quarta-feira, 28 de julho de 2021

QUANDO VIRGINDADE E GRANDEZA RÉGIA SE OSCULAM

 


 


O quam pulchra est casta generatio cum claritate

(Sab 4, 1)

 "Não há louvores que não se possam fazer à virgindade. Ela é o auge da dedicação em relação a Deus, porque o homem inteiramente casto renuncia às comodidades e aos legítimos atrativos e aspirações da vida de família para servir um ideal superior. Um ideal que não lhe dá prêmios na terra, mas oferece recompensas no Céu. Trata-se, é claro, de um ideal católico, pois nenhum outro pode ser considerado autêntico e verdadeiro, quando desprovido do sentimento católico. A virgindade é, então, o ápice da dedicação. É, outrossim, uma forma de grandeza. Mais ainda, é a grandeza por excelência. Consideremos um rei santo. São Luís IX era um soberano puríssimo que tinha, entre outras missões, a de perpetuar a dinastia da França. Casou-se, teve filhos, e guardou plenamente a fidelidade conjugal. É maravilhoso. Contudo, quando ouvimos falar do Infante Dom Sebastião de Portugal — o rei casto, puro, virginal, imolado numa batalha contra os mouros nos vastos campos de Alcácer-Quibir — sentimos exalar-se um conjunto de idéias e grandezas, que adquire seu maior fulgor no fato de Dom Sebastião ser virginalmente casto.

Resplandece nele aquela auréola da castidade perfeita, não a respeitável castidade do matrimônio, mas a da inteira abstenção de qualquer contato carnal. Um varão régio e virginal, numa couraça lisa e rutilante, brilhando sob o sol da África, com uma lança na mão e uma coroa de Rei Fidelíssimo na fronte.

O trono da França era mais elevado que o de Portugal. São Luís foi um santo autêntico, canonizado pela Igreja. Esta não canonizou o Rei Dom Sebastião, e talvez houvesse certa temeridade em suas ousadias guerreiras, razão para não inscrevê-lo no rol dos Santos. Não obstante, sua figura é cercada de uma auréola, de uma poesia, de um perfume típico de grandeza que nem o grande São Luís, nem o grande São Fernando de Castela tiveram. Nem o próprio Carlos Magno possuiu. É a aliança entre a majestade régia e a castidade perfeita, entre a virgindade e a coroa".

(Revista “Dr. Plínio”, n. 14, maio de 1999)

(“Ser casto era vestir um arnês de candura” - D. Sebastião, Rei de Portugal – de Antero de Figueiredo – Liv. Bertrand, 1943, Lisboa – pág. 96/97)

 

  


terça-feira, 27 de julho de 2021

O ALGO MAIS QUE DAMOS NESSA VIDA

 


- Quem ama mais:

Quem dá o que sobra ou o que falta?

Quem pede que se lhe dê ou quem se doa?

Quem pede ou quem dá sua vida?

Quem ama a Deus ou á sua pessoa?

 

- Quem é mais feliz:

Quem goza uma vida inútil

Ou quem é mártir por um ideal?

Quem só quer ganhar vantagens

Ou quem dar sua vida pelo próximo?

Quem só desfruta seus bens

Ou quem sofre suas carências?

 

- O que dói mais:

O talho no corpo

Ou o orgulho ferido?

O tapa no rosto

Ou o favor esquecido?

A faca no peito

Ou o amor traído?

 

- Quem vive mais:

O que passa dos 100 anos

Ou o que vive santa e intensamente?

Quem descansa, dorme e passeia

Ou que, esperto, tem toda vida cheia?

 


sábado, 24 de julho de 2021

VISÃO BEATÍFICA, UM FLASH CONTÍNUO E ETERNO

 




 

Tudo indica que os órgãos mais privilegiados no Paraíso celeste são nossos olhos, pois é através deles que se terá a “visão beatífica”, a contemplação de Deus por toda a eternidade. Aqui na terra eles foram úteis para se ter uma antevisão dessa beatitude contemplando o belo e as maravilhas da natureza, tudo aquilo que Santo Agostinho chamou de “vestígios de Deus”. São Tomás de Aquino fala sobre essa contemplação, alertando que por serem “vestígios de Deus” não devem ser venerados ou adorados, mas apenas admirados em função do Criador, o único que deve ser adorado.

Eis o que diz o Catecismo da Igreja Católica sobre a visão beatífica, no tópico 1028: “Em razão de sua transcendência, Deus só poderá ser visto tal como é quando Ele mesmo abrir seu mistério à contemplação direta do homem e o capacitar para tanto. Esta contemplação de Deus em sua glória celeste é chamada pela Igreja de “visão beatifica”. Em seguida cita São Cipriano: “Qual não será tua glória e tua felicidade: ser admitido a ver a Deus, ter a honra de participar das alegrias da salvação e da luz eterna na companhia de Cristo, o Senhor teu Deus (...) desfrutar no Reino dos Céus, na companhia dos justos e dos amigos de Deus, as alegrias da imortalidade adquirida”[1] Em outro tópico, diz o seguinte: A visão beatífica, na qual Deus se revelará de maneira inesgotável aos eleitos, será a fonte inexaurível de felicidade, de paz e de comunhão mútua”  (1045)

São Gregório de Nissa, citado também no Catecismo, diz que “A promessa de ver a Deus ultrapassa todas as bem-aventuranças. Na Escritura, ver é possuir. Aquele que vê a Deus obteve todos os bens que podemos imaginar”[2] São João Evangelista diz numa Epístola que no Paraíso “seremos semelhante a Ele, porque o veremos como Ele é”  (I Jo 3.2). São Paulo fala da vida na eternidade, quando “vier o que é perfeito, será abolido o que é imperfeito”, completando: “Nós agora vemos como num espelho, em enigma; mas então veremos face a face”(I Cor 13,12). O Apóstolo também se refere aos olhos, dizendo que ninguém jamais viu o que Deus preparou para aqueles que Ele ama.

De outro lado, o mesmo Catecismo mostra que a condenação do inferno é exatamente a privação da visão de Deus: “A Escritura denomina a Morada dos Mortos, para a qual Cristo desceu, de os Infernos, o sheol ou o Hades, visto que os que lá se encontram estão privados da visão de Deus”  (tópico 633).

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SANTO ANSELMO E O DESEJO DE CONTEMPLAR A DEUS.

 

Santo Anselmo fala sobre a presença de Deus através dessa luz interior que nos leva ver a Deus já antes da eternidade:

“Eia, homenzinho, deixa um momento tuas ocupações habituais; entra num instante em ti mesmo, longe do tumulto de teus pensamentos. Lança fora de ti as preocupações esmagadoras; aparta de ti vossas inquietações trabalhosas.

Dedica-te por um instante a Deus e descansa pelo menos um momento em sua presença. Entra no aposento de tua alma; excluí tudo, exceto Deus e o que possa ajudá-lo a buscá-Lo; e assim, fechadas todas as portas, segue após Ele. Diz, pois, alma minha, diz a Deus: “Busco vossa face; Senhor, desejo ver vossa face”.

E agora, Senhor, meu Deus, ensina meu coração onde e como buscar-Vos, onde e como encontrar-Vos.

Senhor, se não estás aqui, onde Vos buscarei, estando ausente? Se estás em todos os lugares, como não encontro vossa presença? Certo é que habitas numa claridade inacessível. Porém onde se encontra essa inacessível claridade? Como me aproximarei dela? Quem me conduzirá até aí para ver-Vos nela? E assim, com que sinais, sob qual coisa Vos buscarei? Nunca jamais Vos vi, Senhor, Deus meu; não conheço vossa face.

Que fará, altíssimo Senhor, este vosso desterrado tão longe de Vós? Que fará vosso servidor, ansioso de vosso amor e tão longe de vossa face? Deseja Vos ver e vosso rosto está muito longe dele. Deseja aproximar-se de Vós e vossa morada é inacessível. Arde no desejo de encontrar-Vos e ignora onde vives. Não suspira mais que por Vós e jamais viu o vosso rosto.
Senhor, Vós sois meu Deus, meu dono, e, contudo, nunca Vos vi. Me tens criado e renovado, me tens concedido todos os bens que possuo e ainda não Vos conheço. Me criaste, enfim, para Vos ver, e, todavia, nada é feito para aquilo para o qual fui criado.

Então, Senhor, até quando? Até quando Vós esquecereis de nós, apartando de nós vosso rosto? Quando, finalmente, nos olharás e nos escutarás? Quando encherás de luz nossos olhos e nos mostrará vosso rosto? Quando voltarás para nós?

Olha-nos, Senhor; escuta-nos, ilumina-nos, mostrai-Vos a nós. Manifesta-nos novamente vossa presença para que tudo nos ocorra bem; sem isso tudo será mal. Tem piedade de nossos trabalhos e esforços para chegar até Vós, porque sem Vós nada podemos.

Ensina-nos a buscar-Vos e mostrai-Vos a quem vos busca; porque não posso ir em vossa procura a menos que Vós me ensine, e não posso Vos encontrar se não Vos manifestas. Desejando Vos buscarei, buscando Vos desejarei, amando Vos acharei e encontrando-Vos vos amarei”.[3]

 

UMA FENOMENAL DESCRIÇÃO DE FLASH

 “Será que todo mundo sabe o que é “flash”? Já viram máquina fotográfica, não é? Então, quando vai se tirar fotografia em um ambiente escuro, existe um dispositivo nestas máquinas atuais que atuam por si só abrem, enfim, uma portazinha, sai uma lampadazinha assim, e de repente aperta no botão e aquilo ilumina. E é uma luz forte, muito eficaz, mas rápida, o suficiente para bater a fotografia,  porque se ficar aquela luz acesa, gasta bateria e às vezes até queima a lâmpada.  Então precisa ser rápida, coisa assim bem fugaz. Não é isso?

“Flash”. É isso, não é? “Flash” é isso. Isso é um “flash” concreto. Agora, alguém me mandou um outro texto além de Santa...  Ah, Santo Agostinho! Santo Agostinho e Santa Faustina Kowalska, ambos de forma diferente falam a respeito do “flash”, não de máquina fotográfica, o “flash” sobrenatural, o “flash” espiritual. E o Sr. Dr. Plínio também tem toda uma, eu já fiz um simpósio uma vez, com dez conferências dele sobre o “flash”, dez conferências. E estes dois santos, Santo Agostinho e Santa Faustina, e também o Doutor Plínio, tratam do assunto “flash” com muita propriedade. Santo Agostinho, esse trecho, é uma pena, foi no ofício divino destes dias, eu creio que foi de anteontem, anteontem, foi... foi anteontem, foi no avião ainda, rezando o ofício divino no avião que eu me deparei com o texto esse do “flash”.

O “flash” corresponde ao quê? Deus quer nos santificar, Deus quer que nós cheguemos à perfeição e quer que , chega em determinado momento, em que Ele possa dar-se a si mesmo a conhecer e amar como Ele mesmo se conhece e Se ama, a cada um de nós. Então, Ele quer que vivamos da vida d’Ele. Porque nós temos em nós minerais, vegetais, animais, somos  homens, e temos algo alguinho de Anjo. Mas, esses cinco graus de criação que existe em nós, porque se vão fazer  exame de sangue, vão encontrar ferro, vão encontrar potássio, vão encontrar... tudo isso é mineral. Então, está cheio de mineral no organismo. Depois nós vamos ter na vida de um cada um vegetal, algo de vegetal. Veja, eu estou vendo que um ou outro vai ter que passar pelo barbeiro, depois... Depois de chegar de viagem, claro, eu mesmo antes de viajar tive que cortar  o cabelo. Agora, imagine só, imagine só se o cabelo não fosse vegetal , mas, o cabelo fosse animal, quando metesse a tesoura o cabelo [gritasse]Ai! Imagine só, imagine se fosse cortar a unha, e a gente quando metesse o cortador de unha sentisse como se fosse uma vida animal, não fosse vida vegetal. É que a unha tem uma parte animal, que está posta na carne, e uma parte vegetal. Então, temos minérios, temos vegetal e temos a parte animal.

Tudo isso é na nada perto do que se chama vida divina. Como é que se define a vida divina? Como é que se define a vida de Deus? Como é que Deus vive? Qual é a vitalidade de Deus? Deus vive na seguinte essência: Ele se vê a Si próprio tal qual Ele é, e Se ama a Sim próprio tal qual Ele é. O ver-Se a Si e amar-Se é a vida de Deus. E essa vida é que Deus quer dar para nós, porque nós não temos essa vida. Nós temos mineral sem vida, nós temos vegetal com vida vegetal, nós temos animal, mas nós não vemos... Estão vendo a Deus? Não. Vieram pelo caminho, encontraram a Deus no caminho? Não encontraram a Deus no caminho, não encontraram porque não se vê a Deus. Mas, me digam uma coisa: no catecismo, todos já passaram pelo catecismo, não foi? Não perguntaram no catecismo: Deus está aqui debaixo da mesa? Deus está lá fora na rua? Deus está na França? Deus está na Espanha? Deus está em Portugal? Então, Deus está por...?  - Em todo o lugar. E eu não vejo Deus, como é que é isso? Por que não vejo Deus? Sabe por que eu não vejo Deus? Porque em relação a Deus eu sou um morcego. Eu tenho a vista ruim, minha vista não alcança ver a Deus, porque para ver a Deus precisa ter uma vista especialíssima, e não dá pra ver a Deus. E é verdade, Deus está aqui, nós todos estamos dentro de Deus. Não é isso? Deus está dentro de nós, mas nós não vemos a Deus. Por que?  Porque nossa vista é ruim. Para ver a Deus sabe o que é preciso? Os olhos de Deus.  E é o que Deus nos dá quando nós vamos para a eternidade. Quando nós vamos para a eternidade, Deus nos dá uma parcela da vista d’Ele. E nós chegamos, então, e vemos a Deus face a face. É uma maravilha! E vendo a Deus face a face, nós não queremos mais sair de lá. Não passaram por certos lugares onde disseram: “Ui, se eu morasse aqui! Se eu vivesse aqui!”  Pois fiquem sabendo que, quando a gente vê Deus face a face, não é que a gente diz: “Ui, se eu vivesse aqui! Eu vou viver aqui e daqui ninguém mais me tira”. “Não quero sair mais! Não quero sair mais!” Agarro em Deus e não solto mais. Por isso quem vê Deus face a face, se está vivo morre, porque se a condição é ir embora com a alma, o corpo fica aqui não é? Meu corpo, adeus!

Então nessa caminhada para ver a Deus face a face, Deus que quer me dar essa maravilha, Ele, de vez em quando, me faz sentir quem é Ele. Sabe como? Numa máquina fotográfica que tem no Céu e que Ele aperta em um botão, um “flash”, e a gente sente naquela hora quem é Deus. Sentiu naquela hora quem é Deus, a gente está disposto a tudo. Quem é chamado ao martírio, morre em estado de “flash”, porque se não fosse não tinha coragem de enfrentar a morte. E a graça do martírio é uma graça do Espírito Santo eficaz, produz aquilo de uma forma extraordinária , e a pessoa morre em estado de “flash”. Por isso, pega um São Tarcísio, por exemplo, que com dez anos de idade morreu daquela forma tão extraordinária, tendo a Eucaristia no peito. Pegam Santo Estêvão, qualquer mártir; qualquer mártir morre em estado de “flash”.  E a Providência nos dá durante a vida estes e aqueles “flashes” para ir nos educando e para ir abrindo o nosso apetite e chegar ao Céu e chegar à eternidade. E por isso a gente deve saber cultivar esses “flashes” e não esquecer mais esses “flashes”.

O meu maior “flash” na vida foi ter encontrado o Sr. Dr. Plínio. Aí está. A Providência já me tinha preparado, porque eu vivia meio desgostoso com todos os companheiros, com todos os parentes, com tudo. Via esse mundo perdido e afundado. E dizia: “Mas tem que existir alguém, tem que existir alguém que não seja assim, tem que existir alguém. É um homem!”  Isso uns dois, três anos antes de conhecê-lo. E eu, mais ou menos, de tanto rezar para conhecer esse  homem, eu vi uma silhueta, que, quando no dia 7 de julho de 1956, estando na basílica do Carmo em São Paulo, eu vi um conjunto de treze pessoa entrando , doze e mais ele no fim, quando o olhei, disse: “É este o homem!”  Este foi o “flash” maior que tive na vida, porque eu senti em mim qual era aquela vocação, quem era aquele homem e aquela missão. E por isso agüentei e estou aqui; cinqüenta anos depois, estou aqui junto com os senhores.

(Texto extraído, sem revisão do orador, de vídeo postado pelos Arautos do Evangelho no YouTube, em 05.07.2021- CONSELHOS DE PAI, PALAVRAS DE FUNDADOR - “Através dos “flashes” Deus nos faz sentir quem é Ele” – Monsenhor João S. Clá Dias – 31.08.2006)

 



[1] Referência no rodapé do citado Catecismo: S. Cipriano, Epístola 58, 10.

[2] Catecismo da Igreja católica – Edições Loyola, tópico 2548, pág. 653

[3] Del libro Proslógion de san Anselmo, obispo - (Cap. 1: Opera omnia, edición Schmitt, Seckau [Austria] 1938, 1, 97-100


sexta-feira, 16 de julho de 2021

SITUAÇÃO MORAL DO MUNDO MODERNO

 




Conforme explicitado na obra “Revolução e Contra-Revolução”, do Prof. Plínio Corrêa de Oliveira, o passo seguinte da Revolução, chamada 4ª. Revolução, se daria pelo processo do socialismo autogestionário rumo ao tribalismo. Neste caso, a autogestão seria uma transição para um regime ulterior, uma forma de sociedade inteiramente tribal, onde as pessoas levassem vida comum e promíscua, sem classes, sem ordem, sem hierarquia, toda igualitária. Mas, para se caminhar em busca de tais objetivos é necessário que leve todo o mundo para uma verdadeira bancarrota moral.

Para se atingir tal objetivo, a sociedade se vê hoje infestada de vícios morais, como os abaixo:

1º. – A inveja – Estimulando a cobiça pelo bem do próximo, seja pela invasão de propriedades, desapropriação dos ricos ou pelo simples anseio de lutar para superar o outro em riqueza e poder; o grande desfrute dos prazeres modernos, através da tecnologia avançada, das viagens turísticas paradisíacas, cujo acesso é restrito a uma elite, desperta no geral da população inveja e cobiça, além, é claro, das riquezas ostentosas; mas, não é só isso: a inveja campeia em todos os campos sociais, fazendo com que milhões de pessoas pensem unicamente em avançar no alheio; daí o crescimento dos roubos, dos assaltos, das quadrilhas especializadas em extorquir, roubar, etc. Aliás, a prática de extorsões tornou-se tão comum que são praticadas até mesmo ao amparo das leis, são as chamadas “extorsões legais”, praticadas por um número enorme de pessoas com base geralmente em “ofensas morais” que dizem sofrer. Nos Estados Unidos da América esta prática está bastante disseminada na população, a tal ponto que a Arquidiocese de Boston teve que pagar milhares de dólares de indenizações “por ofensas morais” a vários indivíduos, alguns por supostos crimes praticados há 20 ou 30 anos atrás, cujas únicas provas eram depoimentos de testemunhas, muitas delas suspeitas.

2º. – A preguiça – Fazendo com que o Governo tome conta de todas as atividades produtivas se consegue inibir o espírito de iniciativa da população: todos dependendo do Estado ninguém terá incentivo em se esforçar para produzir e crescer; com as medidas governamentais criando “esmolas” para os desempregados (chamadas de “bolsas família), a tendência é que a preguiça seja cada vez mais disseminada na população, especialmente a de baixa renda; mas ela alcança também as outras classes, em geral estimuladas por idéias de repouso, lazer, aposentadoria, etc.

3º. – A Ira, ou então o desejo desordenado de vingança.  Esta fase vem sempre depois, principalmente em alguns países ocidentais, mas tudo começou com a ênfase dada aos chamados “direitos humanos”, chegando-se hoje a se incentivar as guerrilhas e revoluções sangrentas ou atentados terroristas, com visível intuito de se eliminar as classes superiores ou causar desespero nas multidões; o desejo de vingança é também o corolário de um outro, costumeiramente manifestado nas populações, que seria o “desejo de justiça” – nem sempre as pessoas pedem justiça pelo amor ao cumprimento da mesma, mas por mero desejo de vingança. Quase não há mais ninguém que está, antes de tudo, disposto a perdoar, mas sempre a “exigir justiça”, isto é, que aquele que lhe casou o mal seja punido, mas isso é apenas fruto do desejo de vingança.

4º. – Outras paixões desordenadas do homem são estimuladas, como por exemplo o orgulho e o apetite desordenado pelo próprio louvor; a gula ou o apetite desordenado pelo comer e pelo beber, através de folias, bacanais, farras, orgias,. etc. A luxúria, ou o apetite desordenado pelo prazer sexual é excitado através do cinema e da TV, assim como das revistas e das modas sensuais; a avareza ou o apetite desordenado pelo dinheiro é estimulado através de regras econômicas e financeiras impostas a todos, conseguindo-se também inveja pelo progresso do próximo, estímulo à cobiça pelo lucro fácil, enfim, a mera luta pelo dinheiro que se tornou uma espécie de deus. Tudo isso estimulado, é claro, sob o disfarce da procura da felicidade na terra.

Como resultado, predomina o orgulho pelos vícios correlatos da jactância, do afã pelas novidades, da hipocrisia, da pertinácia, das discórdias, e das disputas e desobediências às leis. Imperando a gula vemos o seu corolário, que é a torpeza ou estupidez do entendimento, a alegria desordenada tendendo para o êxtase da droga, a loquacidade excessiva, a baixeza nas palavras com uso de palavrões, gestos indecentes, luxúria e imundície. Pela luxúria o homem moderno adquiriu a predominância da cegueira de espírito, precipitação, inconsideração, inconstância na prática do bem, amor desordenado a si mesmo, ódio à Igreja e a Deus, principalmente através da indiferença para com as coisas da Religião, apego a esta vida e horror pela vida futura.

Dentre os avarentos (quantos são eles hoje!), predomina uma completa dureza de coração para com os pobres e necessitados, a solicitude desordenada pelos bens terrenos, a violência, o engodo, a fraude, o perjúrio e a traição. Dentre os preguiçosos impera a malícia, o rancor, a pusilanimidade, a desesperação, a torpeza, a indolência na guarda da Lei e divagação da mente para coisas ilícitas. Dentre os invejosos predomina o ódio, a murmuração, a difamação, o prazer pela adversidade do próximo. Um meio de estimular isto tudo é promover a tomada dos bens dos que os possuem, especialmente através das chamadas reformas agrária e urbana.

Finalmente, uma nota comum: em todos predomina a ira, a indignação por qualquer mal que sofra, o rancor, a blasfêmia, o insulto, a rixa e a sede constante de vingança a qualquer custo. Este espírito de vingança pode gerar, inclusive, no canibalismo: matar e comer seu semelhante tem sido um costume decorrente mais do ódio do que por alguma necessidade orgânica, e já há casos constatados entre civilizados.

Quatro vícios e crimes predominam hoje em toda a sociedade humana, em todo o orbe terrestre: o homicídio, a sodomia, a opressão dos pobres e viúvas e a defraudação do salário do trabalhador. Com estas quatro espécie de vícios e torpes crimes todos os outros advirão na sociedade.


segunda-feira, 12 de julho de 2021

Santa Zélia: “eu desejava ter muitos filhos a fim de educá-los para o Céu”

 



12 de Julho, festa dos Santos Louis Joseph Aloísio Estanislau Martin (1823-1892) e Zélie Martin (1831-1877, os pais de Santa Teresinha do Menino Jesus. Sobre as virtudes do casal, assim se expressou o bispo de Bayeux e Lisieux, Mons. Picaud:

“Quando a insuficiente formação dos filhos patenteia tão frequentemente a omissão de tantos pais, mesmo batizados, como encanta e é benfazejo discernir , notadamente na correspondência da Sra. Martin, a requintada ternura e a vigilância assídua de uma mãe idealmente cristã!

Quando as vocações religiosas e sacerdotais tão frequentemente encontram um clima desfavorável  e mesmo oposições formais no seio das famílias, que lembrança eloquente da hierarquia  das vocações denotam as nobres aspirações e os santos desejos confiados a Deus pela rendilheira de Alençon e pelo Patriarca dos Buissonets!

Encontraríamos hoje muitos pais que conduzam, como o fez o Sr. \Martin, a sua “pequena Rainha” ao Bispo de Bayeux, a fim de apressar sua entrada no convento, ainda que essa diligência devesse apressar ao mesmo tempo o dilaceramento e a solidão de seu coração paterno?

A esses exemplos de vida conjugal e familiar, vós não deixastes de acrescentar os de um avida laboriosa e de alta consciência profissional que, anda hoje, é bem oportuno evocar para esclarecer o reencaminhar o compromissos de muitos leitores.

Para dizer tudo numa palavra, é o retrato de dois modelos incomparáveis – eu ia dizer de dois santos patronos – que vós propondes à admiração e à imitação dos pais cristãos”[1]

E a vida do casal era a mais exemplar possível. Costumavam rezar juntos, liam bons livros sobre a vida dos santos, o terço era recitado todos os dias e a oração ocupava um lugar de preeminência tanto na vida familiar como na de cada membro da casa. Incentivavam suas filhas a ter devoção e amor à Virgem Maria. Todos os pobres que batessem à porta da família eram bem recebidos e acolhidos, recebendo roupa e comida. Nunca lhes negaram nada. O amor ao Papa e aos sacerdotes sempre foi cultivado na família Martin. Os padres tinham pousada garantida em sua casa quando passavam por Alençon.

Filhos do casal

Santa Zélia e São Louis tomaram a decisão de ter muitos filhos. Nasce a primeira filha do casal, Marie Louise. Todos os filhos e filhas receberam o nome de “Maria” como sinal de agradecimento à Virgem Maria, que era tão amada e venerada na família Martin. Aliás, no dia do casamento, Louis e Zélia receberam como presente a imagem de Nossa Senhora das Vitórias, que mais tarde ficou conhecida, por causa do milagre do sorriso a Santa Teresinha, como Nossa Senhora do Sorriso.

O grande sonho de Santa Zélia era ter um filho sacerdote. Isso nunca aconteceu, mas os pais não rejeitaram as filhas que Deus lhes enviara, e terminaram por encaminhar todas elas para a vida religiosa, uma das quais já era santa quando convivia em seu lar com o casal.

Foram seus filhos: Marie Louise (1860-1940) – Ir. Maria do Sagrado Coração no Carmelo de Lisieux(1886); Marie Pauline(1861-1951) – Ir. Inês de Jesus no Carmelo de Lisieux(1882); Marie Leônie(1864-1941) – Ir. Francisca Teresa na Visitação em Caen(1898); Marie Céline(1869-1959) – Ir. Genoveva da Sagrada Face no Carmelo de Lisieux(1894); Marie François Therese(1873-1897) – Santa Teresinha Carmelo

Irmãos falecidos antes de Santa Teresinha nascer: Marie Heléne (1864-1870), Joseph Marie(1866-1867), Jean Baptiste Marie(1867-1868) e Marie Melânie Therese (1870 – falecida aos 3 meses de idade).

Santidade reconhecida por uma filha também santa

 A própria Santa Teresinha era constante em elogiar a santidade de seus pais, especialmente o Sr. Louis Martin, com quem conviveu mais tempo, haja vista que sua mãe faleceu quando ela ainda era criança.  Numa de suas cartas ao próprio pai (31.7.1888), escreveu ela: “Quando penso em ti, paizinho, penso naturalmente em Deus, pois me parece impossível que haja alguém mais santo do que vós na terra. Sim, vós sois, certamente, tão santo como o próprio São Luís [rei de França], e preciso ainda repetir que eu vos amo, como se vós ainda não o soubesses. Oh, que orgulhosa estou de ser Rainha!... Espero merecer sempre esse título. Jesus, rei do Céu, ao tomar-me para Si, não me tirou a meu santo rei da terra...”

Em outra carta, escrita num retiro (datada de 8.1.1889), ela se refere ao fato de ser proibido escrever no retiro, cuja exceção foi concedida a ela por alguma particularidade toda especial: “... se está proibido escrever, é para não perturbar o silêncio do retiro; mas, poderá alguém perturbar sua paz se escreve a um Santo?”

Em sua autobiografia, “História de uma alma”, Santa Teresinha se refere ao seu pai, por diversas vezes, ora como rei, ora como santo, mas estes qualificativos não eram apenas reflexos de sua admiração por ele, mas a constatação de uma realidade que ela presenciara em seu convívio.  O fato de afirmá-lo de público, algo que qualquer outro santo temeria fazê-lo por alguém poder considerar falta de modéstia, revela a sinceridade de alma e a pureza de intenções de sua declarações a respeito de seus pais.

A opção entre a vida consagrada, conventual, e a vida matrimonial

Segundo depoimento de sua filha, irmã Genoveva da Santa Face e de Santa Teresa, Zélia Guérin foi batizada com o nome de Marie Azélie (ou Maria Azélia), mas costumaram chama-la em família de Zélia. Como sua irmã consagrou-se a Deus na Visitação, adotando o nome de Irmã Maria Dositéia, entrou ela também como externa no colégio da Adoração Perpétua de Alençon, mantido pelas religiosas dos Sagrados Corações de Picpus. Tinha intenções de levar vida consagrada como sua irmã, apresentando-se assim às Irmãs de São Vicente de Paulo da Santa Casa de Alençon. Mas foi dissuadida pela Superiora por causa de sua precária saúde. Na ocasião, Santa Zélia fez essa prece:

“Meu Deus, já que não sou digna de ser vossa esposa como minha irmã, abraçarei o estado de matrimônio para cumprir vossa santa vontade. Peço-vos então muitos filhos e que  vos sejam todos consagrados”.

Segue o depoimento de sua filha:

“Suplicou a Nossa Senhora que lhe indicasse a maneira de assegurar pecuniariamente seu futuro. E no dia 8 de setembro de 1851, durante uma ocupação absorvente, distinguiu mui claramente uma espécie de voz interior que lhe dizia: “Ocupa-te com o Ponto de Alençon”. Entrou, pois, numa Escola Profissional. Mas saiu antes de terminar o curso para evitar a presença assídua do chefe do estabelecimento”.

Segundo a depoente, Santa Zélia demonstrou habilidade e talento em sua arte, além de ser possuidora de atraente beleza. Por causa disso, uma senhora da sociedade local quis levá-la a Paris, talvez com intenção de lhe conseguir algum casamento vantajoso, mas sua recusa foi categórica. Demonstrou não gostar do mundo. Algum tempo depois estaria se casando com o Sr. Louis Martin, filho de um capitão aposentado. O que os atraiu um pelo outro foi, acima de tudo, a piedade, a santidade, virtudes que transbordariam dentro do lar.

Vocação para a maternidade

Em várias oportunidades, Zélia Guerin, ou Martin, demonstrou procurar cumprir aqueles propósitos que manifestara ao escolher a vida matrimonial: a vocação para a maternidade. Ao saber que uma senhora da região havia dado à luz a trigêmeos, disse ela: “Oh feliz mãe! Se eu tivesse ao menos dois. Mas, não terei jamais essa felicidade!” – “Amo loucamente as crianças”.

“Sua correspondência está cheia dessas exclamações de alegria materna. Escreveu a seu irmão, o Sr. Guérin, no dia 23 de abril de 1865, após o nascimento de sua Helenazinha que deveria morrer em tenra idade:

“Há quinze dias fui ver aquela que está com a ama. Não me lembro de ter jamais experimentado um sentimento de tal felicidade como no momento em que a tomei nos braços e ela me sorriu tão graciosamente que acreditava ver um anjo. Numa palavra, é inexprimível para mim. Acho que nunca se viu nem se verá jamais uma criança tão encantadora. Minha Helenazinha! Quando enfim terei a felicidade de possuí-la inteiramente! Não posso pensar que tenho a honra de ser mãe de criatura tão deliciosa...”

“Longe de medir fadigas, sua confiança sobrenatural levava-a a confessar mais tarde à sua cunhada, a Sra. Guérin, de saúde delicada e que esperava um filho:

“Nosso Senhor não pede nada acima de nossas forças. Vi muitas vezes meu marido preocupar-se comigo sobre esse ponto. E eu permanecia absolutamente tranquila. Dizia-lhe: “Não receies, Nosso Senhor está conosco”. No entanto, eu estava acabrunhada de trabalhos e preocupações de toda sorte, mas tinha a firme confiança de ser sustentada pelo Alto.

“O que não a impedia de fazer esta confidência a seus parentes de Lisieux:

“Se tiveres tantos filhos quanto eu, isso exigirá muita abnegação e o desejo de enriquecer o Céu com novos eleitos.

“Após cada nascimento, fazia logo esta prece:

“Senhor, concedei-me a graça de vos ser consagrado este filho e que nada venha manchar a pureza de sua alma. Prefiro que o leveis imediatamente caso venha a perder-se para sempre”.

Sua união com Deus e o fervor de suas orações quando esperava um filho eram tão grandes que se admirava de não ver disposições para a piedade desde o despertar da inteligência desses pequeninos. Maria, sua filha mais velha, tinha apenas quatro anos e Paulinazinha contava somente dois quando ela confiava sua decepção à querida Visitandina. Esta por sua vez escrevia a seu irmão, no dia 2 de fevereiro de 1864:

“Zélia já se atormenta por não ver sinais de piedade em suas filhas”.

“A criança devia ser batizada logo após o nascimento. Sempre se informava sobre esse ponto quando se tratava dos filhos de seus parentes.

“Quanto ao batizado de Teresinha foi preciso ser adiado dois dias. Deixo aqui a palavra a Madre Inês de Jesus. Interrogada, nos Processos, sobre o motivo dessa demora, respondeu:

“Porque se esperava o padrinho. Durante esse intervalo nossa piedosa mãe estava em contínuos sobressaltos. Pelo temor de sobreviver algum mal à criança. Imaginava constantemente que a pequena estava em perigo.

“Mamãe teve nove filhos, dos quais quatro morreram ainda pequenos. De acordo com meu pai, quis dar a todos o nome de “Maria” unido a outro nome, ao de José para os dois meninos.

“No dia 8 de dezembro de 1860 pedira à Imaculada Conceição um segundo filho e nove meses depois chegara Paulina que se seguiu a Maria, a primogênita.

 “Vivíamos somente para eles. Eram nossa felicidade. Jamais a encontrávamos fora deles. Numa palavra, nada nos custava, o mundo não mais nos pesava.  Era para mim a grande compensação, por isso eu desejava ter muitos filhos a fim de educá-los para o Céu”. (4 de março de 1877)”[2].




[1] Carta-prefácio do livro “Histoire d’une famille”, do Pe. Stéphane-Joseph Piat, OFM, Office Central de Lisieux, 4ª. Ed, págs. 7/8.

[2] Citações extraídas do livro “A Mãe de Santa Teresa do Menino Jesus”, Carmelo do I. C. de Maria e Santa Teresinha – Cotia(SP), págs. 11/17.


terça-feira, 6 de julho de 2021

SANTA MARIA GORETTI, MÁRTIR DA PUREZA

 


Plinio Corrêa de Oliveira

Foi-me pedido um comentário a respeito de um artigo que foi publicado há algum tempo na Folha de S. Paulo, a respeito do assassino de Santa Maria Goretti. Os senhores sabem que ela foi morta bestialmente por um homem que era uma espécie de tarado que queria violentá-la. Mas ela preferiu a morte a entregar-se. O resultado é que faleceu, menina ainda, mártir da pureza.

A sua canonização realizou-se em 1950 e sua memória exala até hoje um perfume de um dos mais belos aspectos da pureza, que é a pureza e o holocausto, a pureza e o sacrifício. Morrer para conservar a castidade; amar a castidade a ponto de morrer por ela; ter uma morte que é a mais alta expressão da pureza de sua própria alma, é bem uma formosura moral digna desta escola única de todas as formosuras morais, perfeitas e acabadas, que é a Santa Igreja Católica.

Neste artigo da Folha há alguns trechos que foram sublinhados e que passarei a ler aqui:

“O assassino de Santa Maria Goretti, Alessandro Serenelli, morreu aos 87 anos, 68 anos depois de ter assassinado em Nettuno, na Itália, com 14 punhaladas, a menina de 12 anos, que em 1950 foi canonizada pelo Papa Pio XII”.

Os senhores viram, portanto, a coisa bárbara: ele matou esta santa com 14 punhaladas, carregando o remorso do crime que praticou por 68 anos.

“Alessandro Serenelli, que era vizinho da menina, tentou inutilmente conquistá-la. Um dia assediou-a e assassinou-a com 14 punhaladas. Quando a menina estava num hospital, um padre que a confessou perguntou-lhe se perdoava o assassino. Maria Goretti respondeu: ‘Sim, claro que perdôo Alessandro; quero-o comigo no Céu’”.

Isto parece até a morte de Nosso Senhor, que disse ao bom ladrão antes de morrer: “tu estarás comigo hoje no Paraíso”. Era um criminoso vulgar que foi posto perto de Nosso Senhor, arrependeu-se e Nosso Senhor fez dele o primeiro santo canonizado. Assim também Maria Goretti, do alto da cruz, do alto do seu sofrimento, do seu holocausto, dizia também: “eu quero este homem no céu comigo”.

E como os senhores verão daqui a pouco, ela levou, por sua intercessão, esse homem miserável e desequilibrado para o Céu.

Ontem à noite eu falava aos senhores algo de Viena e daquela doçura católica de maneiras, que caracterizou o ambiente vienense até meados do século XIX, e que alguma coisa disto restou hoje. E acrescentei que esta doçura de maneiras era uma expansão do perfume da Igreja Católica. E nessa narração os senhores têm isto levado ao grau da sublimidade. Santa Maria Goretti segue o exemplo de Nosso Senhor, ela uma meninota que talvez nem tivesse ouvido falar desse último lance da Paixão, mas que tinha a alma católica. E colocada numa atitude parecida com a de Nosso Senhor, ela, com 14 punhaladas, estando para morrer, que devia guardar na retina a fisionomia horrenda desse monstro de impureza, ela tem esta frase: ”claro que perdôo, eu o quero comigo no céu”. Resultado: ela o levou para o Céu!

Esta é a amenidade católica, que em nada se opõe à firme condenação do erro. Os senhores vêem nela: preferiu morrer do que entregar-se, de tal maneira condenava essa bestialidade. Mas ela queria o homem bestial regenerado e no Céu. Não o queria não regenerado, porque aí seria liberalismo, mas o queria regenerado e com ela, no Céu.

“Em 1902 Serenelli foi condenado a 30 anos de prisão, com os três primeiros anos passados em prisão solitária. A mãe da vítima, entretanto, interveio junto ao tribunal, dizendo que sua filha já perdoara o assassino.”

A mãe, hein? É quase mais difícil do que a própria filha.

“Seis anos depois, numa prisão da Sicília, Serenelli teve uma visão e descreveu assim: - ‘Marieta, como a chamava, apareceu-me num lindo jardim. As grades desapareceram para dar lugar a um jardim. E ela ofereceu-me 14 lírios, cada um correspondendo a uma das punhaladas que lhe dei’.”

Os senhores vêem, primeiro, para o prisioneiro, o lugar que ela foi escolher para aparecer: onde não se viam as grades. Quer dizer, é uma perspectiva sobrenatural, eliminava e completava aquele lado da cela, como que dizendo: no plano sobrenatural você vai ser liberto; a sua prisão, o seu tormento, no plano sobrenatural está abolido. Eu venho te trazer uma consolação para transformar em alegria a sua vida nesse cárcere, embora a justiça humana a justo título te castigue, e embora você deva amar a severidade justa da justiça humana, aqui estou eu para representar a misericórdia e para tornar suave esse estado de punição tão necessário. Então ela aparece eliminando as grades. E - manifestação admirável do perdão - 14 lírios para simbolizar as 14 punhaladas da impureza imunda, da impureza asquerosa, que chega até o crime.

“A partir de então Maria Goretti passou a ser venerada em toda a Itália e pouco a pouco na Europa e na América. Os fiéis intercediam junto a ela principalmente para que conseguisse de Deus o perdão para os pecados carnais. Em 1950 Pio XII canonizou-a”.

Por que o perdão para os pecados carnais? É muito bonita esta idéia. Como ela levou a pureza a um tão alto grau de desprendimento de si mesma, que perdoava por esta forma a um miserável, que num acesso de lubricidade asquerosa a matou, então ela também obtém para aqueles que têm pecados para se fazerem perdoar, para nós pobres mortais, ela consegue o perdão pelos pecados carnais. Quer dizer, quem tiver o que se fazer perdoar a esse respeito, peça a ela. E ainda que esteja preso no cárcere da volúpia e da imoralidade, ela quebrará as grades desse cárcere. Ou seja, é a ela que se deve pedir esta graça preciosa do perdão.

“Em 1929, Serenelli se havia convertido num prisioneiro exemplar depois da visão, tendo sido antes um detento rebelde e problemático. E foi libertado depois de ter cumprido 27 anos de pena”.

Os senhores vejam que coisa interessante: ele foi um preso revoltado mas depois da visão apaziguou-se. Santa Maria Goretti apareceu e apaziguou sua tempestade. É como Nosso Senhor quando mandou à tempestade que parasse e os Apóstolos comentavam entre si: “Venti et mari obediumt eum”. “Os ventos e os mares lhe prestam obediência”.

Os nossos ventos interiores e os nossos mares interiores prestam obediência à voz de Nosso Senhor, prestam obediência à oração de Nossa Senhora. Ela pode aplacar tudo isto, desde que nós peçamos com amor, peçamos com devoção como Santa Maria Goretti pediu.

Alguém poderia me dizer: “Mas Dr. Plinio, eu não peço como Santa Maria Goretti”. Eu digo: É verdade, mas peça a ela que peça por você; lá está ela no céu para isso, para obter o aplacar-se dos ventos e dos mares internos; esse homem revoltado recebeu a visão e transformou-se num prisioneiro exemplar.

“Quando Maria Goretti foi canonizada, falava-se por toda parte da Itália de milagres concedidos pela santa. Pio XII ateve-se à evidência desses milagres, principalmente o da cura de um surdo que recorrera à intercessão da santa. Agora, ao morrer, Serenelli, já calvo e corcunda, reiterou a visão que tivera. Disse ele que Maria Goretti lhe apareceu outra vez, prometendo-lhe o Céu em troca do crime praticado contra ela - primeiro os lírios e depois o próprio céu. Serenelli morreu tranquilamente, recebendo os sacramentos da Igreja e o conforto dos que o cercaram nos seus últimos dias”.

A notícia não conta dois fatos muito bonitos.

Ele ficou irmão leigo de uma ordem religiosa, se não me engano dos franciscanos, para acabar de expiar até o fim dos seus dias o crime que tinha cometido. Quando saiu da cadeia, ele pediu à mãe de Maria Goretti para falar com ela, ao que esta lhe respondeu que era duro demais para ela (ela não era santa...). Mas que dava uma sugestão: que comungassem juntos lado a lado. No dia ele se apresentou e comungou ao lado dela; receberam o Corpo, o Sangue, a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Por outro lado, quando se tratou da canonização da Santa Maria Goretti, ele mandou oferecer-se ao Papa Pio XII para estar presente na Basílica de São Pedro quando a cerimônia se realizasse, como manifestação de seu pesar e de sua expiação. O Papa Pio XII, com muito tato, mandou lhe dizer que era melhor que não aparecesse. E realmente ele não compareceu.

Com muito tato por que? Porque dado o temperamento italiano muito vivaz, não era garantido que não saísse vaia. Dado, por outro lado, a fraqueza do homem, é tão grande a fraqueza do homem que não é garantido que ele não ficasse orgulhoso, porque o homem se orgulhece a respeito de qualquer coisa... inclusive de um defeito!

Os senhores sabem de Santo Antão do deserto - se eu não me engano - que teve uma fortíssima tentação de vaidade por ser o homem mais velho do mundo. A fraqueza humana é assim: se envaidece de qualquer coisa!

Aí os senhores têm umas notas a respeito de Santa Maria Goretti, que podem dar aos senhores uma maior devoção a ela.

Eu lhes lembro, sobretudo, o seguinte: quem quiser ter dela isto que eu julgo uma maravilha: a suma intransigência junto a uma completa doçura. Peça a ela, que deu prova disto!

Outra maravilha: um desapego total de si, a ponto de perdoar com requintes de carinho e de afeto aquele que maior mal lhe fez. Peçam a Santa Maria Goretti. Se alguém tem do lado da pureza pecados a se fazer perdoar, se alguém tem dificuldades nesse terreno do amor próprio e queira obter a graça, peça a Santa Maria Goretti; ela obterá.

Porque se ela obteve isso em favor de um inimigo, quanto mais obterá em favor de um amigo que dela se aproxime, como um filho provado que vai exatamente invocá-la em nome das virtudes de que ela foi chamada a ser modelo. Assim fica a minha sugestão para hoje.

 

(Conferência “Santo do Dia”, 4 de julho de 1970)

 


segunda-feira, 5 de julho de 2021

O MARAVILHAMENTO E A ALEGRIA DO RELACIONAMENTO ENTRE ALMAS COM QUALIDADES DIVERSAS

 


 

Doutor Plínio Corrêa de Oliveira em várias oportunidades falou sobre uma qualidade humana muito importante para nossa santificação: o maravilhamento. A admiração é o primeiro passo, pois geralmente nos admiramos por 3 coisas primordiais na ascensão para Deus: pelo Belo (ou pulcro), pelo  Bem e pela Verdade. Após tal admiração, vem o maravilhamento. É por isso que o gozo do Céu é chamado de visão beatifica, sendo esta o supra-sumo dos maravilhamentos,  pois é a contemplação de Deus e sua Obra, com seus Santos e seus Anjos.  

Eis um exemplo imaginado por Dr. Plínio sobre como o homem cristão pode ter maravilhamento por outro:

“Pois bem, há um instinto na alma humana profundo, chamado instinto de sociabilidade, que faz com que os semelhantes se procurem. Este instinto também leva o homem a alegrar-se e a relacionar-se quando nota em alguém qualidades aparentemente opostas às dele, mas que o completam harmoniosamente.

Imaginem Carlos Magno preparando os planos para uma invasão em terra de infiéis.

Sozinho na sua sala, caminhando de um lado para o outro com passos firmes e cadenciados, sobre um chão de mármore ou de granito polido, está o monarca de barba florida. O recinto, ainda com influência românica, possui arcadas que dão para um pátio interno onde há um pequeno chafariz sobre o qual pousa um pássaro que começa a saltitar. O Imperador interrompe seu caminhar, olha o passarinho e sorri amavelmente.

O passarinho é tão diferente dele! Entretanto Carlos Magno não olhou apenas para a ave, mas sentiu suas próprias vastidões interiores e compreendeu melhor a si mesmo.

O Imperador senta-se, manda vir um pouquinho de vinho e diz:

- Chame Alcuíno, meu ministro e conselheiro. Quero expor-lhe os planos de uma universidade e de uma batalha, porque as duas coisas eu resolvi agora.

O homem se completou.

Entra Alcuíno, monge famoso que organizou a renovação da cultura católica ocidental como ela se desenvolveu na Idade Média; foi o Carlos Magno da cultura. Podemos imaginá-lo como um homem venerável, de rosto comprido, fino, olhar que fita do fundo de arcadas oculares onde olhos pequenos e pretos dardejam, ou olhos azuis e inocentes sonham.

Alcuíno se inclina ante Carlos Magno, que faz um gesto e diz:

- Sentai-vos!

O sábio Monge pede licença para ficar ajoelhado, ao que o Monarca responde:

- Sois clérigo. Não é bom que um clérigo se ajoelhe diante um leigo. Sentai-vos!

Alcuína afirma:

- Por vossa ordem e em obediência a Deus, que deseja que o clero seja reverenciado, senhor, eu me sento.

Começa a conversa durante a qual Carlos Magno apresenta as metas gerais para uma universidade. Alcuíno ouve embevecido e pensa: “Que largueza de pensamento, que homem! Vejo todo um continente formando-se atrás da fronte desse Imperador. Que felicidade ter conhecido Carlos Magno!”

Dali a pouco o Monarca vai falando menos e o Monge toma a palavra. Enquanto a voz de Carlos Magno lembra espadas e escudos que se entrechocam, a de Alcuíno remonta a sinos que tocam. Diz o douto conselheiro:

- Senhor, para realizar as vossas imperiais e cristianíssimas intenções, que julgo ter bem apreendido, tenho o intuito de vos propor tais matérias, e tal outra tem tal riqueza...

De repente é Carlos Magno quem está entrando pelo mundo da cultura e do saber, e pergunta algo a respeito de Aristóteles, Santo Agostinho, São Jerônimo. Depois quer saber alguma coisa sobre o Concílio de Nicéia, tal pormenor concernente à virgindade da Mãe de Deus, e tal outro detalhe a propósito da união hipostática. Nesse momento Carlos Magno está longe... Não pensa mais no passarinho, nem na batalha contra os germanos ou os árabes. Ele tem apenas diante de si o mundo da cultura e a alma de Alcuíno que desdobra imensa diante dele, sabendo tudo, explicando tudo. Carlos Magno virou passarinho e saltita na cultura de Alcuíno, encantado!

É natural que isso tenha acontecido desse modo, porque assim é a alma humana. Carlos está diante de quem tem mais cultura do que ele. O passarinho o encantava por ser pequenino, e despertava na alma dele todas as afinidades harmonicamente opostas que o grande tem com o pequeno. Agora é o grande que tem alegria de sentir-se pequeno ao considerar alguém maior do que ele, não absolutamente falando, mas num ponto.

O grande Monarca tem a alegria de admirar e de crescer à medida que admira, saindo dessa conversa mais elevado de espírito e pensamento: “Agora sei tal coisa e tal outra. Hoje não conquistei nenhuma província, mas fiquei conhecendo Santo Agostinho. Quando morrer não conduzirei comigo uma província, mas levarei para o Céu o que eu soube e admirei da “Águia de Hipona”. Que grande dia este em que conversei com o Monge Alcuíno!”

 

(revista Dr. Plínio, junho de 2020, páginas 18/19)