quarta-feira, 31 de agosto de 2022

NAZISMO E COMUNISMO, VERSO E REVERSO DA MESMA MEDALHA


 

Dr. Plínio Corrêa de Oliveira escreveu o seguinte no jornal “Legionário”, na época em que o nazismo estava em pleno vigor na Alemanha:  “O verdadeiro contrário do comunismo não é o extremo oposto, isto é, o nazismo, em última análise também ele dirigista, socialista e totalitário. O verdadeiro contrário do comunismo é o princípio de subsidiariedade”.

Vez por outra o tema da oposição entre nazismo e comunismo vem à tona. Destacamos a de um ex-comunista que se ocupou de reanimá-lo. O Autor é um tanto suspeito, não tanto pelo que é hoje mas pelo que foi ontem. Assim, mesmo objeto de suspeição publicamos suas declarações, extraídas de seu livro e estampadas no site “Forum Libertas”, da Espanha, Publicado em 17 de fevereiro de 2005.

Martin Amis, escritor ex-comunista, analisa por contraste os dois grandes horrores do século XX. Por que um se canoniza como o mal em estado puro e o outro parece ver-se somente como um erro histórico?

Em seu livro “Koba el Terrible”, o novelista e ensaísta britânico se centrava num ponto fraco do pensamento do século XX e ainda do XXI: a tolerância dos intelectuais ocidentais ante o comunismo.

Martin foi militante comunista, como seu pai - o também novelista Kingsley Amis-, até que as revelações de Solzhenitsyn em Archipiélago Gulag foram inegáveis. Aquilo não podia mais sustentar-se.

Em “Koba el Terrible”, ele se anima a fazer a comparação em grandes pinceladas.

Cifras - Mesmo que acrescentemos as baixas totais da Segunda Guerra Mundial (40-50 milhões) as do Holocausto (ao redor de 6 milhões), parece que o bolchevismo poderia superá-las. A guerra civil, o Terror Vermelho, a FOME; uma Coletivização que, segundo Conquest, causou talvez a morte de 11 milhões. Solzhenitsyn calcula (“Numa estimativa modesta”) que foram entre 40 e 50 milhões os que cumpriram grandes penas no GULAG de 1917 a 1953 (e muitos outros depois do breve degelo de Jrushov), e durante o Grande Terror, a deportação de populações dos anos 40 e 50, Afeganistão… Os “Vinte Milhões” começam a parecer quarenta.

Exatidão - Há alguma diferença moral palpável entre os trens e chaminés da Polônia e o silêncio antinatural e surpreendente que caiu pouco a pouco sobre as aldeias da Ucrânia em 1933? Sob Stalin “não se fez finca-pé na aniquilação completa de nenhum grupo étnico”. A diferença se firma no emprego do adjetivo “completa”, porque Lênin empreendeu campanhas genocidas (a descazaquização) e o mesmo fez Stalin. A diferença poderia estar em que o terror nazista se esforçava por ser exato, enquanto que o terror stalinista era deliberadamente aleatório. Todo mundo era vítima do terror, desde o primeiro até o último; todos menos Stalin.

Ideologia - O marxismo era um produto da classe média intelectual; o nazismo era sensacionalista, de imprensa suja, dos baixos fundos. O marxismo exigia da natureza humana esforços sem nenhum sentido prático; o nazismo era um convite direto à abjeção. E sem embargo as duas ideologias funcionaram exatamente igual em sentido moral.

Médicos da morte - Há alguma diferença moral entre o médico nazista (bata branca, botas negras, bolas de Zyklon B) e o interrogador salpicado de sangue do campo Orotukán? Os médicos nazistas não só participavam em experimentos e “seleções”, inspecionavam todas as etapas do processo executor. Na realidade, o sonho nazista era no fundo um sonho biomédico. Foi uma subversão que não praticou o bolchevismo.

Efeito social - O nazismo não destruiu a sociedade civil. O bolchevismo, sim. É uma das razões do “milagre” da recuperação alemã e dos fracassos e a vulnerabilidade da Rússia atual. Stalin não destruiu a sociedade civil. Lenin, sim.

O humor - A resistência do humor a desaparecer se há destacado no caso soviético. Parece que os Vinte Milhões não terão nunca a dignidade fúnebre do Holocausto. Isto não é, ou não somente é, uma amostra da “assimetria da tolerância” (a expressão é de Ferdinand Mount). Não seria assim se na natureza do bolchevismo não houvesse algo que o permitisse.

Ciclo de vida - Stalin, diferentemente de Hitler, fez todo o mal que pôde, entregando-se de corpo e alma a uma empresa de morte. No ano que morreu estava preparando pelo vista outra gigantesca campanha de terror, vítima, aos 73 anos, de um anti-semitismo remoçado e senil. Hitler, pelo contrário, não fez todo o mal que pôde. O pior de Hitler se eleva como uma larga sombra que afeta de forma implícita a nosso conceito dos crimes que cometeu. De haver sobrevivido, o nazismo “maduro” haveria sido, entre outras coisa, uma confusão genética em escala hemisférica (já havia planos, em princípios dos anos quarenta, de depurar ainda mais a linhagem ariana). O laboratório de Josef Mengele em Auschwitz havia sido ampliado até alcançar as dimensões de um continente. A psicose hitlerista não era “reativa”, não respondia aos acontecimentos, senão a ritmos próprios. Possuía ademais uma tendência fundamentalmente suicida. O nazismo foi incapaz de amadurecer. Doze anos era, quiçá, a duração natural de uma agressividade tão sobrenatural.

Aplicabilidade - O bolchevismo era exportável e em todas as partes produzia resultados quase idênticos. O nazismo não podia se reproduzir. Comparados com a Alemanha, os demais estados fascistas foram simples aficcionados.

Êxito em vida - Hitler, ao final de sua trajetória afrontou a derrota e o suicídio. “Quando Stalin completou 70 anos em 1949 – disse Martin Malia – era realmente o “pai dos povos” para um terço da humanidade; e parecia que era possível, inclusive iminente, que o comunismo triunfasse a nível mundial.

Vergonha da espécie - A combinação alemã de desenvolvimento avançado, alta cultura e barbárie infinita é, desde logo, muito singular. Sem embargo não podemos isolar o nazismo alegando que era exclusivamente alemão. Tampouco podemos por em quarentena o bolchevismo alegando que era exclusivamente russo. A verdade é que os dois relatos abundam em notícias terríveis sobre o que é humano. Produzem vergonha e ao mesmo tempo indignação. E a vergonha é maior no caso da Alemanha. Pelo menos é o que eu acredito. Prestemos atenção ao corpo. Quando leio livros sobre o Holocausto experimento algo que não me sucede quando leio livros sobre os Vinte Milhões, é como uma infestção física. É vergonha da espécie. E isto é o que o Holocausto nos pede.

Armas especiais - Mas Stalin, ao dar grossas pinceladas de seu ódio, dispunha de armas que Hitler não tinha.

Tinha o frio: o frio abrasador do Ártico. “Em Oimiakón [Kolymá] chegaram a registrar-se temperaturas de -72°C. Chegando a temperaturas muito mais altas se rachava o aço, rebentava os pneus e saíam chispas quando o archote golpeava o tronco das árvores. Quando baixa a temperatura o hálito se congela em cristais que tilintam no chão com um rumor que chamam “sussurro das estrelas”.

Tinha a obscuridade: o sequestro bolchevique, a crudelíssima e implacáel auto-exclusão do planeta, com seu medo às comparações, seu medo ao ridículo e seu medo á verdade.

Tinha o espaço: o imenso império de onze zonas horárias, as distâncias que extremavam o confinamento e o isolamento, a estepe, o deserto, a taiga, a tundra. E o mais importente: Stalia tinha tempo.

E ademais... - Stalin foi um dirigente muito popular dentro da URSS durante o quarto de século que durou seu governo. Resulta um pouco humilhante pôr por escrito uma coisa assim, mas não há forma de evitá-lo. Também Hitler foi um líder popular, mas diferente de Stalin, conseguiu algumas vitórias econômicas e perseguiu a minoria relativamente pequenas (os judeus eram 1% da população) . As vítimas de Stalin foram grupos maioritários como o campesinato (85% da população). E ainda que a vigilância de Hitler sobre a população fosse intimidatória e persistente não se excedeu, como Stalin, para criar um clima de náusea e medo.

Amis fez um livro para despertar a memória: “Para a consciência geral, os mortos russos seguem dormindo. Milhões. Se fez uma guerra contra eles e contra a natureza humana foi contra sua própria gente”.

(tradução livre do texto publicado pelo site Fórum Libertashttp://www.forumlibertas.com/frontend/forumlibertas/base.php)

 


terça-feira, 30 de agosto de 2022

COMO FOI A FRUSTRADA TENTATIVA DE MUDAR O CALENDÁRIO GREGORIANO

 



O calendário revolucionário francês ou calendário republicano foi criado pela Convenção Internacional em 1792, durante a Revolução (1789) para simbolizar a quebra com a ordem antiga e o início de uma nova era na história da humanidade mundial. Este calendário tinha características marcadamente anticlericais e passou a basear-se nos fenômenos da natureza .

Era um calendário de base solar composto de doze meses de 30 dias, distribuídos em três semanas de dez dias (decâmeros ou décadas). Para completar o ano, havia mais 5 dias (6 nos anos bissextos) para alinhar o calendário com o Ano trópico. Os dias de cada década recebem o nome de primidi, duodi, trididi, quartidi, quintidi, sexditi, septidi, octidi, nonidi e decadi.

O dia foi dividido em dez horas que se subdividiam em cem partes (como minutos), as quais se subdividiam em mais cem (como segundos). Essa subdivisão mínima equivalia a 0,864 segundos. Conforme essa subdivisão, o presente horário de, por exemplo, 14:31:51 horas seria no calendário revolucionário 6:05:45 horas. Cada hora do Calendário Revolucionário equivale a 2h 24 min convencionais. A divisão do dia em base decimal jamais foi usada na prática, tendo sido abolida oficialmente em 1795.

Cada dia tinha uma designação única, que só se repetiria no ano seguinte, com nomes de plantas, flores, frutas, animais e pedras. Aos 365 dias acrescentava-se, anualmente, um dia complementar, e um sexto a cada quadriênio, consagrados à celebração de festas republicanas. O ano começava no equinócio de outono (22 de setembro, no hemisfério norte), data da proclamação da República francesa e os nomes dos meses eram baseados nas condições climáticas e agrícolas das estações em cada mês na França.

Os nomes dos dias e dos meses foram concebidos pelo poeta Fabre d'Églantine com auxílio do jardineiro do Jardim das Plantas de Paris. Os criadores pretendiam que essas denominações fossem de natureza universal. Eram, porém, real e fortemente inspiradas no país de origem.

O primeiro mês chamava-se vindário (em referência a Víndima ou colheita de uvas), seguiam-se o brumário (relativo à bruma ou nevoeiro), o frimário (mês das geadas ou frimas em francês), o nivoso (referente à neve), o pluvioso (chuvoso), o ventoso, o germinal (relativo à germinação das sementes), o floreal (mês das flores), o pradial (em referência a prados), o messiador (nome originário de messis, palavra latina que significa colheita), o termidor (referente ao calor) e o frutidor (relativo aos frutos); como cada mês tinha trinta dias, sobravam cinco dias no final do ano (de 17 a 21 de setembro): eram os dias dos sans-culottes, considerados feriados nacionais:

          No outono:

o          Vindimiário (vendémiaire): 22 de setembro a 21 de outubro

o          Brumário (brumaire): 22 de outubro a 20 de novembro

o          Frimário (frimaire): 21 de novembro a 20 de dezembro

          No inverno:

o          Nivoso (nivôse): 21 de dezembro a 19 de janeiro

o          Pluvioso (pluviôse): 20 de janeiro a 18 de fevereiro

o          Ventoso (ventôse): 19 de fevereiro a 20 de março

          Na primavera:

o          Germinal: 21 de março a 19 de abril

o          Florial (floréal): 20 de abril a 19 de maio

o          Pradial (prairial): 20 de maio a 18 de junho

          No verão:

o          Messidor: 19 de junho a 18 de julho

o          Termidor (thermidor): 19 de julho a 17 de agosto

o          Fructidor: 18 de agosto a 20 de setembro.

A data da revolução, o 14 de julho, era nesse calendário o 26 Messidor, dia de nome "Sauge" (em português Sálvia).

Esse calendário só vigorou de 22 de setembro de 1792 a 31 de dezembro de 1805, quando Napoleão Bonaparte ordenou o restabelecimento do Calendário Gregoriano, e também durante a Comuna de Paris.

 (Texto extraído da Wilipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Calend%C3%A1rio_revolucion%C3%A1rio_franc%C3%AAs)

 


sábado, 27 de agosto de 2022

ANTIMARXISMO PARA CRIANÇAS SOB O TEMA DA IGUALDADE

 


Se  pudéssemos elaborar um pequeno catecismo (embora resumido) de perguntas e respostas sobre o tema da igualdade, seria assim que o faríamos. O lema da Revolução Francesa falava também da liberdade e da fraternidade, mas, por enquanto, vamos nos ater somente sobre a igualdade. 

P: Pergunta

R: Resposta

(Vamos conhecer o personagem -  Seu nome: Karl Marx, nascido na Alemanha, século XIX. Que fez ele? Nada de especial, apenas escreveu um único livro, chamado “O Capital”. Que diz ele neste livro? Com base em falsos pressupostos condena o regime de capital privado em favor do Estado capitalista. Com isso, defende uma sociedade igualitária, quer dizer, onde todos sejam iguais,  no que diz respeito ao dinheiro pelo menos. E para que produza esta igualdade do dinheiro e social o governo, ou seja, o Estado, deveria tomar conta de toda a riqueza, de todo o dinheiro, de todo o comércio, da indústria e das finanças da nação. Fazendo isso o Estado acaba com toda a divisão ou hierarquia de classes sociais, deixando existir somente o que ele chama de “proletariado”, ou seja, a classe dos que trabalham, mas dos que trabalham exercendo apenas esforço físico, porque os intelectuais estavam fora desta categoria.)

 

- P: então a igualdade não é um bem?

- R: não, a igualdade não é um bem, muito pelo contrário, é um grande mal. Tanto que é impossível haver igualdade na sociedade humana.

P : se todos forem iguais não faria com que houvesse paz, harmonia e bem querer entre os homens?

R: não, a igualdade, se fosse possível,  não traria nem a paz, nem a harmonia e nem o bem querer entre os homens, porque sendo impossível que ela exista o fato de ser procurada serve apenas para estimular a inveja, o ódio e uma maior divisão entre os homens.

P: por que é impossível que haja igualdade entre os homens?

R: por que Deus criou todos os seres desiguais por natureza, especialmente os anjos e os homens, os seres mais perfeitos da criação. Se todos os seres fossem iguais a Criação seria feia e disforme, com muita monotonia, feiura e imperfeição, coisa não compatível com as perfeições divinas.

P : o que significa dizer que somos desiguais por natureza?

R ; diz-se “por natureza” quando alguma coisa está de acordo com o fim para a qual foi criada, ou então, quando alguma coisa conserva todos os seus elementos naturais com que foi feita. Assim, o homem, por exemplo, é intelectual por natureza, material e espiritual por natureza, desigual por natureza, etc  Quando nascemos, todos os componentes de nosso ser, todos os nossos sentidos ou dons e habilidades são desiguais entre si e dos outros homens. Assim, uns nascem mais outros menos inteligentes, outros mais e outros menos habilidosos, etc. E isso é assim “por natureza”, é Deus que nos faz assim.

P: a desigualdade não é uma coisa que humilha e degrada o ser humano?

R: não; Deus quer que haja desigualdades harmônicas e justas, conforme a natureza humana; pode ocorrer que acidentalmente ocorra alguma desigualdade injusta, mas pode ser corrigida porque, neste caso, não seria uma desigualdade harmônica e natural, mas uma coisa artificial e contrária à natureza humana.

P: que quer dizer então “desigualdades harmônicas e justas”?

R; são aquelas desigualdades naturais,  não impostas por artifícios. Elas são harmônicas porque de acordo com a natureza de cada pessoa e são justas porque não foram impostas pela força ou por recursos desonestos para satisfazer o egoísmo de um ou de alguns.

P: dê exemplo.

R: um homem que nasceu filho de um comerciante e, com os recursos do pai, estuda e consegue concluir um curso universitário, convive harmoniosamente com os empregados do pai dele, que nasceram pobres e não são dotados de dons naturais ou habilidades que lhes possibilitem um padrão de vida melhor. Isso é bastante justo que ocorra na sociedade, pois cada um ocupa seu lugar conforme as qualidades com que nasceu, e estando todos satisfeitos com isso vivem em harmonia, sem discórdia e sem invejas. Assim, há classes que dirigem e outras que são dirigidas, e isso ocorre porque naturalmente elas se formaram para viver em harmonia e paz. Uns servem à sociedade pela capacidade de dirigir e orientar, enquanto outros pela capacidade de prestar serviços modestos.

P: e como seria uma desigualdade injusta e não natural?

R: seria o caso em que dito comerciante , ou toda uma classe social, estivesse em posição elevada não porque trabalhou honestamente, mas porque usou de fraude ou de roubos para ascender socialmente.

P: então não seria melhor que todos fossem iguais e não houvesse condição de alguém ascender socialmente assim de forma injusta e desonesta?

R; Não porque, primeiramente, esta igualdade ninguém consegue estabelecer na sociedade, ela é impossível de existir; e em segundo lugar, diz Santo Tomás que o “abuso não tolhe o uso”, quer dizer, se há algo de bom na sociedade e alguém abusa dele não deve por isso ser suprimido. Se a desigualdade é um bem, ela deve ser mantida, mas corretamente vigiada para corrigir tais abusos. Os casos de abusos, como os do exemplo citado, podem ser corrigidos pela lei e, geralmente, é a exceção e não a regra geral de uma sociedade humana.

P: ora, se o Estado, assume tudo, tem a posse dos bens e do dinheiro, acaba com as classes sociais, sendo assim fica claro que é possível, sim, se estabelecer uma igualdade social...

R: não, não é possível. Quando o regime dito marxista foi implantado em alguns países, automaticamente foi instituída uma classe social para gerir o Estado, a classe do partido comunista, sendo formada uma elite dirigente opressora muito pior do que a existente anteriormente.

P: por que ocorre isso?

R: porque ,  em nome de um grupo, de um partido ou mesmo do Estado, as pessoas facilmente são tentadas a usufruir das benesses do poder e se enriquecer e predominar sobre os outros. Nos regimes marxistas foi criada a desigualdade mais gritante e injusta que já houve na face da terra, onde uma minoria predomina e impõe sua vontade em nome do Estado. 

P: e se alguém conseguir criar uma situação em que isso seja impossível, isto é, os dirigentes do Estado não consigam impor-se e criar assim uma elite opressora sobre os demais?

R: isso seria impossível na prática, levando-s em consideração que os homens facilmente são tentados pela inveja e o desejo de poder e grandeza,  especialmente se tiverem com o poder na mão. Considerando, no entanto, a viabilidade da tese, mesmo assim, não seria constituída uma sociedade igualitária, pois o Estado estaria sufocando as instituições sociais menores do que ele e impondo sua maneira de dirigir a sociedade.

P: quer dizer que há desigualdade também entre as instituições sociais?

R: sim, há uma grande desigualdade entre as instituições sociais. E o Estado dever gerir toda a sociedade respeitando o papel de cada uma e acatando suas decisões.

P: como seria isso possível?

R: isso seria possível através de um princípio chamado de “subsidiariedade”, pelo qual o Estado só deve intervir na sociedade após os indivíduos e suas agremiações ou organizações sociais se verem incapaz de o fazer.

P: dê um exemplo.

R: o principal responsável pela saúde de cada um não é Estado como apregoam por aí, é cada pessoa individualmente, cada um de nós deve tomar as providências para tratamento de saúde e procurar ter vida sadia. Se, porém, algum de nós adoece gravemente e por si mesmo não é capaz de se curar deve recorrer à sua família; se esta não tiver condições, recorre a alguma organização social maior, somente recorrendo ao governo, ao Estado, se nenhuma destas instâncias inferiores se mostrarem capazes de resolver  o problema. O mesmo pode-se dizer do estudo, do trabalho, do lazer, etc. O princípio de subsidiariedade deve nortear toda sociedade orgânica mais justa. O contrário disso é a imposição de um Estado igualitário como propõe o marxismo, querendo fazer com que todos sejam iguais, quando na realidade isso nunca será possível ocorrer.

P: quer dizer que o Estado não é o senhor soberano de toda a sociedade?

R: não, ele não deve ser abitrariamente soberano, ele tem que respeitar as outras organizações sociais abaixo dele, as quais deve fiscalizar ou orientar pelas leis, mas nunca impor-se como único gestor da sociedade.

Através da pregação de uma quimérica igualdade, o demônio quer instaurar entre os homens um regime de mais odiosa desigualdade social. O maior exemplo tivemos com os regimes comunistas, frutos dessa igualdade que não existe, a não ser em algumas mentes de uma elite corrompida. 


quinta-feira, 25 de agosto de 2022

SÃO LUÍS IX, REI, CONFESSOR, MODELO DE ESTADISTA CATÓLICO

 


Hoje é festa de São Luís, rei, confessor, modelo de estadista católico. Participou de duas Cruzadas, sua relíquia se venera em nossa capela, século XIII.

Como sempre, há dois São Luís. A piedade sentimental formou uma imagem de São Luís muito diferente da imagem verdadeira. Acho interessante, por exemplo, quando se vêem certas imagens de São Pio X e se as compara com a fotografia de São Pio X que está em uma das salas de nossa sede. A fotografia dá a impressão de um homem agigantado no físico, forte na alma, rei espiritual consciente de sua dignidade e um espírito sobrenatural, uma coisa magnífica.

A imagem é de um vovôzinho velhinho, alquebrado, com uma carinha de quem pede desculpa por ser papa, uma certa vergonha por não ser padre-operário. Há um Pio X de legenda da piedade sentimental, e um São Pio X verdadeiro, histórico, heróico antimodernismo, etc.

Com São Luís acontece a mesma coisa. Em primeiro lugar, há uma primeira imagem, que é a eterna história de São Luís, sentado debaixo do carvalho de Vincennes, distribuindo justiça. De maneira que se tem a singular impressão de um rei que morava debaixo das árvores, que podendo dispor de um mundo de castelos, tendo que sustentar a pompa e a representação do primeiro reino da Cristandade, tendo que gerir todo um Estado, fazer guerras etc., não achava nada melhor do que puxar uma cadeirinha debaixo de uma árvore e ficar distribuindo justiça, atendendo. Naturalmente absolvendo todo mundo, rodeado de uma réplica plebéia dele mesmo, tratando de coisas que não supõem argúcia, engenho, não supõem força de vontade: todo mundo imbecilizado em volta. O rei abóbora (amolecido), com um monte de aboborinhas em volta, aboborando embaixo de um carvalho. Essa seria a imagem "oficial" de São Luís.

Essa imagem é explorada para se opor aos Reis que vieram depois. Então, Luís XIV no fastígio de sua glória, castelo de Versailles, quarto de dormir pomposo etc., isso seria o rei errado. O rei simples é o rei marmiteiro, que julgava debaixo do carvalho de Vincennes.

É o momento de dissociarmos essas imagens e nos lembrarmos de alguns traços da vida de São Luís. Entre outros traços, convém lembrar São Luis como estadista, São Luis como guerreiro, São Luís como homem de piedade.

Primeiro, devemos considerar um aspecto importante de sua vida: São Luis como rei da monarquia orgânica. Ele não foi, nem um pouco, daquele tipo de rei fait néant (que não faz nada) que abandonava todas as prerrogativas reais nas mãos dos vassalos. Pelo contrário, ele era verdadeiramente cioso do poder real, e se os vassalos procuraram enfrentar ou diminuir o poder real, ele várias vezes resistiu de frente e manteve as prerrogativas reais.

Por outro lado, ele era tão cioso da autonomia dos senhores feudais, dos respectivos feudos, que dele se conta, entre outros, esse pequeno fato: estava rezando na Igreja e, num botequim perto da igreja, começaram a fazer desordem, perturbando sua oração. Então, perguntaram-lhe porque não dava ordens para que aqueles botequineiros saíssem e acabassem com a desordem. A resposta dele: mande procurar quem é o senhor desse feudo e lhe diga que reprima esse abuso. Seria tão natural uma ordem direta do rei de França, mas vejam a preocupação de observar em seus graus os condutos feudais, e de respeitar as várias hierarquias que estavam debaixo dele, para o bom amor dessa organicidade da estrutura feudal, que ele respeitava escrupulosamente, dentro dos limites em que devia ser respeitada. O que é profundamente diferente de Luís XIV, de Luís XIII, de Henrique IV, para não falar senão deles, pois poderíamos ir até Luís XI, destruidores sistemáticos da hierarquia feudal.

Por outro lado, foi também São Luís que cuidou das corporações, e mandou fazer o assento dos regulamentos dos costumes das corporações, dando estrutura e estabilidade às organizações plebéias, que constituíam as unidades autônomas dentro da plebe, sendo um alentador de toda forma de autonomia em seu reino, dentro do qual ele era o centro de gravidade enérgico e vivo.

São Luís defendeu as prerrogativas da autoridade real, não só contra insurretos de toda espécie mas até contra a Santa Sé. Está em seu processo canonização, foi amplamente estudado, que a Santa Sé, tendo querido fazer ingerências de caráter político imoderadas na França, São Luís resistiu de frente e levou as coisas longe, até obter que essas ingerências cessassem.

São Luís cruzado: São Luís, ao ser citado como cruzado, faz parte da legenda ele morrendo de peste em Tunis. Então, é o rei doente, deitado num colchão como os pobres, assistidos pela Conferência de São Vicente de Paula, todo mundo tem pena, enterra-se com choramingos e derrotado. A realidade histórica tem algo disso, mas não só isso. Devemos lembrar São Luís desembarcando, como descreve Joinville, todo armado, magnífico, o homem mais alto de seu exército, um capacete luzidio, com armadura de ouro; quando sua barca tocou no Egito, ele tinha tal sanha de combater, que pulou armado dentro do mar, e à frente de seus homens pulou em terra e começou a combater.

Depois, todos os feitos que realizou nas cruzadas, que o sagraram como um guerreiro perfeito. Isso deveríamos pôr ao lado do guerreiro ferido, doente, do guerreiro padecente que imita a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, e com isso se torna imensamente venerável. É juntando todos esses aspectos que temos uma imagem adequada do rei São Luís.

Essa imagem nos deve levantar a pergunta: um rei nessas condições é verdadeiramente amado pelo povo? O povo francês compreendia o que era esse rei? Há uma prova que é verdadeiramente tocante. As moedas da Idade Média são, em geral, caras, mas as mais baratas dentre essas moedas são as do rei São Luís. Porque quando ele morreu, o povo começou a guardar suas moedas, porque tinham a efígie dele, como lembrança e como medalha. Por causa disso, conservaram-se em incontáveis lares franceses, de maneira que são as mais baratas das moedas medievais, provando o respeito e veneração dos franceses pelo seu rei. Isto indica bem que a virtude quando bem praticada, quando vivida de um modo autêntico, só pode produzir no povo uma reação boa e se não produz uma reação boa, é porque o povo não presta.

Aqui temos uma linda oração do Condestável Du Guesclin, companheiro de santa Joana D'Arc – portanto, muito posterior a São Luís – feita a São Luís:

 

"Guardai-me puro como o lírio de vosso brasão, vós que mantínheis vossa palavra mesmo dada ao infiel, fazei que jamais mentira passe por minha boca, ainda que a franqueza devesse me custar a vida. Homem de proezas, incapaz de recuos, cortai as pontes para os meus fingimentos e que caminhe sempre para o ponto mais duro do combate".

"Guardai-me puro como o lírio de vosso brasão". A castidade do guerreiro católico. "Vós que mantínheis vossa palavra, mesmo se dada a um infiel, fazei que jamais mentira passe pela minha garganta, ainda que a franqueza devesse me custar a vida". Quer dizer, a verdade deve ser dita mesmo diante dos mais fortes e ainda que custe a vida, mas não mentir por medo de ninguém.

Ainda que minha vida esteja ameaçada, direi ao forte que me oprime a verdade inteira. "Homem de proezas, incapaz de recuos" – era o voto do cavaleiro que nunca recuava em batalha – "cortai as pontes às minhas acomodações, e que eu sempre marche para o mais duro", é o mais duro da batalha, mas também o mais duro em tudo; o mais duro da vida, o mais duro em todas as situações.

(Plinio Corrêa de Oliveira - Santo do Dia, 25 de agosto de 1964)

 

Fonte:

https://www.pliniocorreadeoliveira.info/DIS_SD_19640825_Sao_Luix_IX.htm#.YwduaX3MK1s

 

 

 

 

 

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

RAINHA E MEDIANEIRA UNIVERSAL

 





                            (22 de agosto, festa de Nossa Senhora, Rainha,                                                              expomos  a seguir comentários de Dr., Plínio sobre a realeza de                                                Nossa Senhora e sua mediação universal)

Dentre os diversos títulos de Nossa Senhora estão dois que me parecem ser de especial importância, sobre os quais gostaria de fazer alguns comentários: Nossa Senhora Rainha e Medianeira de todas as Graças.  Procurarei analisá-los juntos, pois, como se verá, ambos têm uma íntima relação.

Medianeira necessária, por livre vontade de Deus

Pelo título de Medianeira de todas as Graças reconhece-se ser Nossa Senhora o canal das graças distribuídas por Deus, bem como o fato de ser através d’Ela que todas as súplicas sobem a Deus.

Antes de tudo, é importante frisar que Ela não é um canal necessário em sentido absoluto. Ou seja, absolutamente falando, Deus não precisa ter Nossa Senhora como medianeira.

Nosso Senhor Jesus Cristo é o único Mediador necessário e absoluto, entre os homens e Deus. Tendo Se encarnado, Ele Se fez Homem, tornando-Se o elo indispensável entre a humanidade e a divindade.

Ora, se a ordem das coisas determina que todas as graças dispensadas aos homens devem vir através de Deus Filho, a vontade de Deus dispôs que essas mesmas graças deveriam passar por Maria, sua criatura eleita. Então, Nossa Senhora é Medianeira por livre vontade de Deus.

Rainha porque medianeira

Do fato de Nossa Senhora ser Medianeira provém seu título de Rainha.

Deus, sendo Rei do universo, ao constituir Maria como Medianeira de todas as Graças e de todas as súplicas, outorgou-lhe o poder de governar. De tal modo que os desígnios e o governo de Deus sobre o universo podem ser alterados pelos pedidos e orações d’Ela. Ou seja, o reinado de Maria se torna efetivo através de sua Mediação Universal.

A mais excelsa dentre as criaturas

Nisso se vê o papel incomparável de Nossa Senhora no conjunto da Criação. Das meras criaturas Nossa Senhora é a mais alta, pois tudo o que existe, exceto Deus, está abaixo d’Ela.

Por sua vez, do fato de Nossa Senhora ser Rainha do Universo, decorre que Ela é também Rainha do gênero humano, uma vez que o gênero humano é, dentro do universo sensível, a realidade mais alta. Ora, sendo a alma do homem aquilo que ele tem de mais elevado, a realeza de Maria se exerce especialmente nas almas. Pois, a realeza sempre se exerce mais plenamente no que há de mais nobre num reino.

Por isso, bem caberia a Nossa Senhora o título de Rainha das Almas, ou então, o de Rainha dos Corações – o qual é especialmente considerado por São Luís Grignion de Montfort – e que equivale a dizer Rainha das Vontades.

Estes títulos de Nossa Senhora afirmam, em primeiro lugar, seu direito de possuir, de ser conhecida, amada e obedecida por todos os homens; em segundo lugar, seu poder de fazer valer tais direitos, de maneira a poder recompensar os que o reconhecem e punir os que o negam.

Assim, a direção das almas depende essencialmente de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas também de Nossa Senhora, por vontade de Deus.

Uma Rainha destronada?

Alguém poderia pensar o seguinte: No mundo de hoje, Nossa Senhora está como uma rainha exilada, ou como uma ex-rainha; completamente rejeitada pelos homens, Ela tornou-se uma rainha destronada.

Este modo de pensar é um grande equívoco, pois Maria Santíssima é indestronável, e quando Ela aparenta ter sido destronada, no fundo, trata-se de uma punição. Portanto, até nessa circunstância Ela está reinando.

Explico-me: Nossa Senhora obtém de Deus graças suficientes  em abundância para que as almas se salvem. Mas, a essas graças as almas têm possibilidade de rejeitar.

Porém, Nossa Senhora pode também obter-nos graças eficazes  - as quais não se podem recusar –, e assim fixar as almas nas virtudes.

Um clássico exemplo disso é o de São Paulo ao ser derrubado do cavalo, na via de Damasco. Ele foi objeto de uma ação de fulminante graça, que é a graça própria à conversão, a qual os teólogos afirmam ser irresistível.

Isso, em última análise, equivale a dizer que se Nossa Senhora quiser Se fazer obedecer por todos os homens, Ela o poderia. E se não o faz é porque está agindo por desígnios superiores, em plena harmonia com os desígnios de Deus.

Ora, o fato de Ela não obter essa graça irresistível para os homens constitui da parte d’Ela uma punição, que no fundo é o exercício efetivo de seu poder de Rainha. Daí decorre que ainda quando os homens A abandonam, Ela não deixa de ser Rainha.

O “Segredo de Maria”

Portanto, ainda que por vezes não o faça, Ela pode determinar que os homens não A abandonem. Essa graça especialíssima, que age por cima da vontade humana, fazendo a alma progredir e se converter, é o que São Luís Grignion de Montfort chama de “Segredo de Maria”. Pela ação de tal graça a pessoa não deixa de ser inteiramente livre, mas, sendo tão prodigamente iluminada e auxiliada, torna-se incapaz de escolher o erro e o pecado. Pois a verdadeira liberdade é a possibilidade de escolher o bem; pelo contrário, a possibilidade de escolher o mal se chama libertinagem.

Quando Nossa Senhora, por razões misteriosas, obtém para alguém esta graça que trabalha a alma, transformando-a e fazendo-a florescer, dá-se com ela algo análogo ao que se deu com a água que, por sua intervenção, transmutou-se em vinho nas bodas de Caná.

Nossa Senhora intercede junto a Nosso Senhor, o Qual, impossibilitado de recusar um pedido de sua Mãe, pronuncia sobre nossas almas uma palavra que as transforma no mais saboroso dos vinhos.

Tais são as extraordinárias graças que podemos receber de Deus se o pedirmos por intermédio de Maria.

Simbolizar materialmente realidades espirituais

Há um modo de manifestar os desejos a Nossa Senhora que muito especialmente me atrai, mas que infelizmente tem se tornado cada vez mais raro. Ele me agrada, sobretudo, por atender a uma necessidade natural do homem, o qual, por ser composto de corpo e alma, tende a procurar expressar através de formas sensíveis e materiais os movimentos de seu espírito. Normalmente isto se realiza através de gestos do corpo, mas pode também ser praticado de outras formas.

Uma delas encontramos no costume de acender velas aos pés de uma imagem. Elas ardem até consumirem-se por inteiro em louvor a Nossa Senhora, simbolizando assim a pessoa que durante toda a sua vida se imola para louvar Maria Santíssima.

A vela quando acesa com este intuito torna-se um símbolo material da oração. O mesmo pode-se dizer a respeito da lamparina junto ao Santíssimo Sacramento, e do incenso, bem como de muitas outras coisas.

Lembro-me, por exemplo, de um ato de piedade que eu vi por primeira vez no Colégio São Luís, quando eu ainda era muito menino: em determinadas ocasiões, geralmente numa festa mariana, as pessoas escreviam num bilhete um ou mais pedidos, os quais eram depois reunidos e queimados de modo que a fumaça que deles se desprendia simbolizava as preces que sobem aos Céus, chegando a Nossa Senhora.

Isso, evidentemente, é um mero símbolo, pois não há de se imaginar que a fumaça em sua materialidade suba realmente até o trono de Nossa Senhora; porem, tal gesto representa de modo palpável algo de imaterial que são os desejos que temos na alma. Deste modo, de certa forma, contribui para tornar mais plena a nossa oração.

Por outro lado, isso certamente ajuda a que a oração seja mais bem recebida por Nossa Senhora, pois, apesar de simbólica, tal prática tem um valor efetivo.

O efetivo valor de um símbolo

Este valor é análogo ao da oração de uma pessoa que, contrita aos pés de um Crucifixo, chorasse seus pecados e com suas lágrimas umedecesse aos pés do Crucificado. Evidentemente, o pranto vertido sobre a imagem não molha os pés de Nosso Senhor no Céu; entretanto, pelo fato de as lágrimas molharem os pés da imagem de Cristo, de certa forma, se torna efetivo o gesto de banhar com lágrimas os pés adoráveis de Nosso Senhor.

Da mesma forma, o ato de apresentar os pedidos a Maria Santíssima escritos num bilhete para ser queimado e oferecido a Ela, quando feito com espírito de piedade, tem realmente muita profundidade e por isso mereceria ser perpetuado.

Muitas são as formas que temos para oferecer nossos pedidos a Maria. Seja qual for a que adotamos, o essencial é recorrermos sempre a Nossa Senhora Medianeira Universal, pedindo que Ela nos alcance de Deus a especialíssima graça de termos nossa alma inteira, irresistível e misteriosamente transformada, tal como a água nas bodas de Caná, para assim sermos verdadeiros súditos da Rainha do Universo e inteiramente conformes aos seus sapienciais desígnios.

(Dr. Plínio Corrêa de Oliveira -  Conferência de 31/5/1971)

 


segunda-feira, 15 de agosto de 2022

ASSUNÇÃO DE MARIA: TRIUNFO DE DEUS, GLÓRIA DA CRIAÇÃO

 





A Assunção de Nossa Senhora foi constituída em dogma pelo Papa Pio XII há poucos anos. Esse dogma foi ardentemente desejado pelas almas católicas do mundo inteiro, por ser mais uma das afirmações a respeito d’Ela que A coloca fora de paralelo com qualquer outra mera criatura, justificando o culto de hiperdulia que a Igreja Lhe tributa.

 

Suave morte seguida de ressurreição

Nossa Senhora, depois de uma morte suavíssima, qualificada com uma linguagem muito bonita pelos autores como a “dormição”, para indicar que, apesar de ter sido uma morte verdadeira, entretanto, mais pareceu um simples sono; Ela, depois da morte, ressuscitou como Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi chamada à vida por Deus e subiu depois aos Céus, na presença de todos os Apóstolos ali reunidos, e de uma quantidade muito grande de fiéis.

A Assunção representa para a Santíssima Virgem uma verdadeira glorificação aos olhos de toda a humanidade até o fim do mundo, e o prêmio que Ela deveria receber no Céu.

 

Momento sublime, espetáculo incomparável

Seria interessante se pudéssemos fazer uma recomposição de lugar para imaginarmos, à nossa maneira e de acordo com nossa piedade, como a Assunção se passou, uma vez que a respeito dela não existem descrições, havendo uma multidão de aspectos que poderiam ser representados.

Nossa Senhora subindo e, em baixo, os Apóstolos ajoelhados, rezando, com algo de inefavelmente nobre, sublime, recolhido, interior; todos eles com as expressões dos personagens de Fra Angélico. Em cima, o céu enchendo-se gradualmente de Anjos, também ao modo de Fra Angélico. O céu material tomando coloridos os mais diversos, com matizações, irradiações magníficas, de maneira tal a representar um espetáculo absolutamente incomparável.

Se Nossa Senhora pôde dar ao céu um colorido tão magnífico, tão diverso e produzir fenômenos tão excepcionais em Fátima, por que o mesmo não se teria dado por ocasião de sua Assunção ao Céu?

Ela, em oração, Se coloca de pé; o respeito e recolhimento tomam conta de todos os que estão ao redor; a semelhança física d’Ela com Nosso Senhor Jesus Cristo vai crescendo, vai se acentuando cada vez mais.

A glória de Nosso Senhor transfigurado vai se comunicar a Ela, cada vez mais Rainha, cada vez mais majestosa, cada vez mais Mãe também. Todo o seu íntimo se manifestando de modo supremo nesta hora de despedida. Alguns Anjos se aproximam, talvez os mais esplêndidos do Céu, e acompanham Nossa Senhora. Ela vai subindo...

Aos poucos o Céu vai se transformando, aquela maravilha vai mudando. A terra volta ao aspecto primitivo, os homens retornam às suas casas com a sensação que tiveram após a Ascensão de Nosso Senhor: ao mesmo tempo maravilhados e com uma saudade sem nome; desolados por algum lado, mas levando na retina algo que nunca tinham visto, nem podiam ter imaginado a respeito de Nossa Senhora.

É impossível pensar neste triunfo terreno, sem pensar no celeste que veio logo depois.

 

A glória da Rainha, prelúdio do Reino de Maria

O triunfo de Nossa Senhora começa no Céu! A Igreja Católica inteira vai recebê-La, todos os coros de Anjos, São José, Nosso Senhor Jesus Cristo A acolhe, Ela é coroada pela Santíssima Trindade.

É a glorificação de Nossa Senhora aos olhos de toda a Igreja Triunfante e Militante. Com certeza, neste dia a Igreja Padecente teve uma efusão de graças extraordinárias, e não é temerário pensar que quase todas as almas do Purgatório tenham sido libertadas por Ela. De maneia que também ali houve uma alegria enorme. Assim podemos imaginar como foi a glória dessa nossa Rainha.

Algo disso se repetirá, creio eu, quando vier o Reino de Maria.

No momento em que o mundo estiver transformado e a glória de Nossa Senhora brilhar sobre a Terra, terá começado o reinado d’Ela de modo efetivo, e os dias maravilhosos de graças, como nunca houve antes, começam a se anunciar.

Antes de contemplarmos a glória de Nossa Senhora no Céu, nós haveremos de contemplá-la na Terra, certamente, com algo que poderá nos dar, com uma tal ou qual analogia, com alguma semelhança desse triunfo sem nome que deve ter sido, mesmo aos olhos dos homens, a glória de Maria.

Houve triunfos que os homens prepararam para seus grandes batalhadores, por exemplo, quando as tropas francesas venceram os alemães, desfilaram sob o Arco do Triunfo, depois da Guerra de 1914-1918. Quando pensamos no triunfo para MacArthur ;  em tantos triunfos que os romanos preparavam para os seus generais vencedores. Assim, devemos compreender que Nosso Senhor Jesus Cristo, que é infinitamente mais generoso, deve ter premiado Nossa Senhora, no triunfo d’Ela aos olhos dos homens, de um modo incomensuravelmente maior, e que deve ter havido tudo quanto há de mais glorioso e triunfal nesta hora da Assunção de Nossa Senhora.

 

O senso da glória de Maria

Meditando nisso, aproximamo-nos da festa da Assunção, pensando qual virtude devemos pedir a Nossa Senhora. É claro que cada um deve pedir aquela de que mais carece. Mas não haveria demasia em pedirmos a Ela uma virtude em específico: o senso da glória d’Ela, para compreendermos bem tudo quanto representa sua glória na ordem da Criação, e o quanto esta é a mais alta expressão criada da glória de Deus. Devemos se sedentos de afirmar e defender – por uma virtude de combatividade levada ao seu último extremo -, a glória de Nossa Senhora na Terra.

Que Ela faça de nós verdadeiros cavaleiros, verdadeiros cruzados d’Ela, lutando por sua glória na Terra. Essa me parece a virtude mais adequada a pedir nesta festa de glória, que é a Assunção de Nossa Senhora. (Conferência de 14/08/1964)

(Extraído da revista “Dr. Plínio”, edição de agosto de 2022, págs. 12/14)


domingo, 14 de agosto de 2022

ALJUBARROTA, UMA GUERRA VENCIDA POR UM SANTO

 


A batalha de Aljubarrota, vencida por São Nuno de Santa Maria, o valoroso Condestável de Portugal, ocorreu em agosto de 1385, época em que os católicos passavam pela terrível crise do “cisma do Ocidente”, quando foi estabelecido em Avignon, na França, a sede do Papado e, depois que o Papa resolveu voltar para Roma, alguns cardeais resolverem eleger um outro papa naquela cidade, criando assim uma divisão, ou um cisma.

O reino de Castela sempre ambicionava tomar Portugal e a controvérsia do cisma ficou patente nessa questão de fronteiras e de domínios territoriais. Já haviam tentado invadir Portugal outras vezes, sem sucesso. Corria entre os castelhanos uma história que os fazia mais temerosos ainda de que obtivessem desta vez uma vitória completa. Ambos os reis, tanto de Portugal quanto de Castela, chamavam-se João I. Antes do primeiro cerco, a rainha-mãe de Castela, D. Joana, mandara alguns emissários consultar um piedoso frade franciscano, de Guimarães, sobre a questão da sucessão papal. Em resposta à consulta, o santo frade respondeu:

- Sabei que a rainha que vos mandou morreu; e que o vosso rei D. João não dará obediência ao Papa Urbano, e por isso Deus o castigará. 

O fato era lembrado pelos castelhanos quando se referiam à forma como tiveram que recuar no primeiro cerco à Lisboa. Agora, o teimoso rei retomava o mesmo caminho. Será que não seria castigado novamente? 

Quando Dom Nuno recebeu o chamado do rei, partiu imediatamente ao seu encontro, contando então com um contingente de quase três mil homens. Reunido com os conselheiros reais, fizeram-no ver que a melhor opção de luta era entrar com o seu exército invadindo a Andaluzia: assim o rei de Castela seria obrigado a recuar para proteger seus territórios. Para todos, seria loucura enfrentar o exército invasor, muito mais poderoso e bem equipado do que o português.

O santo Condestável Nun'Álvares Pereira fez ouvir sua possante voz para verberar a opinião dos tímidos, aqueles mesmos que tinham aconselhado o rei a não deixá-lo perseguir as tropas de Castela no cerco do ano anterior quando fugiam da peste. Desta vez, porém, era diferente. Agora ele era o Condestável do reino, era ele quem decidia os destinos da guerra. E ele estava ali para exercer o seu mando. Entrar na Andaluzia, indo a Sevilha cortar duas oliveiras podres, equivalia a perder Lisboa, e, perdida Lisboa, estava perdido o reino.  Será que era isto o que desejavam aqueles conselheiros tímidos? Abandonar Lisboa, sem capitão, à mercê da fome? Nunca! Tinha prometido por cartas à cidade que vedaria a passagem ao castelhano, e haveria de deixá-la à mercê da pilhagem e do saque? Não, nunca! Se el-rei não quisesse, iria ele sozinho! Mas, mudar de propósito, não mudava.

Foi inútil os argumentos. Todo o conselho foi contrário à opinião de Dom Nuno. Assim, partiu ele resolutamente para ir sozinho cumprir o seu propósito. Foi até seus homens, mandou selar os cavalos e em pouco tempo já estavam a caminho de Tomar, por onde deveria passar o exército castelhano. Os que ficaram no conselho apertavam as mãos na cabeça perante a grande loucura. Após a saída do Condestável, acusaram o mesmo perante o rei de rebeldia e insubmissão às suas ordens. Um conselho, porém, fez o rei tomar uma decisão.

Um entendido em leis, o jurista Gil de Ocem, disse ao rei que ele tinha que jogar todas as cartadas, pois não se podia lutar com o rei de Castela se valendo de estratégias e sim com o jogo da sorte e da vontade firme de vencer a qualquer custo. Deste modo, o Mestre de Avis conseguiria de qualquer forma sair com honra do confronto: se vencesse, a honra de vencedor; se perdesse, a honra de ter se batido com valor a defender sua pátria. Era preciso apoiar Dom Nuno.

Dom João I, de Portugal, sorriu e nesta hora, ao ouvir conselho tão vibrante, viu que a razão estava com o Condestável. Despachou então um emissário a Dom Nuno ordenando que voltasse, mas agora já com o propósito de partirem juntos a fim de combaterem o inimigo. Mas a resposta do Condestável, embora não surpreendesse Dom João I, foi dura:

- Não sou homem de muitos conselhos; tinha tomado a determinação de não deixar passar o rei de Castela e não mudei de opinião. Por mercê, deixe-me continuar no meu caminho. Se o rei quiser vir, encontrar-nos-emos em Tomar.  

Em vez dele voltar, o rei que fosse ao seu encontro. Com sua decisão Dom Nuno procurava salvar e arrastar consigo aqueles homens que poderia perder pela timidez. Enquanto esperava o rei, despachou três emissários ao arraial inimigo. Um deles levava uma carta ao rei de Castela, intimando-o a voltar para seu reino sob pena de sofrer batalha. Os dois outros emissários eram espiões com o objetivo de colher informações sobre as forças inimigas.

Dom João I chegou com sua hoste, que juntou-se à de Dom Nuno. Juntas as duas, via-se quão fracas eram para enfrentar o inimigo. Os nobres portugueses haviam se bandeado quase todos para o exército castelhano, poucos eram aqueles que aderiram ao Mestre. Era um exército bisonho, mal armado, sem homogeneidade, composto de cerca de 10 mil homens, tropas improvisadas para aquele momento e quase sem nenhum preparo.Do efetivo de dez mil, sete mil eram combatentes e o restante formava o pessoal de apoio logístico. Mas havia no comando um anjo celeste, com o dom de operar prodígios com recursos tão parcos.

Quando os espiões voltaram, contaram estarrecidos a Dom Nuno como se formava o exército inimigo. O Condestável, após ouvir o relato dos espias, ficou um pouco pensativo, e depois proibiu-lhes com determinação que não contasse nada daquilo aos outros, mas pelo contrário dissesse que os castelhanos eram poucos e mal treinados. E quando o Condestável ordenava, era obedecido.  Os espiões fielmente contaram aos soldados que os castelhanos eram gente muito descoroçoada... sem ânimo para a luta.

No entanto, o exército castelhano era de bom quilate e muito bem organizado. Tanto aparato e poder, de um exército muito mais vistoso do que forte, no entanto, era comandado por um rei jovem, mas doente e irresoluto. Além da falta de comando, sofria o jovem rei de uma doença que o fazia ficar sempre numa liteira. Temendo que poderia morrer a qualquer hora naquela guerra, havia feito o seu testamento. Esta situação deixava os comandados mais próximos muito inseguros. Ao mesmo tempo, corria entre a tropa miúda muitos receios e superstições, muitos dos quais Dom Nuno era mestre em espalhar no inimigo. Parece até que o Condestável de Portugal, por algum dom de discernimento, sabia onde morava a fraqueza de seus inimigos e não se deixou enganar pelas aparências.

Tanta era a confiança dos castelhanos em sua força e poder, que não procuraram embaraçar os movimentos de Dom Nuno, embora estivessem tão próximos e pudessem faze-lo.  Olhando de cima dos outeiros, Dom Nuno traçou ali mesmo em sua mente o plano de guerra. Saiu dali com todo o projeto da batalha construído em seu espírito. Num relance, percebeu como poderia derrotar o inimigo.

Havia no lugar uma fileira de montes, entre os quais um vale que tinha a passagem vedada para o nascente. Em sentido contrário, para o poente, havia um terreno levemente ondulado que ia terminar num lugar chamado Aljubarrota. Depois de Aljubarrota, segue o caminho para o sul em direção de Alcobaça. Era um terreno que numa parte era amplo, mas ia afunilando com os contrafortes dos morros até se fechar completamente a passagem no nascente. Uma espécie de cunha que obrigaria o grande exército castelhano a se bater contra os portugueses apenas nas partes mais apertadas. Uma verdadeira armadilha natural, que só o espírito meticuloso e santo do Condestável percebia.

Depois de analisar bem tais condições, Dom Nuno voltou ao seu acampamento em Porto de Mós, e nessa noite não conseguiu dormir. O dia ainda não tinha amanhecido e manda tocar a alvorada para preparar a partida. Os padres rezaram missa, os cavaleiros e soldados comungaram preparando-se para uma santa morte.

Enquanto os castelhanos não apareciam, Dom João I passava o tempo armando novos cavaleiros, uma forma de manter a moral da tropa elevada. Era auxiliado pelo arcebispo de Braga, Dom Lourenço, que levava no elmo, em vez de uma pluma, a imagem da Virgem Maria.  Havia escolhido aquele local também com outro propósito: evitar as deserções tão comuns nestas batalhas; era impossível que os soldados fossem tentados a fugir, pois só havia uma saída: para frente onde estava o inimigo.

O Condestável ajoelhou-se e rezou fervorosamente. Trazia uma jaqueta de lã verde bordada de rosas sobre a armadura. Portava a mesma espada que o alfageme lhe preparara em Santarém, e uma adaga que só tirava quando estava na igreja assistindo Missa. Em suas orações fervorosas, prometeu à Virgem Maria construir ali uma igreja em Sua homenagem, e à São Jorge também outra.

Tanto o rei quanto alguns de seus homens, como Dom Nuno, haviam jejuado porque era véspera da Assunção de Nossa Senhora, 14 de agosto.

Os castelhanos tinham tanta confiança na vitória que nem sequer formaram para a batalha, continuaram em ordem de marcha e começaram a mover-se como se estivessem recuando. Sem saber para onde, alguns pensaram que haviam desistido da batalha. Mas não.  Temendo o confronto direto naquela trincheira bem fortalecida, planejavam rodear os montes e atacar pela retaguarda.  Percebendo a manobra, Dom Nuno ordenou que seu exército invertesse as posições, passando a vanguarda para o local onde estava a retaguarda, e esta para onde estava aquela; também mudou a disposição das alas esquerda e direita, trocando-se as posições.

Fortuitamente, a nova disposição era mais favorável aos portugueses. Silenciosa e rapidamente, sem que os castelhanos percebessem, pois estavam circundando as colinas em marcha lenta, Nun'Álvares com sua vanguarda foi se postar na estreita garganta, por entre a retaguarda do rei que abriu passagem. Logo em seguida o mesmo movimento foi feito pelas alas.  Uma das vantagens era que agora a vanguarda ficava mais bem defendida, apertada entre dois ribeiros, reforçada com um fosso e toros de madeira, aproveitando os barrancos do terreno e os matagais, disposição feita por orientação dos amigos ingleses.

Quando os dois exércitos encontravam-se alinhados e prontos para a batalha, surgiu do meio dos castelhanos três parlamentares, fato corriqueiro momentos antes da batalha.  Dom João I acolheu-os e, percebendo que um deles era um dos irmãos de Dom Nuno, Diogo, mandou que o Condestável o recebesse. O irmão veio lhe pedir que passasse para o lado dos castelhanos, pois estava irremediavelmente perdido. A desproporção de forças era muito grande. Dom Nuno, secamente, respondeu que não e mandou-o de volta sem mais dizer palavras.

A batalha começou renhida e de difícil definição nos seus primeiros entrechoques. A luta se resumia no corpo a corpo, pois a cavalaria castelhana não tinha condições de avançar naquele terreno fechado e afunilado.

Do alto, o rei Dom João I viu que a retaguarda havia cedido um pouco. Corajosamente, desceu a colina com seus homens e partiu para frente a fim de defender os homens de Dom Nuno. Contam os cronistas que foi guiado nesta investida por Nossa Senhora das Oliveiras. Estava o rei valorosamente combatendo os inimigos, quando um castelhano o consegue desarmar e lança-o ao chão. Ia desferir o golpe mortal contra o rei, mas surge um português que mata o inimigo e livra o rei da morte iminente. Estando o rei envolvido na frente dos combates, isto foi motivo para animar mais ainda os soldados portugueses. Qual o filho que vê seu pai envolvido numa luta e não dá tudo por ele e por sua causa?

Esta era uma grande diferença entre os dois exércitos. Enquanto no exército português o rei combatia valorosamente, no castelhano o monarca encontrava-se doente e impotente para participar da peleja. Na época em que os reis tinham que mostrar seus valores no comando da batalhas, este fator pesou muito a favor dos portugueses.  E assim, foram eles gradualmente repelindo o assédio inimigo, matando cavalos e ginetes, castelhanos ou não

De longe, o rei de Castela, amarrado a uma mula, febril e confuso, notava que a balança estava pendendo contra ele. Haviam desobedecido sua ordem e estavam atacando o inimigo. Nesta situação, não restava outra opção senão mandar seguir o ataque com mais rigor. De lá onde estava acampado mandou a ordem que avançasse então a segunda linha de ataque, contrariando suas próprias determinações anteriores de aguardar com calma para que o inimigo se rendesse pela fome.

Um perigo começou a ameaçar os portugueses. A batalha que se vencia na vanguarda, começou a ser ameaçada na retaguarda, onde os castelhanos tinham mantido uma grande força de ataque e já iniciavam a investida. O Condestável, que percebia muito bem onde estava o maior perigo, correu imediatamente em socorro de seus homens na retaguarda. Chegando lá, restabeleceu o ânimo de sua tropa, repeliu valorosamente o ataque, conjurando o perigo. Deixando sua retaguarda em ordem e sem perigo iminente, voltou para a vanguarda, excitando em seus homens tal valor e coragem que alguns supunham ter chegado à loucura.

Restabelecidas as linhas de combate, restava agora aguardar o curso dos acontecimentos, que seriam favoráveis ao Condestável.  Em alguns instantes, os castelhanos começam a ceder, a recuar, muitos fogem para não morrer. Quando a soldadesca castelhana voltou-se sobre si e debandou em fuga desordenada, os portugueses gritavam de seu lado:

- Já fogem! Já fogem!

Estávamos numa segunda-feira, dia 14 de agosto de 1385, véspera da festa da Assunção de Nossa Senhora, uma das datas mais memoráveis na história de Portugal.

Foi uma terrível carnificina sobre o inimigo que fugia espavorido. Quando os castelhanos viram a tragédia, rapidamente desmontaram o rei da mula em que estava preso para assistir à luta, e depois o colocaram num veloz cavalo. O rei também foge! A notícia corre e a debandada é maior ainda.  Levaram o rei para Santarém, onde julgavam mais seguro. Aquilo fazia com que a derrota fosse mais irremediável.  Chegando a Santarém, o pobre rei dava punhadas de desespero no rosto, chorando e gritando. Quando seus homens mais importantes chegaram a Santarém para ver o que fazer para reorganizar as tropas, o rei, percebendo a gravidade do desastre, já partira. Regressou rapidamente a Castela.

Graças á Nossa Senhora da Assunção

Mas o Condestável não era destes homens que se embriagava fácil com a vitória. Temia ele que os inimigos, poderosos como eram, poderiam se reorganizar e voltar ao ataque. Além do mais, haviam alguns destacamentos castelhanos que não haviam entrado em combate, os quais estavam recolhendo os feridos e procurando os fugitivos, animando-os para uma nova investida.  O desastre fora uma surpresa inesperada e as perdas, embora consideráveis, não eram bastantes para deixar inativo o exército invasor. 

Prudentemente, Dom Nuno manteve-se em sua posição, fortalecendo seu arraial e armando guardas e vigias preparados para o que desse e viesse. Como sempre fazia em suas batalhas, deixava livre quem quisesse desertar, mas animava aqueles que ficavam fiéis com promessas de grandes legados, de alta estima e consideração, de participação inclusive nos butins, que eram sempre vantajosos.

No dia seguinte, terça-feira, era dia de Nossa Senhora da Assunção, a quem o Condestável e seu rei deviam toda aquela vitória fantástica. Como Dom Nuno viu o campo livre de castelhanos, que haviam fugido, resolveu seguir sozinho em romaria a Ourém, para agradecer à Virgem Maria pelos favores concedidos naquela batalha.  Muitos que o viam passar, imaginavam que estava indo ao enterro do irmão, Pedr'Álvares, morto na batalha. Engano, pois o cadáver de seu irmão não foi encontrado para ser enterrado dignamente.

A notícia correu pelo país. Os castelhanos haviam sido vencidos em Aljubarrota pelo Condestável Dom Nun'Álvares Pereira, o rei deles fugira, o exército deles estava destroçado e sendo caçado em todos os lugares em que estavam. As guarnições castelhanas que haviam em Portugal começavam a fugir com medo. Os alcaides portugueses, que antes temiam apoiar Dom João I, finalmente se pronunciavam. A batalha de Aljubarrota mudava o rumo da nação portuguesa. Muitos agora, antes indecisos, queriam apoiar o rei vitorioso.

No sábado seguinte, dia 19 de agosto, Dom João I entrava em Santarém, reduto invencível dos castelhanos, já como rei vitorioso, aceito como rei inconteste daquele povo. Vinha trazendo a sua coroa com o batismo do sangue, o sacrossanto batismo do sangue da guerra que Dom Nuno a muito tempo o animava a receber.

Enquanto isto, em Lisboa, o povo se regozijava com as notícias que lhe traziam os viajantes. No próprio dia 15 de agosto, já chegara um homem com a notícia de que vira o rei de Castela fugindo; outro contara que a vitória dos portugueses, em Aljubarrota, tinha sido total.  Não havia como duvidar daquelas notícias, trazidas por gente séria. Finalmente, estavam salvos! Estavam livres! Abraçavam-se, bailavam, choravam de alegria. Como bons cristãos que eram, logo formaram uma procissão para agradecer à Nossa Senhora pelos favores celestes, concedidos no dia de tão grande festa.

Mas a guerra, para Dom Nuno, não acabou. Ele havia vencido uma batalha, mas sabia que tinha ainda muitas lutas a travar para finalmente jugular a arrogância de Castela. Não podia dormir sobre os louros daquela vitória. Despediu-se do rei e partiu para o campo de batalha. Antes de tudo, tinha que saldar contas com Nossa Senhora, que o protegera, e assim fez uma romaria a Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães. Depois, começou logo a cumprir a promessa de mandar erigir uma igreja em honra de Nossa Senhora no próprio local da batalha.  Dom Nuno era um homem desapegado ao dinheiro, e tudo o que lhe foi dado como ganho em Aljubarrota entregou aos religiosos para iniciar a construção do templo. 

 (Extraído, com adaptações, do livro "A Vida de Nun'Álvares", de Oliveira Martins, Lello & Irmão - Editores, Porto, 1983).