quarta-feira, 20 de outubro de 2021

POR QUE MIAMI CRESCEU COM OS CUBANOS VINDOS DA ILHA, E CUBA TORNOU-SE O PARAÍSO DA MISÉRIA E DO ATRASO

 


Encontrei essa descrição da situação dos cubanos em Miami, o que destoa completamente daqueles que permaneceram na ilha-prisão. Nesse relato consta que a população cubana em Miami chega a 54% do total, o que equivale a quase 200 mil pessoas, talvez a elite que fugiu da ilha. Lá só ficaram os miseráveis, os pobres e a classe média.

 “Uma breve história da comunidade cubana em Miami

Conteúdo

Quando a primeira onda de imigrantes cubanos começou a chegar a Miami, a cidade era em grande parte uma pacata cidade de marinheiros e aposentados.

A Flórida era um destino popular para pessoas mais velhas que fugiam do frio dos estados do norte. Mas Miami estava se preparando para uma grande reforma após 1959.

Fidel Castro venceu a revolução cubana contra o ditador e aliado dos EUA Fulgencio Batista, e as classes média e rica da sociedade cubana ansiosas por escapar de um regime comunista buscaram abrigo nas costas de Miami e também em Key West (a apenas 90 milhas náuticas de Cuba). Os migrantes não vieram para ficar; eles estavam esperando por um golpe liderado pelos Estados Unidos. Mas a invasão da Baía dos Porcos não teve sucesso devido à interrupção soviética, e os cubanos se estabeleceram em sua casa permanente.

Logo, mais migrantes chegariam, já que Castro abriu os portões da ilha várias vezes para cidadãos dissidentes e os EUA promulgaram a Lei de Ajuste Cubano de 1966, permitindo que refugiados cubanos procurassem residência. Muitos chegaram de aviões, barcos e os poucos azarados em jangadas frágeis.

Ao chegar à cidade, os refugiados tiveram seus documentos processados ​​no que hoje é a Freedom Tower, antiga sede da The Miami News e agora conhecida como a “Ilha Ellis do Sul” devido ao seu papel na crise dos refugiados cubanos. A maior parte da comunidade cubana se estabeleceu na área ao longo da 8th street (Calle Ocho) no que agora é chamado de Little Havana, a oeste do centro de Miami. Vários restaurantes, como o Versailles, começaram a aparecer, bem como outros locais com ventanitas (ou pequenas janelas onde você pede café), e o Parque Maximo Gomez, que também é conhecido como Parque Domino, onde os mais velhos vêm para jogar dominó.

Com sua população crescente, a comunidade cubana começou a transformar a paisagem de Miami em uma de língua espanhola. Eles entraram na política, tiveram sucesso nos negócios e ultrapassaram o que era em grande parte uma população americana e afro-americana - a população de Miami agora é 54% cubana. A transformação da cidade em uma comunidade bilíngue convidou outros países latino-americanos a se aventurarem em busca de oportunidades econômicas.

A cidade viu um boom econômico e um aumento no desenvolvimento. Além disso, as empresas encontraram um mercado na cidade de língua espanhola. O mundo começou a notar Miami; embora atormentado pela guerra da cocaína dos anos 80, despertou o interesse da indústria cinematográfica, que usou Vice City como cenário para filmes como Scarface e outros programas de TV inspirados no crime. Mas, além do cinema, a cidade também atraiu investidores, arquitetos e estrelas do esporte, e até mesmo músicos latino-americanos que desejam alcançar influência internacional devem vir a Miami para garantir sua popularidade.

A migração cubana moldou o que Miami se tornou, literalmente, "Capital da América Latina". A indústria de cruzeiros também está crescendo - o Porto de Miami é um dos portos mais movimentados, com 5,3 milhões de visitantes no ano passado.Todos os bairros e subúrbios da cidade estão misturados com hispânicos e agora até brasileiros, junto com russos e outras culturas atraídas para viver na cidade paradisíaca. A comunidade cubana também influenciou a cidade em termos de política e arte, trazendo políticos como Marco Rubio e Ileana Ros-Lehtinen, e até Jose M. Pérez, um bilionário cubano-americano que patrocinou o Pérez Art Museum Miami em sua homenagem.

Em suma, a Magic City é um dos destinos turísticos mais populares dos Estados Unidos, e pode nunca ter tido tanta importância se não fosse pela influência cubana”.

 Fonte:

https://pt.shinshu-navi.com/a-brief-history-of-the-cuban-community-in-miami-0e84b0e

 


segunda-feira, 18 de outubro de 2021

A DEVOÇÃO AO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA

 




 

Desde os tempos mais remotos da humanidade, costuma-se tomar certos órgãos do corpo humano como símbolos de certas disposições ou potências da alma. Por exemplo, sempre se julgou a inteligência intimamente unida ao cérebro;  a ira e a cólera, vinculada ao fígado.

O coração, por sua vez, era tido como símbolo do ânimo do homem, quer dizer, como a sede de tudo aquilo que se relaciona com a vontade. Por isso era considerado de modo especial como núcleo da bondade e do amor, partes integrantes do ânimo. Há, neste sentido, múltipas passagens na Sagrada Escritura.

 

Devoção impulsionada pelo Santos

“E Sua Mãe conservava todas estas coisas no Seu Coração”, diz São Lucas no Evangelho. Ele nos fala do Coração de Maria em dois lugares, apresentando-o como relicário no qual Nossa Senhora guardava as palavras e os episódios ocorridos em torno de Seu Filho.

Desde a época de São Bernardo, o culto ao Coração de Maria intensificou-se, impulsionado por numerosos Santos, entre os quais se destacam Santa Matilde, Santa Gertrudes, Santa Brígida, São Bernardino de Siena, São Francisco de Sales e Santo Antonio Maria Claret, este último, fundador da Congregação dos Filhos do Coração de Maria, também conhecidos como Claretianos.

O grande florescimento ocorreu no século XVII com São João Eudes, o grande apóstolo da dupla devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria. Oito dias apenas antes de falecer, acabou sua última obra, O Coração admirável da Santíssima Mãe de Deus, com mais de mil páginas.

Esse desenvolvimento histórico culminou nas aparições de Fátima, quando a própria Virgem comunicou aos pastorinhos que Deus quer estabelecer a devoção ao Imaculado Coração de Maria e, por meio dela, salvar muitas almas.

A simbologia católica apresenta o Coração de Maria com a cor vermelha, como o do Sagrado Coração de Jesus, circundado por uma coroa de espinhos. Dele brota uma chama. É o amor ardente de Nossa Senhora a Deus.

 

Coração Imaculado

Todos herdamos de Adão e Eva a mancha do pecado original. Todos, exceto Nossa Senhora. Ela não foi maculada pelo pecado dos nossos primeiros pais.

Mas não é só isto: não há n’Ela absolutamente nenhuma outra mancha causada por alguma infidelidade ou imperfeição posterior. Em todos os momentos da sua vida, Ela correspondeu inteiramente às graças assombrosas que Deus lhe concedeu, alcançando um incalculável pináculo de virtudes.

Assim, Ela é Imaculada em todos os sentidos.

Relacionado com o conceito de Imaculada está o de virgindade. Nossa Senhora foi verdadeiramente Mãe de Jesus Cristo, mas conservou-se Virgem, e esta é uma razão a mais para ser glorificada como Imaculada.

 

O amor de Santa Jacinta ao Imaculado Coração de Maria!

Voltemo-nos para a Santa Jacinta, a pastorinha de Fátima cujos olhos inocentes fitaram a Senhora desse Coração Imaculado. Segundo nos contou a Irmã Lúcia, sua prima, algum tempo antes de ir para o hospital onde morreria, afirmou:

“-Já me falta pouco para ir para o Céu. Tu ficas cá para dizeres que Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria. Quando for para dizeres isso, não te esconda. Dize a toda a gente que Deus nos concede as graças por meio do Coração Imaculado de Maria; que lhas peçam a Ela; que o Coração de Jesus quer que, ao Seu lado, se venere o Coração Imaculado de Maria; que peçam a paz ao Imaculado Coração de Maria; que Deus lha entregou a Ela. Se eu pudesse meter no coração de toda a gente o lume que tenho cá dentro no peito a queimar-me e a fazer-me gostar tanto do Coração de Jesus e do Coração de Maria!

Um dia deram-me uma estampa do Coração de Jesus, bastante bonita para aquilo que os homens conseguem fazer. Levei-a à Jacinta:

- Queres este santinho?

Pegou nele, olhou-o com atenção e disse:

- É tão feio! Não se parece nada com Nosso Senhor, que é tão bonito! Mas quero; sempre é Ele.

E trazia-o sempre com ela. De noite, e na doença, tinha-o debaixo da almofada, até que se rompeu. Beijava-o com freqüência e dizia:

- Beijo-O no Coração, que é do que mais gosto. Quem me dera [ter] também um [do] Coração de Maria! Não tens nenhum? Gostava de ter os dois juntos.

Em outra ocasião, levei-lhe uma estampa que tinha o sagrada cálice com uma hóstia. Pegou nela, beijou-a e, radiante de alegria, dizia:

- É Jesus escondido! Gosto tanto d’Ele! Quem me dera recebê-Lo na Igreja! No Céu não se comunga? Se lá se comungar, eu comungo todos os dias. Se o Anjo fosse ao hospital a levar-me outra vez a Sagrada Comunhão! Que contente que eu ficava!

Quando, às vezes, voltava da igreja e entrava em sua casa, perguntava-me:

- Comungaste?

Se lhe dizia que sim:

- Chega-te aqui bem junto de mim, que tens em teu coração a Jesus escondido.

Outras vezes dizia-me:

- Não sei como é! Sinto a Nosso Senhor dentro de mim. Compreendo o que me diz e não O vejo nem ouço. Mas é tão bom estar com Ele!”

Sigamos o exemplo da Santa Jacinta, e desejemos estar sempre com o Sagrado Coração de Jesus. Por isto, meio mais acertado e mais seguro não há do que sermos verdadeiros devotos do Imaculado Coração de Maria.

 

(Texto transcrito de folheto distribuído pela “Associação Católica Nossa Senhora de Fátima” – acnsf@acnsf.org.br – e WWW.rainhadefatima.org.br). Alteramos do original apenas o título de santa dado a Jacinta, pois foi canonizada em 13.05.2017.)

 

 

 


sábado, 16 de outubro de 2021

O SENTIDO CONTRA-REVOLUCIONÁRIO DA OBRA DE DOIS SANTOS

 




Plinio Corrêa de Oliveira

(Cristiandad se honra con la colaboración de un prestigioso líder del catolicismo hispanoamericano, el profesor brasileño Plinio Corrêa de Oliveira.

Hemos preferido publicar su trabajo en el idioma original, por tratarse de una lengua hermana. Con ello queremos rendir homenaje a la noble nación brasileña, a la vez que expresar nuestra identificación de sentimientos con la revista "Catolicismo", hidalgo pregonero de nuestros mismos ideales en tierras lusoamericanas.)

 A quem vê a História com olhos de Fé, e sabe discernir ao longo dela as intervenções da Providência em favor da Santa Igreja, afigura-se impressionante a coincidência e a harmonia entre as missões de dois grandes santos: S. Luís Maria Grignion de Montfort e Sta. Margarida Maria Alacoque.

Quando se formava o câncer revolucionário

Ambos viveram na França, em um momento de capital importância para a história do mundo. No mais profundo da sociedade francesa, os germes oriundos dos grandes movimentos ideológicos do século XVI continuavam a se desenvolver vigorosamente. Discretas ainda, as tendências para o racionalismo, o laicismo e o liberalismo se difundiam como uma corrente de água impetuosa e subterrânea, nos setores-chaves da sociedade. E o lento mas inexorável ocaso da aristocracia e das corporações de artesãos e mercadores, coincidindo com a ascensão sempre mais marcada da burguesia, preparava de longe a organização social que havia de nascer em 1789.

Em uma palavra, com longa antecedência, mas desde logo com muita força, com uma força que em breve se tornaria humanamente quase irresistível, a Revolução se vinha formando como um câncer, nas entranhas de um organismo entretanto ainda sadio.

Processos históricos como este devem ser contidos de preferência em seu nascedouro. Pois, se se permite seu desenvolvimento, tornam-se cada vez mais difíceis de jugular.

Intervenção da Providência para evitar a Revolução

Assim, importa ressaltar que, precisamente no momento em que uma ação preventiva parecia mais oportuna e mais eficaz, a Providência suscitou na França dois santos com uma evidente e especial missão nesse sentido. Missão que, primordial e diretamente, se dirigia à primogênita da Igreja, mas indiretamente beneficiaria o mundo inteiro. Pois, se de um lado a extinção in ovo dos germes revolucionários na França poderia ter evitado para todo o orbe as calamidades da Revolução, de outro lado um triunfo insigne da Religião, ocorrido no país líder da Europa no século XVIII, poderia ter tido na história religiosa e cultural da humanidade repercussões incalculáveis.

O reinado de Luís XIV se estendeu de 1643 a 1715. Santa Margarida Maria viveu de 1617 a 1690, e São Luís Maria Grignion de Montfort nasceu em 1673 e morreu em 1716. Como se vê, foram coetâneas do Rei-Sol tanto a ação da santa visitandina à qual o Coração de Jesus comunicou suas mensagens de amor, quanto a pregação do apóstolo angélico que ensinou a "Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem".


Sentido anti-revolucionário da mensagem de Paray-le-Monial

Os leitores de "Cristiandad" certamente já conhecem os pedidos feitos por Nosso Senhor, por meio de Santa Margarida Maria, a Luís XIV. Sabem que o Sagrado Coração predizia para a França grandes males, mas prometia obviá-los se seus pedidos fossem ouvidos. Sabem por fim que, não tendo Luís XIV atendido à mensagem - iludido quiçá por informações e manejos ainda hoje mal conhecidos - na prisão do Templo Luís XVI prometeu atendê-la. Mas era tarde, e a Revolução seguiu seu curso, para a desgraça de todos nós.

Destes fatos, o que nos importa reter, no momento, é que a partir do centro da França, de Paray-le-Monial, a Providência quis acender no reino cristianíssimo um braseiro de piedade e um foco ardente de regeneração moral, para evitar as calamidades que depois sobrevieram.

No mesmo sentido, entretanto, a Providência suscitava no oeste da França outro movimento.

 Precursor e patriarca da Contra-Revolução

Como Santa Margarida Maria, São Luís Maria parece não ter tido qualquer pensamento político particular. Ele previu para sua pátria e para toda a Igreja grandes catástrofes. Mas seu olhar não se deteve senão nas esferas mais profundas em que essas catástrofes se vinham preparando. Seus escritos aludem a uma crise religiosa e moral de grande envergadura, da qual, como de uma caixa de Pandora, toda espécie de males iria sair. Para obviar esses males, ele pregava em seus inflamados sermões, ouvidos com profunda avidez pelos camponeses do piedoso Oeste, a doutrina espiritual que condensou em várias obras, das quais as principais foram o "Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem", a "Carta Circular aos Amigos de Cruz" e o "Amor da Sabedoria Eterna".

Bem analisados, estes três livros monumentais - e infelizmente pouco conhecidos - são a refutação de todas as doutrinas falsas de que nasceria o monstro da Revolução. Refutação por certo sui generis. As obras de São Luís Maria não visavam primordialmente persuadir os espíritos céticos, sensuais, naturalistas, de que estavam em erro. Sua principal preocupação estava em premunir contra esses erros os católicos fervorosos ou tíbios. E assim, toda a sua dialética consistia em inculcar o amor à Sabedoria, para premunir seus leitores contra o laicismo ou a tibieza; em inculcar o amor à Cruz, para premunir contra a sensualidade e o amor delirante dos prazeres os católicos de uma era essencialmente gozadora e mundana; e em inculcar a devoção a Nossa Senhora por meio da "santa escravidão", para premunir leitores expostos a todo momento às insídias desse verdadeiro calvinismo larvado, que foi o jansenismo.

Em todos os seus livros a dialética é a mesma. Ele mostra com argumentos tirados da Escritura, da Tradição, da História da Igreja e da Hagiografia, que um católico não pode pactuar com o espírito do século, e que toda posição de meio termo entre esse espírito e a vida de piedade não é senão uma perigosa ilusão dos sentidos ou do demônio.

 Nossa Senhora na pregação montfortiana

No conjunto deste sistema, é preciso frisar que a devoção a Nossa Senhora, considerada especialmente como Rainha do Universo, Mãe de Deus e dos homens e Medianeira de todas as graças, tem um papel absolutamente central. É por esta devoção que o fiel pode alcançar de Deus a Sabedoria e o amor à Cruz. Pois Maria Santíssima é o meio pelo qual Jesus Cristo veio a nós, e pelo qual podemos ir a Ele. Quanto mais unidos a Maria, tanto mais estaremos unidos a Jesus. É nas almas marianas - intensamente, ardentemente, filialmente marianas - que o Espírito Santo forma Jesus. Sem Ela, os maiores esforços para a santificação redundam em desastres. Com Ela, o que parece inacessível à nossa fraqueza se torna acessível, as vias como que se franqueiam, as portas se abrem, e nossas forças, hauridas no canal das graças, se centuplicam. O importante, pois, é ser verdadeiro devoto de Maria.

Mas esta devoção tem contrafações. O Santo mostra quais são elas e nos premune contra os minimalistas, sobretudo os que se contentam com uma devoção vã, feita de meras fórmulas e atos de piedade externos. A devoção perfeita, ele a ensina: consiste em sermos escravos de Maria, dando-Lhe todos os nossos bens espirituais e temporais, e fazendo tudo por Ela, com Ela e nEla.

Frutos contra-revolucionários da pregação montfortiana

São Luís Maria foi um grande perseguido. Prelados, Príncipes da Igreja, o próprio governo, o combateram. Apenas o Papa e alguns poucos Bispos franceses lhe deram apoio. Na Bretanha, no Poitou, no Aunis, sua pregação se exerceu livremente, e perdurou através das gerações, conservadas profundamente fiéis. Quando, durante a Revolução, a civilização cristã precisou de heróis para a defenderem em terras da França, estes surgiram mais ou menos em toda a extensão do reino cristianíssimo. Mas em certa região o povo inteiro pegou em armas, numa reação maciça, compacta, impetuosa e indomável. Os chouans, cuja memória nenhum católico pode evocar sem a mais profunda e religiosa emoção, eram os netos daqueles mesmos camponeses que São Luís Maria formara na devoção a Nossa Senhora. Onde São Luís Maria pregara e fora ouvido, não houve a Revolução ímpia e sacrílega; houve, pelo contrário, cruzada e Contra-revolução.


Atualidade de Santa Margarida Maria e São Luís de Montfort

Pouco importa saber até que ponto os movimentos de Paray-le-Monial e da Vandéia no século XVII se conheceram. A importância de um e de outro não ficou circunscrita àquela época. Filhos da Igreja, neste trágico século XX, podemos e devemos ver ambos os movimentos numa só perspectiva, e, assim unidos, fazer deles nosso tesouro espiritual.

O nexo essencial que os liga está hoje em dia posto em tal luz, na consciência de qualquer fiel, que nem sequer é necessário insistir sobre ele. A devoção ao Coração de Jesus é a manifestação mais rica, mais extrema, mais delicada, do amor que nos tem nosso Redentor. A via para chegar ao Coração de Jesus é a Medianeira de todas as graças. E assim se vai ao Coração de Jesus pelo Coração de Maria. Esta última devoção, que Santo Antonio Claret pôs em tanta luz, São Luís Grignion de Montfort, ao que parece, não a conheceu. Mas é o ponto de junção entre a mensagem de Paray e a pregação do apóstolo marial da Vandéia. Ponto de junção que, diga-se de passagem, teve tanto realce nas aparições de Fátima.

Mas ao lado desses grandes laços fundamentais há outros. Nós os compreenderemos bem, num relance de olhos, se considerarmos o que poderiam ser hoje a França, a civilização cristã, o mundo, se os movimentos de Paray e da Vandéia tivessem sido vitoriosos nos séculos XVII e XVIII. Em lugar da Revolução, com suas execráveis seqüelas que nos arrastaram até à voragem atual, teríamos o reino da justiça e da paz. Opus Justitiae pax, lê-se no brasão de Pio XII. Sim, a paz de Cristo no Reino de Cristo, da qual nos distanciamos cada vez mais.

E assim fica posta em evidência a altíssima oportunidade da mensagem de Paray e da obra de São Luís Maria. Elas nos ensinam que o fundo dos problemas que geraram a crise atual é religioso e moral. E nos indicam os meios sobrenaturais pelos quais a Revolução universal de nossos dias, filha insolente e depravada da Revolução Francesa, pode ser jugulada. É só do bom uso desses meios que podem nascer, no campo cultural, social ou político, as reações que preparam, na Terra, a Realeza de Cristo pela Realeza de Maria.

(Cristiandad, Barcelona, Novembro de 1958)

 


sexta-feira, 15 de outubro de 2021

SANTA TERESA D’ÁVILA, DOUTORA DA IGREJA

 




Diversos foram os filósofos da Antiguidade, gregos, romanos, etc. mas dentre eles quase não se ouviu falar em mulher neste campo do saber humano. Fala-se em Aspásia de Mileto, a qual assistia às palestras dos filósofos em Atenas por ser lá estrangeira. Mulher de Péricles, chegou a estudar filosofia, mas destacou-se mais por sua ação política e beleza do que por sua pretensa filosofia.  Fora algumas exceções como a de Aspásia, até hoje há predominância masculina no campo da filosofia e quase não se ouve falar numa ou noutra mulher filósofa. No campo da teologia maior é a predominância masculina, não se tendo notícia de muitas mulheres que tenham se destacado nessa ciência.

Da mesma forma, não se tem notícia de nenhuma mulher doutora da Renascença pagã. Santa Tereza e Santa Catarina de Siena (que viveram no pós-Renascimento), são frutos únicos da Igreja e não da Renascença ou da filosofia Antiga. Poder-se-ia dizer que aqueles antigos filósofos pagãos eram doutores?  Pelo menos aqueles que defenderam as idéias coerentes com o Direito Natural, seriam, sim, os doutores da humanidade. Tais títulos, embora inexistam e não os tenham obtido em suas escolas nem tenham sido conferidos pelos seus conterrâneos, pode-se dizer que hoje lhes seriam dados num consenso universal entre os estudiosos de suas obras. Pois, de alguma forma, eles foram mestres.

Dentro da própria Igreja os Doutores foram surgindo ao longo dos anos e naturalmente se destacando por suas obras e doutrinas. O primeiro deles foi Santo Hilário, do século IV, contemporâneo de uma grande safra de doutores, como Santo Atanásio, São Efrém, São Basílio, São Cirilo de Jerusalém, São Gregório Nazianzeno e os excepcionais vultos da Cristandade, como Santo Ambrósio, São João Crisóstomo, São Jerônimo e Santo Agostinho.  Ao longo dos séculos, vários outros doutores foram se destacando, culminando com o mais culto, São Tomás de Aquino no final da Idade Média, e um dos últimos deles que foi Santo Afonso de Ligório, no século XVIII. Chegamos, pois, ao século XXI, com um total de 31 homens, todos santos, com a Igreja reconhecendo-lhes o título de Doutor da Igreja.

A Igreja reserva o título de Doutor àquele que defende e ensina uma doutrina, seja através da oratória ou de publicações, de conteúdo moral ou religioso, onde se explicitam questões transcendentais para a Religião e a Cristandade. Foram chamados especialmente de doutores aqueles sábios do tempo da Escolástica, como São Tomás de Aquino e São Boaventura, que se revelaram verdadeiros mestres em suas obras. O título de Doutor é dado pela Igreja pela tradição ou de forma oficial aos teólogos notáveis, como o dado a São Roberto Belarmino por Pio XII em 1931.  Tais títulos nunca foram concedidos em vida, assim como também Ela o faz ao realizar a canonização.

Enfim, Doutoras da Igreja

No dia 27 de setembro de 1970, em ato solene, o Papa Paulo VI proclama como Doutora da Igreja Santa Teresa de Jesus. Apenas sete dias depois, a 04 de outubro do mesmo ano, em novo ato solene, Paulo VI proclama como Doutora da Igreja Santa Catarina de Sena (ou de Siena).  Assim, estava a Igreja reconhecendo duas mulheres com o título que, até àquela data, era exclusivo de 31 homens, todos santos. Passados 27 anos, a 19 de outubro de 1997, o Papa João Paulo II reconhecia oficialmente outra Santa como Doutora da Igreja: Santa Terezinha do Menino Jesus.

A respeito do assunto, o Papa Paulo VI leu uma Homilia na Basílica de São Pedro, naquele dia, em que dissertava sobre as razões da proclamação de Santa Teresa. Em certo trecho, assim falou Sua Santidade:

"Devemos acrescentar duas observações que nos parecem importantes.

“Em primeiro lugar há de se notar que Santa Teresa de Ávila é a primeira mulher a quem a Igreja confere o título de doutora; e isto não sem recordar as severas palavras de São Paulo: "As mulheres calem nas igrejas" (I Cor 14,34); o qual quis dizer todavia que a mulher não está destinada a ter na Igreja funções hierárquicas de magistério e de ministério. Se haverá violado então o preceito evangélico?

“Podemos responder com clareza: não.  Realmente, não se trata de um título que comporte funções hierárquicas de magistério, porém é oportuno assinalar que o ato não supõe de nenhum modo um menosprezo da sublime missão da mulher no seio do Povo de Deus.

“Pelo contrário, ela, ao ser incorporada à Igreja pelo batismo, participa desse sacerdócio comum dos fiéis, que a capacita e a obriga a "confessar diante dos homens a fé que recebeu de Deus mediante a Igreja".

“E nessa confissão de fé tantas mulheres têm chegado aos cumes mais elevados, até o ponto de que suas palavras e seus escritos têm sido luz e guia de seus irmãos. Luz alimentada cada dia no contato íntimo com Deus, mesmo nas formas mais elevadas da oração mística, para a qual São Francisco de Sales chega a dizer que possuem uma especial capacidade. Luz feita vida de maneira sublime para o bem e o serviço dos homens."

 

Quem foi Santa Teresa de Jesus

Nasceu ela no início do século XVI (1515), em Ávila, e viveu a maior parte daquele conturbado período histórico. No decorrer de sua existência aconteceram desde a revolta de Lutero até a Contra-Reforma de Santo Inácio; da batalha de Lepanto à derrota de Dom Sebastião, de Portugal, em Alcácer Quibir; do Concílio de Trento à entrada em vigor do calendário gregoriano, que coincidiu com o dia do sepultamento da Santa: falecera a 4 de outubro de 1582 e o dia seguinte, 5 de outubro, passou a ser 15, conforme prescrevia a reforma do calendário.

A Espanha vivia o Século do Ouro e a Renascença atingia seu apogeu, embora em maior escala no resto da Europa do que na Península Ibérica. As descobertas do Novo Mundo traziam fausto e opulência para o país, enquanto que a Igreja se debatia com graves questões, dentre as quais a premente necessidade de enviar missionários para as novas terras e não contar com ordens religiosas devidamente preparadas. A Renascença pregava a presunção libertária, a gala dos estilos aparatosos, e tanto nos trajes quanto nas maneiras, na linguagem, na literatura e, principalmente, na arte se manifestava um anelo crescente por uma vida cheia de deleites da fantasia e dos sentidos. Isto gerava progressivas manifestações de sensualidade e moleza.

Pior ainda, a pseudo-reforma protestante pregava a revolta contra a Igreja e defendia o livre exame. Era, portanto, necessário um revigoramento das ordens religiosas, sob pena da caírem mais ainda no relaxamento em que algumas já se encontravam. Sob inspiração divina surgiu, então, a Contra-Reforma de Santo Inácio, da qual pode-se dizer que participaram também Santa Teresa, São João da Cruz, São Pedro de Alcântara e tantos outros santos que povoaram a Europa naquela época.

Vigilância paterna evita más companhias

A Providência preparava a alma de Teresa de Ahumada para os grandes lances de sua conversão, havida já no convento, desde muito jovem. Em sua autobiografia, "Livro da Vida", conta ela mesma que havia uma parenta freqüentando sua casa que era de tão levianos tratos que sua mãe procurou evitar que tratasse com os de casa. Parece que adivinhava o mal que por ela poderia advir.

Quando estava prestes a completar 16 anos, deu-se o caso mais grave. Teresa se achava no direito de escolher seu estado através de um casamento, alegando que sua mãe se casara com apenas 14 anos. Seu pai discordava, pois sua irmã mais velha tinha 25 anos e ainda não havia se casado, não convindo casar-se antes da primeira. De razão em razão o pai se sente perdido, pois Teresa de Ahumada tinha uma vontade firme e decidida, seria difícil demovê-la de seus propósitos.  Teve que recorrer a um estratagema, uma solução de força: internou-a num convento onde deveria ficar "até o tempo de poder se casar".  Tal desvelo fez com que se evitasse o desvio de tão grande vocação.

Naquele convento se recolhiam mocinhas para ser instruídas em trabalhos femininos e na piedade, em retiro absoluto, a cargo de uma monja, mulher já madura. Foi esta monja, de nome Maria de Briceño, que muito influenciou na decisão que Santa Teresa teve futuramente de ingressar como professa na vida religiosa.

A decisão da vocação

Tomada a decisão, adoeceu só em pensar na importância dela. Não ousava participar ao pai sua nova determinação, pois temia parecer veleidosa, isto é, cheia de vontade própria. Urgia fortalecer seu ânimo e para isso começou a ler com afã livros espirituais. Com particular interesse lia as "Cartas de São Jerônimo", onde leu um texto que lhe serviu muito de  orientação.

Seu pai, Dom Alonso, ao saber de sua decisão mandou dizer que não concordava em deixá-la vestir o hábito religioso, ela estava ali se preparando para um futuro casamento. Com receio mandou-a de volta para casa. Teresa, então, persuadiu a um irmão a que se fizesse frade e combinaram de irem um dia, muito cedo, ao mosteiro. Fugiram enquanto seu pai e os servos dormiam. Ela foi admitida no convento, pois havia antecipadamente acertado tudo, e uma freira abriu-lhe o portão. Seu irmão, porém, não teve a mesma sorte, pois no convento dos dominicanos, para onde havia se dirigido, foi exigido o parecer de Dom Alonso, que foi negativo.

Carisma pessoal que atrai

Após alguns anos de vida conventual, Santa Teresa já em franca ascese espiritual, viu urgente necessidade de se proceder ampla reforma em sua Ordem, a do Carmo, que achava-se em decadência. Por outro lado, crescia sua fama de santidade até mesmo fora do convento. Punham-se em evidência seus dotes naturais, seu atrativo humano, sua simpatia contagiosa, que fascinava não só às monjas, senão a quantas pessoas que tinham notícias dela. Tais dotes naturais, bem aproveitados, muito contribuíram para arregimentar pessoas que lhe auxiliassem na Obra que urgia empreender por inspiração da Divina Providência.

Conta em sua autobiografia que um confessor, ao ouvi-la no Confessionário contar suas faltas com grande arrependimento e dor, ficou tão encantado com sua humildade e enternecido com sua simplicidade, que resolveu ele mesmo, ao final, contar seus pecados à santa. E depois de contá-los pediu-lhe conselhos.

No convento, suas consortes de clausura às vezes se revoltavam, pois algumas ficavam cheias de inveja de ver tanta santidade.  Certo dia, as freiras de um convento para onde foi mandada foram lhe dizer que não a aceitavam como Priora, recentemente nomeada pela Autoridade eclesiástica.  No entanto, ela tinha que assumir o cargo por obediência às ordens superiores. Que fazer?  Mandou reunir todas as freiras. Quando lá chegaram encontraram a cadeira principal da Presidência ocupada pela imagem de Nossa Senhora da Clemência, e em suas mãos as chaves do convento; em outra cadeira, da sub-priora, estava sentada uma imagem de São José. Encontraram Santa Teresa aos pés da Imagem de Nossa Senhora, que lhes disse:

"Senhoras, madres e irmãs minhas: a obediência me envia a esta casa para servi-las e regalá-las em tudo o que eu puder, que no demais qualquer um pode ensinar-se a reformar. Por isso vejam, senhoras minhas, o que eu posso fazer por qualquer uma; porque, ainda que seja dar o sangue e a vida, o farei de muito boa vontade"

Não houve resposta das demais. Quando saíram, lá ficou a Imagem de Nossa Senhora da Clemência da forma como a encontraram, sentada na cadeira e com as chaves na mão. Cada noite, ao recolher-se, quando traziam as chaves á Santa Teresa, ela as colocava nas mãos da Virgem Mãe de Deus. E em tudo naquele convento, a partir daquele dia, reinava um ambiente acolhedor, todas sentiam uma suave presença das graças divinas e de um poder sobrenatural.

Sua santidade atrai a devoção popular. A todos os lugares aonde ela ia, seguia-a uma multidão à sua procura. Em alguns lugares haviam pessoas que se ajoelhavam aos seus pés e lhe pediam a bênção.  A propósito de sua chegada a Palência, assim se refere a madre Ana de San Bartolomé: "Como souberam que ia, se juntou tanta gente, que ao tempo que teve de se apear e as monjas do coche em que iam, com muita dificuldade nos deixaram descer, pela gente que juntou para falar-lhe e pedir-lhe a bênção; e os que não podiam alcançar isto se contentavam em ouvi-la falar".

Certo dia foi visitada por um casal de amigos e os filhos, de três a quatro anos, se meteram debaixo do escapulário da santa, dizendo depois que quando se punham ali dentro sentiam um odor tão agradável que não queriam mais sair. Em outra ocasião as madres observaram que o corpo da Madre Teresa despendia uma fragrância que impregnava as mantas e as coisas que tocava.

Cresce a reforma do Carmelo

A Reforma religiosa que empreendia Santa Teresa se propagou por toda a Espanha, e o espírito de sacrifício, de oração e de piedade, longe de afastar as pessoas foi motivo de atração e encanto.  Deste modo, famílias inteiras chegaram a entrar na vida conventual. Foi o caso da viúva Catalina de Tolosa com seus nove filhos: ela mesma transformou, de início, sua casa num convento, onde levavam vida de reclusas e rezavam o Ofício Divino. Impacientes em esperar Santa Teresa para oficializar ali um mosteiro, as duas filhas mais velhas entraram no convento em Valladolid e as duas seguintes no de Palência. Santa Teresa comentava: "todas as quatro têm saído como criadas de tal mãe, que não parecem senão anjos".

Santa Teresa era fundadora e necessitava viajar constantemente para diversas cidades onde se exigia sua presença. Mas ao mesmo tempo a sua Ordem era de vida contemplativa, de oração e recolhimento. Como conciliar as duas coisas? Para manter seu recolhimento quando viajava, levava sempre seu rosto coberto por um véu.

Para efetuar sua reforma, a santa procurou ajuda de gente importante. Alguns de seus amigos eram, por exemplo, o clérigo Gaspar Daza, o nobre D. Francisco de Salcedo, o dominicano Dom Pedro Ibañez e muitos outros.  Depois de uma série de dramáticos incidentes, a 7 de fevereiro de 1562 obteve um documento apostólico do Papa Pio IV para a fundação do primeiro convento reformado, o de São José, de Ávila, sua terra natal. A 4 de agosto do mesmo ano, ingressaram no novo convento as primeiras 4 noviças. Depois desta, foram se sucedendo as fundações de monjas e de frades reformados (estes liderados por São João da Cruz).  Enfrentou tremendas contrariedades, chegou ao ponto de quase ser expulsa de uma cidade, mas as ia superando com admirável fortaleza e serenidade.

No período de 20 anos, Santa Teresa fundou por si mesma 16 conventos de monjas carmelitas descalças. O último deles foi o de Burgos, a 19 de abril de 1582, poucos meses antes de sua morte. 

Um convento ambulante infatigável

Santa Teresa viajava bastante, e sempre andava bem acompanhada nestas viagens.  Normalmente costumava vir acompanhada de três frades e alguns seculares para proteger a si e as outras monjas no caminho. Procurava sempre manter rigorosamente clausura em sua comitiva. Era um convento ambulante. Primava também em manter as regras que destacavam suas dignidades, cujo fim era evitar que tanto no caminho quanto nas pousadas não desconsiderassem as religiosas e procurassem violá-la, às vezes com palavras ofensivas ou até fisicamente.

Escolhia sempre coches grandes para suas viagens, amplos, onde deveria caber muita gente. Debaixo dos toldos se estabelecia a vida de comunidade e era aplicada a Regra como se estivessem num mosteiro. Rezavam o Ofício e guardavam tempo de silêncio conforme as circunstâncias. Cada religiosa era encarregada de uma coisa e em tudo havia o respeito pela obediência.

Se chegavam, a horas tardias, a uma pousada, um dos religiosos varões que lhes seguiam era quem se dirigia a procura de quarto para as religiosas. Se tinha, elas desciam em silêncio do coche e em silêncio entravam na pousada, se dirigiam para os aposentos sem dizer palavra. Apenas uma das freiras era escolhida para falar com as pessoas de fora e Santa Teresa manejava incansavelmente sua sineta para chamá-la e dar-lhe as incumbências necessárias. Comiam nos quartos para evitar contato com os curiosos.

Mas Santa Teresa não viajava só em coches. Quando se oferecia ocasião viajava em dorso de mula, e não caía, tinha prática. Invariavelmente, levava sempre consigo nestas viagens uma imagem do Menino Jesus e um frasquinho de água benta.

No dia de sua morte, o filósofo protestante Godofredo Leibniz comentou: “morrreu um grande homem”. Referia-se ele ao caráter viril de Santa Teresa, incomparável numa freira que não tinha nada de feminista, e com uma grandeza de alma que espantava até os inimigos da Fé Católica.

Doutrina

Além de conseguir colocar a Ordem do Carmo dentro dos preceitos da antiga regra, Santa Teresa criou uma doutrina própria. Publicou algumas obras em que ela é explicitada. Além do "Livro da Vida", sua autobiografia, publicou  "Caminho de Perfeição", "Meditação sobre os cantares", "Moradas ou castelo interior", "Contas de consciência ou relações e mercês", "Exclamações da alma a Deus", "Livro das fundações", "O modo de visitar os conventos" e mais um bom número de poesias místicas e diversas cartas. Em todas estas obras a Santa procura indicar um caminho em busca da santidade, uma ascese, um método de perfeição que ela própria trilhou: esta foi sua doutrina, bastante vasta, que motivou merecer da Igreja o título de Doutora.

 



sábado, 9 de outubro de 2021

O CARRASCO DE SÃO DIONÍSIO

 




 São Dionísio, ou Dinis, bispo de Paris - Foi enviado como missionário a Paris, tornando-se o primeiro bispo da França. Notável pregador, converteu centenas de pessoas. Seu sucesso provocou a ira dos pagãos locais e foi feito prisioneiro pelo governador romano. Martirizado nas perseguições do imperador Valeriano para renegar sua fé, junto com São Eleutério e São Rústicus que eram seus diáconos. Após ter sido decapitado (ano 258) andou segurando sua própria cabeça por algum tempo. Uma versão diz que deu vários passos e entregou sua cabeça ao verdugo, enquanto outras dizem que andou alguns quilômetros desta forma pregando aos pagãos que assistiam a tudo estarrecidos.

No local onde foi decapitado foi erigida Catedral de Saint Denis, onde eram coroados os reis de França, enquanto “Montmartre” (monte dos mártires) passou a ser onde depositou sua cabeça. Santa Genoveva (Genevieve, padroeira de Paris) construiu uma basílica sobre sua tumba e sua festa foi adicionada ao calendário romano em 1568 pelo papa Pio V, embora ela seja celebrada na França desde 800 d.C. Ele é um dos catorze santos auxiliares.

 

Eis como um inspirado escritor francês imagina, num conto, como sucedeu tudo:

- Que a paz esteja contigo! 

Assim, já sorrindo, a pequena e simpática Laércia de cabelos escuros, abrindo os olhos ainda nublados pelo sono, cumprimentou o marido, o gigante loiro Tubaldus, que se desvencilhou do leito conjugal a grunhir. Este desejo não pareceu do gosto de Tubaldus.

- Ah! Quem pensa em perturbar a paz? Não é amanhã que os inimigos de nosso imperador, o divino Domiciano, penetrarão até Lutécia (Paris). Eles mal se atrevem a encarar os postos de nossas fronteiras nas florestas da Germânia. Você faria melhor em recorrer a Mercúrio (deus romano) ou a Wotan (deus germano), a sua escolha, para me fazer uma receita frutífera.

Tubaldus ficou em silêncio; sua boca não estava acostumada a fazer discursos tão longos em que política, estratégia e religião encontravam seu lugar alternadamente. Sua boca costumava servir a outro propósito: ele engolia sabres. Praticava sua arte em público no recinto de feiras ou às vezes em sessões privadas, no átrio de algum oficial romano ou na vila de algum parisiense rico, em torno de Lutécia.

Sua fama foi ótima. Entre as pessoas comuns, como entre os patrícios e os cavaleiros, o nome de Tubaldus era conhecido. Era oriundo da margem direita do Reno, razão pela qual invocou indiferentemente os deuses de Roma ou da Alemanha, assim como engoliu com igual infalibilidade a espada curta e reta do legionário, a espada longa e grossa dos godos ou a lâmina afilada e curva de Dace. Tubaldus foi chamado de Thubalt em sua floresta nativa, mas, radicado em países galo-romanos e tendo se casado com um parisiense, romanizou seu nome.

Um pouco entristecida pelas duras boas-vindas de seu marido, a quem ela amava apesar de sua brusquidão, a gentil Laércia estava ocupada preparando seu almoço.

Não muito, dissera o gigante, consideravelmente amolecido ao ver sua gentil esposa ocupada atiçando o fogo de lenha no pequeno fogão de barro colocado no pátio da casa, pátio para o qual o cubículo ou quarto dava vista sem porta.

Laércia sabia que, para engolir sabres, não se deve ter estômago pesado. Mas não é fácil carregar o estômago de um homem do tamanho de Tubaldus, que tem que viajar mais de dois quilômetros em estradas ruins - já era 9 de outubro - para chegar ao trabalho, do que ele fazer comer quatro pequenas trutas de rio na manteiga, duas lindas fatias de fígado de porco e um prato de maçãs cozidas na véspera em cinzas.

Tubaldus, sentado em um banco, prestou homenagem a esta colação.

- Bom dia, disse ele, comendo a quarta truta.

- Haverá gente, acrescentou, depois da segunda fatia de fígado de porco engolfada em um lindo pão. Sempre há muitas pessoas na Feira da Montanha de Mercúrio e, Bella, a treinadora de ursos acredita que o prefeito Fescennius fará a corte.

Com essas palavras, Laércia ergueu a cabeça.

- Tribunal, você diz, e quem será julgado?

- "Não eu, com certeza", exclamou Tubaldus, com a boca cheia de um pouco de queijo de cabra que consumiu de sobremesa. Não faltam criminosos em Lutécia. A menos que nos divertamos julgando alguns desses cristãos.

- Cristãos? Você pensa? Mas quem eles estão prejudicando?

- Isso não é da minha conta. Eles se recusam a sacrificar no altar dos deuses.

- E se eles quiserem permanecer fiéis ao seu Deus?

- Que mal lhes faria jogar alguns grãos de incenso na frente de Júpiter ou Mercúrio? Sim, mas Wotan vale bem a pena qualquer pessoa.

Nessa frase em que colocara todos os seus conhecimentos teológicos, depois de limpar o bigode caído com as costas da mão, Tubaldus beijou a esposa e cruzou a soleira de sua modesta casa. Laércia o observou partir. A tristeza estava em seus olhos quando ele entrou em sua casa. Depois que a silhueta de seu marido desapareceu, ela colocou a mão na testa, depois no peito, depois nos ombros (persignando-se) e foi se ajoelhar em um canto de seu pátio, em frente a um pilar onde estava a imagem de um peixe gravada aproximadamente.

Tubaldus caminhou rápido. Ele estava vestido com um traje meio romano e meio bárbaro. Correias de couro carregadas com placas de metal enroladas em seu peito e pernas, uma correia em volta de sua cabeça e prendia seus longos cabelos castanhos. Levava sob os braços nus seus instrumentos de trabalho, espadas de todos os comprimentos e formas, bem presas para que não colidissem, porque se é necessário para a alegria dos espectadores que as armas que se engole sejam afiadas, é essencial para a segurança da garganta e do esôfago que eles estão limpos e sem incubação. Em suas costas flutuava um manto vermelho brilhante para atrair os curiosos para a estatura alta. Este casaco era seu estandarte.

Com pressa, Tubaldus refletiu; ele descobriu a receita provável e as coisas boas que poderia comer. Ele até sorriu por um momento, pensando que, se tivesse algo supérfluo, poderia comprar para Laércia uma daquelas grandes pulseiras de cobre que eram vendidas na feira e que brilhariam como ouro em sua pele morena.

Ele também estava resmungando. Consentira, para não afastar Laércia de sua família, em instalar-se nesta casinha de Catuliano, tão longe de todos os feirantes ao redor de Lutécia e da própria Lutécia, onde ficavam seu trabalho e seus clientes. O campo era agradável, com certeza, depois do barulho da cidade, mas três quilômetros são os subúrbios externos e há algumas casas muito desejáveis ​​escondidas na folhagem da colina para a qual ele se movia com toda a velocidade de suas pernas grandes. .

Quando chegou ao topo desta colina, majestosamente coroada pelo templo de Mercúrio, muitos lugares já estavam ocupados; no entanto, Bella, a treinadora de ursos, sua amiga, foi capaz de mantê-lo ao lado de um quadrado verde. Tubaldus ficou muito feliz com isso. A localização era excelente, logo ao pé do primeiro degrau do templo, onde costumam freqüentar os VIPs que não gostam de conviver com o povo. Sem se incomodar, iriam assistir aos seus exercícios e depois não deixariam de jogar sestércios em seu casaco desdobrado. Uma senhora, comovida tanto por sua presença quanto por seu endereço, não lhe havia jogado um denário uma única vez?

A colina ganhou vida. Era um feriado público - a festa de Júlio César - e os parisienses haviam saído de manhã cedo de sua ilha de Lutécia para gozar este dia ensolarado de outono. Adoravam almoçar no campo e encontraram aqui tudo o que é necessário para uma refeição campestre; fritadeiras a céu aberto, que em longas varas cozinhavam pernas de rã, saborosos pedaços de carne, árvores frutíferas espalhando montanhas de maçãs vermelhas e cestos de uvas douradas. Padeiros e pasteleiros com apetitosas panquecas e, sobretudo, inúmeros vendedores de vinho cujas ânforas transbordavam de belos vinhos nascidos nestas mesmas encostas ou de renomadas safras de Suresnes.

Por enquanto, os caminhantes davam toda a atenção aos treinadores de animais, aos malabaristas, aos truques; iriam ouvir os cantores e músicos; o treinador de pulgas teve muito sucesso. As linhas da mão eram lidas por uma pitonisa econômica e ali um negro etíope alto e seminu arrancava os dentes, soltando gritos roucos que abafavam as reclamações de seus clientes.

Assim que Tubaldus foi instalado, ele foi bem sucedido. Seu nome e casaco vermelho também eram populares. Muitos de seus admiradores eram evidentemente platônicos, mas ele tinha certeza de desamarrar as bolsas mais achatadas e relutantes engolindo a espada - ou seu duplo - com a qual o imperador Nero fora atingido.

O sol ainda não estava no auge de seu curso e Tubaldus já havia acumulado uma quantia bastante confortável em dinheiro de bronze ou cobre, quando o barulho das longas trombetas retas anunciou a chegada do prefeito. Fescennius, um homem pequeno, gordo e preguiçoso, escalou dolorosamente o caminho que leva ao templo; ele tinha, para ganhar popularidade, deixado sua liteira no sopé do morro e se arrependeu, pois se recebesse algumas aclamações educadas - empurradas principalmente por funcionários da administração - ficava muito cansado. Seu mau humor foi visível quando, seguido por uma multidão brilhante de familiares, ele passou por Tubaldus.

Antes de subir os degraus do templo, parou para respirar, seus olhos caíram, ou melhor, ergueram-se para o germano.

- Quem é o homem bonito? Ele disse em sua voz azeda que perfurou um pouco de ciúme.

- É Tubaldus, o engolidor de sabre, sussurrou obsequiosamente um dos edis que o acompanhava. Você gostaria de vê-lo trabalhar?

Fescennius acenou com a cabeça. Sempre era assim para vencer na escalada.

Tubaldus começou imediatamente seus exercícios. Espadas romanas, espadas dacianas e espadas germânicas desapareceram sucessivamente em sua garganta como se fossem feitas de pasta comestível. Ele as engoliu ao máximo e parecia relutante em tirá-las. Ele deliberadamente omitiu a insistência na espada de Nero, sem saber quais eram as idéias deste prefeito que veio de Roma sobre a pessoa do falecido imperador.

Fescennius parecia interessado. Isso é bom, ele finalmente cedeu e, com sua mão gorda, jogou uma grande moeda de prata aos pés de Tubaldus.

 Seus seguidores imitaram esse gesto, proporcionando seus dons à sua importância ou dignidade. O engolidor de sabres estava alegre.

"Wotan é favorável a mim hoje, ele pensou, a menos que seja Mercúrio”.

Fescennius subiu os degraus do templo e sentou-se na cadeira trazida pelos escravos. Um altar portátil encimado por uma estatueta do deus alado foi colocado à sua direita e sobre este altar um fogo de lenha aromático enviou espirais de fumaça fragrante para o céu.

- É verdade que vai haver tribunal? Tubaldus disse a Bella, cujo urso estava lambendo cuidadosamente suas quatro patas.

- Quem estarão julgando?

- Vamos descobrir.

- Após o julgamento, vou levá-lo para esvaziar uma ânfora de vinho Suresnes.

O prefeito fez um sinal. Imediatamente um escrivão se levantou e tirando alguns pergaminhos de seu manto, começou a ler. Todos os jogos cessaram, a voz monótona do escrivão foi longe. Começou enumerando os títulos e méritos do imperador Domiciano, depois disse que este último, em sua imensa bondade, havia enviado seu prefeito Fescennius para livrar Lutécia dos cristãos que a desonraram.

- Então é isso, diz Tubaldus.

O silêncio tinha ficado mais pesado na multidão.

O funcionário parou de ler. Agora falaria o próprio prefeito. Este último,  declarou que todo cidadão deveria estar pronto para sacrificar aos deuses do Império. Um murmúrio baixo surgiu: não dava para saber se era aprovação ou descontentamento.

Depois de passar a língua nos lábios, o funcionário continuou:

- Um certo número de pessoas que, nos últimos dias, se recusou a realizar o gesto ritual, apresentamos hoje ao nosso Tribunal. Se, publicamente, aceitarem sacrificar a Mercúrio, serão imediatamente libertados e restaurados em todas as suas honras e bens. Se, ao contrário, persistirem em sua recusa sacrílega, a justiça será feita e seus bens confiscados.

A multidão ouviu em alvoroço. Portanto, este lindo dia de diversão talvez se transformasse em um dia sangrento.

Do templo onde estavam trancados, os guardas trouxeram, carregados com correntes, três homens. Os dois primeiros eram conhecidos do povo: eram figuras importantes. Um, Lisbus, ex-prefeito, gostou da consideração de todos; usava roupas ricas consistentes com sua posição.

Depois dele veio Crespido, um opulento comerciante que possuía uma bela mansão e uma esplêndida vila em Lutécia, na margem esquerda do Sena. Ele era famoso por sua bondade e generosidade, sempre pronto para ajudar os pobres, prestativo para aqueles que se sentiam momentaneamente constrangidos. Ouviu-se um grunhido das pessoas ao ver a sua figura elegante, vestida com uma bela toga debruada de púrpura, pois tinha a patente de senador.

O terceiro era um idoso. Um ancião magro e reto, de barba branca; usava uma longa túnica de linho e um único anel brilhava em seu dedo.

- Bispo Denis! alguém sussurrou, e algumas mulheres repetiram em voz baixa: Bispo Denis!.

Os guardas empurravam com brutalidade mesclada de consideração - pois um grande personagem, mesmo hoje acorrentado, pode amanhã voltar a ser formidável - o ex-prefeito Lisbius em direção ao altar.

- Sacrifica! Fescennius disse a ele, e ele acrescentou em voz baixa ao seu ex-colega, como se pedisse desculpas: “É apenas uma formalidade. "

Lisbius hesitou. Viu centenas de olhos fixos nele. "Sacrifica!” Gritava a multidão. Então, lentamente, estendendo o braço direito e a testa baixa, ele jogou alguns grãos de incenso no fogo.

- Você está livre, Lisbius, disse o prefeito. Os deuses do imperador estão satisfeitos.

As correntes foram desamarradas e Lisbius desapareceu, escondendo-se atrás das colunas do templo.

Foi então a vez de Aulo Crespido.

- Sacrifica!, ordenou o Prefeito.

- Sacrifica!, implorou a multidão. O comerciante olhou em volta como se esperasse alguma ajuda.

- Sacrifica! a multidão sempre bradando.

Rapidamente, como quem faz uma má ação, Crespido jogou os grãos de incenso sobre o altar, depois, despido dos ferros, desceu a escada como um bêbado e começou a fugir para o Sena.

Finalmente, o ancião todo branco foi trazido em sua túnica branca. De repente, foi segurado perto do altar. Não estava olhando para a estátua do deus, ou o prefeito, ou o fogo, mas seu olhar fixo ao longe parecia ver algo que os outros não podiam ver.

- Sacrifica!, disse o prefeito pela terceira vez.

Desta vez, a multidão ficou em silêncio.

- Sacrifica!, repetia com impaciência, Fescennius.

O ancião falou:

- Eu sou cristão. Não vou sacrificar aos seus falsos deuses. Vou morrer com alegria confessando o nome de Cristo. Quanto aos meus bens, eles não são deste mundo.

Fescennius meio que se levantou em sua cadeira. Ele estava gritando, espumando de raiva:

Você despreza nossos deuses e as ordens do divino Augusto?

- Só obedeço a um Deus, disse o santo ancião.

- Você morrerá.

- Espero a morte com confiança.

- Que este homem seja executado!

O ancião permaneceu de pé no alto da escada e o silêncio pairou sobre as pessoas.

- Eu disse que este homem será executado! O prefeito gritou.

À sua volta, as pessoas agitavam-se e Fescennius bateu o pé. Um guarda se aproximou.

- Senhor, o carrasco que estava aqui se foi.

- Vamos procurá-lo.

Depois de um momento que pareceu um século, o guarda voltou.

- Parece que ele fugiu para o campo.

- Quando o encontrarmos vamos matá-lo. Mas quem executará o condenado para obedecer à sentença que o Imperador pronunciou por minha boca?

Todo mundo ficou em silêncio; nenhum executor de boa vontade se apresentou. Fescennius olhou em volta; os olhos desviaram o olhar; por fim, seu olhar pousou em Tubaldus, ainda parado ao pé da escada. Um sorriso apareceu no rosto do prefeito.

- Ei, este trapaceiro é o carrasco que preciso. Você engole sabres, você tem que saber como usá-los?

- Não é meu ofício, disse Tubaldus.

- O que isso importa? É uma ordem.

- Eu sou um homem livre

- Você será pago

- Eu não ganho meu pão assim.

Fescennius agora estava vermelho. Ele acabara de se ver desobedecido por um velho teimoso e agora publicamente um malabarista ousava enfrentá-lo. Sua auto-estima de repente se misturou em sua mente com a majestade de Roma, com a dignidade do imperador. ele gritou para os guardas:

- Vá buscar esse cachorro para mim, e se ele não obedecer, pendure-o na primeira árvore depois de quebrar seus ossos com lenha.

Os guardas correram para frente, muito felizes ao ver a raiva do prefeito passar por eles. De repente, quatro deles agarraram Tubaldus. Eles o empurraram, içaram-no até o topo da escada. Ele ainda segurava na mão a espada que foi a última que ele engoliu.

Antes de ter tempo para reunir suas idéias, o alemão se apresentou ao magistrado. Este homenzinho não o assustou, até teria rido disso, mas sentiu atrás de si, o formidável poder do Império, este poder que sofreu sem o compreender totalmente.

- 0bedeça, disse Fescennius, ou você é um homem morto!

Tubaldus ia recusar. De repente, ele viu Laércia novamente, sua casinha onde era bom jantar à noite. O dia estava quente, o sol alegre. O ancião estava ajoelhado, a cabeça apoiada na base de uma coluna.

- Mate-o!, repetiu o prefeito.

E, afinal, por que ele deveria morrer em vez deste homem de branco cujos dias estão contados? Quais eram seus direitos? Quais eram suas funções? Ele havia matado lá em sua floresta nativa para se defender. O que era ele para desobedecer a Roma?

- Guardas! Clamava Fescennius, no auge de sua raiva.

Os legionários se amontoaram ao redor dele. Ele viu Laércia que estava esperando por ele, que sempre estaria esperando por ele. Então, como em um sonho, Tubaldus girou sua lâmina fina e flexível. Ela sibilou no ar e desabou no pescoço branco. O sangue jorra. A cabeça caiu.

- Isso é para você! Gritou o prefeito, jogando uma bolsa de couro que, na laje, fez um barulho metálico ouvido.

Um grande grito se ergueu do povo.

Tubaldus não pegou a bolsa; ele não olhou nem para a direita nem para a esquerda. Jogando seu sabre no chão, fugiu, cortou a multidão e começou a correr, apenas parou em sua casinha em Catuliano.

No pátio, Laércia estava descascando legumes. O gigante loiro se jogou de joelhos, a cabeça no peito de sua pequena esposa:

- Eu matei um justo! Matei um santo!

Muito tempo choraram juntos, ele soluçando ao ver suas mãos ensangüentadas imprimindo suas marcas em seu manto azul claro. Tubaldus chorava por causa de seu ato, Laércia por um crime que ela desconhecia.

Laércia, por fim, consegue acalmá-lo, e muito comovido Tubaldus contou-lhe tudo que havia acontecido.

A noite caiu e Tubaldus não parava de repetir:

- Eu matei um justo! Eu matei um santo! Serei castigado!

De repente, em meio aos gritos do gigante, Laércia interrompe-o, dizendo:

- Pare! Escute...

Tubaldus deteve-se em seus lastimosos brados...

De fato, começaram a ouvir uma doce e suave melodia que vinha do campo. O germano, sobressaltado, aproximou-se da janela e vê, ao longe, uma tênue luz que avança em direção de sua casa, enquanto um concerto musical podia ser ouvido cujos intérpretes eram invisíveis.

Empalidice.. dá um passa para trás e grita:

- É ele! Serei castigado! Socorro!

A figura, cercada de luz, deslizou até a casa de Tubaldus e entrou no pátio, que de repente ficou iluminado e farfalhante. Tubaldus e Laércia ergueram os olhos.

Diante deles estava o corpo do Bispo Denis, o mártir. Sua cabeça decepada repousava em suas mãos, seus olhos fechados como se estivesse em um sono delicioso. Então, os lábios se abriram e proferiram estas palavras:

- Tubaldus, eu te perdôo!

Então o bispo deu um passo à frente novamente, colocou a cabeça na frente do pilar que servia como oratório de Laércia e ele finalmente se deitou como um homem morto de verdade. Voltando-se para Laércia, gritou Tubaldus:

- Eu, a partir de hoje, quero ser cristão! 

Laércia, emocionada, disse:

 - Eu há muito tempo que já era cristã e rezava por sua conversão. Que a paz esteja contigo!

Na casinha de Catuliano, Tubaldus e Laércia sepultaram o Bispo D. Denis que, decapitado, viera do local de sua provação até então para receber o enterro e levar o perdão ao seu algoz.

Mais tarde, o rei Dagobert erigiu uma basílica neste local que se tornou Saint-Denis, enquanto a colina onde a cabeça do bispo de Lutetia caiu era chamada e ainda é chamada: Mont des Martyrs-Montmartre.

(Extraído de:

https://montmartre-hier.blogspot.com/2011/11/histoire-de-montmartele-bourreau-de.html - (Conts et legends de Paris et de Montmartre –  Ch. Quinel et A. Mongon – Fernand Nathan, editor – Paris, 1962).