quarta-feira, 30 de abril de 2008

Os princípios da Revolução da Sorbonne atingem o interior da Igreja

Os "grupos proféticos" invadem a Igreja

O cardeal Jean Marie Lustiger escreveu em suas memórias que o espírito da revolução de maio de 1968 havia se expandido por todo o corpo social, inclusive dentro da própria Igreja Católica. Declarou ele que "uma parte do meio eclesiástico entrava na mesma loucura, utilizava as mesmas noções, transpunha para a instituição eclesial as mesmas categorias e manipulações" daquele movimento.
Já no início do ano seguinte, em 1969, a revista "Approaches". de Londres, denunciava que "grupos proféticos" incrustados na igreja haviam criado uma superpotência de propaganda mundial, baseados num organismo chamado IDOC (Centro Internacional de Documentação e Informação sobre a Igreja Conciliar), possuindo grande poder de comunicação na Europa e nas Américas. Em seguida, a revista "Ecclesia", de Madri, reforçava esta denúncia em outra reportagem que afirmava que os mantenedores de tal poder, denominados de "grupos proféticos", pretendiam transformar a Igreja numa instituição meramente democrática e popular, "desalienada", e inteiramente progressista.
Num artigo publicado no Brasil, também em 1969, Dr. Plínio descreve o que pretendiam estes discípulos dos revolucionários da Sorbonne:


"Qual o objetivo dos "grupos proféticos?"
Informa "Ecclesia" que para os doutrinadores e historiadores do movimento "profético", desde o século IV até os nossos dias, a Igreja Católica esteve transviada. A esses dezesseis séculos de desvios chamam de "era constantiniana", por ter sido inaugurada quando o imperador Constantino tirou a Igreja das catacumbas, lhe deu existência legal , a elevou á condição de Igreja oficial do Império, e a dotou de palácios e tesouros destinados ao culto e à caridade. Assim favorecida pelo primeiro imperador cristão, a Igreja se teria tornado dominadora e insolente: instituiu-se como Mestra infalível da Fé e da moral, ergueu catedrais imponentíssimas para celebrar sua glória, plasmou a seu talante uma cultura e uma civilização, e cobriu o orbe de universidades, colégios e obras de caridade incumbidos de incutir sua doutrina em todo o gênero humano. A imensa influência aue a Igreja assim adquiriu, os pôs em mãos de uma Hierarquia dominadora, do alto do qual os Romanos Pontífices têm governado espiritualmente, a seu bel-prazer, ao longo de dezesseis séculos, os mais ilustres povos. É o que os "grupos proféticos" chamam de Igreja "triunfalista" (em sentido pejorativo, isto é, autoritária).
Lutero e Calvino, como se sabe, lançavam contra a Igreja calúnias deste gênero. Mas - como veremos - o programa demolidor dos dois "reformistas" não foi tão ousado como o dos "grupos proféticos".
O mais violento da crítica dos "grupos proféticos" à Igreja que eles chamam "constantiniana" está contido no termo "alienante". Não insinua ele a idéia de alienação mental: o vocábulo é emprestado ao marxismo. Alienante é quem domina outrem. Alienação é uma relação em que há um explorador e um explorado. Explorador é quem manda. Explorado é quem obedece.
Como se vê, segundo esta concepção, toda autoridade importa em uma alienação, em uma exploração. É também toda superioridade. Pois onde há superior e inferior, nasce a influência ou a autoridade do superior sobre o inferior. Acabar com todas as explorações alienantes é derrubar todas as autoridades, e estabelecer entre os homens a mais rigorosa igualdade. Quando os "grupos proféticos" falam em alienação e desalienação, é claro que assim entendem essas palavras. E isso se vê pelas modificações que querem introduzir na Igreja "constantiniana", com o fito de que desta surja uma Igreja-Nova, modelada de todo em todo ao que pretendem ser o espírito igualitário de nossa época:
1. Nosso conceito de um Deus pessoal, transcendente e infinitamente superior às criaturas, aliena os homens. É preciso substituí-lo pela idéia de um Deus impessoal, imanente, isto é, como que esparso e diluído em todos os seres. Um Deus que não é extrínseco nem superior às criaturas, e por isto não é alienante.
2. todas as narrações sacras que nos falam de um Deus "à constantiniana" precisam ser rejeitadas. São velhos mitos que o homem de hoje não aceita mais. A Igreja-Nova será sem mitos, isto é, demitizada. Pois estes mitos alienavam o homem a Deus transcendente e superior.
3. Também era alienante a concepção "constantiniana" de uma esfera religiosa sobrenatural e sacral, superior à esfera natural, temporal e terrena. A Igreja-Nova, integrada na esfera terrena, procura remediar a situação do homem pela ciência, pela técnica e pelo progresso. A Igreja-Nova está engajada por inteiro no principal interesse terreno da humanidade, que é a eliminação das explorações entre homens, pela abolição das desigualdades econômicas e sociais, todas elas alienantes.
4. A Igreja-Nova não se reputa mais Mestra. Esta atitude é oposta à dignidade do povo evoluído de hoje, em que cada homem pensa por sua cabeça. Assim, cada homem pode ter uma fé e uma moral modelada essencialmente por sua consciência. E a Igreja-Nova, super-ecumênica, o que pede de seus fiéis é que lutem para desalienar os explorados e oprimidos.
5. A Igreja-Nova, pois, não quer mais clérigos que sejam "sacrais", isto é, que vivam só para a Religião, e por seus hábitos, atitudes e trajes peculiares se distingam do comum dos homens. Isto seria alienante. A Igreja-Nova, dessacralizada, quer padres que sejam, vivam e se tratem como qualquer leigo.
6. A Igreja-Nova não aceita mais a organização alienante pela qual o poder espiritual está todo nas mãos do papa, dos bispos e do clero. É necessário construir uma câmara de leigos eletiva, que faça sentir à Hierarquia a vontade do povo, e por sua influência leve a Hierarquia a governar como o povo quer. A Igreja-Nova é democrática, na qual os bispos e párocos sejam elegíveis pelos fiéis.
7. A Igreja-Nova não quer universidades, nem colégios, nem obras sociais senão sob condição de que estas não tenham fins de apostolado, pois fazer apostolado é ensinar, e ensinar é tratar o próximo como discípulo, isto é, aliená-lo.
Como é fácil ver, o que o movimento "profético" quer é uma Igreja panteísta ou atéia. Algo que seja o oposto da Igreja Católica autêntica. E que se pareça muito com o comunismo."

(artigo "Artigo-Bomba explode em Madri", Folha de São Paulo, 07-05-1969)

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