domingo, 28 de março de 2021

O JUDAÍSMO, SEITA UNIVERSAL?

 


Veremos abaixo no que consistia o judaísmo, corrente religiosa e política que pode ser definida como uma verdadeira seita universal. Abordamos aqui o judaísmo como se encontrava naqueles remotos tempos, quando Nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo. Não confundir com o movimento sionista, fundado por Theodor Herzl e condenado por São Pio X, o qual preconizava a fundação do Estado de Israel, ou mesmo com o judaísmo moderno, em algo semelhante mas não inteiramente fiel ao daquela época. Quanto ao judaísmo moderno no sentido religioso seria necessário estudo mais detalhado por envolver muitos aspecto religiosos e políticos do mundo moderno, e não é sobre ele que fazemos os comentários a seguir.

 

O judeu

O nome judeu vem do hebraico “yehudi”, ou do aramaico “yehud’y”, que se aplicava originalmente aos habitantes do reino de Judá e, mais tarde, aos hebreus ou israelitas que imigraram para a província pérsica da Judéia, ampliando a significação estrita e etimológica para “filhos da tribo de Judá”. Assim, naquele tempo nem todo israelita era judeu como se presume hoje em dia.

Inicialmente, portanto, só eram judeus a parte do povo israelita que formava a Judéia, ou o reino de Judá, uma das doze tribos de Israel. Quando surgiu o cisma de Samaria, depois da morte de Salomão, os hebreus ficaram divididos em dois reinos: o da Judéia, ou de Judá, com capital em Jerusalém, composto das tribos de Judá e Benjamim, e o de Israel, composto pelas outras dez tribos, com sede na cidade Samaria. No tempo de Nosso Senhor Jesus Cristo os judeus eram, principalmente, os que mandavam nas sinagogas ou na organização sectária que as controlava, quase não havia mais o predomínio tribal como nos tempos de Salomão e David, com todas as tribos dispersas pelo mundo.

Naquele tempo, os judeus também eram todos aqueles que formavam uma minoria que urdia uma conjuração, faziam parte de um complô, tramavam entre si o império do mundo, para tanto se constituindo numa seita. Tornaram-se, desta forma, os principais inimigos de Nosso Senhor Jesus Cristo, que pregava principalmente um reino espiritual. São João, em seu Evangelho, os chama simplesmente de “judeus”, enquanto os outros evangelistas só os nomeiam quando Pilatos mandou fazer a tabuleta INRI, e no restante de seus evangelhos referem-se a eles como “príncipes dos sacerdotes”, fariseus ou “anciãos do povo”, talvez na falta de um qualificativo mais adequado.

Enquanto São João, não; fala deles como um grupo estranho ao povo de Israel, dizendo que faziam festas diferentes como a “festa dos judeus” (Jo 5, 1), e falando coisas diferentes quando escreveu “os judeus diziam” (Jo 5, 10), ou até mesmo na hora em que decidiram eliminar o Messias: “os judeus queriam matá-Lo” (Jo 5, 18). São João deixa bem claro que havia tal distinção, pois o termo “judeu” é bastante utilizado como se referindo aos membros dessa conspiração sectária: “ninguém, contudo, ousava falar dele livremente, com medo dos judeus” (Jo 7, 15); (os judeus)  “estavam maravilhados, mas queriam matá-lo”  (Jo 7, 20-21 e 35); “diziam pois os judeus”  (Jo 8,22); eram “judeus que creram nele”  (Jo 8,37); “responderam os judeus” (Jo 9,22); “dissensão entre os judeus” (Jo 10,19); “rodearam-no os judeus”  (Jo 10, 24), etc. Até mesmo a festa da Páscoa é chamada por São João de “Páscoa dos judeus” (Jo  2,20), coisa muito estranha pois não existia outra páscoa a não ser a de Israel. O fato de haver uma “páscoa dos judeus”  significa que era algo diferente da tradição.

Já os galileus, também israelitas, eram citados como pessoas desprezadas pelos judeus, mas formando uma comunidade importante. Daí Roma ter dividido o reino de Judá (ou o que restava dele naquele tempo) com um governador na Judéia e outro na Galiléia, região em que Nosso Senhor andava mais porque, na Judéia, “os judeus O queriam matar” (Jo 7, 1-2).  Ora, se os galileus fossem também judeus, diria São João de modo diferente.

No entanto, embora tais judeus fossem tidos por muitos como um grupo de conjurados, ninguém tinha coragem de enfrentá-los, pois a maioria via como mal maior a presença do invasor romano. Mas tinham muito medo desses judeus, isto é, dos membros da seita judaica citada por São João (Jo 7, 13).

A conjuração judaica, de que falamos acima, não se circunscrevia ao plano meramente político, destinava-se primordialmente à construção de um reino messiânico universal, mas completamente naturalista e gnóstico, desprovido de tudo o que fosse sobrenatural e divino. Faltava apenas o tão esperado Messias para que os conduzisse à meta final de seus ideais.

 

Os próprios discípulos que eram judeus O traíram

Dos doze Apóstolos, 10 eram galileus, e apenas Judas Iscariotis, o traidor, e provavelmente São Mateus (supõe-se que era judeu por causa do nome Levi) eram judeus (de nascimento, isto é, da tribo mas não pertencentes à seita judaica).  A maior parte dos Apóstolos eram originários das aldeias que rodeavam o Lago da Galiléia, como Betsaída, Tiberíades e Caná. Fato que fez São Mateus se referir assim ao que disse Isaías (Is 9, 1-2): “Terra de Zabulon e terra de Neftali, a qual confina com o mar, (país) além do Jordão, Galiléia dos gentios: este povo, que jazia nas trevas, viu uma grande luz; e uma luz levantou-se para os que jaziam na região e na sombra da morte”  (Mt 4, 15-16).  Zabulon era uma aldeia de Judá, enquanto que Neftali era samaritana, estando a Galiléia, pois, na confluência dos reinos passados (Judá e Israel).

Os outros simples discípulos de Jesus, que eram judeus de nascimento, mesmo ficando maravilhados com Sua doutrina, logo se arrependiam e “queriam matá-Lo” (Jo 7,20 e 35). Dos dez leprosos que foram curados por Nosso Senhor, apenas um não era judeu (Lc 17, 11-19) e foi o único que voltou para dar glórias a Ele pela grande graça recebida, enquanto os nove restantes foram iludidos pelos sacerdotes sectários.

Depois que Nosso Senhor ressuscitou, o Anjo se dirige aos Apóstolos dizendo “varões galileus, que estais olhando para os céus?” (At 1, 11). Por que o Anjo não falou “varões de Judá” ou “judeus”? Ou, provavelmente, o Apóstolo que escreveu o Evangelho tenha entendido assim porque supunha que todos ali eram galileus, não havendo nenhum judeu entre eles. Ou se havia, talvez São Mateus, não era motivo para ser mencionada esta particularidade por causa do grande mal que os judeus haviam praticado.

Mesmo depois que Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz essa seita continuou a perseguição aos Seus seguidores. Os que se amotinaram contra Santo Estêvão eram judeus dessa organização sectária que conjurava a morte de todos os cristãos (At. 6, 8-15), pertenciam a um grupo chamado de “libertos”.  São Paulo, que fora membro dessa organização e ajudou a matar Santo Estevão, chama de “judeus” (Rom 2, 17-29) os membros dessa seita em oposição ao verdadeiro hebreu. E continua (Rom 3, 1-8), referindo-se agora a toda a população (Rom 3, 9-20), que ele chama de “povo de Israel’  (Rom 8, 31; 10,19; 11. 1-2, etc.).

Mas, se os judeus constituíam uma minoria conspiradora, também era minoria os verdadeiros fiéis a Deus. Em várias oportunidades, os verdadeiros israelitas sempre foram citados como uma minoria na Bíblia. No Antigo Testamento o povo fiel é chamado comumente de “resto”. E apenas um “resto”  em Judá será encontrado fiel (Zac 8, 11-13) e salvo por Deus.  Depois, o mesmo “resto” de que fala a Sagrada Escritura virá de fora (Zac 8, 7-8). Basta verificarmos que no tempo de Ester os judeus ainda eram os verdadeiros israelitas que permaneciam fiéis no cativeiro da Babilônia e não aderiam à idolatria lá reinante (Ester 9, 15-20), mas que era uma minoria. O Profeta Isaías também fala desse “resto”: “Estenderá segunda vez o Senhor  a sua mão para possuir o resto de seu povo” (Is 11, 11).

 

A miscigenação

A Providência, no entanto, permitiu e parece até ter inspirado certa miscigenação entre os hebreus, apesar de rigorosas prescrições legais que proibiam o casamento com “gentios”. Um exemplo vemos na região chamada Decápole, uma reunião de 10 cidades que se estendia a leste do Jordão, de Damasco, ao norte, até Filadélfia, ao sul. Foram fundadas e confederadas por soldados gregos de ocupação, após a morte de Alexandre Magno.  Depois da conquista romana, Pompeu formou a liga de Decápole. As cidades mais importantes eram Damasco e Gerasa, esta última onde ocorreu o exorcismo em que os demônios foram precipitados na manada de porco.

Haviam muitas outras cidades formadas por gentios entre os hebreus, como Cesaréia, Tiberíades, Herodiádes, etc. Isto ocorreu em parte porque outros povos aderiam ao judaísmo, como se vê em Ester no cativeiro da Babilônia; “muitos de outras nações e seitas abraçavam a sua religião” (Ester 8, 17). Na Fenícia, berço dos cananeus, havia cidades famosas como Tiro e Sidon, formadas por povos semitas e muito visitadas por Nosso Senhor onde fez milagres e exorcismos. A própria Galiléia, de onde saíram os 11 Apóstolos fiéis, e cujo povo simples era odiado pelos judeus (Jo 7, 52) era o ponto de atração e encontro dos gentios de diversas partes do mundo e onde deve ter havido maior miscigenação. Era então o refúgio escolhido por Nosso Senhor para enganar seus perseguidores.

Seguindo prescrições do tempo de Moisés, o povo hebreu, porém, tinha uma consciência muito forte de sua descendência, por isso conservando-se isolados dos outros com suas divisões tribais. Guardavam rigorosamente os registros de suas origens, dos antepassados de todas as 12 tribos. Por exemplo, Nosso Senhor tem sua descendência descrita por São Lucas porque Sua família possuía tais registros. No entanto, com o tempo suas tribos foram se espalhando pelo mundo e ocasionando muitas miscigenações com os outros povos, os chamados gentios, que deram sua contribuição ao Povo Eleito. Por exemplo, o rei de Tiro, Hiram, ajudou Salomão na construção do Templo, embora não fosse israelita de nascimento. A própria Rute, ancestral do rei David, não era israelita, mas moabita.

 

A diáspora

Desde suas mais remotas origens os hebreus sempre viveram espalhados pelo mundo. Abrahão veio da Caldéia para viver na Terra Prometida e lá dá origem ao seu povo. Mas este cresceu e se desenvolveu no Egito. Quando voltou para a Palestina, conseguiu firmar-se certo tempo e até crescer politicamente com sua própria monarquia teocrática. Mas, após o cisma de Samaria vieram os degredos e as escravidões em povos estrangeiros. Vieram as invasões gregas e romanas quando os dois reinos israelitas já estavam arruinados e quase extintos, levando muitos deles para as capitais ou cidades mais importantes desses impérios.

Assim, quando Nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo os hebreus tinham comunidades espalhadas por toda a terra. Estavam eles em Cirene, em Sardes e Éfeso, em Mazoca ou em Tarso, em Antioquia ou em Alepo, até mesmo na distante Capadócia, em Haram e Tapasso, ali perto em Damasco ou mesmo na distante Mesopotâmia, nas cidades de Nisibus, Nínive, Kalacha, Assur e Nepur, ou até mesmo na Média, em Ecbátana e Susa, ou principalmente nas cidades de Alexandria, Tebas, Heliópolis e Roma. Na capital do império romano, os judeus eram calculados entre 20 e 30 mil.

Em Listra, pequena cidade do interior da Ásia, São Paulo encontrou uma família da diáspora, de onde saiu o famoso Timóteo. De outra cidade, chamada Iconio, vinham judeus conjurados para atiçar o povo de Listra contra São Paulo e São Barnabé, tudo indicando que eram dirigidos pelos chefes sectários de Jerusalém.

Atenas era considerada a principal cidade religiosa do mundo pagão porque estes eram maioria, mas Jerusalém detinha maior poder sobre as comunidades judaicas espalhadas pelo mundo, com maior poder religioso e riqueza. Outra cidade grega, Corinto, mantinha uma das mais influentes comunidades judaicas da Grécia.

 

A universalidade do judaísmo

E o judaísmo era também uma religião que, por causa da miscigenação, acolhia estrangeiros de toda parte. Mesmo com as severas proibições da Lei Mosaica a exogamia logo se tornou entre eles uma realidade. São Lucas mostra nos Atos que “os judeus eram homens religiosos de todas as nações que há debaixo do céu”.  “Partos, medos, elamitas, os que habitam a Mesopotâmia, a Judéia, a Capadócia, o Ponto, a Ásia, a Frísia e a Panfília, o Egito e várias partes da Líbia, que é vizinha de Cirene, e os vindos de Roma, tanto judeus quanto prosélitos, cretenses e árabes”. (At. 2, 5-10).

De outro lado, a História do povo hebreu é rica em mostrar qualidades de liderança para os outros povos. José do Egito tornou-se o homem mais importante de seu tempo, salvando aquele povo de uma grande calamidade. Vários outros hebreus tornaram-se conselheiros de reis, como Moisés, o Profeta Daniel e seus companheiros, Mardoqueu citado no livro de Ester, etc.

Tal universalidade, com comunidades e sinagogas espalhadas em todo o mundo, não impedia que houvesse unidade no judaísmo. E tal unidade era dada pela centralização do poder religioso em Jerusalém, de onde partiam as ordens para a diáspora como também para onde convergiam os ricos donativos. Havia uma rede de sinagogas que seguiam as ordens da de Jerusalém. Quando Herodes mandou reconstruir o templo, na verdade estava fazendo um “grande negócio”, pois recebeu vultuosos donativos dessa rede, já que Jerusalém, por si, não possuía recursos para realizar tão grande obra. No advento do Cristianismo, essa rede foi acionada para mover-lhe perseguição.

É preciso não confundir, pois, judaísmo com hebraísmo ou religião de Israel. Até mesmo as regras, os rituais e normas criados por Moisés já não são seguidos há muitos séculos.

 

Diferença entre o Reino de Israel e o de Judá

No entanto, a casa real de Judá tinha sua legalidade, adquirida pela Tradição de sucessores legítimos, destronados na invasão romana do tempo de Jesus Cristo. Nesse tempo quem reinava era um estrangeiro, Herodes.

Na Saudação à Nossa Senhora, São Gabriel disse: "Não temas Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó e o seu reino não terá fim." (Lc 1, 30-34)

Vê-se que o Anjo fala em “casa de Jacó”, mas o patriarca teve seu nome mudado por um Anjo para Israel (Gên 32, 28). Poderia ter dito “casa de Israel”, mas na linguagem corrente entre os hebreus o nome Jacó estava ligado à descendência real através da tribo de Judá (poder temporal), enquanto Israel tinha sentido mais espiritual e divino. O Anjo, portanto, falava claramente também numa descendência real terrena. É como se estivesse definido aí a diferença entre o poder temporal e o espiritual, que, no entanto, devem reger unidos.

O Profeta Isaías também chama a dinastia que dominava os hebreus de “Casa de Jacó” e não “Casa de Israel”, indicando um reinado meramente terreno: “Casa de Jacó, vinde e caminhemos à luz do Senhor. Pois tu (ó Senhor) rejeitaste o teu povo, a casa de Jacó, porque eles se encheram (de superstições) como noutro tempo tiveram agoureiros como os filisteus, e se uniram aos filhos dos estranhos” (Is 2, 5-6).  Note-se que quando o Profeta fala “rejeitaste o teu povo”, logo a seguir completa, “a casa de Jacó”, quer dizer, Deus recusou os dirigentes, os filhos de Judá, (hoje conhecidos como judeus), e não o povo israelita. . Mais adiante, o Profeta dá a entender essa distinção entre governantes e o povo quando diz: “Agora, pois habitantes de Jerusalém, e homens de Judá, sede vós os juízes entre mim e a minha vinha” (Is 5, 3). Habitantes de Jerusalém eram apenas os que moravam na capital, dominada por duas tribos, Benjamin e Judá, e “homens de Judá”, claramente, eram os dirigentes, os príncipes e reis que lá dominavam.

Quando o Profeta se refere à “casa de Jacó” sempre dá a entender que está falando dos reis, da dinastia real, e não do povo eleito em geral, como nestes textos: “E acontecerá isto naquele dia: Os que tiverem ficado de Israel e os da casa de Jacó, que se tiverem salvado, não se apoiarão mais sobre aquele que os fere; mas apoiar-se-ão sinceramente sobre o Senhor, o Santo de Israel” (Is 10, 20-21). Em seguida o profeta fala que se converterão apenas “as relíquias”, isto é, uma pequena porção, tanto da “casa de Jacó” quanto do povo em geral.

Em outra passagem, diz: “Apesar dos que investem com ímpeto contra Jacó, Israel florescerá” (Is 27-6), deixando bem claro a diferença entre o poder temporal (Jacó) e o espiritual (Israel), indicando que mesmo que as elites recusem o poder divino, este terminará por prevalecer.

Em outra parte vemos: “Por esta causa, o Senhor, que resgatou Abraão, diz isto à casa de Jacó: Agora não será confundido Jacó, nem agora se envergonhará o seu rosto; mas, quando vir no meio dele os seus filhos, obra das minhas mãos, dar glória ao seu nome, também eles santificarão o Santo de Jacó e glorificarão o Deus de Israel” (Is 29, 22-23). O “Santo de Jacó” é, pois, Jesus Cristo, descendente da “casa de Jacó” (do poder temporal)e o “Deus de Israel” nem precisa dizer Quem é, representando aí o poder espiritual.

E, no entanto, as profecias diziam “E tu Belém de Efrata, tu és pequenina entre as milhares de Judá; mas de ti é que há de sair aquele que há de reinar em Israel”. (Miq 5, 2). Há, portanto, dois significados nos títulos reais dados a Jesus Cristo: o terreno e o divino, sendo rei da “casa de Jacó” o faz com o título meramente terreno, mas como “Rei de Israel” (nome com que o Anjo mudou o nome de Jacó) ele reina sobre todos os homens, pois este título é divino.

Estão bem definidos aí os poderes temporal e espiritual, cujas características comportam todo o Reino de Cristo.

 

 

quarta-feira, 24 de março de 2021

O REINO DE CRISTO SE INICIA COM A ANUNCIAÇÃO DO ANJO A MARIA

 





 Segundo Bento XVI foi na Anunciação do Anjo, comemorada em 25 de março, que começou o Novo Testamento. São Tomás de Aquino, ao comentar a Ave Maria, diz que foi a única vez em que um Anjo curvou-se aparecendo a  uma ser humano. Foi também nesse dia que se deu realce às principais características do Reino de Cristo, com regências temporais e espirituais.

Após a saudação "Ave, Maria", inclinando-se, “o Anjo disse-lhe: "Não temas Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó e o seu reino não terá fim." (Lc 1, 30-34)

 

Vê-se que o Anjo fala em “casa de Jacó”, mas o patriarca teve seu nome mudado por um Anjo para Israel (Gên 32, 28). Poderia ter dito “casa de Israel”, mas na linguagem corrente entre os hebreus o nome Jacó estava ligado à descendência real através da tribo de Judá (poder temporal), enquanto Israel tinha sentido mais espiritual e divino. O Anjo, portanto, falava claramente também numa descendência real terrena. É como se estivesse definido aí a diferença entre o poder temporal e o espiritual, que, no entanto, devem reger unidos.

O Profeta Isaías também chama a dinastia que dominava os hebreus de “Casa de Jacó” e não “Casa de Israel”, indicando um reinado meramente terreno: “Casa de Jacó, vinde e caminhemos à luz do Senhor. Pois tu (ó Senhor) rejeitaste o teu povo, a casa de Jacó, porque eles se encheram (de superstições) como noutro tempo tiveram agoureiros como os filisteus, e se uniram aos filhos dos estranhos” (Is 2, 5-6).  Note-se que quando o Profeta fala “rejeitaste o teu povo”, logo a seguir completa, “a casa de Jacó”, quer dizer, Deus recusou os dirigentes, os filhos de Judá, (hoje conhecidos como judeus), e não o povo israelita. . Mais adiante, o Profeta dá a entender essa distinção entre governantes e o povo quando diz: “Agora, pois habitantes de Jerusalém, e homens de Judá, sede vós os juízes entre mim e a minha vinha” (Is 5, 3). Habitantes de Jerusalém eram apenas os que moravam na capital, dominada por duas tribos, Benjamin e Judá, e “homens de Judá”, claramente, eram os dirigentes, os príncipes e reis que lá dominavam.

Quando o Profeta se refere à “casa de Jacó” sempre dá a entender que está falando dos reis, da dinastia real, e não do povo eleito em geral, como nestes textos: “E acontecerá isto naquele dia: Os que tiverem ficado de Israel e os da casa de Jacó, que se tiverem salvado, não se apoiarão mais sobre aquele que os fere; mas apoiar-se-ão sinceramente sobre o Senhor, o Santo de Israel” (Is 10, 20-21). Em seguida o profeta fala que se converterão apenas “as relíquias”, isto é, uma pequena porção, tanto da “casa de Jacó” quanto do povo em geral.

Em outra passagem, diz: “Apesar dos que investem com ímpeto contra Jacó, Israel florescerá” (Is 27-6), deixando bem claro a diferença entre o poder temporal (Jacó) e o espiritual (Israel), indicando que mesmo que as elites recusem o poder divino, este terminará por prevalecer.

Em outra parte vemos: “Por esta causa, o Senhor, que resgatou Abraão, diz isto à casa de Jacó: Agora não será confundido Jacó, nem agora se envergonhará o seu rosto; mas, quando vir no meio dele os seus filhos, obra das minhas mãos, dar glória ao seu nome, também eles santificarão o Santo de Jacó e glorificarão o Deus de Israel” (Is 29, 22-23). O “Santo de Jacó” é, pois, Jesus Cristo, descendente da “casa de Jacó” (do poder temporal)e o “Deus de Israel” nem precisa dizer Quem é, representando aí o poder espiritual.

E, no entanto, as profecias diziam “E tu Belém de Efrata, tu és pequenina entre as milhares de Judá; mas de ti é que há de sair aquele que há de reinar em Israel”. (Miq 5, 2). Há, portanto, dois significados nos títulos reais dados a Jesus Cristo: o terreno e o divino, sendo rei da “casa de Jacó” o faz com o título meramente terreno, mas como “Rei de Israel” (nome com que o Anjo mudou o nome de Jacó) ele reina sobre todos os homens, pois este título é divino.

Estão bem definidos aí os poderes temporal e espiritual, cujas características comportam todo o Reino de Cristo.

 

segunda-feira, 22 de março de 2021

COMO É FEITA A REGÊNCIA DAS ALMAS NO CORPO MÍSTICO DE CRISTO

 




De modo geral, a regência das almas pela Igreja é feita através das consciências e é exclusiva do Espírito Santo. A Igreja aconselha, sugere, orienta, procura sempre desempenhar um papel de Mãe e de Mestra, e agindo assim consegue reger as populações de toda a terra. Ensinando o cumprimento dos Dez Mandamentos faz com que as populações procurem pautar sua vida individual, familiar e social de acordo com os mesmos. Mas, nunca, nunca mesmo, procura usar de sanções materiais, como o faz o Estado com suas leis contra os crimes, punindo rigorosamente os infratores. As penas da Igreja não apenas de sentido moral, são canônicas e espirituais. Até mesmo a pena máxima, que é a excomunhão, não é seguida de coação física como prisão ou outra qualquer: trata-se tão somente da exclusão do Corpo Místico de Cristo e, como conseqüência, o impedimento do condenado em usufruir de seus benefícios espirituais, como a Comunhão dos Santos e o acesso aos Sacramentos.

Ao fazer uma censura a Igreja educa e produz efeitos mais salutares do que promover uma guerra. Essa censura pode ser, por exemplo, a um governante, que, de imediato, pode não produzir os efeitos de fazê-lo mudar de atitude, mas, a longo prazo, passa a constituir um ensinamento moral para toda a população. Com o passar dos anos aquele ensinamento produzirá seus efeitos. A Igreja condenou, por exemplo, o Comunismo e o Socialismo. Disso não resultou que fosse feita uma guerra contra os governos que tinham adotado tais sistemas, nem tampouco os mesmos resolveram abolir tais regimes. Com o passar dos anos, porém, tanto o Socialismo quanto o Comunismo ruíram fragorosamente e hoje não passam daquilo que o Cardeal Ratzinger denominou como a “Vergonha do Século”. É bem verdade que o chamado “comunismo difuso” permanece, com os Estados adotando leis cada vez mais marxistas e as populações vivendo o materialismo e o ateísmo práticos. Mas esse “comunismo difuso” não é um regime claro a todos, explícito, mas obscuro e escondido e sofre oscilações e reveses de acordo com a aceitação ou não da população dos princípios cristãos.  No entanto, o poder político que tais regimes tinham sobre as nações está em declínio. É que o ensinamento da Igreja sobre eles ecoou favoravelmente nas populações da terra e terminou por deixá-los sem credibilidade. Perderam, assim, a regência psicológica que tinham sobre aquelas populações. Quanto à Igreja, continua mantendo sua regência, de natureza espiritual e eterna.

Em sentido oposto, o corpo místico de satanás procura reger os que estão sob seu poder através de coação, da mentira, de intimidação, enfim, por meio de violências de todo tipo. A fim de que alguém creia em seu poder propagam diversas mentiras à população, e quando os indivíduos se entregam ao seu domínio, ou sua regência, são obrigados por diversos artifícios a praticar atos contrários à sua própria consciência, em geral até secretamente a fim de que não sejam mal vistos pelos outros. Diz-se que há uma seita secreta que procura dominar o mundo trazendo para si alguns governantes ou personalidades que exerçam papel importante na sociedade. Alguns são políticos, outros são banqueiros, outros são empresários de grande poder econômico e financeiro. Detendo tal poder, esta seita (que seria a matriz do corpo místico de satanás) poderá reger tais homens, mas nunca conseguirá reger toda a humanidade. Isso porque seus objetivos, seus fins, sua doutrina, sua própria existência, não podem ser dados a conhecer aos povos da terra: terá que ser sempre secreta em tudo.

Já a Igreja Católica tem que ser bem visível, sua doutrina tem que ser claramente exposta a todos, sem subterfúgios nem engodos, pois somente assim conseguirá reger eficazmente todos os povos, conforme o declarou formalmente o Papa João XXIII na Encíclica “Mater et Magistra”, conclamando os fiéis a agir como Corpo Místico que são:

 

“Membros vivos do Corpo Místico de Cristo

 

256. Mas não podemos concluir a nossa encíclica sem recordar outra verdade, que é, ao mesmo tempo, uma realidade sublime: somos membros vivos do corpo místico de Cristo, que é a sua Igreja: "Com efeito, o corpo é um e, não obstante tem muitos membros, mas todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo: assim também acontece com Cristo" (l Cor 12,12).

257. Convidamos, com paternal insistência, todos os nossos filhos, do clero e do laicato, a que tomem profunda consciência de tão grande dignidade e grandeza, pois estão enxertados em Cristo, como os sarmentos na videira: "Eu sou a videira e vós os ramos" (Jo 15,5) e, por esse motivo, são chamados a viver a sua mesma vida. Todo o trabalho e todas as atividades, mesmo as de caráter temporal, que se exercem em união com Jesus, divino Redentor, se tornam um prolongamento do trabalho de Jesus e dele recebem virtude redentora: "Aquele que permanece em mim e eu nele, produz muito fruto" (Jo 15,5). É um trabalho, através do qual não só realizamos a nossa própria perfeição sobrenatural, mas contribuímos também para estender e difundir aos outros os frutos da Redenção, levedando assim, com o fermento evangélico, a civilização em que vivemos e trabalhamos”.

 


domingo, 21 de março de 2021

O CORPO MÍSTICO DE SATANÁS SERÁ UM DIA CONSUMADO?

 




O império de Satanás poderá um dia ser consumado ao conseguir ele formar por completo seu “corpo místico”, pois somente assim exercerá plena regência sobre os homens e, por conseqüência, sobre aquele universo que estará sob domínio deste corpo maldito.

Quando caiu no inferno, Lúcifer e seus prosélito perderam grande parte de sua inteligência e poder, daí tendo dificuldades para entender como Deus rege o Universo. Ou então, entendendo algo não conseguem seus intuitos por intervenção divina, a não ser em parte e por consentimento de Deus e dos homens que a ele aderirem. Um dos princípios universais de tal regência é aquele pelo qual tudo é feito por intermédio de intercessores: Deus rege o Universo utilizando-se de Anjos e homens e não de uma forma direta.

Lúcifer, por orgulho e ódio à Criação, não entendeu isso desta forma, ou então se o compreende não o executa corretamente, impedido ora por seu orgulho, ora pelo próprio Deus. Assim, ele tem a pretensão de pessoalmente reger tudo, tentando manifestar todo o seu aparente poder sobre os seres criados por Deus.

A formação de seu corpo místico é uma das formas com que ele vem tentando reger os homens. Há dúvidas se realmente tal corpo maldito já foi completamente concluído, existindo sinais de sua atuação pelo menos de uma forma germinal, como se tivesse ainda em formação mas já agindo.

Um dos planos dele é destruir a Igreja de Cristo, o Corpo Místico por excelência, que foi criado para a Santíssima Trindade reger os homens. Com tal intuito sairão levas e mais levas de demônios dos infernos e virão à terra, tentando com violência eliminar a Igreja levando os homens ao desespero e revolta universal contra Deus. Sua intenção é fazer disso um tal movimento universal de almas que possa surgir o corpo místico satânico. Mas, eles não sabem, ou sabem mas não conseguirão fazê-lo, que para que se forme tal corpo místico torna-se necessário que surjam homens com carismas excepcionais de liderança e poder, e dentre estes um somente que se torne o seu representante ou modelo na terra, seria o anti-Cristo.

No período atual, com a completa guerra movida contra a Igreja através do que chamamos de “bagarre”, onde haverá perseguições monumentais, guerras, pestes e desastres naturais, tudo para mover os homens ao desespero e ódio contra Deus, falta-lhes entretanto a existência de alguns homens malditos que possuam carismas extraordinários de liderança. Os próprios demônios virão pessoalmente aterrorizar os homens, tal a pouca confiança que eles têm sobre seus prosélitos entre nós. E nisso consistirá um dos motivos naturais de sua derrota, pois sem homens que encarnem o poder satânico do seu corpo místico a vitória será do Corpo Místico de Cristo, não somente por causas naturais mas por causa da intervenção de Nossa Senhora, a qual colocará homens santos e carismáticos na liderança da luta contra os filhos das trevas. Como conseqüência da derrota do demônio, virá o Reino de Maria.

 O Anti-Cristo seria o intercessor perfeito e acabado do Corpo Místico de Satanás?

 Em todas as visões sobre o inferno uma das características principais é os demônios sob as ordens de Lúcifer impondo sofrimentos atrozes aos condenados. Fanny Moisseieva foi uma vidente russa que teve várias visões sobre o Céu e o Inferno. No texto que ela divulgou sobre o inferno a vidente coloca a pergunta, que é feita por um personagem indagando a razão disso.  O diálogo foi o seguinte:

 

“Assim é que você existe realmente”. E Satanás, com uma risada irônica, respondeu: “– Sim”. E o velho continuou: “– Mas, por que vive deste modo? Por que está sempre em meio a estas frias trevas e passa séculos inteiros em hostilidades vazias contra todo o Universo e envolve na mais profunda dor aos homens que lhe servem? Que necessidade tem de todos estes tormentos e deste diabólico ruído?”

A gente em silêncio conteve a respiração com a ânsia de saber o que ia acontecer. “– Por que não quer recomeçar o caminho reto, voltar a ser bom e terminar em um bom dia com todo o mal que faz?” Com o olhar fixo à distância, Satanás respondeu sombriamente: “–

Porque fui amaldiçoado.”

 

Sim, uma das razões é porque foi amaldiçoado, mas também porque manifesta constantemente seu ódio contra Deus nos seres criados por Ele, como os homens, e a maneira mais apropriada de manifestar tal ódio é fazendo com que os precitos sofram e não tenham nenhum momento de alegria ou felicidade, por toda a eternidade... O ódio não podendo ser dirigido diretamente a Deus, ao Qual ele não pode impor nenhum sofrimento ou perca, dirige-o então contra a Obra divina, refletida nos homens. O objetivo é fazer com que os homens se desesperem e passem a odiar a Deus, e assim consumando nos outros seres sua vingança contra Aquele que o amaldiçoou.

Mais adiante, a vidente conta como Lúcifer pretende impor seu império sobre os homens não diretamente, mas através do Anti-Cristo:

 

“O olhar de Satanás brilhou sinistramente pelo ódio e murmurou com voz que soava a ameaça: “– Enviarei ao mundo o Anticristo e ainda e sempre lutarei contra Aquele que me amaldiçoou!”

“– O Anticristo?”, perguntou assombrado o velho. “– Sim, o Anticristo”, exclamou Satanás.

Seu olhar ficou ainda mais triste. Depois de uma pausa, Satanás continuou:

“– Virá o tempo em que em um lugar, que já tenho designado, viverá uma cortesã que terá uma filha ainda mais perversa do que ela. Ela a seu tempo parirá outra cortesã e assim durante onze gerações consecutivas. Na décima segunda geração, nascerá uma mulher que superará em depravação, perversidade e imoralidade todas as outras. Esta será a que porá no mundo aquele que deverá ser a perdição da humanidade inteira. Ele será o Anticristo. Nem se saberá quem é o pai porque será concebido em estado de embriaguez imunda. Desde seu nascimento, eu viverei nele e ele em mim. A mãe notará muitos sinais incompreensíveis no momento do nascimento, mas eu a induzirei ao silêncio”.

Será um homem de uma inteligência extraordinária, que superará em muito a inteligência de seus contemporâneos. Terá também uma vastíssima cultura. Quando alcançar a idade adulta, sentirá dentro de si uma desenfreada avidez de comando e encontrará o apoio de um povo que será seu predileto. Por-lhe-ei nas mãos, riquezas imensas, e por meio delas será grande e poderoso. E quando se desencadear uma grande guerra, na qual participará todo o mundo, o Anticristo participará nela em qualidade de simples oficial.

Devido a suas capacidades, a sua bravura e coragem, ele fará em pouco tempo uma brilhantíssima carreira e ocupará os mais altos postos da hierarquia. Não conhecerá os fracassos e, conseguindo uma vitória atrás da outra, ganhará uma popularidade sem limites e infundirá em todos a simpatia e a confiança em sua pessoa.

Nenhum projétil poderá alcançá-lo nunca e as armas de todos os tipos lhe farão apenas sorrir. Em qualquer posto em que se encontre, será sinal seguro de que este posto não poderá ser tomado. Os barcos e os aviões que se encontrem ao seu comando terão a vitória segura.

Eu farei de maneira que a água, o fogo e os outros elementos da natureza lhe estejam submetidos. Vencerá e destruirá os poderes de todos os outros povos, de modo que ainda aumentará mais a admiração por ele entre as populações. Destronará reis, expulsará ditadores e presidentes e subjugará, por último, a todos os povos que se inclinarão diante de seu poderio e o reconhecerão por líder supremo. Reinará sobre todo o mundo e será o verdadeiro dono e senhor de toda a terra (São João 5, 43: “Eu vim em nome de Meu Pai e vocês não me receberam, se outro vier em seu próprio nome, a esse o receberão.”) E eu lhe darei o poder de operar milagres, de forma que o mundo acreditará que ele é o próprio Cristo (II Tessalonicenses 2, 9-10: “A vinda do ímpio vai acontecer graças ao poder de Satanás, com todo tipo de falsos milagres, sinais e prodígios, e com toda a sedução que a injustiça exerce sobre os que se perdem, por não se terem aberto ao amor da verdade, amor que os teria salvo.”)[1] . Ainda sem compreender seus atos, não se atreverão a criticá-lo e assim, por meio dele, eu corromperei a todo o gênero humano, empurrando-o à busca de novos conceitos no campo da filosofia e colocando-os em contradição com a religião.

Destruiremos também todas as leis da moralidade e, através do escárnio, cultivaremos na terra o sacrilégio e a blasfêmia, faremos que ocorra toda classe de acontecimentos desagradáveis ao extremo. Em todas as partes criaremos um número incrível de obstáculos e envolveremos a todos os homens e a todas as mulheres na sede das mais refinadas depravações. Recolheremos deliciosos frutos nos campos do mal. Durante o reinado do Anticristo enviado por mim, meus servos fiéis assumirão formas tais que não deixarão supor que sejam demônios. Levarão a tentação às mentes e os homens perderão sua personalidade e sua capacidade de governar os próprios instintos. E deste modo o mal reinará.

Teremos que realizar muito esforço nesse período, porque cada invocação e cada oração dirigidas a Jesus Cristo serão suficientes para converter uma alma.[2] Mas nós continuaremos sem trégua em nosso terrível avanço: criaremos uma vida absurda e brutal, destruiremos tudo e teremos constrangido a todos os povos entre nossas mãos.

Destruiremos e devastaremos os templos, apagaremos todas as lâmpadas acesas em honra ao Altíssimo. Ó, como eu odeio aos que rezam nos templos! Odeio as Missas, as predicações e os cantos litúrgicos. Em meu reinado do Anticristo só haverá maldade e sofrimentos em tal quantidade, que desde que o mundo é mundo não se terá visto tanta.

Então, em um excesso de dor e de louco desespero, os homens começarão, gemendo, a murmurar e culpar a Deus. Esta será a culminação de todos os meus desejos. Este será meu reinado, reino do mal e do ódio eternos”, assim gritava Satanás, flamejando com seus terríveis olhos” [3].

 Notar que a geração deste ser maldito não será feita de uma forma normal, ele não terá nem sequer um pai reconhecido como tal. No entanto, Lúcifer vai produzi-lo inteligentemente através de uma sucessão de gerações “matriarcais”, 12 segundo a vidente. Tendo criado assim um ser com tais características, maldito mas com carismas herdados de uma forma natural (e alguns preternaturais colocados por ele), consegue ter uma espécie de fundador de seu corpo místico. Tenta copiar, de alguma forma, a geração de Jesus Cristo, o verdadeiro fundador do Corpo Místico divino, que seguiu uma sucessão de gerações até ser gerado no seio da Virgem Maria. Quem gerou o Homem-Deus foi o Espírito Santo, mas, certamente o fez de uma forma natural, utilizando provavelmente um sêmen natural criado por Deus e detentor de qualidades e carismas vindos de várias gerações de homens bons e tementes a Deus. Pois bem, Lúcifer vai utilizar o mesmo processo, que sua inteligência compreendeu, mas a depender de um período de várias gerações, uma depois da outra se superando em maldades e fidelidade ao próprio demônio.

Possuindo um “intercessor”, criado e sustentado por ele, Lúcifer poderá conseguir reger os homens copiando a forma como Deus rege o Universo, não o fazendo diretamente (como tentou na “bagarre”) mas por via deste maldito ser. Ele se utilizará de um modo todo divino para tentar fazer uma suma obra de ódio a Deus, que é reger, mas imperiosamente e pela força e o logro, através da intermediação. Nesse sentido ele terá como opositor não um, mas dois grandes santos, Elias e Enoch, que manterão vivo o Corpo Místico de Cristo, e, mesmo após mortos, serão aceitos por Deus como vítimas expiatórias exorcísticas, fazendo com que o próprio Cristo desça do céu e mate o Anti-Cristo com um sopro de sua boca.



[1] Naturalmente que os textos bíblicos citados, o são pela autora e não por Lúcifer.

[2] Daí a importância de Elias e Enoch para sustentar a fidelidade dos poucos bons que perseverarão

[3]Fanny Moisseieva - MEU SONO LETÁRGICO DE NOVE - DIAS PARTE IV – O INFERNO - Fonte: www.recadosaarao.com.br -

 


quinta-feira, 18 de março de 2021

O BOM JESUS APRESENTA-SE COMO O CRUCIFICADO

 



Várias são as invocações da Bondade divina de Nosso Senhor, todas elas sob a denominação do Bom Jesus, e todas representadas por Ele pregado na Santa Cruz. Por que?  Porque foi desta forma que Nosso Senhor consumou sua Bondade no ponto mais alto, expressão última de suas perfeições divinas. A maldade humana junto com a diabólica tramou de tudo para ocultar sua Bondade: pregou-lhe as mãos e os pés (que tanto bem fizeram aos homens) no madeiro, desfigurou Seu semblante com uma ignóbil e torturante coroa de espinhos, expôs Seu sagrado corpo à nudez e aos açoites.  Mas refulgiu mais ainda Sua infinita Bondade quando deixaram abrir seu peito e mostrar Seu Coração Sagrado, com uma ferida enorme aberta, derramando sobre os homens e toda a Criação uma torrente infinita de graças.

Nos momentos finais de Seu martírio, achou Ele oportunidade para praticar os atos mais representativos de Sua Bondade.  Ao ver-se despido e carregado aos tropeços para ser pregado na Cruz, dirigiu a oração de misericórdia para os seus esbirros, dizendo: “Perdoai-os, pois não sabem o que fazem”. Estava implícito que aqueles que “sabiam o que fazem”  não estavam incluídos naquele perdão. Para estes, a Santíssima Trindade previra o primeiro juízo (o da “ligadura” ou apego aos pecados), pois assim tais pessoas ficariam aferradas aos pecados e despojados dos dons da graça. São Boaventura define sete tipos de juízos de Deus sobre a pessoa humana[1]. Destaca ele assim quais são tais juízos: sete são, com efeito, os juízos de Deus: seis são na vida presente, e o sétimo é na morte, e este se duplicará. – O primeiro juízo de Deus é o da ligadura; o segundo juízo é o da obcecação; o terceiro juízo é o da obstinação; o quarto juízo é o do abandono; o quinto juízo é o da dissipação; o sexto juízo é o da desesperação; o sétimo é o da condenação.

No momento de Sua morte, como supremo Juiz, Nosso Senhor Jesus Cristo deixa patente exercer desde então seu juízo sobre todos aqueles que estavam à sua volta, embora não fosse ainda o momento de julgá-los publicamente, pois trata-se de um juízo diferente como se vê adiante.

Por um gesto magnânimo, entregou Sua Mãe aos cuidados do discípulo que mais amava, São João, dizendo: Mulher eis aí teu filho; filho, eis aí tua Mãe. Nosso Senhor entregava Sua Santa Mãe para que adotasse os homens de bem, os filhos da luz, representados por São João.  Estes, sob a proteção de Maria, ficariam livres do juízo da obcecação, castigo que só seria imposto aos hereges, cismáticos e ímpios, os quais não têm Maria por mãe.

Um dos ladrões, de coração duro como pedra, dizia: “Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós”. De quem tinha ele ouvido tal frase? Da turba de fariseus que estavam aos pés das cruzes blasfemando contra Cristo, cujos corações eram tão duros quanto o do mau ladrão. Esta dureza de coração era o castigo por causa de seus pecados, “o terceiro juízo” divino sobre aquele povo.. Quanto ao outro ladrão, inspirado pelo Espírito Santo, rebatia tal dureza com o temor de Deus: “Nem sequer temes a Deus, estando na mesma condenação? Quanto a nós, é de justiça; estamos pagando por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal”. E acrescentou: ”Jesus, lembra-te de mim, quando vieres com teu reino”. Ele respondeu: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23, 39-43). São Dimas referiu-se ao “teu reino”  no momento da morte, aspirando portando o eterno. Provavelmente ouvira Nosso Senhor dizer a Pilatos: “o meu reino não é deste mundo”. Surgia naquele instante a vocação mais fulminante da História: em breves momentos o homem se converte, se santifica e se salva.

O brado do abandono, “Eli Eli l’ema sabactha’ni”, meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes! É em parte um lamento porque o Corpo e Alma de Cristo, assim como Seu Corpo Místico ali presente ao pé da Cruz, haviam sido abandonados, estavam entregues à própria sorte. Mas, na realidade, trata-se de um salmo de Davi, que se inicia com um lamento e termina como canto de vitória: “Ó meu Deus, olha para mim, por que me desamparaste?”. Provavelmente, Nosso Senhor continuou a rezar o salmo silenciosamente, que termina assim: ”A geração que há de vir será anunciada ao Senhor, e os céus anunciarão sua justiça ao povo que há de nascer, e que o Senhor formou” (Sl 21), quer dizer, “a geração que há de vir” era a Santa Igreja que ali nascia.  Este desamparo não pode ser comparado com o quarto juízo de Deus, o qual expõe o pecador sujeito às tentações e ao pecado porque se apegou a ele, enquanto que o desamparo a Cristo foi apenas o abandono do conforto material e humano. Estavam “ipso facto” entregues ao abandono da graça divina todos os que não pertencessem à Igreja.

Do alto da Cruz, Nosso Senhor lança o brado: tenho sede! Enquanto manifestava Ele ali sua sede de almas, a Santíssima Trindade julgava o povo deicida com o juízo da dissipação, pois haviam recebido os dons para obrar o bem e só obravam o mal, e nele havia morrido aquela sede de almas. A partir daquele momento, nada mais conseguiriam amealhar de quaisquer bens, sejam caducos ou, principalmente, espirituais. O povo deicida, por haver rejeitado a Graça, tornou-se dissipador e nada juntou, estando sujeito aos castigos que lhe vieram com a dispersão pelo mundo, o que se chamou depois de diáspora. A sentença ou juízo foi dada com o Profeta Malaquias:   “Por isso, como não guardaste os meus caminhos, e, quando se tratava de sentenciar, segundo a minha lei, fizestes acepção de pessoas, também eu vos tornarei desprezíveis e vis aos olhos de todos os povos”.  (Mal 2, 9).

Por duas vezes Nosso Senhor dirá a frase: “Está consumado!”  A primeira foi do alto da cruz e a segunda será no Juízo Final, conforme consta no Apocalipse: O sétimo anjo derramou a sua taça pelo ar, e saiu uma grande voz do templo (vindo) do trono, que dizia: está feito (Ap. 16, 17).  A Obra divina estava consumada eternamente, a Igreja estava ali nascendo. Judas deve ter caído no juízo da desesperação neste momento, assim como muitos dos judeus deicidas.  Era o sexto juízo de Deus para muitos. Em breve os túmulos iriam abrir-se para os Santos profetas acusá-los de seus pecados

Finalmente, o Salvador lança o brado final: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Com esta entrega, Nosso Senhor conquista por seu próprio mérito o título de Juiz, com que Ele mesmo se proclamava de “Filho do Homem”.  Todo pecador passava a ficar sob seu julgamento no momento da morte, podendo obter d’Ele a condenação ou a salvação eterna.  Junto com o Salvador, os Profetas e Santos Patriarcas abriram seus túmulos para exercerem o último julgamento sobre aquele povo. O espectro da morte vem à mente de todos naquele momento, seja através do eclipse, do terremoto ou dos corpos ressurrectos. Eram recursos extremos da graça divina para despertar naqueles homens o Temor de Deus. Para aquele que nada disso surtia efeito, caia o juízo da condenação eterna.

 

“Cristianus alter Christus”

Nosso Senhor Jesus Cristo é o nosso Modelo máximo de perfeição, é a forma acabada e perfeita da Bondade que devemos seguir para cumprirmos nosso destino aqui na terra. Devemos procurar imitá-Lo em tudo, fazendo d’Ele um exemplo para que possamos como que nos identificarmos com Ele. 

Repetimos apenas antiga fórmula de ascética cristã: “Cristianus alter Christus”, o cristão deve ser um outro Cristo, Isto é, deve procurar imitá-Lo em tudo. Devemos procurar praticar uma bondade que se assemelhe com a d’Ele, embora saibamos que, como meros homens pecadores, nunca chegaremos a atingir a milionésima parte de sua infinita perfeição.

 

O doce e santíssimo nome de Jesus

Encerremos este capítulo com as palavras de São Bernardino de Sena:

“Deram-lhe o nome de Jesus” (Lc 2, 21)

“Ainda que seja inefável o nome santíssimo de Jesus que foi imposto na Circuncisão a Cristo Senhor, Redentor do gênero humano, todavia para não nos calarmos completamente em tão grande solenidade, alguma coisa apresentaremos em louvor e glória de tão grande nome, diante do qual “todo o joelho se dobra nos Céus, na Terra e nos Infernos”  (Fil. 2, 10). Porque tão grande é a consolação da alma que se alegra em Cristo, que a pobreza se torna como riquezas, a aspereza como delícias e a vileza como honras, e pelo Seu nome todos  os suplícios se fazem para ela doces.

“Na verdade, diz-se por causa desse nome: “Saíram da sala do Sinédrio cheios de alegria por terem sido considerados dignos de sofrer vexames por causa do nome de Jesus”  (At 5, 41). Portanto, se mergulha na tua mente o negrume da tristeza, se está iminente uma grave e violenta tempestade, se as costas do mar ribombam com terrível e horroroso mugido, se são batidas as praias do oceano, e se também a nau está invadida pelas ondas, invoca Jesus, que se julga estar a dormir nos navios, mas é um Jesus que nem dorme nem dormita; e com toda a Fé diz-lhe: “Levanta-te, Senhor Jesus!”  (Sl 3, 7).

“Oh nome de Jesus exaltado acima de todo o nome, oh gozo dos Anjos, oh alegria dos justos, oh pavor dos condenados:  em Vós está a esperança de qualquer perdão, em Vós toda a esperança da indulgência, em Vós toda a expectativa de glória. Oh nome dulcíssimo, Vós dais perdão aos pecadores, renovais os costumes, encheis os corações de doçura divina. Oh nome desejável, nome admirável, nome venerável, Vós, nome do Rei Jesus, assim levantais ao mais alto dos céus os espíritos, que todos os que principiam a ter devoção a este nome, graças a Ele encontram a glória e a salvação, por Jesus Cristo Nosso Senhor.  [2]

 



[1] Ver tópico sobre o Temor de Deus, em  Obras de San Buenaventura – BAC – vol. V – fls. 372/392”.

[2] Homilia de São Bernardino de Sena sobre o santíssimo nome de Jesus

 


quarta-feira, 17 de março de 2021

NOBREZA, HUMILDADE E A LÓGICA DE SÃO JOSÉ

 

Vou fazer um “Santo do Dia” com base num texto do livro “Suma dos dons de São José”, do Padre Isidoro de Isolano, dominicano do século XVI, um dos primeiros teólogos católicos a atacar Lutero. É um dos mais importantes doutores da teologia sobre São José. Essa ficha parece que contém dados muito interessantes sobre São José e o espírito da Contra-Revolução.

Aqui se trata do capítulo VII – “Objeções contra a nobreza de São José”:

  “Não está muito conforme com os mistérios das Sagradas Letras, essa nobreza de sangue tão louvada em São José”.

Aqui o autor trata de São José enquanto nobre de sangue. Sabemos que São José era, ao mesmo tempo, trabalhador manual, carpinteiro e como tal pertencente – ao menos do ponto de vista econômico – à camada mais modesta da sociedade. Mas de outro lado, ele era descendente do rei Davi, e de toda uma linhagem de reis de Israel. A Casa de Davi decaiu e, com o tempo, perdeu o trono, afastou-se do poder. Sua família continuou a morar em Israel, em Judá, mas cada vez menos influente, menos poderosa e menos rica. A tal ponto que, quando afinal, da raça de Davi nasceu Nosso Senhor Jesus Cristo, que era a esperança e a alegria de todo o povo, a Casa de Davi estava no auge de sua decadência. Os senhores vêem São José um trabalhador manual, um mero carpinteiro.

É bem verdade que nessas sociedades muito rudimentares as classes sociais e as classes econômicas não se diferenciam de um modo absolutamente tão nítido quanto nas sociedades mais desenvolvidas, e que nem sempre é um sinal de muita decadência econômica o fato da pessoa ter  pertencido a uma grande família e passar a exercer um trabalho manual. Eu conheço zonas do interior do Brasil, por exemplo, em que entre as melhores famílias do lugar há gente que é chauffeur de praça, carregador de estação etc., mas que depois se casa com ramos mais ricos da família e sobe de novo. Portanto, essa situação de São José não queria dizer necessariamente tanta prostração quanto seria um descendente de reis que chegasse a ser, hoje em dia, trabalhador manual.

Mas ao menos se pode dizer que era, na ordem econômica das coisas, o mínimo que uma pessoa pode ser. Esse era o São José. Então, São José Operário pode ser e deve ser cultuado enquanto operário, mas São José pode e deve também ser cultuado enquanto príncipe da Casa de Davi. É por essa razão que, falando a respeito de São José, o papa Leão XIII, que foi um dos Pontífices que mais inculcaram a devoção a São José, disse taxativamente que não só São José deve se cultuado também como modelo do príncipe, mas devia também ser o modelo, o ânimo, o estímulo de todos aqueles que pertencessem a grandes linhagens decadentes; para compreender como pela virtude, pela fidelidade a Deus essas pessoas podem erguer-se ao mais alto grau da santidade e podem realizar esplendidamente os desígnios da Providência sobre elas.

Esse Padre está exatamente analisando São José enquanto aristocrata. Então, diz:

“1º) São José foi  eleito para conhecer a verdade do Verbo de Deus. São Paulo disse: Não há, entre vós outros, muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos nobres. Antes escolheu Deus a estultice do mundo para confundir os sábios, e a fraqueza para confundir os fortes. Logo, não se deve louvar a nobreza de São José escolhido por Deus”.

Ele adota o método de São Tomás de Aquino na Suma Teológica. Por exemplo sobre São José, São Tomás perguntaria: deve São José ser louvado também enquanto nobre? Então daria primeiro as razões pelas quais parece que não deve. Depois perguntaria: deve ser louvado como nobre? Parece que deve. São os argumentos positivos. Depois faria como quem está acertando uma conta  corrente, tem o débito e tem o crédito. E tiraria a conclusão no fim: se tais são os argumentos pró e tais argumentos contra, como responder? Então refutaria os argumentos da tese impugnada, faria alguma grande citação em abono da idéia dele – sobretudo citações da Sagrada Escritura – e depois tiraria a conclusão. É o método lógico perfeito.

Este autor adota esse mesmo processo. E começa por dar as razões pelas quais não se deve louvar a nobreza de São José. E aqui está uma razão tirada de São Paulo.

"Isso mesmo se confirma com a autoridade da glosa sobre essas palavras do Apóstolo: “O Deus humilde veio buscar os humildes e não os poderosos, entre os quais são considerados os nobres pelos mortais.”

No século XVI os nobres eram considerados poderosos. Na reviravolta das coisas de hoje, um diretor de sindicato é, o mais das vezes, mais poderoso do que um duque. Mas no século XVI o nobre fazia parte da categoria dos poderosos. Então, afirma ele: se é verdade que Nosso Senhor Jesus Cristo ao encarnar-Se não veio procurar os poderosos, não veio portanto procurar os nobres. Não há importância em ser nobre. Logo não se deve louvar São José enquanto nobre. É outro argumento.

  “3º) A humildade de Deus foi extrema na Encarnação. Mais humilhação era escolher um pai putativo pobre, do que um nobre. Logo, não deve exaltar-se a nobreza de São José".

Ou seja, Nosso Senhor Jesus Cristo veio para se humilhar. E, para se humilhar, Ele escolheu um pai putativo (da palavra latina putare, que quer dizer “imputado”, um pai a quem se atribui uma paternidade). Não era o verdadeiro pai. Portanto Nosso Senhor Jesus Cristo no estado de humilhação veio procurar um pobre. Então, não tem importância que esse pobre seja nobre. Ele não olhou para isso, mas só para o lado da pobreza. Ser nobre não vale nada. Como raciocínio está muito bem desenvolvido!  

 “4º) A nobreza não parece ser outra coisa se não antigüidade das riquezas, como disse Aristóteles. E José, pobre ao ponto de ter que exercer o ofício de carpinteiro para ganhar o pão de cada dia, não podia gabar-se de ser nobre”.

O argumento é interessante. Diz ele que, segundo Aristóteles, a verdadeira nobreza é ter uma fortuna muito antiga. Quem tem uma fortuna que passou por várias gerações, esse ficou nobre. Ora, São José não tinha mais fortuna, logo não era mais nobre. Logo não era o caso de louvar a nobreza dele.

Não sei se esses argumentos estão bem claramente expostos por mim. A mim parecem muito bem feitos; o autor sabia objetar bem! E deve fazer parte da destreza de nosso espírito que gostemos desse “florete” da argumentação, de ver argumentos ainda que sejam contra nossas teses e depois a resposta de nossas teses. É como uma esgrima, muito mais alta e bela do que a esgrima material: é a esgrima da inteligência. Aqui estão quatro estocadas bem desferidas contra nós. Vamos ver agora como o nosso bom Padre responde a essas estocadas.

“Para solucionar essas dificuldades, tenha-se em conta que a nobreza humana pode considerar-se em sua causa, em sua essência e em sua ação”.

Está bem lançado! Para responder, começa por ver o que é nobreza. Depois, desencaixar daí os argumentos contrários. E, para saber o que é a nobreza, ela deve ser considerada em sua causa, em sua essência e em suas ações. No que a causou, no que ela é e no que ela causa. Perfeito!  

“Considerando-a em sua causa, é a nobreza de origem, na que foi singularíssimo São José, pois tem sua origem numa tríplice dignidade: corporal, espiritual e celeste. Ou seja, uma dignidade real, sacerdotal e profética que é celestial, pois predizer o futuro é só de Deus. Davi foi rei, Abraão foi patriarca, Natan profeta e os três foram antepassados de São José”.

Ele está analisando a causa da nobreza. A causa da nobreza de São José foi porque ele descendeu de três espécies de varões diferentes, dignos a três títulos diferentes: o corpo, o espírito e as coisas celestes. São títulos bem escolhidos: nobre segundo o corpo é um dos elementos constitutivos de nossa personalidade; nobre segundo o espírito: a alma é o mais alto dos elementos constitutivos de nossa pessoa; nobre segundo as coisas de Deus, é mais alto ainda do que nós. E aqui está o universo. Porque  o que não diz respeito nem ao homem nem a Deus é  parte secundária e ancilar do universo. A parte principal é esta.

Então, vamos ver como São José era nobre segundo o corpo, segundo o espírito e segundo Deus. Ele era nobre segundo o corpo, porque era descendente de rei. Daqui a pouco vamos ver o que é isso.

Ele era nobre segundo o espírito porque era descendente de sacerdotes. Sabemos que os sacerdotes da Antiga Lei podiam casar. E era nobre segundo as coisas sobrenaturais, porque era descendente de profeta. Ora, o profeta prediz o futuro e predizer o futuro é uma coisa celeste. De maneira que descender de reis, profetas e sacerdotes essa é a mais alta nobreza que uma pessoa possa ter. É mais alto do que  descender só de reis, é mais alto do que descender só de sacerdotes, é mais alto do que descender só de profetas. Ora, diz ele, Davi foi rei; Abraão foi patriarca e, portanto, sacerdote (os patriarcas eram sacerdotes); Natan era profeta, e esses três foram antepassados de São José. É esplendidamente bem argumentado!

 Que relação há entre rei e corpo? O rei é o Chefe de Estado. O Estado cuida, entre os homens, daquilo que diz respeito ao corpo;  o sacerdote faz para a alma o que o Estado faz para o corpo. Ele cuida das coisas da alma, do espírito. O profeta é o representante de Deus, o porta-voz da palavra de Deus. Sobretudo se tratando – como é o caso – do profetismo oficial. Não é o profetismo como há na Nova Lei, que é extra-oficial. Mas é o profetismo de um homem mandado por Deus e cuja missão era garantida com milagres, e que falava oficialmente em nome de Deus, como o embaixador fala oficialmente em nome de seu rei.

Evidentemente isso é uma altíssima situação, uma altíssima missão. Então, São José tinha as três causas mais altas de nobreza, representativa dos três aspectos da vida do homem: o aspecto material, o aspecto espiritual e a representação de Deus. É muito bem tratado, superiormente inteligente!

Ele falou da nobreza na essência, na causa e na operação. Então:  

“São José era nobre em sua essência, quer dizer, na sua própria pessoa, porque encontramos nela tríplice nobreza: ele foi justo na sua alma, alcançou a dignidade de esposo da Rainha do Céu e teve ofício de pai nutrício do Filho de Deus”.

Realmente, os senhores peguem uma coisa lamentável: todos viram nos jornais, ou ouviram falar do divórcio desse fotógrafo, que se casou com a irmã da Rainha Elisabeth da Inglaterra, o Armstrong Jones. Antes de fazer o casamento, ele foi elevado à dignidade de Lord Snowdon, porque como quem vai se casar com a irmã da rainha tem que ficar nobre; a rainha lhe deu um título de nobreza para ele subir. Mas que pouca coisa é ser casado com a irmã da rainha, em comparação de ser casado com a Mãe de Deus! Se isso não constitui um nobre, e se o homem que se casou com a Mãe de Deus não é nobre então não há nobreza na terra. O estado dele é, por definição, um status nobiliárquico.

Nossa Senhora é Rainha do céu e da Terra não por uma alegoria, não apenas por uma imagem, mas Ela é a efetiva e autêntica Rainha do Céu e da Terra. Se a rainha Elisabeth fosse católica e reconhecesse, portanto, a realeza de Nossa Senhora, ela aparecendo diante de Nossa Senhora teria que se ajoelhar e colocar a coroa dela aos pés de Nossa Senhora. Porque onde Nossa Senhora está ninguém é rei, ninguém é rainha, Ela só é Rainha, Ela só tem todo o poder. Os reis e rainhas não são senão os representantes dEla. Ela é que manda, porque todo o poder que Deus tem sobre o universo, Deus deu a Ela. Ela é Rainha de todo o universo.

Ora, aquele que se casa com a Rainha de todo o universo é nobre evidentemente.

Mas notem a questão interessante: antes dele mencionar a nobreza de São José como fidalgo casado com Nossa Senhora, ele menciona a nobreza de São José porque ele era justo. Quer dizer, ele era um varão virtuoso que vivia na graça de Deus.

Aí temos uma tese muito interessante em matéria de nobreza: aos olhos dos homens, um nobre pode valer mais do que um plebeu; porque não está escrito na fronte de ninguém se ele está ou não na graça de Deus. Mas aos olhos de Deus, o plebeu em estado de graça vale incomparavelmente mais do que o nobre que esteja em estado de pecado. Quer dizer, o primeiro foro de nobreza é a graça de Deus.

De tal maneira que no Reino de Maria, se vier a haver novamente uma  nobreza, eu sou de opinião de que aqueles que vivam oficial e publicamente em estado de pecado, percam a nobreza.

Um rei que oficial e publicamente tem uma concubina, perde a nobreza. Porque um fato interior ninguém pode documentar. Se ele pecou interiormente, ninguém pode depor um homem por causa disso. Mas se pecou exteriormente, a mim parece razoável que perca a nobreza. Poderá reobtê-la depois? É uma coisa a se estudar. Enquanto ele vive em estado de pecado mortal oficial, em estado de vergonha, ele não é nobre, e seus filhos não podem ser.

Mas o comentador afirma bem: São José não foi apenas o Esposo de Nossa Senhora; ele foi o pai do Menino Jesus. Ora, ser o pai do Filho de Deus é a mais alta honra a que um homem possa chegar, depois da honra de ser a Mãe do Filho de Deus, que é, evidentemente, uma honra maior. Quer dizer, ele não só foi nobre porque se casou com Nossa Senhora, mas porque Nosso Senhor o investiu na mais alta função de governo que possa haver na terra abaixo de Nossa Senhora. O exercer uma alta função de governo, de acordo com os conceitos da sociedade tradicional daquele tempo, nobilitava, conferia nobreza.

Ora, ser o pai do Menino Jesus, governar o Menino Jesus e governar Nossa Senhora é mais do que governar todos os reis e impérios do mundo! Ora, isso não lhe veio só do casamento, Deus o escolheu para isso. Compreendemos então a nobreza excelsa que lhe vinha disso.  

"Também em suas obras ele deu provas, ao mundo inteiro, de uma singular  nobreza. Recebeu em sua casa o Salvador do mundo, O conduziu são e salvo através de vários países, O serviu e alimentou durante muitos anos com seus trabalhos e seus suores. Esses são os raios que emite a nobreza do santíssimo José, tornando-a mais resplandecente que  o mesmo sol”.

E, respondendo à primeira dificuldade – fazendo como São Tomás, ele deu sua tese, defendeu; agora vai destruir as teses contrárias – então toma a tese inicial de que entre os primeiros católicos havia poucos nobres. Respondendo à primeira dificuldade,  

“São Paulo se refere aos pregadores que levariam a fé ao mundo, que deviam ser de origem simples e humilde, para que não se atribuísse ao seu poder e sabedoria a dignidade das maravilhas que obrava a graça de Deus, mediante o ministério deles; restando daí glória à Cruz de Cristo. Por isso lhes disse a Glosa: se não houvesse um honrado pescador, teríamos poucos pregadores humildes.”

  O pensamento é o seguinte: era natural que entre os primeiros católicos houvesse poucos nobres, e daí não se tira  nenhum argumento contra a nobreza. Porque se entre os primeiros católicos houvesse muitos nobres, muitos poderosos, muitos ricos, dir-se-ia que o Evangelho conquistou toda a terra por causa do prestígio desses homens, muitos sábios. Mas não houve isso. Não houve nobres, nem sábios, nem ricos. Foram homens simples que conquistaram. De onde o milagre fica patente. E não é porque não gostasse da nobreza, ou não lhe desse valor, mas era para glorificar mais especialmente a Deus que foram escolhidos homens de uma condição modesta para esse primeiro passo. Está muito bem argumentado!

 Agora, vem outra razão:  

“Mas não era apropriado que o rei dos Reis convivesse na intimidade com quem não era nobre nem de espírito, nem de sangue”.

Essa é uma bomba terrível para o espírito igualitário de nossos dias. Não era conveniente, não era adequado que o Filho de Deus convivesse com um homem que não tivesse, ao mesmo tempo, as duas nobrezas: a da alma e a do sangue. Sangue: notem como ele coloca no galarim a nobreza do sangue.   “Não era razoável que aquele, a Quem servem milhões de Anjos, escolhesse por pai a quem não fosse nobre de linhagem; nem tão pouco que a Virgem escolhida por Mãe, e que admiram os moradores da Jerusalém celeste, fosse desposada por um homem de origem plebéia".

Isso é uma coisa de arrebentar o igualitarismo de nossos dias, mas é perfeitamente argumentado.  

“Sabemos que humildade não é incompatível com a nobreza, mas que, pelo contrário, é o seu melhor ornamento, pois quanto maior é um, tanto mais deve humilhar-se em tudo. Deus ama singularmente aos humildes. Assim disse a Santíssima Virgem: porque Ele olhou a humildade da sua serva, por isso todas as gerações me chamarão bem-aventurada.

Está muito bem argumentado. Ele diz que Deus de fato ama eminentemente a humildade, mas a humildade não é só a virtude dos plebeus; é também a virtude dos nobres, porque é a virtude dos grandes e também dos pequenos. O que é a humildade? A humildade é a verdade. E’ humilde daquele homem que olha para si, reconhece a verdade a respeito de si mesmo, se contenta com o que é, não quer ser mais nem menos do que é, porque Deus Nosso Senhor que manda nele, o colocou na posição que ele tem. Isso é ser humilde.

E por isso, uma pessoa pode ser muito humilde, embora sendo muito grande. E ele cita exatamente as palavras do “Magnificat”. Quer dizer, “porque olhou a minha humildade — diz Nossa Senhora — todas as gerações me chamarão bem-aventurada. Ele me colocou no ápice porque eu era humilde. Quer dizer, eu tinha a respeito de mim uma idéia perfeitamente precisa”.

Se a grandeza fosse incompatível com a humildade, colocando Nossa Senhora em tal grandeza Deus teria impedido Nossa Senhora de ser humilde. Ora, Ela foi humilde até o fim da vida, sendo a maior das meras criaturas. Logo, entre a grandeza e a humildade não há incompatibilidade. É um argumento que não permite réplica! É perfeito!

3º Argumento:  

“Constatamos que a Encarnação revelou a suprema humildade de Deus: 1º) o revestir-se da carne humana: “Ele se aniquilou, tomando a forma de servo”. 2º) Por sua humilde vida. “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração. 3º) pelas terríveis dores de sua Paixão: “olhai e vede se há dor comparável à minha dor”.

“Contudo, nem sempre apareceu no exterior com a mesma humildade, mas pelo contrário, mostrava sua grandeza quando convinha. Assim vemos que Ele ensinou com autoridade, fez milagres e ressuscitou vitorioso dentre  os mortos”.

Também está muito bem argumentado. Ele diz: tanto é verdade que a grandeza e a humildade não se excluem, que em Nosso Senhor tiveram uma aliança admirável. Ninguém na vida  foi mais humilde do que Nosso Senhor Jesus Cristo, mas ninguém teve grandeza maior do que a dEle. E o autor mostra três formas da grandeza de Nosso Senhor. O ensinamento de Nosso Senhor: ensinar é um atributo de grandeza.

De outro lado, mostra o poder de fazer milagres de Nosso Senhor, a ponto de ressuscitar um morto. É manifestar uma grandeza que ninguém tem. Quando é que qualquer potentado da terra, no auge de seu poder, ressuscitou um morto? Só Deus pode fazer.

Mas, terceiro, ressuscitou-se a Si próprio, o que é ainda muito maior. Porque estando morto, ressuscitar-se a si próprio, essa é uma grandeza que desafia qualquer palavra! Então, aquele que foi o mais humilde de todos foi o maior; logo, a humildade não é incompatível com a grandeza. Não há o que dizer, está perfeitamente respondido!  

 

“Mais ainda: A humilhação de Deus na Encarnação não teria sido maior por escolher um pai de origem humilde. Foi extrema a humilhação e nada poderia acrescentar-se à humildade da divindade revestir-se da natureza humana”.

Ele diz que falar que Nosso Senhor se humilhou muito sendo filho de operário, é uma coisa inteiramente secundária. Humilhação verdadeira foi o Filho de Deus ter consentido em ficar homem. É verdade, o Filho de Deus consentir ficar homem, o resto é o que? Esse autor é muito inteligente!  

“Por último, foi pobre em bens de fortuna, mas não na excelência de sua pessoa, que é o verdadeiro fundamento da nobreza, como já foi declarado.

“Além disso ele careceu do supérfluo, mas não do necessário; nem tampouco se opõe à nobreza o ganhar o pão com o suor de sua fronte. Antes, o trabalho evita a degradação, e ninguém pode glorificar-se de sua nobreza se não souber cobrir suas necessidades com o trabalho de suas mãos.

“A natureza, que dá essa nobreza aos homens, aborrece a ociosidade, combatendo-a com todas as suas forças. E assim dizia Aristóteles: Todo o que trabalha ordena sua operação ao obrar. O trabalho tem a si mesmo por seu próprio efeito; e também Deus e a natureza nada fazem inutilmente”.

O princípio que desenvolve é muito interessante. Afirma ele que o trabalhar com suas próprias mãos de si não destrói a nobreza, porque não há uma incompatibilidade radical da nobreza com o trabalho manual. O trabalho manual não é uma vergonha, não é um pecado. Um nobre pode estar reduzido à condição de trabalhador manual mas, com isso, não perde a sua nobreza. Ele pode readquirir, de futuro, a sua nobreza, porque [não cometeu uma] ação vexatória [ou] uma ação criminosa.

São José foi assim. O que fez com seu trabalho manual foi tudo quanto havia de mais nobre e de mais alto e, por causa disso, não se pode dizer que ele tenha desmerecido da nobreza de seus antepassados trabalhando manualmente.

Quando eu estava imobilizado por causa do desastre, eu li um livro sobre a nobreza – aliás, é o único livro que me caiu nas mãos, até hoje [1976] – direta e exclusivamente sobre a nobreza, e muito mal escrito, porque o autor (professor de uma pequena Universidade de Paris) reconhece que, expressamente sobre a nobreza, quase não há livros. O que, aliás, é um escândalo! Porque era uma das três classes sociais da antigüidade; isto mostra o facciosismo de certos estudos históricos.

Mas esse professor narrava que em certas regiões da Europa havia essa delicadeza de alma: quando um homem de uma família nobre perdia a fortuna e era obrigado a trabalhar com suas próprias mãos, não se dizia que ele tinha perdido a nobreza; dizia-se que sua nobreza estava “en sommeil” (em estado de sono) — expressão muito bonita! — e que ela despertaria no dia em que suas condições materiais lhe permitissem viver no estado nobre. É linda a expressão!

É um infortúnio: ficou pobre, está trabalhando. Mas não está fazendo nada degradante. É verdade que não fica bem dizer-se a um copeiro, por exemplo: “Alteza, me traga uma [água mineral de marca] Caxambu...” A nobreza dele entrou em estado de sono; ela está como que dormindo dentro dele. Mas as circunstâncias melhorando, sua nobreza refloresce.

De maneira que o comentarista aplica isso à nobreza de São José. É perfeitamente bem pensado, bem concluído, bem articulado!

Eu vi com alegria que vários dos srs. – enquanto eu fazia o comentário do texto desse Padre a respeito de São José – faziam expressões de fisionomia que indicavam adesão e satisfação, não só pela tese que o Padre sustenta, mas também alegraram-se em ver a agilidade da argumentação dele.

Os senhores me permitirão que neste “Santo do Dia” eu trate de uma coisa que está à margem do tema, mas não está à margem de nossa reunião. Aqueles dos senhores que tiveram algum prazer em ouvir a argumentação desse Padre, por onde os senhores, enquanto prestavam atenção na argumentação dele, se esqueceram das preocupações e dos aborrecimentos da vida de todos os dias [queiram levantar o braço]...

Agora os srs.  são convidados a fazer uma comparação entre a “alegria” que dá a “torcida” [o frenesi] e a alegria que dá o raciocínio. A “torcida” que uma pessoa inclemente e pouco cerimoniosa chamaria o vício da geração-nova: “vai acontecer, ou não vai... torce...”. Comparem a “alegria” que pode dar a “torcida” com essa alegria que dá essa serenidade da alma, quando o homem está no estado de repouso, de distensão, e acompanha o passo majestoso e cadenciado dos argumentos que se seguem uns aos outros como uma bonita parada; em que ele aprecia o gume da cada arma da lógica, e tem esse prazer soberano que é de ver a arma da lógica entrar na carnatura do erro e fender. É bonito isso! Os srs.  estão vendo uma posição errada, que ele menciona na tese impugnada, depois vem o argumento como o bisturi de um médico magnífico. Entra e talha, corta o tumor e o organismo respira satisfeito.

Magnífico! O mal ficou inutilizado, ficou prostrado, ficou arrasado. Assim é que fez a lógica! Clara, precisa, elegante como um Anjo, mas que dardeja um raio sobre o erro e o liquida. Isto é bonito!

Então, a gente ver o erro apresentado com todos os seus enfeites, seus adornos; mas depois verem a lógica que joga o erro no chão com uma sapecada certa, um  golpe certo. Isso é bonito! Analisá-lo é fonte de um dos maiores prazeres que na vida se tem.

São Tomás de Aquino dizia que sem um mínimo de prazer o homem não pode viver. E ele tem evidentemente toda a razão nisso. Mas é preciso encontrar o prazer onde ele está. Não quer dizer ligar a televisão dez minutos por dia, porque do contrário morre... Mas é procurar o prazer do espírito, onde de fato o prazer está!

Então, aqui fica um pequeno conselho aos senhores. E esse elogio da lógica seja feito a São José, tão lógico, tão coerente, que levou a lógica ao verdadeiro heroísmo durante sua vida.

Qual foi um lance da vida de São José em que ele levou a lógica até o heroísmo? Foi o episódio muito conhecido, quando ele viu que Nossa Senhora tinha concebido um filho do qual ele não era pai. O Evangelho aborda o assunto. Ele foi colocado diante de uma situação absurda, pois Nossa Senhora era evidentemente santa. Disso ele não podia duvidar, porque a santidade dEla reluzia de todos os modos possíveis. Mas, de outro lado, estava criada uma situação que ele não conhecia, e com a qual ele não podia conviver. Em vez de denunciá-La como ordenava a Lei hebraica, ele pensou na única saída lógica: “Quem está de mais nesta casa não é essa Mãe, que aqui é a dona e rainha; nem o filho que Ela concebeu. Alguém está de mais, e esse alguém sou eu. Vou abandonar a casa e sumir. Não compreendo tal mistério, mas contra ele não me levantarei. Passarei meus dias longe, venerando o mistério que não entendi”.

E resolveu, quando fosse meia-noite, abandonar a casa, fugir, deixando Nossa Senhora com o fruto de suas entranhas.

Considerem a calma de São José. Essa calma, só os homens lógicos a têm. Ele tinha que abandonar o maior tesouro da Terra, que era Nossa Senhora. E isso representava um sofrimento imenso, inimaginável. O Evangelho narra que ele estava dormindo, quando apareceu o anjo em sonho e lhe deu a explicação.

Andando ele com isto no pensamento, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos, e lhe disse: José, filho de Davi, não temas receber em tua casa Maria, tua esposa, porque o que nela foi concebido é (obra) do Espírito Santo. Dará à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados" (Mt 1, 20-21).

Assim, antes desse lance tremendo, São José dormia. Ele ia viajar e deveria preparar-se, repousando para tal viagem. Vergado por um enorme sofrimento, entretanto ele dormia. O anjo apareceu-lhe e explicou a situação. Ele continuou o sono. Amanheceu e a vida prosseguiu normalmente. Suma normalidade, suma coerência, suma lógica! Em louvor da lógica de São José, este rápido comentário que representa um elogio à lógica.

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

(Santo do Dia, 19 de março de 1976)