domingo, 30 de julho de 2023

A VERDADEIRA FELICIDADE

 



O desejo ou a busca da felicidade é uma espécie de instinto colocado na alma do homem ao ser criado, a fim de que, através dele, aspire a felicidade eterna, a beatitude celeste, segundo declarou Santa Catarina de Gênova em seu tratado sobre o purgatório:
“Quando Deus cria uma alma, da parte de Deus ela sai pura, simples, isenta de toda mancha de pecado e dotada de um instinto que a impele para Deus, como seu centro e beatitude.  Mas o pecado original debilita muito este instinto, e ainda mais o pecado atual. Esse instinto é dependente do da sociabilidade, pois ninguém pode ser feliz sozinho.

Assim como no antigo paganismo, a sociedade moderna tem como meta primordial essa busca da felicidade.

Vejam o que diz Dr. Plínio sobre esta felicidade:

“Um problema que frequentemente se põe para os jovens do mundo contemporâneo diz respeito à verdadeira felicidade: onde e de que maneira alcançá-la?

Ainda me lembro de como esta questão se apresentava aos moços do meu tempo. .

Em geral, eram rapazes que não enfrentavam dificuldades graves de nenhuma espécie, criados em ambientes familiares bem constituídos, e com toda uma existência regular à sua frente. Nessas condições, o moço logo pensava no que fazer para ser feliz.

Falsa ideia de felicidade

Dessas análises, a primeira noção que vinha ao espírito do jovem é a de que o homem nasceu para ser feliz. E se assim não fosse, a bem dizer não valia a pena ter nascido.

...o normal nesta Terra é a alegria contínua, nunca interrompida por nada de desagradável. Apenas o bem-estar, as boas perspectivas, as ideias animadoras, aquilo que faça as pessoas conversarem de modo jovial, agradável e, sobretudo, as faça rir. Eis a máxima noção de felicidade.

Então, numa roda de amigos, quanto mais se ri, mais se supõe que estão felizes. E se são pessoas que têm o hábito de estarem sempre sorrindo, os terceiros se referem a eles como sendo muito venturosos, porque demonstram seu contínuo regozijo interior.

...o jovem capaz de ditos jocosos e de provocar a hilaridade em torno de si, faz o papel de um “spray” de felicidade, de cujas emanações todos querem se beneficiar.

...era uma verdadeira satisfação pessoal a pessoa ser engraçada, pois a queriam por toda parte. ...O rapaz engraçado – ou a moça engraçada – era o eixo e o centro de tudo.

Como não será fácil perceber, o contentamento assim concebido é exclusivamente egoístico, baseado na procura e na fruição dos prazeres pessoais e mundanos. Trata-se de ir atrás de todas as satisfações, lícitas e ilícitas, fugindo da morte quanto for possível, das prolongadas doenças, das deficiências físicas, das contrariedades morais e psicológicas, dos infortúnios e dos sofrimentos.

Graves consequências das alegrias frenéticas

Ora, essa corrida desenfreada atrás de uma felicidade incessante e equivocada esmigalha tanto a alma e a personalidade do homem, deforma-o tanto que ele se esquece por completo do que seja a verdadeira felicidade. E não pode haver pior infelicidade do que a de ficar cego para a autêntica alegria.

“Só o que é gostoso torna feliz. Se tudo que é gostoso a mim não me fez feliz, então...” 

O homem verdadeiramente feliz

A verdadeira felicidade não está nessa avidez de emoções e de sensações pecaminosas, mas na temperança oriunda da fé católica, apostólica, romana, bem correspondida. É feliz o homem que compreende a realidade desta vida como ela é, que sente todas as coisas nas suas devidas proporções e diante delas reage em consequência. É o homem imbuído da noção de que não é razoável nem é de acordo com a natureza humana – portanto, não é também de acordo com a moral católica – querer a todo momento algum prazer, alguma satisfação.

O homem feliz vive do equilíbrio entre a realidade e as vibrações que ela provoca. Não foge do sofrimento nem do que é desagradável. Se algo é ruim, ela procura remediá-lo. Se não é possível, pede a Deus resignação e forças para se habituar às condições desfavoráveis e às provações que Nosso Senhor dispôs que ele sofresse, entendendo que é para o seu bem, para alcançar méritos para a outra vida – esta, sim, feita de uma felicidade perene e sem jaça.

O homem verdadeiramente feliz é aquele que tem a consciência tranquila, porque possui uma alma batizada e virtuosa, fiel aos Mandamentos da Lei de Deus, do mesmo modo que quando se é pequeno e inocente.

Saudades da infância feliz

Volto, uma vez mais, a um exemplo pessoal. Sempre me lembro, com saudades, da minha primeira infância, antes de entrar no Colégio São Luís. Eu era um menino imensamente feliz. Que alegrias eu carregava dentro de minha alma! Que felicidade eu sentia dentro de mim! Tão intensa que, um pouco mais capaz de raciocinar, comecei a analisá-la e a procurar a causa de tanto júbilo.

Era a sensação da consciência satisfeita consigo mesma e em paz com Deus. Era a felicidade da inocência primeva, que a pessoa carrega em si enquanto não ofende a Nosso Senhor.

A posse de um estado de alma onde tudo nos oferece essa impressão, onde estamos em condições de ver e de nos encher dessa alegria, porque é um reflexo de Deus e, portanto, nos comove do mesmo modo – isso sim dá uma verdadeira felicidade.

Uma alegria que chega a seu ápice genuíno quando se começa a conhecer e a amar a Santa Igreja Católica.

Mais do que um magnífico panorama, mais do que uma estupenda flor, mil vezes mais do que qualquer saboroso prato de comida, mais que tudo nos cumula de satisfação a Esposa Mística de Nosso Senhor Jesus Cristo.

No que me diz respeito, já tive oportunidade de narrar como me sentia feliz ao ir à igreja nos dias de preceito. Como ela me parecia um santuário celestial, transmitindo-me as mais eloquentes impressões de harmonia, na sua composição de cores e de formas, parecendo-me tão digna, tão séria, tão recatada, enfim, a expressão da própria santidade.

Sobretudo no momento da Missa, quando os sinos e o órgão tocavam, o sacerdote entreva vestido de lindos paramentos e o coro entoava belos cânticos religiosos. Depois, a hora da Consagração, a elevação do cálice, atos que me enchiam de amor e entusiasmo pela Liturgia católica. Eu comungava, e tinha a convicção de que o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo , o Homem-Deus estava dentro de mim. Misteriosamente, toda aquela felicidade chegava ao auge: “Oh! Que maravilha!”

 “Por mais que sofra, por mais que lute, por mais que haja dificuldades, ainda que fosse apenas para levar uma existência, tanto quanto possível, digna de ser vivida neste vale de lágrimas, valia a pena, só para ser filho da Igreja. Aí o homem encontra a parcela de felicidade – mas que parcela de ouro! – que a vida pode de fato dar.

O bem-estar da dor cristã

Mas, ao mesmo tempo em que se alcança essa felicidade, compreende-se também que a venturosa influência da Igreja só perdura nas almas na medida em que elas saibam sofrer.

...o bom católico  começa a compreender o valor do sofrimento, do qual os pseudo-felizes tanto fogem. ...a dor é para a alma humana o  que é o fogo para um metal que deve ser separado da ganga e purificado: sofre-se, porém com resignação e dignidade. Isso dá à alma uma tranquilidade, uma harmonia, uma força que não há prazer que pague.

Oh, o bem-estar da dor cristã!

Às vezes, quando pequeno, eu me colocava diante de crucifixos ou imagens do Senhor Com Jesus e, olhando-as, pensava:

“É misterioso, Ele está coberto de dores, mas se percebe n’Ele uma congruência, um  vigor, uma coerência, uma resignação que me Levam a dizer: nunca um homem foi tão invejável como o Homem-Deus no auge de sua tristeza!”

É preciso, portanto – se este for o desígnio da o

Providência para nós -, ter a coragem de penetrar no mar de dores e aguentá-las. Quando se procede assim por amor de Deus, uma certa doçura penetra em nós e nos habita, uma suavidade que é única e que faz parte desse  bem-estar de ser filho da Igreja.

Peçamos a Nossa Senhora, Ela que é a Causa de Nossa Alegria, que nos conceda a verdadeira felicidade. Será, muitas vezes, a felicidade da dor. Per crucem ad lucem: pela cruz se vai à luz. Tenhamos coragem, e lá chegaremos”.[1]

Sardanápalo, modelo da “felicidade” pagã deste mundo

Em sua famosa obra “Cidade de Deus”, Santo Agostinho comenta como deve ser a verdadeira felicidade social, mostrando como vivia a sociedade pagã de seu tempo em busca de uma falsa felicidade. No final, Santo Agostinho coloca como exemplo dessa felicidade mentirosa a vida de um personagem da Antiguidade, Sardanápalo, o qual suicidou-se com toda sua família e pediu que junto de seus corpos fossem enterrados todos os objetos com que gozavam os prazeres da vida, não permitindo que outros também os desfrutassem..

O relato do fim de vida deste triste imperador da antiguidade pagã (ocorrida cerca de 612-609 a.C.) não é muito diferente de outros reis e patriarcas que viviam segundo os princípios idolátricos e filosóficos daqueles tempos. Vejam como a Wikipédia narra tal vida:

“Sardanápalo ultrapassou todos os seu antecessores em ociosidade e luxúria, sendo essa toda a sua vida. Vestia roupa feminina e usava maquilagem. Tinha muitas concubinas, não só mulheres mas também homens. Escreveu o próprio epitáfio, onde dizia que o prazer físico é o único propósito na vida. Uma aliança de medos, persas e babilônios desafiou os assírios. Sardanápalo envolveu-se pessoalmente nos combates e repeliu várias vezes os rebeldes, mas não conseguiu derrotá-los. Pensando que o tinha conseguido voltou ao seu estilo de vida decadente, ordenando sacrifícios e celebrações. Entretanto os rebeldes receberam reforços e suas tropas foram surpreendidas quando festejavam e foram derrotadas. Voltou ele, então, para Nínive, ao mesmo tempo que colocou no comando do seu exército o seu cunhado, rapidamente derrotado e morto. Após ter posto a sua família em segurança, preparou-se para resistir em Nínive. Conseguiu aguentar um longo cerco, mas chuvas intensas provocaram cheias no Tigre, que levaram à queda de uma das muralhas de defesa. Para evitar cair nas mãos dos seus inimigos, Sardanápalo mandou erigir uma enorme pira funerária para si próprio, onde empilhou "todo o seu ouro, prata e trajes reais", após o que encerrou todos os seus eunucos e concubinas dentro da pira, à qual lançou fogo e onde morreu com eles.

A resenha desse enlace trágico diz que ele determinou que suas riquezas e tudo o que lhe dava prazeres tinha que ser enterrado junto com seu corpo a fim de que ninguém mais desfrutasse daquilo.

Mas, pensando bem, será que a sociedade moderna desfruta realmente desta felicidade que alardeiam aos quatro ventos? Ou será que revivem em suas vidas a de novos Sardanápalos, prontos a suicidar-se a qualquer momento como ocorre com muitos? Lembremo-nos de que o demônio nunca dá o que promete, pelo contrário, tira tudo o que temos de bom.

 (Vejam nossa postagem anterior sobre a felicidade social: 

 https://quodlibeta.blogspot.com/search/label/Felicidade%20social)


 

 

 

 

 



[1] Extraído da revista “Dr. Plínio”, edição 35, de fevereiro de 2001, seção “Dr. Plínio Comenta”, págs. 12/17


sábado, 29 de julho de 2023

O MUNDO E OS PECADOS SOCIAIS DAS NAÇÕES

 





No Evangelho consta que o homem tem 3 inimigos da alma, que são a carne, o mundo e o demônio. A carne são nossos instintos com suas más inclinações; o mundo é a sociedade em que vivemos, e o demônio é o anjo mau que vive constantemente nos tentando na revolta contra Deus. E, talvez, o que mais influi em nós para a vida pecaminosa são os pecados sociais, quer dizer a vida do mundo, pois muitos vivem assim pecando sem perceber o mal que fazem pelo fato de ser algo comum a todos. Dr. Plínio Corrêa de Oliveira define muito bem esse “mundo”, que ele denomina de “mentalidade das Nações”:

“O ESPÍRITO DO MUNDO - E a mentalidade das Nações

Na primeira parte de sua preparação para a Consagração, São Luís Maria Grignion de Montfort deseja que as pessoas façam uma operação de esvaziamento do espírito do mundo.

Para esvaziar-se do espírito do mundo, devemos começar por saber como ele é.

O mundo é a sociedade temporal na qual o indivíduo vive. Em todo país católico, como o Brasil, existem duas sociedades: a espiritual e a temporal. Num certo sentido, a sociedade temporal vive na espiritual e, em certo outro sentido, a espiritual vive na temporal.

Habitualmente, o mundo tem um determinado modo de pensar, de agir e de viver, que todos os seus habitantes – ou pelo menos uma boa parte deles – reputa verdadeiro, exato, conforme a suas tradições, a seus costumes, a seu modo de ser, a sua cultura, etc., e querem conservá-lo.

O mundo considerado assim, ou é definidamente católico, e neste caso é um colaborador da Igreja, ou não é inteiramente católico mas, em parte ou no todo de sua mentalidade, é considerado de um modo oposto ao que a Igreja ensina e, neste segundo caso, é adversário da Igreja.

Isso supõe o princípio de que cada sociedade temporal tem uma mentalidade, ou seja, um conjunto de princípios, de modos de viver e de sentir, uma cultura, uns costumes, uma tradição, esperanças, preferências, etc., e esse conjunto representa as aspirações de todos os seus integrantes.

O indivíduo que tem a mentalidade do mundo vive muito bem nesse ambiente no qual ele tem o consenso geral, pois ele está de acordo com esse consenso. Acontece que se esse consenso não é inteiramente católico, o homem que vive nesse ambiente sofre uma solicitação contínua para deixar a mentalidade da Igreja e tomar a do mundo. E, nesse sentido, o mundo, então, é o grande inimigo da alma.

Nesse caso, a Igreja adverte seus filhos: ”Não tomem a mentalidade do mundo, que é má!”

Ter uma idéia bem clara do espírito do mundo

Nossa defesa contra o espírito do mundo, então, tem de ser termos uma idéia bem clara do que é esse espírito, como ele se estrutura, qual é a sua força e como se pode produzir a sua derrota.

Alguém dirá: “Isso é impossível”.

Eu lhe perguntaria: “Você examinou? Você tem sequer idéia de qual é o adversário que estamos combatendo? Como é que você diz ser impossível uma coisa que você não conhece?”

É claro que todas as coisas que não conhecemos podem nos parecer impossíveis. Mas, na realidade, são francamente possíveis se as conhecermos bem.

Derrotar o espírito do mundo é possível em duas dimensões: individual e coletiva. Individualmente, apontando a um indivíduo bem precisamente o que é o espírito do mundo, para ele o combater em si. Pois se ele não sabe o que é, não poderá combatê-lo; no máximo, fará uns combates esporádicos contra um aspecto ou outro, mas não arrancará o monstro inteiro de dentro de si. 

No início, a Igreja tinha diante de si “mundos” diferentes

Se tomarmos a História da Igreja nos primeiros séculos – em face dos povos do Mediterrâneo, onde ela se desenvolveu inicialmente, e do Oriente Próximo – veremos que ela encontrava mundos diferentes, porque as estradas eram muito pouco transitáveis, as comunicações eram difíceis, e por isso cada país tinha sua mentalidade, sua cultura, e formava um “mundo” próprio. Ora podia um determinado “mundo” – neste sentido da palavra – estar muito próximo da Igreja, ora podia estar mais longínquo dela.

Por exemplo, os romanos eram muito primitivos quando a Grécia estava no seu apogeu. Por sua vez, quando Roma chegou a seu apogeu, a Grécia era um conjunto de decadentes, mas a cultura grega tinha sido inteiramente assimilada pelos romanos, os quais passaram a viver segundo a mentalidade dos gregos.

A cultura grega tinha-se espalhado por um “mundo” que abrangia, além da Grécia propriamente dita, parte da Península Balcânica, Bizâncio, e parte da Península Itálica, inclusive Roma. Mas uma parte desse mundo era bárbara ainda.

Do outro lado do Mediterrâneo estava o Egito, com uma cultura sensivelmente diferente da cultura grega.

Em cada país a Igreja tinha uma posição diferente perante o mundo.

Como a mentalidade gera o estilo

Antigamente via-se como uma nação era diferente da outra considerando os monumentos, a literatura, e tudo o que havia sido legado pela tradição. Isso foi assim desde o antigo Egito até a Revolução Francesa e as grandes invenções. Até o século XIX, as nações eram muito diferenciadas umas das outras; cada uma com sua mentalidade, com seu modo de ser, com sua filosofia, constituía um mundo à parte.

Por exemplo, o estilo arquitetônico clássico grego, superconhecido, superlouvado, como é que se formou? Houve um tempo em que os gregos viviam em choupanas. Em certo momento, eles começam a construir, e começam a aparecer obras monumentais, extraordinárias, não pelo tamanho, mas pelo gosto, pela harmonia, pela simetria.

Como se chegou da barraca de um povo de pescadores mais ou menos ignorantes ao Parthenon de Atenas, por exemplo?

Alguém dirá: “Dr. Plínio, é muito simples. Um belo dia, apareceu um homem com talento, e havia outro homem que queria construir um templo e lhe deu o dinheiro necessário. Aquele, então, o construiu. Pronto”.

Não é assim. O estilo clássico grego, quando apareceu, encontrou o apoio entusiástico de toda a população, porque um estilo apresenta sempre a imagem de uma mentalidade. Era preciso, pois, que essa mentalidade já estivesse meio incubada nos atenienses para que, quando aparecesse o estilo, eles exclamassem “É isto!” Quer dizer, houve, em primeiro lugar, uma elaboração do estilo no subconsciente dos atenienses.

Não é que eles estivessem o tempo inteiro à sua procura, pois há certas coisas que o homem só encontra  quando não pensa muito nelas.

O conjunto dos habitantes de Atenas tinha uma espécie de avidez daquele estilo.  Quando apareceu um homem especialmente capaz de sentir em si – por ser um ateniense muito típico – aquela avidez coletiva, e dotado dos meios artísticos para dar expressão arquitetônica a esses sentimentos, ele fez o Parthenon. Mas quando o fez, ele agiu como um porta-voz de todos os moradores da cidade, de tal maneira que houve uma aclamação geral por sua obra.

Estilo, aqui, não é só o estilo arquitetônico. No caso grego, é toda uma mentalidade ateniense, todo um espírito que, em alguma medida – sem exagerar nada – os filósofos de Atenas e seus grandes intelectuais exprimiram.

Duas mentalidades refletidas num pequeno episódio

Por exemplo. Conta uma lenda que houve um concurso de escultura em Atenas, para o qual se admitiu toda espécie de escultores que quisessem concorrer. E as duas estátuas mais avaliadas foram uma deusa esculpida por um grego e uma rainha esculpida por um persa.

O escultor persa talhou sua estátua com um vestido riquíssimo, à maneira dos potentados persas. A Pérsia, sendo um rico império, tinha todo o luxo, todo o esplendor da corte imperial. Por isso, aparecia neles a preocupação de apresentar nas suas esculturas o esplendor da corte, como um elemento integrante da mentalidade nacional.

Por sua vez, os gregos em Atenas constituíam uma república que se tornou célebre. O fato concreto é que o grego esculpiu uma deusa muito bonita, mas vestida de uma túnica simplicíssima.

O júri, constituído por gregos, fez uma apreciação entre as duas obras de arte e deu a vitória à estátua grega. O escultor persa, naturalmente, ficou indignado – é clássica a oposição entre os dois povos – e protestou:

- Por que é que minha escultura não ganhou? Ela está tão ricamente adornada!

Os membros do júri lhe responderam:

- Tu a esculpistes rica porque não a soubestes esculpir bela.

Os senhores estão vendo que, num pequeno episódio, são duas filosofias e duas mentalidades que se deixam ver.

A consonância atrai, a dissonância repele

Numa cidade antiga havia bairros, havia estrangeiros, havia tudo o que há nas cidades de hoje. Nas cidades, hoje como antigamente, os vários bairros entram numa espécie de contato mudo uns com os outros, muito mais pelo olhar e pela convivência do que pela conversa. E o modo pelo qual um bairro influencia outro, cria nele uma mentalidade de conjunto que é propriamente a sua “filosofia”.

Desta maneira, cada bairro tem sua filosofiazinha própria e acaba tendo um certo contato – mais próximo ou mais remoto – com outro bairro. Forma-se, assim, uma espécie de “bolsa de filosofias”.  Essas filosofias são afins, por causa da vizinhança. E, postas numa mesma bolsa, engendram uma “filosofia comum”, a qual é uma filosofia ampla, abrangendo todos os aspectos da vida, e constituem uma mentalidade total.

Em geral, quando um indivíduo é político e quer ser esperto, ele percebe que quanto mais suas opiniões forem características de um certo ambiente, mais ele atrairá esse ambiente em torno de si. E que quanto mais, em vez de características, suas opiniões forem dissonantes, mais ele repelirá o ambiente que o rodeia.

Qual é o resultado disso?

É que o ser humano, desde menino, vai instintivamente procurando ficar parecido com os outros e tomar a mentalidade dos outros, para ter um convívio agradável com eles. Percebe, às vezes, as dissonâncias de um modo muito vivo, e aceita algumas coisas, mas recusa outras. A maior parte das pessoas aceita tudo, e forma esse “bolo” que, no seu conjunto, se chama “opinião pública”.

Portanto, se alguém quiser ter um rumo na vida, precisa perceber que efeito está causando e julgá-lo: se for um efeito razoável, aceitar; se for de acordo com a fé, aceitar; se for bom, aceitar ainda muito mais. Se for contrário em algo ao espírito, sobretudo, à doutrina da Igreja, recusar. E fazê-lo a qualquer preço. Se a pessoa assim não proceder, se ela não exercer uma vigilância contínua sobre si mesmo nesse ponto, acabará se tornando peteca nas mãos dos circunstantes”.[1]

O mundo ateu

Em outra oportunidade, Dr. Plínio assim se refere a um pecado social muito comum na sociedade moderna, que é o do ateísmo:

"...Assim, há ateus que se alegram com a convicção de que "Deus não existe". A tal ponto que se algum fato evidente — um milagre retumbante por exemplo — o convencesse do contrário, bem poderia acontecer que ele passasse a odiar a Deus, e até a matá-Lo, se fosse possível.

Outros ateus estão de tal maneira enchafurdados nas coisas da terra, que seu ateísmo não consiste em negar que Deus existe, mas em desinteressar-se inteiramente do assunto. Se é cabível a distinção, eles não são "ateus", no sentido mais radical e aliás corrente da palavra, mas "a-teus", ou seja, laicos. Concebem sem Deus a vida e o mundo. Caso se lhes provasse que Deus existe, veriam n’Ele um ser "con il quale o senza il quale, il mondo va tale quale". Sua reação consistiria em decretar contra Ele um total e perpétuo banimento dos assuntos terrenos.

Mas há um terceiro gênero de ateus. A este pertencem os que, acabrunhados pelos trabalhos e decepções da vida, e vendo bem, por amarga experiência pessoal, que as coisas desta terra não passam de "vaidade e aflição de espírito" (Eccles. 1, 14), gostariam que Deus existisse. Mas tropeçando nos sofismas do ateísmo, aos quais outrora haviam aberto o espírito, atados pelos hábitos mentais racionalistas a que aferraram a mente, tateiam agora nas trevas sem conseguir encontrar o Deus a quem outrora rejeitaram. Quando medito na apóstrofe de Jesus Cristo: "Vinde a mim, ó vós todos que estais sobrecarregados e fatigados, e eu vos restaurarei" (Mt. 11, 28), penso mais especialmente neste tipo de ateus. E tenho mais especialmente vontade de os chamar "caros ateus"...[2]



[1]Revista “Dr. Plínio”, nº 63, junho de 2003

[2] PLÍNIO CORREA DE OLIVEIRA - Artigo “A ti caro ateu”, "Folha de S. Paulo", 31 de agosto de 1980


quarta-feira, 26 de julho de 2023

A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O FEMINISMO

 


Enquanto a Revolução na política e nos costumes se propagava por golpes e revoltas sangrentas na França por cerca de 100 anos (1789 a 1870), nascia na Inglaterra o que se denominou de “Revolução Industrial”, a qual teve maior desenvolvimento no decorrer do século XIX. A única revolução dita política (depois da revolta anglicana do século XVI) havida naquele país no período foi a ampliação e reforma do Parlamento com a criação da Câmara dos Comuns  (que seria eleita pelo povo) em confronto com a Câmara dos Lordes (nomeada pelo rei). Tendo boas reservas minerais, muito dinheiro e com a mecanização bem sucedida, a Inglaterra tomou a dianteira na disputa pela industrialização. Na primeira fase da chamada “Revolução Industrial” (mais ou menos de 1760 a 1870), o Império Britânico quase não encontrou rival e pôde se consolidar como o principal centro da economia capitalista mundial. 

A Revolução Industrial e a mulher européia

A burguesia mercantilista escolheu a Inglaterra, o “paraíso” dos negócios de então, para aplicar seus altos capitais na “Revolução Industrial”.  Assim, a soldo de tanto dinheiro, surgiram logo novas técnicas e novas fontes de energia para que a idéia daquela Revolução fosse adiante. Em busca de riqueza e fama, tivemos no século XIX uma verdadeira “febre”  de invenções, como a do motor a vapor, dos trens, dos bondes, dos teares mecânicos, etc. Inicialmente, o “front” revolucionário do enriquecimento da burguesia mercantilista do mundo todo era a indústria de tecelagem e algodoeira. Aperfeiçoaram-se as máquinas de cardar, bater, fiar, tecer, todas movidas ainda a vapor. As novas máquinas permitiam produzir mais com menos gente. Desta forma, poder-se-ia contratar mulheres e crianças (mão-de-obra mais barata) em vez dos homens. Temia-se que o desemprego entre os homens causasse algum transtorno social no país, mas nem por isso deixaram de pôr em prática seus planos. A única coisa em que se pensava era que com a redução dos custos haveria mais produção e se poderia criar mais fábricas e gerar novos empregos. Foi isso que deu a famosa “arrancada”  industrial à Inglaterra de então.

Foi seguindo o curso da “Revolução Industrial” que também surgiram as revoltas sindicais, as lutas por direitos de voto, pela “democratização” da política, por menos carga horária dos trabalhadores, e pela liberdade da mulher... Isso porque aquela burguesia, no afã de um rápido enriquecimento, não dava aos seus operários o valor humano que eles mereciam. Utilizava em suas fábricas uma mão-de-obra barata e sem qualquer qualificação, geralmente composta em sua maioria de mulheres e crianças. Lá, os pioneiros dos movimentos que a esquerda chama de “sociais” foram os sindicalistas denominados de “cartistas”: defendiam na Inglaterra a aprovação dos princípios da “Carta do Povo”, através do sufrágio universal (somente masculino ainda), do voto secreto, da renovação anual do Parlamento e de outros princípios democráticos.

 Palácios fascinantes

Como chamar a atenção de investidores de outros países?  Como propagar a toda a sociedade que a “Revolução Industrial” traria prosperidade e felicidade para todos? Pelo fascínio. Em meados do século XIX, idealizou-se uma grande exposição industrial em Londres, destinada a todos os povos da terra, realizada num luxuoso palácio cheio de maravilhosos espelhos de cristais. Dizia-se que o homem encontrava-se perante o “espelho do futuro” ante aqueles fulgurantes espelhos.  Diante de um “chafariz”  de puro cristal, com dez metros de altura, situado no centro do pavilhão principal, a rainha Vitória inaugurou solenemente a feira industrial das nações: lá estavam expostos milhares de artigos e artefatos industriais, teares, guindastes, máquinas agrícolas (especialmente destinadas ao plantio de algodão), em curioso contraste com o luxo dos cristais. Entre os expositores havia estrangeiros, mas os ingleses, é claro, eram maioria.

Os visitantes ficavam fascinados com tanto luxo e deslumbramento, destinados no entanto para acomodar simples “stands” de exposições de máquinas e engenhos mecânicos dos mais variados tipos. O público exclamava admirado que ali havia um palácio de sonhos! Era o futuro fulgurante e maravilhoso que se descortinava por detrás do brilho dos cristais.  Milhares de pessoas, inclusive vindas de outros países, pagaram ingressos para ver aquela maravilha. Lá estavam também banqueiros, comerciantes e industriais (de onde viriam as fortunas para o novo investimento), além de artesãos (simples mão-de-obra ou os que queriam crescer na nova atividade), ricos ou pobres, pois a todos era destinada aquela fascinação. Principalmente mulheres, muitas mulheres, que levavam com elas seus esposos, filhos,etc. Muitos daqueles que foram lá admirar o palácio de cristal, apesar de passar por certa crise financeira pelo desemprego, sentiram-se momentaneamente esquecidos de seus problemas e passaram a sonhar no futuro.  De repente, sentiram-se estar penetrando numa nova era de paz, prosperidade e felicidade... Era o poder do fascínio pela teconologia e pelo progresso industrial.

Alguns anos depois a cena se repete, desta vez em Paris: no ano 1900 (passagem do milênio, quando os homens são tentados pela miragem do futuro risonho e feliz) era inaugurado o “Palácio da Eletricidade”, um suntuoso prédio, feericamente iluminado, que abrigava uma esplendorosa exposição de produtos elétricos, onde se mostrava as novidades de lâmpadas, dínamos, fusíveis, soquetes, interruptores, disjuntores e todos os recentes inventos que faziam da eletricidade o novo “glamour” da humanidade. Um jornal da época comentou: “Sem eletricidade a exposição não passa de uma massa inerte, sem o menor sinal de vida...  um simples toque de dedo no interruptor e o fluido mágico brota. Por toda parte, a alma do Palácio da Eletricidade dá luz e vida a tudo”.   Era a modernidade do progresso tecnológico que encantava a milhões, fato repetido pela TV e pelo computador dos dias de hoje. Naquele tempo, porém, era necessário que os “Palácios”, seja de cristal ou de luz, dessem “glamour” a tais engenhos a fim de levar o fascínio às multidões. No advento da TV, dos jatos de luxo e do computador e do celular, a Revolução não precisa mais de “palácios” , seja de cristal ou de luzes elétricas, pois o fascínio pelo progresso tecnológico já havia sido enclausurado no coração do homem.

O ambiente pós-Revolução Industrial

Lançadas as bases da concepção da Revolução Industrial e vitoriosa esta, principalmente na Europa, ficava no subconsciente das multidões a idéia de que o homem finalmente estava caminhando para resolver vários problemas sociais através do progresso tecnológico e industrial. Era a felicidade baseada no gozo da vida e dos prazeres terrenos. Esta concepção cresceu nas pessoas como um verdadeiro fascínio, mas deixando em aberto muitas das questões sociais, como o problema do trabalho feminino e infantil nas fábricas, a carga máxima de trabalho por dia, os dias de descanso remunerado, o auxílio previdenciário e de saúde, etc. Estas questões sempre foram levantadas pela esquerda, mas só para desviar de seu rumo as verdadeiras soluções, as quais só viriam a ser conhecidas quando a Igreja começou a lançar as chamadas Encíclicas sociais, principalmente a partir do Papa Leão XIII. A esquerda sempre apontava como solução o Estado totalitário, a comunidade de bens e a ditadura do proletariado (havia também as soluções “democráticas”, partidas de grupos ditos capitalistas ou “direitistas”), enquanto a Igreja apontava a sociedade orgânica, sacral e estruturada com base nos princípios cristãos como a verdadeira solução para todos os problemas sociais.

Assim, mesmo sem ainda haver solucionado tais questões na sua vida real, encontramos o início da século XX com toda a Europa nadando na mais estonteante riqueza, onde cidades como Londres, Viena, Berlim e Paris apresentavam um aspecto verdadeiramente paradisíaco em seu traçado urbanístico, em seus palácios exuberantes e em diversas instituições estuantes de vitalidade e progresso tecnológico. O Palácio da Eletricidade fez com que se irradiasse por toda a Europa o encanto pela luz elétrica. Os teatros e as óperas de luxo (agora um luxo cheio de brilho elétrico)  não eram mais exclusividade de Paris. Nem tampouco as belíssimas iluminações elétricas das ruas.

É característica desta época a busca do arrojo tecnológico que fascinasse as multidões, surgindo várias indústrias de peso como a automobilística, a de bondes, de trens e a de navios, culminando com a construção do transatlântico “Titanic”, um modelo de perfeição da técnica, do luxo e de gozo, um desafio que o homem lançava ao seu próprio futuro, afundado por um iceberg na década de 1910.  Era para lá que caminhava a humanidade, isto é, o afundamento, e não a plenitude do gozo desta vida como queriam alguns.

Essa falsa “paz”[1] e uma prosperidade superficial logo levaram os europeus a uma vida cheia de deleites e até de extravagâncias: a última moda se apresentava agora tanto em Paris quanto no Hyde Park de Londres, ou até mesmo nas Américas; o exibicionismo social se mostrava presente também nas calçadas de cidades conservadoras como Viena; foliões de vários países podiam agora ir ao baile de máscaras da Ópera de Paris; o resto da aristocracia havia sido destroçada por Napoleão, mas havia ainda alguns (burgueses “aristocratas”) que participavam de uma vida social mais requintada e isolada, embora com algumas excentricidades, com fins de semana no campo, cavalgadas, caçadas e esportes mais elitizados.  Logo, logo, a época que se eclipsava sob o luxo e a riqueza tomou um nome atraente: “La Belle Époque”.

 Quando a Primeira Grande Guerra explodiu em 1914, ninguém entendeu qual a sua causa, um conflito inexplicável diante de uma Europa rica e “feliz”... Para muitos ainda é inexplicável que tenham se engalfinhado num conflito mundial dezenas de nações “felizes” e ricas, supostamente por causa apenas de um atentado cometido contra um estadista austríaco. Três das grandes dinastias centenárias, que sobreviveram à Revolução Francesa e seus desdobramentos, foram destroçadas após a Guerra: a dos Romanov, na Rússia, a do Kaiser, na Alemanha, e a dos Habsburgo, na Áustria. A Revolução implantaria a ferro e fogo,  neste início de século, a sua terceira fase, a Comunista (cuja ideologia  nascera no século anterior, também em país de maioria protestante, a Alemanha), enquanto de outro lado propagava o sonho adormecedor da felicidade pelo progresso industrial e tecnológico, o qual, aliás, só era acessível naquele tempo aos mais ricos...

Surge a “questão”  feminina

No decorrer da Revolução Industrial a chamada “questão feminina”  havia sido levantada por alguns “pioneiros”, mas ao lado de diversos outros problemas sociais próprios da esquerda, como o trabalho infantil, o direito do voto, etc. Foi nas primeiras décadas do século XX que essa questão foi tomando um aspecto mais peculiar e diferenciado dos demais problemas sociais.

A mulher havia sido incorporada ao contingente de trabalhadores fabris, mas nada se contestou contra a sua presença naquele setor. Isso talvez porque as operárias eram constituídas de pessoas da classe pobre e sem representatividade. Para os ideólogos das chamadas “causas sociais” o mais importante, na época, era propagar a Revolução Industrial, mesmo em prejuízo da formação da mulher. Esta tinha sido virtualmente arrancada de seu lar para exercer um trabalho que, além de ser mais apropriado ao homem quanto ao modo de executá-lo, não o era para a mulher pelo fato de afastá-la do lar e dos filhos. Com o desemprego crescente entre os homens houve vários casos de mulheres que iam trabalhar enquanto os maridos ficavam em casa (como já é comum no mundo moderno).  Não era esta a questão levantada pelas feministas do tempo, mas sim o direito que as mulheres deveriam ter para participar de passeatas, obter melhores salários, votar em seus candidatos e serem mais ativas na política. O feminismo sempre foi um movimento de elite e dirigido a pessoas da alta sociedade.  Aliás, quanto à participação feminina nos parques fabris, ou em qualquer outro trabalho semelhante, mesmo que fosse indigno, era ferreamente defendido como um direito da mulher e não um abuso de sua condição. “Direito”, aliás, só acessível às pobres e utilizado em prol da Revolução Industrial e da emergente burguesia industrial.



[1] A Paz, segundo Santo Agostinho, é a tranqüilidade da ordem.


terça-feira, 25 de julho de 2023

EXPRESSÕES ERUDITAS DO PENSAMENTO PLINIANO

 


 


Ao repassar o pensamento literário de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira debruçamo-nos sobre uma infinidade de expressões que demonstram seu vasto conhecimento e grande erudição. Coligimos aqui apenas algumas; se alguém se der ao trabalho de fazê-lo em tudo o que ele publicou vai ter elementos para publicar uma enciclopédia. Algumas expressões mais comuns não estão aqui comentadas, como “bluff”, “labour”, etc

 "A contrario sensu" -

Expressão muito usada no Direito, significando “apelo ao pensamento contrário”, valendo-se do argumento contra para confirmar a própria tese. Dr. Plínio a usava costumeiramente, como no exemplo a seguir:

"Um deles, o mais generalizado, consiste em difundir nos ambientes que eu chamaria de pré-comunistas – demo-cristãos, progressistas, socialistas e congêneres – a convicção de que as multidões contemporâneas, e especialmente os operários e universitários, são arrojadamente e irreversivelmente esquerdistas. Nada lhes pode resistir ao ímpeto vitorioso. E em conseqüência, o mundo de amanhã será totalmente esquerdista.

A contrario sensu, uma campanha anticomunista eficiente tem de destruir o mito da inelutabilidade da esquerdização. Pois assim, se preserva nos anticomunistas a determinação de lutar. E a tarefa não é difícil, pois essa inelutabilidade não passa de uma balela.

Muito maior foi a zoeira derrotista espalhada na Inglaterra pela propaganda trabalhista. O “bluff’ chegou a tal ponto que mesmo na imprensa conservadora transparecia uma profunda apreensão quanto ao resultado das eleições que se aproximavam. As empresas de sondagens de opinião, as mais provectas e antigas, como o Gallup, previam uma folgada vitória do “Labour”. O resultado deixou o mundo inteiro atônito. Venceram, e folgadamente, não os trabalhistas mas os conservadores.

...Os votos dos jovens – supostos todos esquerdistas e contestatários – não trouxeram ao “Labour” a vantagem espalhada.

Tão grande foi a surpresa geral ante o vigor do conservadorismo britânico, que um colunista político do jornal londrino “Evening Standard” chegou a afirmar, depois do pleito, que os institutos de sondagem de opinião estavam desacreditados".

(Artigo "Já Sun dizia..." – Folha de São Paulo - Plinio Corrêa de Oliveira , 28.06.70).

“À outrance” -

De origem francesa (a todo transe) significando que foi até o extremo, com radicalidade ao extremo.

"Fundamentalmente, se reduzem elas a uma análise do movimento pacifista norte-americano à luz do princípio de Clausewitz, que comentei em meu último artigo: o objetivo de uma guerra não é destruir fisicamente o adversário, mas tirar-lhe a vontade de lutar.

Daí concluímos que o pacifismo “à outrance” dos ianques é a principal causa da duração da guerra do Vietnã. E, diante de quadro tão desconcertante, o deputado ianque lança uma pergunta dramática: “Será que ainda temos a vontade de lutar, de que falou Clausewitz?”. E acrescenta, com um brado de alarma que não vale só para seu país, mas para o mundo.

(Artigo "Tirar aos brasileiros a determinação de resistir", de Plinio Corrêa de Oliveira – Folha de São Paulo, 05.07.70).

"Aggiornamento" -

“Aggiornamento”... “encontro com a História”, são expressões com que a todo o momento se esbarra, mas cujo conceito – o mais das vezes – permanece obscuro. Dentro desta obscuridade, entretanto, um resíduo é sempre claro: atualização. A pessoa que se preza de “aggionarta” julga conhecer a realidade dos dias presentes e ter acertado os seus ponteiros segundo ela. O “encontro com a História” é essencialmente um encontro com o presente, e de modo particular com aquilo que o presente tem de diverso e até de contraditório com o passado.

(Plínio Corrêa de Oliveira, in Folha de São Paulo, agosto de 1968).

"Aile marchante" -

Expressão francesa, traduzida por “asa marchante”, que marcha voando, isto é, aquilo que tem pressa e voa para conseguir seu objetivo.

“Assim, parece concluir-se que a “aile marchante” da comunistização do mundo já não está só em Moscou. Ela existe também no que o capitalismo ocidental tem de mais prá frente, de mais evoluído. Em outros termos, seria inútil lutar contra o comunismo, e quase supérfluo lutar em favor dele: ele virá mesmo!”

(Artigo “A manobra Garaudy”, Plinio Corrêa de Oliveira – Folha de São Paulo, 15.03.70).

“Aristoplutocrata” -

Neologismo criado pelo Sr. Dr. Plínio para designar os magnatas do dinheiro, os ricaços, pois plutocrata é uma pessoa influente por causa de seu dinheiro, e aristocrata é a pessoa que faz parte de uma minoria que manda:

“Somos um punhadinho de gente? Entretanto, nossas manifestações públicas surpreendem pelo número.

Somos uns aristoplutocratas? Basta analisar nossa gente quando sai em campanha de rua, para ver que nos recrutamos em todas as classes sociais, especialmente nas mais modestas... onde mais rara é a “saparia”.

...Então afirmar um direito é ipso facto apoiar-lhe os abusos?

(artigo "Extremismo de direita, cebolas e sapos alados" – Folha de São Paulo, 28.12.69);

“Brouhaha” –

Palavra inglesa que significa discussão acalorada, excitação e é muito utilizada para designar a agitada vida moderna:

“Pois esta pergunta simplicíssima, poucos a fizeram... E os que a fizeram, não receberam resposta explícita nem consistente. Suas vozes abafadas no “brouhaha

(Plinio Corrêa de Oliveira, in Folha de São Paulo, 28.08.68).

"Estatolatria"

Neologismo para caracterizar a idéia de verdadeira "adoração" pelo poder estatal, o Estado é como se fosse um deus...

“Se reduzirmos ao devido valor os termos “nazismo” e “ comunismo”, a diferença entre ambos é insignificante. O comunismo é ateu, materialista e partidário da onipotência do Estado. O nazismo não é menos ateu, nem menos materialista, nem menos estatólatra”.

(Plínio Corrêa de Oliveira, in Legionário, 02.10.38).

“Inteligentzia” -

Expressão que procura simbolizar o pensamento intrelectual de um povo ou de um grupo:

"De outro lado, como a atitude dos manifestantes esquerdistas de Washington destoa da dos trabalhadores patrióticos de Nova York. Em Washington, o ambiente era de uma feira de diversões. Em um palanque, se exibiram vedetes literárias, artísticas ou políticas a que ninguém dava atenção. O povo conversava durante os discursos. Grande número dos presentes, enquanto a manifestação se desenrolava, se banhavam nos tanques do logradouro público. Diversas moças com o busto literalmente nu tentavam dar um condimento pornográfico e “pra frente” à manifestação sensaborona. O auge da “desinibição” freudiana estava em dois moços que perambulavam de um lado para outro, inteiramente nus. Curioso e sintomático encontro entre o esquerdismo e a corrupção. Quem constituía esses 75 mil prosélitos da decadência política e da deterioração moral do país? Segundo tudo faz crer, a grande maioria deles era formada por estudantes vagabundos, de elementos “no vento”, da “inteligentzia”, etc. De operários, pouco ou nada.

...Lendo esta enormidade e pensando no padre Comblin, que continua a agir com o placet de tantas autoridades eclesiásticas, penso com tristeza no abaixo-assinado em que 2 milhões de sul-americanos pediram a S.S. Paulo VI medidas contra a infiltração comunista na Igreja. E me ponho a rezar.

(Artigo "E me ponho a rezar... "– Folha de São Paulo - Plinio Corrêa de Oliiveira, 31.05.70).

“Ipso facto"

Expressão latina que significa “pelo próprio facto” ou seja, que um certo efeito é uma consequência direta da ação em causa, em vez de ser provocada por uma ação

“Virá o dia em que o ataque será desfechado brutalmente contra o sucessor de São Pedro. Não sabemos que provação a Providência permitirá que caia então sobre a Igreja... mas uma cousa é incontestável: nesse dia terá soado a última hora dos vencedores diante dos quais misteriosamente se abatem hoje o orgulho, a fortuna, e o poderio das mais importantes nações. “Qui mange du Pape en meurt”. A história mostrará mais uma vez a veracidade desta observação. Quem procurar atacar o Papa, morrerá ipso facto.” (Plinio Corrêa de Oliveira, in "Legionário", 28.7.40).

“Marxistóide”

Neologismo criado para significar aquelas pessoas que têm simpatias e de alguma forma colaboram com o marxismo sem que o sejam declarados:

“O perigo comunista consiste na atuação, não só do Partido Comunista, mas de todas as forças propedêuticas ou auxiliares, de rótulo marxistóide, socialista ou esquerdista...”

(Artigo “Carta a ministros ignotos” – Plínio Corrêa de Oliveira "Folha de São Paulo", 26.10.69).

“Manu-militari”

"Para dar o remate a esse quadro lúgubre, a ocupação da Tchecoslováquia desferiu um golpe terrível no autonomismo tcheco, e provou que o Cremlin não está menos disposto do que outrora, a utilizar a força bruta para manter na obediência os satélites. O que ainda mais se confirmou pela publicação, na imprensa soviética, de um elenco de princípios diretivos de convívio entre as nações do “bloco”, que continha a definição do direito da URSS, de intervir manu-militari nos países que se afastassem da “linha justa” doutrinária do Cremlin.

A experiência provou que o caminho da paz não passa pelo pantanal das concessões sistemáticas e incondicionais”

(Plinio Corrêa de Oliveira, "Folha de São Paulo", 13.11.68).

"Mare magnum" (grande onda, ou grande mar)

Como procuram as forças da esquerda arrastar para seu lado este “mare magnum” de indecisos? É aqui que aparece o papel do democrata-cristão, como aliás do “sapo”, seu irmão siamês, seu sósia, seu aliado.

NOTA: Pedecista era o membro do PDC (Partido Democrata Cristão), "sapo" era como Dr. Plínio cognominava os ricaços burgueses que favoreciam o comunismo.

(Artigo "O que é um pedecista?", Plinio Corrêa de Oliveira – Folha de São Paulo, 19.07.70).

"Modus vivendi", “modus moriendi” e "longa manus" -

"É no contexto destes fatos, que se deve avaliar o verdadeiro alcance da notícia publicada por um órgão da imprensa paulista, na semana passada: o novo diretor do Instituto Magiar de Roma, monsenhor Fabrian Arpad, foi designado pela Santa Sé mediante prévio “agreement” do governo de Budapest – pois daqui por diante os reitores dos colégios de nações comunistas não serão mais nomeados sem o “placet” dos respectivos governos.

Um “modus vivendi” com a Santa Sé poderia regulamentar essa liberdade. Era só a Igreja não incomodar o comunismo... Assim pensam os ingênuos...

À vista disto, pergunto como crer na sinceridade destes propósitos, se até em Roma a “longa manus” do comunismo procura coarctar a liberdade da Igreja... e logo em matéria tão imensamente delicada...

Com estas intenções da parte dos comunistas o que poderá ser um “modus vivendi” com a Igreja? O que é – pergunto – um contrato em que uma das partes, a Igreja, entra disposta a cumprir todas as suas obrigações, e a outra entra com o intuito de pôr chicana e má intenção na execução de cada cláusula?

Um “modus vivendi”, não. Um “modus moriendi”, isto sim.

Digo-o para alertar os perpétuos sonhadores de utópicos acordos com o comunismo..."

(artigo “Modus moriendi”, Plinio Corrêa de Oliiveira – Folha de São Paulo, 18.01.70).

"Plateau de Fromages"

Tipo de queijo francês com vários sabores:

" Se alguém espera tudo de uma política de mútuas concessões, olhe para Ceausescu e para Tito. Em suma, dir-se-ia que, como no clássico “plateau de fromages” francês, em que há muitos queijos para todos os gostos, também o comunismo atual é um imenso “plateau” de comunismos, com variedades de comunismo para todos os sabores.

Sim, para todos, inclusive para o de certas direitas. Pois pode algo agradar mais a estas do que a ditadura ex-comunista que alguns Kuznetsovs vêem emergir da Rússia atual?

(artigo “Plateau de fromages”, Plínio Corrêa de Oliveira - Folha de São Paulo, 27.08.69).

“Summum” -

Palavra latina que significa “sumo” ou “máximo”.

“Tem sido observado que o comunismo tem algo de insondavelmente misterioso. Parece-me normal tal nota enigmática na seita vermelha. Constitui esta um sumum de impiedade e de pecado, emanado das profundezas mais negras do próprio mistério da iniqüidade” (“O incólume” – Folha de São Paulo, 07.12.69).

“Supporters”

Palavra inglesa que significa “defensor” ou “patrocinador”. É muito utilizada nos Estados Unidos para designar as pessoas que servem de sustentação a alguma organização, como os colaboradores ou simpatizantes:

“Os “supporters” mafiosos do boato ajudam-no também em outro ponto básico. É em resistir – pela repetição obstinada – à evidência dos fatos.” (artigo "Extremismo de direita, cebolas e sapos alados", de Plinio Corrêa de Oliveira – Folha de São Paulo, 28.12.69).

Neste artigo o Sr. Dr. Plínio está chamando de “supporters” àqueles que dão sustentação ao que ele chamava de “máfia” da calúnia, a organização clandestina que visava espalhar boatos falsos contra os verdadeiros católicos.

Tonux -

Palavra latina, o mesmo que “tônus” em português. Era habitualmente utilizada pelo Sr. Dr. Plínio quando queria se referir ao “tom”, à maneira de ser, a certa cadência social, etc. Quem dá o “tônus”, ou o “tonux” latino, é a pessoa que marca sua influência no meio social em que vive:

“Há certas carreiras de importância tal, que não basta ao país serem suas fileiras habitualmente preenchidas por homens capazes e probos. É preciso que, nas situações peculiares dessas carreiras, haja bom número de pessoas de valor exponencial, aptas a resolver as situações críticas que a vida pública traz e capazes, ademais, de elevar por seu exemplo o “tonux” da produção dos homens normalmente competentes que as lotam”.

(artigo "Sacerdotes, militares, juizes e mestres" –“Folha de S”ao Paulo”, 21.12.69)