesmo ensinara a respeito da grandeza de Maria: tratava-se de uma grandeza soberana, sacrificada e dadivosa.

Com efeito, a superioridade da Mãe de Deus na ordem da graça, que ultrapassa em muito a virtude e os méritos de todos os Bem-Aventurados, não A distancia dos pecadores, como certas tendências igualitárias gostariam de fazer crer. Ao contrário, Maria é a mais terna e misericordiosa das mães, sempre pronta a perdoar, curar e elevar a almas. Não poderia ser diferente, pois Ela mesma Se declarou escrava de Deus nosso Senhor, o qual quis Se encarnar em seu seio para assumir nossas culpas e repará-las no altar da Cruz.

De modo análogo, Dr. Plínio vivia sua vocação à grandeza em contínuo estado de holocausto. Ele mantinha com seus discípulos, pela união de almas que a Providência estabelecera entre o fundador e aqueles que militavam em sua obra, uma solidariedade incondicional, como poucas vezes houve na História, e levava seu afeto e capacidade de perdoar até as últimas consequências, fazendo cada um dos que necessitavam de seu auxílio paterno sentir-se filho único. Em síntese, à imitação de Nosso Senhor Jesus Cristo, ele conservou durante toda a sua vida a atitude do bom pastor junto às ovelhas que lhe foram confiadas.”  (14)

 

(14) - Conforme nos explica o Doutor Angélico, quem possui verdadeira grandeza de alma sabe-se devedor de Deus, reconhecendo a própria dignidade, mas levando em consideraçãoque todos os seus dons são uma dádiva divina. Por essa razão, ele nunca menospreza os inferiores, mas com humildade procura honrar e servir os demais, descobrindo neles reflexos do Criador (cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, II-II, q. 129, a.3, ad 4).  Humildade e grandeza andam juntas, como dois arcos medievais ao formar uma ogiva. Desse sublime entrelaçamento deu-nos exemplo máximo o Redentor, o qual, nos momentos mais humilhantes da Paixão ou de maior intimidade com os discípulos, manteve inalteráveis sua grandeza e dignidade, sua humildade e benquerença (cf. Jo 13, 13; 18, 37; 19,11).  Assim, a grandeza de espírito tão viva e reluzente na alma de Dr. Plínio está intimamente ligada à humildade de coração e encontra sua fonte, em grau iminente, na Pessoa Sacrossanta de Nosso Senhor Jesus Cristo.

(Extraído de: “Maria Santíssima! O Paraíso de Deus revelado aos homens – I – Minhas relações com Maria Santíssima” – de Mons. João ScognamíglioClá Dias, EP – Associação Brasileira Arautos do Evangelho, 2019 – págs. 74-78)

 

 


domingo, 6 de fevereiro de 2022

A ORAÇÃO TUDO VENCE

 





 

 

Com seu atraente e luminoso estilo, Louis Veuillot (*) escreveu o livro Parfum de Rome, onde reúne notas sobre uma de suas viagens à Cidade Eterna, que até 1870 esteve sob o poder temporal do Papado.

Diário de uma alma em busca da virtude

Nessa obra lemos o seguinte trecho, muito bonito, por diversas vezes objeto de meus comentários:

"Num quarteirão deserto, nos muros de uma igreja, Enrico [é o próprio Veuillot], copiou e traduziu para mim as inscrições seguintes, traçadas a lápis por uma mão firme e exercitada [portanto, é um anônimo que escrevia isto]: 'No dia 14 de setembro eu me encontro com má saúde por minha culpa, pela inquietação e pela desobediência. A partir deste momento, onze horas da manhã, decidi, com a ajuda de Deus e de Maria Santíssima, não mais me atormentar e recuperar a verdadeira paz. São José, rogai por nós. Um mês depois: 14 de outubro. Até este momento ainda não consegui, ou melhor, não obtive o que escrevi no dia 14 de setembro, mas agora decidi fazer tudo."

Sabemos que, nos primórdios de nossa vida espiritual, geralmente sucede isto: tomamos uma decisão e nos convertemos. Após um mês, fazemos exame de consciência e verificamos que quase nada progredimos. Então resolvemos cumprir todos os propósitos estabelecidos anteriormente, como manifestou a pessoa à qual o texto se refere.

"Dia 15 de novembro: renovo tudo aquilo que prometi, a fim de chegar a executá-lo. Dia 23 de novembro: falhei, mas prometi a mim mesmo, com toda a alma, de executar. Dia 28 de novembro: decidi ser bom. Dia 31 de dezembro: quero obedecer sempre, para agradar Maria Santíssima até a morte. 28 de janeiro: não há mais inquietação, por amor a Maria Santíssima e renovo hoje aquilo que tinha deliberado no dia 1º de fevereiro. Dia 1º de março: Não. As inquietações cessaram. Dia 29 de março: Não mais me atormentar, não mais pecar.

Nas duas últimas datas, a inscrição está rodeada de um desenho que representa duas palmas formando uma cruz. Devo confessar que estas declarações, feitas ingenuamente por uma alma provada e enfim vitoriosa, não me tocaram menos do que se eu as tivesse lido nas catacumbas, das quais elas parecem ter o perfume..."

 

O mesmo admirável perfume dos primeiros martírios

É deveras bonito o comentário de Veuillot, cujo trecho nos leva a admirar o triunfo da graça. Pois trata-se de uma alma que em diversas oportunidades firmou boas resoluções, sem lograr mantê-las. Em seguida, renovava os bons propósitos e tinha novas quedas. Afinal, à força de rezar – era uma pessoa piedosa, ciente de que sem o auxílio divino, implorado com perseverança, nada alcançaria – obtém o que tanto almejava. Depois de muito tempo e de vários insucessos, conquistou a vitória na sua vida espiritual.

Era uma alma perseguida por inquietações (talvez escrúpulos, ou alguma má inclinação à qual ela dava consentimento) e até revoltada, porque não obedecia a uma certa autoridade cujas determinações deveria acatar. Após as recaídas, e à custa de orações, acabou chegando um determinado momento em que ela pôde dizer-se obediente, pacífica e tranqüila. Então, com o senso artístico peculiar ao italiano, adornou com duas palmas as datas que representavam a sua vitória.

Considerando que essas notas traduzem uma situação comum em qualquer trajetória espiritual, somos levados a perguntar porque a pessoa em questão resolveu gravá-las nos muros de uma igreja. Certamente porque foi o lugar onde recebeu uma graça particular, e onde, a horas furtivas, vinha inscrever na pedra do templo a sua confissão a Deus. Essa alma traçou ali seu diário, por desígnios da Providência, a fim de que fosse copiado e analisado por Louis Veuillot. E é este comentário do grande literato que nos interessa.

Diz ele que o fato era digno de estar escrito na parede de uma catacumba romana, pois tem o perfume dela. Ora, isso nos mostra o caráter perene da Igreja; revela-nos como, nas condições da vida hodierna, é possível repetir toda a glória do seu remoto passado. Com efeito, uma alma fiel que luta contra suas próprias misérias e que, apesar das infidelidades, roga constantemente o socorro de Nossa Senhora, para se ver resgatada de suas faltas e livre do império delas – essa alma realiza algo tão belo quanto o cristão que enfrentava no Coliseu, ou em outra arena, os leões e os tormentos do martírio.

Realmente, para quem conhece o valor das coisas espirituais, a seriedade e o desejo de cumprir o dever, o saber se humilhar quando se cai, decidir levantar-se de novo e confiar na misericórdia de Maria, possui um perfume admirável. É o bom odor do sofrimento humano suportado com fé. No episódio descrito por Veuillot se percebe a alma sofredora que se dilacerou para conseguir a fidelidade aos seus propósitos. Ela teve uma fé que move as montanhas, e finalmente alcançou seu objetivo.

Ora, esse torcer e sangrar da alma para cumprir seu dever é uma forma de imolação que tem o aroma de todos os martírios. Quiçá não ateste o heroísmo num grau análogo ao daqueles cristãos sacrificados nos circos romanos. Porém, basta manifestar um certo sentido de heroísmo para exalar algo do perfume das catacumbas, todo feito do espírito de epopéia dos primitivos católicos que as freqüentavam.

 

Orar sempre, orar muito, sem desânimo

Cumpre colhermos dessas considerações uma aplicação para a nossa vida espiritual. E será compreendermos que jamais devemos desanimar quando não conseguimos cumprir os bons propósitos que fazemos. Ainda que tenhamos insucessos, é necessário rezar, confiar e orar ainda mais, porque à força de pedir, o Céu se abrirá para nós. Os que imploram com insistência a graça de praticar a virtude, por débeis que sejam, pertencem por excelência à categoria daqueles aos quais Nosso Senhor recomendou: "Batei e abrir-se-vos-á; pedi e dar-se-vos-á". Quer dizer, é uma glorificação da prece como meio eficaz para o homem obter aquilo que, pelo seu próprio recurso, não alcançaria.

Alguém poderá dizer: "As minhas orações valem pouco".

Eu respondo: então reze muito. Pois se possuo apenas algumas moedas para adquirir uma jóia bastante valiosa, é-me necessário reunir uma grande quantia para comprá-la. Assim também, se julgo que minhas orações valem pouco, à força de acumulá-las, seu peso há de crescer. Se considero meu rosário insuficiente, recitarei dois. E se não tenho tempo para os dois, direi um rosário e uma Ave-maria. Como quer que seja, rezarei o mais possível, e essa persistência acabará por me alcançar do Céu a graça desejada.

A esse respeito, não posso deixar de mencionar, uma vez mais, a célebre parábola de Nosso Senhor no Evangelho. É noite, e um homem já se encontra deitado com seus filhos, para dormir. Em certo momento, o vizinho lhe bate à porta, rogando-lhe um pedaço de pão.

– Chegaram hóspedes inesperados, e não tenho o que lhes servir – disse-lhe.

E o primeiro respondeu:

– Não posso atendê-lo, pois estou deitado com todos os meus filhos.

O vizinho continuou a bater e a insistir, até que o dono da casa lhe gritou:

– Não é por amizade, mas para me ver livre da sua amolação é que vou me levantar e lhe dar o pão.

Com essa parábola Nosso Senhor nos oferece o seguinte ensinamento:

"Sede assim em vossas orações". É como se Deus acabasse dizendo a cada um de nós: "Este é muito cacete. Vou atendê-lo". Tenhamos, pois, a excelsa virtude da caceteação. Saibamos ser importunos e pedir, pedir e pedir outra vez. No pedido mil e um obteremos mais do que suplicamos. Ganharemos uma paga imensamente grande.

Essa circunstância se dá de um modo ou de outro na vida de todos os homens, mesmo na daqueles que se acham adiantados na prática da virtude. Para galgarem um patamar ainda mais elevado nas vias do bem, é necessário rogar muito. Então peçamos, lembrando-nos desse diário visto por Louis Veuillot em Roma. A oração acaba vencendo tudo.

Uma palavra final. Se alguém estiver desanimado, desacoroçoado, julgando infrutíferas suas preces porque nada conseguem, dou-lhe este conselho: tome o rosário, reze-o e nunca o abandone. Quando não puder recitá-lo, segure-o na mão e este gesto valerá por uma prece. Se possível, tenha em casa uma lamparina acesa constantemente junto a uma imagem de Nossa Senhora, e diga à Santíssima Virgem:

"Minha mãe, sou tão dissipado que não consigo rezar. Mas, quando olhardes para esta lamparina, lembrai-Vos de que eu quereria estar rezando. Ao mesmo este desejo subconsciente me acompanha a vida inteira".

Portanto, dirijamo-nos a Maria Santíssima em todas as ocasiões. Certo estou de que, se Ela demorar em nos atender, é porque nos reserva um dom imensamente valioso, muito maior do que podemos imaginar.

(Plínio Corrêa de Oliveira)

 (*) Louis Veuillot (1813-1883), jornalista católico francês, que defendeu com brilho a infalibilidade do Papa.

(Fonte:http://www.tfp.org.br/dr-plinio/fidelidade-a-santa-igreja/a-oracao-tudo-vence/pagina-3)

 

 


sábado, 5 de fevereiro de 2022

O VERDADEIRO SACERDÓCIO AINDA HOJE É EXERCIDO PELOS HOMENS

 




          A “questão” do sacerdócio feminino é resumida, mais ou menos, por esta declaração do cardeal progressista E. Schillebeeckx, O. P.: “A exclusão das mulheres do ministério [sacerdotal] é uma questão puramente cultural que hoje não tem sentido. Por que as mulheres não podem presidir a eucaristia? Por que não podem ser ordenadas? Não há argumentos para se opor ao sacerdódio das mulheres...  Neste sentido, estou contente com a decisão [da igreja anglicana] de conferir o sacerdócio também às mulheres, e, em minha opinião, trata-se de uma grande abertura para o ecumenismo, mais que um obstáculo, porque muitos católicos caminham na mesma direção” [1]

O tema foi estudado e esclarecido formalmente pela Igreja, que publicou os seguintes documentos: “Instrução da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, “Inter Insigniores”,  “A questão da admissão de mulheres ao sacerdote ministerial” (15 de outubro de 1976) e a “Carta Apostólica de João Paulo II”, de 22 de maio de 1994, à qual acrescentou o Cardeal Ratzinger: “Resposta à dúvida sobre a doutrina da Carta  Aapostólica Ordinatio Sacerdotalis”, de 28 de outtubro de 1995.

Qual a principal razão da Igreja não admitir a mulher no sacerdócio?  Existem duas fortes razões: a da Tradição e a da Teologia.  De conformidade com a Tradição, tanto Nosso Senhor Jesus Cristo quanto os Apóstolos quiseram preservar o antigo costume de escolher somente homens para o sacerdócio.  Neste sentido, verifica-se que houve uma explícita vontade divina, tornada evidente pelos fatos narrados nos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos. Objeta-se costumeiramente que Nosso Senhor não escolheu mulher entre os doze Apóstolos para conformar-se com os costumes judaicos de seu tempo. No entanto, os fatos demonstram claramente que Ele rompia ordinariamente com os costumes judaicos quando se tratava de temas candentes, como, por exemplo o da mulher: conversa publicamente com a samaritana (Jo 4, 7-26), não leva em conta a impureza da hemorroíssa (Mt 9, 20-22), permite que uma pecadora pública (Santa Madalena) aproxime-se d’Ele, beije seus pés e derrama nele perfumes (Lc 7, 36-49), perdoa a adúltera que iria ser apedrejada (Jo 8, 11), não temendo, sequer, ser tido como desrespeitador da lei de Moisés. 

Perante tão grande liberdade que manifestava com relação aos costumes de seu povo, muitos deles censurados publicamente por Jesus, que dificuldade teria Ele em chamar algumas mulheres para juntar-se ao grupo dos doze Apóstolos? Pior do que isto foi perdoar a adúltera, receber Madadela, conversar com a samaritana, expulsar os vendilhões do Templo com um chicote. Se Ele tivesse a mesma opinião dos progressistas, isto é, que isto é uma “questão cultural”, como Deus que era, além de homem, seria fácil superar esta “questão”.

Vê-se o mesmo com relação aos Apóstolos no início da Igreja: embora tendo entre eles a própria Mãe de Jesus Cristo, que como tal poderia ocupar lugar de destaque na Hierarquia da Igreja, quem sabe até o cargo de São Pedro, no entanto nunca foi chamada, ou sequer lembrada, para as funções sacerdotais. Quando foram preencher o lugar deixado por Judas, aí tinha surgido a oportunidade de introduzir a primeira mulher entre eles; no entanto, o que fizeram? Submeteram à votação os nomes de dois homens para que um deles fosse o escolhido. Questão cultural também? Mas, como, se eles encontravam-se escondidos no Cenáculo, com medo dos judeus, numa reunião íntima e sem que o povo soubesse de nada?

Se os Apóstolos tivessem permanecido sempre entre os judeus, poderia se colocar a questão cultural.  Mas não foi assim, pois logo tiveram que emigrar para o meio de diversos povos, dentre os quais o paganismo permitia “culturalmente” que mulheres fossem sacerdotizas em seus templos religiosos.  Oportunidades não faltaram para as mulheres serem ordenadas. São Paulo narra os casos de diversas mulheres que foram suas excelentes colaboradoras. Cita-as nominalmente, como Prisca, Maria, Júnia, Trifena, Trifosa, Perside, Hermas, Patrobas e Olímpia, todas elas chamadas de cooperadoras (Rom 16, 3-15). Lídia foi também uma grande amiga e colaboradora do Apóstolo.  No Atos dos Apóstolos, São Lucas também fala delas, como Priscila (At 18, 26) ou as “santas mulheres” (At 1, 14). 

No início da Igreja, algumas seitas gnósticas e heréticas quiseram que a Igreja admitisse mulheres no sacerdócio, mas a idéia foi prontamente recusada pelos Padres daqueles tempos, dando prosseguimento não só à Tradição como também a um princípio teológico baseado na vontade de Cristo.

O outro argumento que se soma ao da Tradição é o da fundamentação teológica, baseada na expressa vontade divina.  O ministério sacerdotal é sinal sacramental de Cristo Sacerdote e Vítima. Os sinais sacramentais não são meramente convencionais, são símbolos naturais que representam ou significam por uma natureza semelhante. Desta forma, o pão e o vinho para a Eucaristia são sinais adequados por representar o alimento fundamental dos homens, a água para o Batismo  por ser o meio natural de se limpar, lavar, etc. Isto vale não só para as coisas mas também para as pessoas. Portanto, se nos sacramentos é necessário que se expresse  um sinal de Cristo, o mesmo pode-se dizer do sacerdócio, por ser Ele o supremo Sacerdote; o ministério afim somente pode ser exercido com uma pessoa da mesma natureza. A Encarnação do Verbo fez-se numa pessoa do sexo masculino, e isto é uma questão de fato que tem relação com toda a Teologia.

Os progressistas também refutam que, ao encarnar-se, Cristo não representa com sua masculinidade o varão mas sim a humanidade. Desta forma, não é o varão que representa adequadamente Cristo no sacerdócio, mas toda a humanidade, incluindo as mulheres.  Ora, os sinais sacramentais têm que guardar os sinais adequados, isto é, devem ser o mais específico possível. Se a Eucaristia só é válida sob a forma do pão e do vinho, como então colocar-se outros alimentos em seu lugar sob o pretexto de que o trigo e a uva os compõem? Com relação ao sacerdócio, somente o homem possui em sua essência e natureza um sinal adequado ao de Cristo Sacerdote. 

A palavra final da Igreja

A fim de dar uma palavra final sobre o assunto, também tratado por Paulo VI através da Declaração “Inter Insigniores” , em 15.10.1976, o Papa João Paulo II publicou uma Carta Apostólica, sob o título de “Ordinatio Sacerdotalis”, cujo teor reproduzimos abaixo:

1. A ordenação sacerdotal, pela qual se transmite a missão, que Cristo confiou aos seus Apóstolos, de ensinar, santificar e governar os fiéis, foi na Igreja Católica, desde o inicio e sempre, exclusivamente reservada aos homens. Esta tradição foi fielmente mantida também pelas Igrejas Orientais.

Quando surgiu a questão da ordenação das mulheres na Comunhão Anglicana, o Sumo Pontífice Paulo VI, em nome da sua fidelidade ao encargo de salvaguardar a Tradição apostólica, e também com o objetivo de remover um novo obstáculo criado no caminho para a unidade dos cristãos, teve o cuidado de recordar aos irmãos anglicanos qual era a posição da Igreja Católica: “Ela defende que não é admissível ordenar mulheres para o sacerdócio, por razões verdadeiramente fundamentais. Estas razões compreendem: o exemplo – registrado na Sagrada Escritura – de Cristo, que escolheu os seus Apóstolos só de entre os homens; a prática constante da Igreja, que imitou Cristo ao escolher só homens; e o seu magistério vivo, o qual coerentemente estabeleceu que a exclusão das mulheres do sacerdócio está em harmonia com o plano de Deus para a sua Igreja”[2]

Mas, dado que também entre teólogos e em certos ambientes católicos o problema fora posto em discussão, Paulo VI deu à Congregação para a Doutrina da Fé mandato de expor e ilustrar a este propósito a doutrina da Igreja. Isso mesmo foi realizado pela Declaração “Inter Insigniores”, que o mesmo Sumo Pontífice aprovou e ordenou publicar.

2. A Declaração retoma e explica as razões fundamentais de tal doutrina, expostas por Paulo VI, concluindo que a Igreja “não se considera autorizada a admitir as mulheres à ordenação sacerdotal”.  A tais razões fundamentais, o mesmo Documento junta outras razões teológicas que ilustram a conveniência daquela disposição divina, e mostra claramente como o modo de agir de Cristo não fora ditado por motivos sociológicos ou culturais próprios do seu tempo. Como sucessivamente precisou o Papa Paulo VI, “a verdadeira razão é que Cristo, ao dar à Igreja a Sua fundamental constituição, a sua antropologia teológica, depois sempre seguida pela Tradição da mesma Igreja, assim o estabeleceu”

Na Carta Apostólica “Mulieris dignitatem”, eu mesmo escrevi a este respeito: “Chamando só os homens como seus apóstolos, Cristo agiu de maneira totalmente livre e soberana. Fez isto com a mesma liberdade com que, em todo o seu colmportamento, pôs em destaque a dignidade e a vocação da mulher, sem se conformar ao costume dominante e à tradição sancionada também pela legislação do tempo”.

De fato, os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos atestam que este chamamento foi feito segundo o eterno desígnio de Deus: Cristo escolheu os que Ele quis (cfrs. Mc 3,13-14; Jo 15, 16; ) e fê-lo em união com o Pai, “pelo Espírito Santo”  (At 1,2), depois de passar a noite em oração (Lc 6, 12). Portanto, na admissão ao sacerdócio ministerial, a Igreja sempre reconheceu como norma perene o modo de agir do seu Senhor na escolha dos doze homens que Ele colocou como fundamento da sua Igreja (Ap 21, 14). O mesmo fizeram os Apóstolos, quando escolheram os seus colaboradores que lhes sucederiam no ministério.  Nessa escolha, estavam incluídos também aqueles que, ao longo da história da Igreja, haveriam de prosseguir a missão dos Apóstolos de representar Cristo Senhor e Redentor.

3. De resto, o fato de Maria Santíssima, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, não ter recebido a missão própria dos Apóstolos nem o sacerdócio ministerial, mostra claramente que a não admissão de mulheres à ordenação sacerdotal não pode significar uma sua menor dignidade nem uma discriminação a seu respeito, mas a observância fiel de uma disposição que se deve atribuir à sabedoria do Senhor do universo.

A presença e o papel da mulher na vida e na missão da Igreja, mesmo não estando ligados ao sacerdócio ministerial, permanecem, no entanto, absolutamente necessários e insubstituíveis. Como foi sublinhado pela mesma Declaração “Inter Insigniores”,  “a Santa Madre Igreja auspicia que as mulheres cristãs tomem plena consciência da grandeza de sua missão: o seu papel será de capital importância nos dias de hoje, tanto para o renovamento e humanização da sociedade, quanto para a redescoberta, entre os fiéis, da verdadeira face da Igreja”. Os Livros do Novo Testamento e toda a história da Igreja mostram amplamente a presença na Igreja de mulheres, verdadeiras discípulas e testemunhas de Cristo na família e na profissão civil, para além da total consagração ao serviço de Deus e do Evangelho.  “A Igreja defendendo a dignidade da mulher e a sua vocação, expressou honra e gratidão por aquelas que – fiéis ao Evangelho – em todo o tempo participaram na missão apostólica de todo o Povo de Deus.  Trata-se de santas mártires, de virgens, de mães de família, que corajosamente deram testemunho da sua fé e, educando os próprios filhos no espírito do Evangelho, transmitiram a mesma fé e a tradição da Igreja”.

Por outro lado, é à santidade dos fiéis que está totalmente ordenada a estrutura hierárquica da Igreja.  Por isso, lembra a Declaração “Inter Insigniores”, ‘o único carisma superior, a que se pode e deve aspirar, é a caridade (I Cor 12-13). Os maiores no Reino dos céus não são os ministros, mas os santos”.

4. Embora a doutrina sobre a ordenação sacerdotal que deve reservar-se somente aos homens, se mantenha na Tradição constante e universal da Igreja e seja firmemente ensinada pelo Magistério nos documentos mais recentes, todavia atualmente em diversos lugares continua-se a retê-la como discutível, ou atribuindo-se um valor meramente disciplinar à decisão da Igreja de não admitir as mulheres à ordenação sacerdotal.

Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence á própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (Lc 22, 32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja.

Invocando sobre vós, veneráveis irmãos, e sobre todo o povo cristão, a constante Judá divina, concedo a todos a Bênção Apostólica.

Vaticano, 22 de maio, Solenidade de Pentecostes, do ano de 1994, décimo sexto de Pontificado”.

 



[1]              Soy un teólogo feliz”: Entrevista c/ F. Strazzati, Sociedad de Educación Atenas, Madrid 1994, pp. 117-118

[2]              Carta ao Arcebispo de Cantuária, datada de 30.11.75.