sexta-feira, 30 de setembro de 2016

UMA FAMÍLIA DE SANTOS




A propósito da festa de Santa Teresinha do Menino Jesus, que se celebra amanhã, 1 de outubro, lembremos aqui o grau de santidade que havia na família dela, sob os auspícios de seus pais.
Os Santos Louis Joseph Aloísio Estanislau Martin (1823-1892) e Zélie Martin (1831-1877, foram os pais de Santa Teresinha do Menino Jesus.
Sobre as virtudes do casal, assim se expressou o bispo de Bayeux e Lisieux, Mons. Picaud:
“Quando a insuficiente formação dos filhos patenteia tão frequentemente a omissão de tantos pais, mesmo batizados, como encanta e é benfazejo discernir , notadamente na correspondência da Sra. Martin, a requintada ternura e a vigilância assídua de uma mãe idealmente cristã!
Quando as vocações religiosas e sacerdotais tão frequentemente encontram um clima desfavorável  e mesmo oposições formais no seio das famílias, que lembrança eloquente da hierarquia  das vocações denotam as nobres aspirações e os santos desejos confiados a Deus pela rendilheira de Alençon e pelo Patriarca dos Buissonets!
Encontraríamos hoje muitos pais que conduzam, como o fez o Sr. \Martin, a sua “pequena Rainha” ao Bispo de Bayeux, a fim de apressar sua entrada no convento, ainda que essa diligência devesse apressar ao mesmo tempo o dilaceramento e a solidão de seu coração paterno?
A esses exemplos de vida conjugal e familiar, vós não deixastes de acrescentar os de um avida laboriosa e de alta consciência profissional que, anda hoje, é bem oportuno evocar para esclarecer o reencaminhar o compromissos de muitos leitores.
Para dizer tudo numa palavra, é o retrato de dois modelos incomparáveis – eu ia dizer de dois santos patronos – que vós propondes à admiração e à imitação dos pais cristãos”[1]
E a vida do casal era a mais exemplar possível. Costumavam rezar juntos, liam bons livros sobre a vida dos santos, o terço era recitado todos os dias e a oração ocupava um lugar de preeminência tanto na vida familiar como na de cada membro da casa. Incentivavam suas filhas a ter devoção e amor à Virgem Maria. Todos os pobres que batessem à porta da família eram bem recebidos e acolhidos, recebendo roupa e comida. Nunca lhes negaram nada. O amor ao Papa e aos sacerdotes sempre foi cultivado na família Martin. Os padres tinham pousada garantida em sua casa quando passavam por Alençon.

Filhos do casal

Santa Zélia e São Louis tomaram a decisão de ter muitos filhos. Nasce a primeira filha do casal, Marie Louise. Todos os filhos e filhas receberam o nome de “Maria” como sinal de agradecimento à Virgem Maria, que era tão amada e venerada na família Martin. Aliás, no dia do casamento, Louis e Zélia receberam como presente a imagem de Nossa Senhora das Vitórias, que mais tarde ficou conhecida, por causa do milagre do sorriso a Santa Teresinha, como Nossa Senhora do Sorriso.
O grande sonho de Santa Zélia era ter um filho sacerdote. Isso nunca aconteceu, mas os pais não rejeitaram as filhas que Deus lhes enviara, e terminaram por encaminhar todas elas para a vida religiosa, uma das quais já era santa quando convivia em seu lar com o casal.
Foram seus filhos: Marie Louise (1860-1940) – Ir. Maria do Sagrado Coração no Carmelo de Lisieux(1886); Marie Pauline(1861-1951) – Ir. Inês de Jesus no Carmelo de Lisieux(1882); Marie Leônie(1864-1941) – Ir. Francisca Teresa na Visitação em Caen(1898); Marie Céline(1869-1959) – Ir. Genoveva da Sagrada Face no Carmelo de Lisieux(1894); Marie François Therese(1873-1897) – Santa Teresinha Carmelo
Irmãos falecidos antes de Santa Teresinha nascer: Marie Heléne (1864-1870), Joseph Marie(1866-1867), Jean Baptiste Marie(1867-1868) e Marie Melânie Therese (1870 – falecida aos 3 meses de idade).

Santidade reconhecida por uma filha também santa
 A própria Santa Teresinha era constante em elogiar a santidade de seus pais, especialmente o Sr. Louis Martin, com quem conviveu mais tempo, haja vista que sua mãe faleceu quando ela ainda era criança.  Numa de suas cartas ao próprio pai (31.7.1888), escreveu ela: “Quando penso em ti, paizinho, penso naturalmente em Deus, pois me parece impossível que haja alguém mais santo do que vós na terra. Sim, vós sois, certamente, tão santo como o próprio São Luís [rei de França], e preciso ainda repetir que eu vos amo, como se vós ainda não o soubesses. Oh, que orgulhosa estou de ser Rainha!... Espero merecer sempre esse título. Jesus, rei do Céu, ao tomar-me para Si, não me tirou a meu santo rei da terra...”
Em outra carta, escrita num retiro (datada de 8.1.1889), ela se refere ao fato de ser proibido escrever no retiro, cuja exceção foi concedida a ela por alguma particularidade toda especial: “... se está proibido escrever, é para não perturbar o silêncio do retiro; mas, poderá alguém perturbar sua paz se escreve a um Santo?”
Em sua autobiografia, “História de uma alma”, Santa Teresinha se refere ao seu pai, por diversas vezes, ora como rei, ora como santo, mas estes qualificativos não eram apenas reflexos de sua admiração por ele, mas a constatação de uma realidade que ela presenciara em seu convívio.  O fato de afirmá-lo de público, algo que qualquer outro santo temeria fazê-lo por alguém poder considerar falta de modéstia, revela a sinceridade de alma e a pureza de intenções de sua declarações a respeito de seus pais.

A opção entre a vida consagrada, conventual, e a vida matrimonial
Segundo depoimento de sua filha, irmã Genoveva da Santa Face e de Santa Teresa, Zélia Guérin foi batizada com o nome de Marie Azélie (ou Maria Azélia), mas costumaram chama-la em família de Zélia. Como sua irmã consagrou-se a Deus na Visitação, adotando o nome de Irmã Maria Dositéia, entrou ela também como externa no colégio da Adoração Perpétua de Alençon, mantido pelas religiosas dos Sagrados Corações de Picpus. Tinha intenções de levar vida consagrada como sua irmã, apresentando-se assim às Irmãs de São Vicente de Paulo da Santa Casa de Alençon. Mas foi dissuadida pela Superiora por causa de sua precária saúde. Na ocasião, Santa Zélia fez essa prece:
“Meu Deus, já que não sou digna de ser vossa esposa como minha irmã, abraçarei o estado de matrimônio para cumprir vossa santa vontade. Peço-vos então muitos filhos e que  vos sejam todos consagrados”.
Segue o depoimento de sua filha:
“Suplicou a Nossa Senhora que lhe indicasse a maneira de assegurar pecuniariamente seu futuro. E no dia 8 de setembro de 1851, durante uma ocupação absorvente, distinguiu mui claramente uma espécie de voz interior que lhe dizia: “Ocupa-te com o Ponto de Alençon”. Entrou, pois, numa Escola Profissional. Mas saiu antes de terminar o curso para evitar a presença assídua do chefe do estabelecimento”.
Segundo a depoente, Santa Zélia demonstrou habilidade e talento em sua arte, além de ser possuidora de atraente beleza. Por causa disso, uma senhora da sociedade local quis levá-la a Paris, talvez com intenção de lhe conseguir algum casamento vantajoso, mas sua recusa foi categórica. Demonstrou não gostar do mundo. Algum tempo depois estaria se casando com o Sr. Louis Martin, filho de um capitão aposentado. O que os atraiu um pelo outro foi, acima de tudo, a piedade, a santidade, virtudes que transbordariam dentro do lar.

Vocação para a maternidade
Em várias oportunidades, Zélia Guerin, ou Martin, demonstrou procurar cumprir aqueles propósitos que manifestara ao escolher a vida matrimonial: a vocação para a maternidade. Ao saber que uma senhora da região havia dado à luz a trigêmeos, disse ela: “Oh feliz mãe! Se eu tivesse ao menos dois. Mas, não terei jamais essa felicidade!” – “Amo loucamente as crianças”.
“Sua correspondência está cheia dessas exclamações de alegria materna. Escreveu a seu irmão, o Sr. Guérin, no dia 23 de abril de 1865, após o nascimento de sua Helenazinha que deveria morrer em tenra idade:
“Há quinze dias fui ver aquela que está com a ama. Não me lembro de ter jamais experimentado um sentimento de tal felicidade como no momento em que a tomei nos braços e ela me sorriu tão graciosamente que acreditava ver um anjo. Numa palavra, é inexprimível para mim. Acho que nunca se viu nem se verá jamais uma criança tão encantadora. Minha Helenazinha! Quando enfim terei a felicidade de possuí-la inteiramente! Não posso pensar que tenho a honra de ser mãe de criatura tão deliciosa...”
“Longe de medir fadigas, sua confiança sobrenatural levava-a a confessar mais tarde à sua cunhada, a Sra. Guérin, de saúde delicada e que esperava um filho:
“Nosso Senhor não pede nada acima de nossas forças. Vi muitas vezes meu marido preocupar-se comigo sobre esse ponto. E eu permanecia absolutamente tranquila. Dizia-lhe: “Não receies, Nosso Senhor está conosco”. No entanto, eu estava acabrunhada de trabalhos e preocupações de toda sorte, mas tinha a firme confiança de ser sustentada pelo Alto.
“O que não a impedia de fazer esta confidência a seus parentes de Lisieux:
“Se tiveres tantos filhos quanto eu, isso exigirá muita abnegação e o desejo de enriquecer o Céu com novos eleitos.
“Após cada nascimento, fazia logo esta prece:
“Senhor, concedei-me a graça de vos ser consagrado este filho e que nada venha manchar a pureza de sua alma. Prefiro que o leveis imediatamente caso venha a perder-se para sempre”.
Sua união com Deus e o fervor de suas orações quando esperava um filho eram tão grandes que se admirava de não ver disposições para a piedade desde o despertar da inteligência desses pequeninos. Maria, sua filha mais velha, tinha apenas quatro anos e Paulinazinha contava somente dois quando ela confiava sua decepção à querida Visitandina. Esta por sua vez escrevia a seu irmão, no dia 2 de fevereiro de 1864:
“Zélia já se atormenta por não ver sinais de piedade em suas filhas”.
“A criança devia ser batizada logo após o nascimento. Sempre se informava sobre esse ponto quando se tratava dos filhos de seus parentes.
“Quanto ao batizado de Teresinha foi preciso ser adiado dois dias. Deixo aqui a palavra a Madre Inês de Jesus. Interrogada, nos Processos, sobre o motivo dessa demora, respondeu:
“Porque se esperava o padrinho. Durante esse intervalo nossa piedosa mãe estava em contínuos sobressaltos. Pelo temor de sobreviver algum mal à criança. Imaginava constantemente que a pequena estava em perigo.
“Mamãe teve nove filhos, dos quais quatro morreram ainda pequenos. De acordo com meu pai, quis dar a todos o nome de “Maria” unido a outro nome, ao de José para os dois meninos.
“No dia 8 de dezembro de 1860 pedira à Imaculada Conceição um segundo filho e nove meses depois chegara Paulina que se seguiu a Maria, a primogênita.
 “Vivíamos somente para eles. Eram nossa felicidade. Jamais a encontrávamos fora deles. Numa palavra, nada nos custava, o mundo não mais nos pesava.  Era para mim a grande compensação, por isso eu desejava ter muitos filhos a fim de educa-los para o Céu”. (4 de março de 1877)”.



NOTA : Citações extraídas do livro “A Mãe de Santa Teresa do Menino Jesus”, Carmelo do I. C. de Maria e Santa Teresinha – Cotia(SP), págs. 11/17.




[1] Carta-prefácio do livro “Histoire d’une famille”, do Pe. Stéphane-Joseph Piat, OFM, Office Central de Lisieux, 4ª. Ed, págs. 7/8.

A CRISE NA FAMÍLIA



O texto abaixo foi publicado num livro do hoje Monsenhor João Clá, em 1986, e, decorridos mais de trinta anos, mantém toda sua atualidade:


"A família

A família cristã, nascida do pacto conjugal elevado por Nosso Senhor Jesus Cristo à dignidade de sacramento, tem como características:
1 – a indissolubilidade do vínculo conjugal e a fidelidade dos esposos entre si;
2 – a autoridade do esposo sobre a esposa, e de ambos sobre os filhos;
3 – a observância da castidade perfeita, tanto das filhas quanto dos filhos, antes do matrimônio.
No lar cristão bem constituído, tudo conduz a que, se algum dos filhos receber a vocação para o sacerdócio ou o estado religioso, seja ela tida como uma alta honra, e acolhida pressurosamente, não só pela pessoa desta maneira favorecida, mas pelos pais e por todos os que constituem o lar.

A família e a sociedade temporal em crise

De que forma a sociedade contemporânea, vista como um todo, costuma cooperar – em nossos dias – para que assim sejam as famílias cristãs?
A pergunta faria sorrir ironicamente , se fosse formulada com seriedade. Pois é evidente que dos mais variados modos, com o maior afinco, essa sociedade trabalha a todo momento para a desagregação da família. Ou seja, para sua descristianização.
A seguirem no mesmo rumo as mentalidades e os costumes reinantes, em breve a família autenticamente cristã terá passado a constituir exceção raríssima e mal vista, no seio de uma sociedade descristianizada. De uma sociedade anticristã, portanto.
“Quem não está coMigo está contra Mim”, ensina Nosso Senhor no Evangelho. [1]
Tal vai sucedendo , em suprema instância, pela ação das forças preternaturais engajadas na perdição do mundo[2], as quais tão bem sabem mover em sua conspiração os agentes naturais – individuais, sociais e outros. Vão elas dispondo assim de um crescente poder sobre as massas.
Era inevitável que chegasse a esse cúmulo de desgraças o gênero humano? De nenhum modo. Com efeito, outro poderia ter sido o curso das coisas se todas as pessoas e instituições especialmente prepostas para o combate contra a corrupção das idéias e dos costumes tivessem tido sempre, face a esse ruinoso curso das coisas, a conduta militante, ininterrupta e desassombrada, que seu dever lhes impunha.
A tal respeito, a atitude não só omissa mas até fortemente propulsora, de tantos dos poderes públicos, nos Estados contemporâneos, tem favorecido largamente a obra das trevas. De onde decorre que, pelo desdobrar lógico das consequências, e por merecida punição de Deus, todas as nações – sem excetuar as mais poderosas e prósperas – se encontram à beira de riscos de uma gravidade sem nome, e sob vários aspectos já se pode afirmar que vão rolando precipício abaixo, rumo à sua desagregação total. É isso de tal maneira notório, que dispensa provas ou exemplificações.

A família e a Igreja em crise

A responsabilidade por essa situação desastrosa não toca apenas ao Estado.
A Santa Igreja Católica, a única verdadeira Igreja de Deus, se vê envolta hoje em uma crise cuja gravidade já foi discernida por Paulo VI, bem insuspeito, entretanto, de pessimismo ou animadversão para com o mundo moderno, ao qual fez aberturas que surpreenderam por vezes não poucos dentre os melhores.[3]
João Paulo II, entretanto tão benévolo – ele também – em relação ao mundo moderno, expendeu reflexões análogas[4]; e um Prelado eminente pelo saber e pelas altas funções que ocupa na Santa Igreja, o Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, publicou em 1985 sem famoso “Rapporto sulla Fede”, no qual se deve louvar a nobre franqueza com que descreve sintomas altamente expressivos da crise que lavra como um incêndio no interior da Santa Igreja.
O valor deste autorizado testemunho cresce ainda de ponto considerando-se que o Purpurado, quer no conjunto de sua obra de intelectual, quer em sua atuação à testa do ex-Santo Ofício, vem seguindo uma linha que não permite incluí-lo honestamente entre os que as “mass media” qualificam de reacionários, extremistas da intolerância, etc.
Ora, de onde procede essa dolorosa crise na Igreja? Sem dúvida, e em larga medida, de agentes do Leviatã comunista que, de fora da Cidade Santa, se empenham com esforço total em destruí-La. Mas uma pesquisa dos fatores dessa crise não seria lúcida nem proba se se limitasse a olhar para além dos muros d’Ela. Cumpre indagar se também entre os católicos – entre os leigos, bem entendido, mas também nas fileiras augustas da Sagrada Hierarquia – há propulsores de tal crise.
A pergunta pode surpreender a alguns... dia a dia menos numerosos. Não faltará ainda quem brade, alarmado, que ela é escandalosa, revolucionária, blasfema.
É explicável que a tais reações conduza a crassa ignorância religiosa em que estão imersos tantos fiéis neste triste ocaso do século XX. Na realidade, se conhecessem melhor a doutrina e a História da Igreja, a reação deles seria bem outra. A fim de evitar digressões doutrinárias, destinadas a aplacar tal estranheza, as quais se afastariam por demais do eixo central das presentes considerações, basta lembrar aqui um documento memorável, a instrução do Papa Adriano VI (1522-1523), lida pelo Núncio pontifício Francisco Chieregati aos Príncipes alemães reunidos em dieta, em Nuremberg, em 3 de janeiro de 1523. Transcreve largos trechos desse documento o historiador austríaco Ludwig Pastor em sua obra célebre “Geschichte der Papste” – História dos Papas. A conjuntura em que essa instrução foi ditada pelo Pontífice se insere na terrível crise protestante do século XVI, tão semelhante e ao mesmo tempo tão menos profunda do que a de nossos dias.[5]
Dessa instrução destacamos os seguintes tópicos:
“Deves (dirige-se o Pontífice ao Núncio Chieregati) dizer também que reconhecemos livremente haver Deus permitido esta perseguição a sua Igreja, por causa dos pecados dos homens, e especialmente dos Sacerdotes e Prelados, pois de certo não se encurtou a mão do Senhor para nos salvar; mas são nossos pecados que nos afastam d’Ele, de modo que não nos ouve as súplicas.
“A Sagrada Escritura anuncia claramente que os pecados do povo têm origem nos pecados dos sacerdotes, e por isto, como observa (São João) Crisóstomo, nosso Divino Salvador, quando quis purificar a enferma Jerusalém, dirigiu-se em primeiro lugar ao Templo, para repreender antes de tudo os pecados dos sacerdotes; e nisso imitou o bom médico, que cura a doença em sua raiz.
“Bem sabemos que, mesmo nesta Santa Sé, há já alguns anos vêm ocorrendo, muitas coisas dignas de repreensão; abusou-se das coisas eclesiásticas, quebrantaram-se os preceitos, chegou-se a tudo perverter. Assim, não é de espantar que a enfermidade se tenha propagado da cabeça aos membros, desde o Papa até aos Prelados.
“Nós todos, Prelados e Eclesiásticos, nos afastamos do caminho reto, e já há muito não há um que pratique o bem. Por isso devemos todos glorificar a Deus e nos humilharmos em sua presença; que cada um de nós considere por que caiu, e se julgue a si mesmo, ao invés de esperar a  justiça de Deus no dia de sua ira.
“Por isto (igualmente) deves tu prometer em nosso nome que estamos resolvidos a empregar toda a diligência a fim de que, em primeiro lugar, seja reformada a Cúria Romana, da qual talvez se tenham originado todos esses danos; e acontecerá que, assim como a enfermidade por aqui começou, também por aqui comece a saúde.
“Nós nos consideramos tanto mais obrigados a levar isto a bom termo, quanto todo o mundo deseja semelhante reforma.
“Porém não procuramos nossa dignidade pontifícia (o Papado que Adriano VI exerce), e de mais bom grado teríamos terminado na solidão da vida privada nossos dias; de bom grado teríamos recusado a tiara, e só o temor de Deus, a legitimidade da eleição e o perigo de um cisma nos determinaram a aceitar o supremo múnus pastoral. Em consequência, queremos exercê-lo não por ambição de mando, nem para enriquecer nossos parentes, mas para restituir à Santa Igreja, Esposa de Deus, sua antiga formosura, prestar auxílio aos oprimidos, elevar os varões sábios e virtuosos, e, genericamente, fazer tudo o que compete a um bom pastor e verdadeiro sucessor de São Pedro.
“Não obstante, que ninguém se surpreenda, se não corrigimos todos os abusos de um só golpe; pois as doenças estão profundamente enraizadas e são múltiplas; pelo que é preciso proceder passo a passo, e opor primeiramente os oportunos remédios aos danos mais graves e perigosos, para não perturbar ainda mais a fundo por meio de uma precipitada reforma de todas as coisas. Com razão diz Aristóteles que toda mudança repentina é muito perigosa para uma sociedade”.[6]
Quantos ensinamentos profundos há a deduzir dessas nobres e sábias considerações! Ninguém as pode tachar de irreverentes para com a Santa Igreja, de escandalosas, revolucionárias, blasfemas, como de bom grado o fariam certos católicos de vistas estreitas.
E quantos exemplos concretos haveria que citar em cada país da Cristandade contemporânea, em confirmação desses ensinamentos de Adriano VI!
Para não alongar demais essa triste lista, bastaria mencionar a desconcertante indolência – para dizer só isto  - de tantos Prelados católicos diante da exibição do filme blasfemo de Jean-Luc Godard, “Je vous salue Marie”. Indolência esta em que se assinalou de modo especial o Episcopado francês.[7]

A família, fator da crise do mundo contemporâneo

Contudo a responsabilidade pela crise da Igreja e do mundo não toca apenas ao Clero, mas à família. Responsabilidade por omissão, e também por ação.
Com efeito, incontáveis são hoje as famílias cujos membros professam e até praticam a religião católica mas que, tendo sem embargo horror a toda forma de sofrimento não só físico mas também moral, não querem abster-se dos prazeres corruptos deste século. Muitos membros delas se recusam normalmente a travar no seu íntimo a dura batalha contra os apetites desregrados, açulados de mil formas pelo estilo de vida contemporâneo. E, ademais, desejam com veemência cercar-se o mais possível de simpatia e consideração nos meios sociais a que respectivamente pertencem. O que só conseguirão se aceitarem largamente, e praticarem, as normas “morais” do neo-paganismo.
Daí decorre que, não havendo paz possível entre os filhos da luz e os das trevas, nem entre os filhos da Virgem e os da serpente[8], eles não tardam em notar no convívio social que serão incompreendidos, marginalizados e até caluniados, se se mantiverem fiéis à moral ensinada pela Igreja.
Em consequência, cederão à onda avassaladora da impiedade e da corrupção, pelo menos na medida em que seja indispensável para não perderem a benquerença geral.
Tal é a triste situação das pessoas e das famílias que, deixando-se arrastar pela pressão da sociedade neo-pagã contemporânea, capitulam e dobram os joelhos perante Belial. Árdua, e não raras vezes heroica, é a resistência que deve ser desenvolvida contra essa pressão pelas pessoas ou famílias que, recusando-se a dobrar vilmente os joelhos ante o ídolo, se mantém fiéis à lei de Deus.
Tivemos ocasião de o expor em outra obra, intitulada “Guerreiros da Virgem – a réplica da autenticidade: A TFP sem segredos”:
“Cet animal est très méchant; quand on l’attaque il se défend” (Este animal é muito mau: quando atacado, ele se defende) – diz uma canção  popular correntemente citada pelos franceses (La Menagère, 1868). Essa a estranha posição de certos críticos da TFP, que acham très méchant que sócios e cooperadores se afastem, por defesa da própria dignidade, dos ambientes em que são vilipendiados de modo desconcertante. Tanto mais desconcertante quando vivemos numa sociedade cada vez mais permissiva, na qual até o direito de cidadania para a homossexualidade encontra apaixonados propugnadores.
Ambientes que chegam a esse extremo não são raros, mas, felizmente, não constituem a regra geral. Sem embargo, ainda há outros fatores que tornam explicável que deles se afastem – em media maior ou menor, segundo as circunstâncias – sócios e cooperadores da TFP. E não só estes, como frequentemente os correspondentes da Sociedade esparsos pelo Brasil, em geral pais e mães de família que, por imperativo de consciência inegavelmente respeitável, intencionam firmemente manter-se na prática dos princípios da Moral tradicional da Igreja.
“Desta prática se afastou gradualmente , no decurso dos últimos vinte ou trinta anos, um impressionante número de ambientes sociais, nos quais os temas das conversas, as liberdades de trato entre os sexos, a televisão ligada de modo incessante, e difundindo tantas e tantas vezes cenas imorais, não podem deixar de entrar em dissonância profunda com a consciência de católicos não progressistas.
“Tais ambientes, em lugar de se adaptarem, na medida do necessário, às convicções e à sensibilidade moral dos católicos não progressistas, mantém em presença destes exatamente  o mesmo “tônus” em vigor se estes estivessem ausentes.
“Isto equivale a lhes dizer: “Vocês são uns atrasados, de idéias estreitas e modo de ser antipático. Para vocês, só há cidadania entre nós se consentirem em calcar aos pés os princípios morais que professam”.
“’Acolhidos’ assim, que podem fazer os católicos não aggionartti pelo progressismo?
“- Romper com a própria consciência? – Sofreriam merecidamente o desprezo mudo daqueles mesmos ante quem capitulassem.
“ – Protestar? – Desencadeariam com isto a indignação irada dos dominadores do ambiente, de onde se seguiriam discussões e rupturas. E, paradoxalmente, a fama de intolerantes ainda recairia sobre aqueles que o despotismo do espírito moderno não havia tolerado.
“ – Retirar-se? – Os arautos desse mesmo espírito os acusariam de ‘esquisitos’.
“Resultado dessa situação é que, em certo número de vezes, o melhor para o católico não aggionarto consista mesmo em manter-se à distância.
“Tudo quanto acaba de ser dito aqui, poucos têm a coragem de o afirmar em letra de forma, com tanta franqueza e tantos pormenores.
“Mas, de uma vez por todas, era preciso que fosse dito. E dito fica.” (PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, op. cit. Ed. Vera Cruz, S. Paulo, 1985,pp. 105 a 107).



(Texto extraído da obra “A TFP: UMA VOCAÇÃO, TFP E FAMÍLIAS, TFP E FAMÍLIAS NA CRISE ESPIRITUAL E TEMPORAL DO SÉCULO XX” – de João S. Clá Dias - Artpress – Papéis e Artes Gráficas Ltda, S. Paulo, fevereiro de 1986, vol. I, págs. XI/XXI do Prefácio, de autoria de Plínio Corrêa de Oliveira).



NOTAS
[1] Mt XII, 30
[2] Na alocução “Resistite fortes in fide”, de 19 de junho de 1972, Paulo VI afirma; (as palavras textuais do Pontífice são as citadas entre aspas no resumo da Alocução apresentado pela Poliglota): Referindo-se à situação da Igreja de hoje, o Santo Padre afirma ter a sensação de que “por alguma fissura tenha entrado a fumaça de Satanás no templo de Deus”.  Há a dúvida, a incerteza, o complexo dos problemas, a inquietação, a insatisfação, o confronto. Não se confia mais na Igreja; confia-se no primeiro profeta profano (estranho à Igreja) que venha falar, por meio de algum jornal ou movimento social, a fim de correr atrás dele e perguntar-lhe se tem a fórmula da verdadeira vida. E não nos damos conta de já a possuirmos e sermos mestre dela. Entrou a dúvida em nossas consciências, e entrou por janelas que deviam estar abertas à luz. Da ciência, que é feita para nos oferecer verdades que não afastam de Deus, mas nos fazem procurá-lo ainda mais, e ainda mais intensamente glorifica-lo, veio pelo contrário a crítica, veio a dúvida. Os cientistas são aqueles que mais pensada e dolorosamente curvam a fronte. E acabam por revelar: “Não sei, não sabemos, não podemos saber”. A escola torna-se um local de prática da confusão e de contradições, às vezes absurdas. Celebra-se o progresso para melhor poder demoli-lo com as mais estranhas e radicais revoluções, para negar tudo aquilo que se conquistou, para voltar a ser primitivos, depois de ter exaltado tanto os progressos do mundo moderno.
Também na Igreja reina este estado de incerteza. Acreditava-se que, depois do Concílio, viria um dia ensolarado para  História da Igreja. Veio, pelo contrário, um dia cheio de nuvens, de tempestade, de escuridão, de indagação, de incerteza. Pregamos o ecumenismo, e nos afastamos sempre mais uns dos outros. Procuramos cavar abismos, em vez de soterrá-los.
Como aconteceu isto? O Papa confia aos presentes um pensamento seu: o de que tenha havido a intervenção de um poder adverso. O seu nome é diabo, este misteriosos ser a que também alude São Paulo em sua Epístola (que o Pontífice comenta na Alocução).Tantas vezes, por outro lado, retorna no Evangelho, nos próprios lábios de Cristo, a menção a este inimigo dos homens. “Cremos – observa o Santo Padre – que alguma coisa de preternatural veio ao mundo justamente paraa perturbar, para sufocar os frutos do Concílio Ecumênico, e para impedir que a Igreja prorrompesse num hino de alegria por ter readquirido a plenitude da consciência de si”. (Insegnamenti de Paulo VI, Tipografia Poliglota Vaticana, vol. X, pp. 707 a 709).
[3] Em Alocução aos alunos do Seminário Lombardo, em 7 de dezembro de 1968, disse Paulo VI:  “A Igreja atravessa hoje um momento de inquietude. Alguns praticam a autocrítica, dir-se-ia até a autodemolição. É como uma perturbação interior, aguda e complexa, que ninguém teria esperado depois do Concílio. Pensava-se num florescimento, numa expansão serena dos conceitos amadurecidos na grande assembleia conciliar. Mas posto que ‘bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu’, fixa-se a atenção mais especialmente sobre o aspecto doloroso. A Igreja é golpeada também pelos que dela fazem parte. (Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglota Vaticana, vol. VI, p. 118 – as palavras não são textuais do Pontífice e sim do resumo que delas apresenta a Poliglota Vaticana)
[4] Em Alocução de 6 de fevereiro de 1981, aos Religiosos e Sacerdotes participantes do I Congresso nacional italiano sobre o tema Missões ao povo para os anos 80, João Paulo II assim descreve a desolação hoje reinante na Igreja: “É necessário admitir realisticamente e com profunda e sentida sensibilidade que os cristãos hoje, em grande parte, sentem-se pedidos, confusos, perplexos e até desiludidos: foram divulgadas prodigamente ideias contrastantes com a Verdade revelada e desde sempre ensinada; foram difundidas verdadeiras heresias, no campo dogmático e moral, criando dúvidas, confusões e rebeliões; alterou-se até a Liturgia; imersos no ‘relativismo’ intelectual  moral e por conseguinte no permissivismo, os cristãos são tentados pelo ateísmo, pelo agnosticismo, pelo iluminismo vagamente moralista, por um cristianismo sociológico, sem dogmas definidos e sem moral objetiva” (L’Osservatore Romano, 7-2-81).
[5] A corrupção era grande em Roma. Adriano VI não só apontava os males da Igreja, mas desejava uma reforma profunda que sanasse esses males, tendo-a começado por cima com decidida resolução.
Onde lhe foi possível, se opôs à acumulação de benefícios, proibiu toda a espécie de simonia, e velou solicitamente pela eleição de pessoas dignas para os cargos eclesiásticos, conseguindo as mais exatas informações sobre a idade, os costumes e a instrução dos candidatos, lutando com inexorável vigor contra os defeitos morais.
Com a radical reforma da Cúria Romana, empreendida por Adriano VI, não queria somente este nobre Papa pôr fim ao estado de coisas que lhe causava tão viva repugnância; mas esperava também, por este meio, tirar aos Estados alemães o pretexto para a sua apostasia de Roma, (Cfr. LUDOVICO PASTOR, História dos Papas, tomo IV, vol. IX).
[6] LUDOVICO PASTOR,”História de los Papas”, Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 1952, Tomo IV, vol. IX, pp. 107 a 109 / Imprima-se: El Vicario General José Palmarola, por mandato de Su Señoria, Lic. Salvador Carreras, Pbro., Scrio, Canc. – OS NEGRITOS não constam no original.
[7] Mons. Gaillot, Arcebispo de Evreux, concedeu entrevista a “L’Evénement du Jeudi” nos seguintes termos:
-“Suponho que o Sr. Não tenha ainda visto o filme “Je vous salue Marie”, de Jean-Luc Godadar.
- “Não, mas tenho desejo de vê-lo!”
- “A censura incide sobre esse filme porque nele se apresenta a Virgem nua. A interdição lhe parece legítima?
- “Eu tenho pouco desejo de que ele seja interditado. Dada a qualidade do cinema de Godard, parece-me interessante que ele tente exprimir o “Mistério” na sua arte. Eu não vi o filme, mas a priori não gostaria que ele fosse interditado nem que se fizesse uma gritaria escandalosa em torno dele”.
Cfr. Ainda o artigo “Escândalo na França: filme blasfemo elogiado até pelos que o deveriam imputnar”, publicado em “Catolicismo”, de maio de 1985.
[8] Vejam-se, a esse respeito, as seguintes frases de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Se o mundo vos aborrece, sabei que, primeiro do que a vós, Me aborreceu a Mim. Se vós fosseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; mas, porque vós não sois do mundo, antes Eu vos escolhi do meio do mundo, por isso o mundo vos aborrece. Lembrai-vos daquela palavra que Eu vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se eles me perseguiram a Mim, também vos hão de perseguir a vós; se eles guardaram a minha palavra, também hão de guardar a vossa”  (Jo XV, 18-20).
“Eu disse-vos estas coisas para que vos não escandalizeis. Lançar-vos-ão fora das sinagogas; e virá tempo em que todo o que vos matar, julgar prestar serviço a Deus’ (Jo XVI, 1-2).
Veja-se, ainda, este trecho do célebre “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”, de São Luís Maria Grignion de Montfort. Nele o grande apóstolo marial comenta as palavras do Gênesis: “Inimicitias ponam inter te et mulierem, et semen tuum et semen illius; ipsa conteret caput tuum, et tu insidiaberis calcâneo eius” (Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça, e tu armarás traições ao seu calcanhar” (Gn III, 15).
“Uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu, inimizade irreconciliável, que não só há de durar, mas aumentar até ao fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio. (...)
“Deus não pôs somente inimizade, mas inimizades, e não somente entre Maria e o demônio, mas também entre a posteridade da Santíssima Virgem e a posteridade do demônio. Quer dizer, Deus estabeleceu inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do demônio. Não há entre eles a menor sombra de amor, nem correspondência íntima existe entre uns e outros. Os filhos de Belial, os escravos de Satã, os amigos do mundo (pois é a mesma coisa) sempre perseguiram até hoje e perseguirão no futuro aqueles que pertencem à Santíssima Virgem, como outrora Caim perseguiu seu irmão Abel, e Esaú, seu irmão Jacob, figurando os réprobos e os predestinados. Mas a humilde Maria será sempre vitoriosa na luta contra esse orgulhoso, e tão grande será a vitória final que ela chegará ao ponto de esmagar-lhe a cabeça, sede do orgulho”. (São Luís Maria Grignion de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, Vozes, Petrópolis, 7ª ed. pp. 54 a 57 / Imprimatur: por comissão especial do Exmo. E Revmo. Sr. Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra, Bispo de Petrópolis, Frei Desidério Kalverkamp, OFM, Petrópolis, 16-1-61).

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

NO EMBATE ENTRE FÉ E CIÊNCIA, OS ATEUS OPTAM PELA IGNORÂNCIA



MAGISTRAL RESPOSTA DE BENTO XVI A UM ATEU ITALIANO

O papa emérito Bento XVI escreve uma carta ao matemático ateu italiano Piergiorgio Odifreddi sobre a fé, a ciência, o mal. Um diálogo à distância sobre o livro Caro papa, ti scrivo, de autoria de Odifreddi. O cientista, por sua vez, relatou emoção e surpresa ao receber em sua casa a "inesperada carta" do ex-pontífice.

A carta foi publicada no jornal La Repubblica, 24-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A íntegra da carta será publicada no próximo livro do matemático italiano. O jornal italiano publica uma parte da carta que pode ser lida a seguir.

Eis o texto.

Ilustríssimo Senhor Professor Odifreddi, (...) gostaria de lhe agradecer por ter tentado até o último detalhe se confrontar com o meu livro e, assim, com a minha fé; é exatamente isso, em grande parte, que eu havia intencionado com o meu discurso àCúria Romana por ocasião do Natal de 2009. Devo agradecer também pelo modo leal como tratou o meu texto, buscando sinceramente prestar-lhe justiça.

O meu julgamento acerca do seu livro, no seu conjunto, porém, é em si mesmo bastante contrastante. Eu li algumas partes dele com prazer e proveito. Em outras partes, ao invés, me admirei com uma certa agressividade e com a imprudência da argumentação. (...)

Várias vezes, o senhor me aponta que a teologia seria ficção científica. A esse respeito, eu me admiro que o senhor, no entanto, considere o meu livro digno de uma discussão tão detalhada. Permita-me propor quatro pontos a respeito de tal questão:

1. É correto afirmar que "ciência", no sentido mais estrito da palavra, só a matemática o é, enquanto eu aprendi com o senhor que, mesmo aqui, seria preciso distinguir ainda entre a aritmética e a geometria. Em todas as matérias específicas, a cientificidade, a cada vez, tem a sua própria forma, segundo a particularidade do seu objeto. O essencial é que ela aplique um método verificável, exclua a arbitrariedade e garanta a racionalidade nas respectivas modalidades diferentes.

2. O senhor deveria ao menos reconhecer que, no âmbito histórico e no do pensamento filosófico, a teologia produziu resultados duradouros.

3. Uma função importante da teologia é a de manter a religião ligada à razão, e a razão, à religião. Ambas as funções são de essencial importância para a humanidade. No meu diálogo com Habermas, mostrei que existem patologias da religião e – não menos perigosas – patologias da razão. Ambas precisam uma da outra, e mantê-las continuamente conectadas é uma importante tarefa da teologia.

4. A ficção científica existe, por outro lado, no âmbito de muitas ciências. Eu designaria o que o senhor expõe sobre as teorias acerca do início e do fim do mundo em Heisenberg,Schrödinger, etc., como ficção científica no bom sentido: são visões e antecipações para chegar a um verdadeiro conhecimento, mas são, justamente, apenas imaginações com as quais tentamos nos aproximar da realidade. Além disso, existe a ficção científica em grande estilo, exatamente dentro da teoria da evolução também. O gene egoísta deRichard Dawkins é um exemplo clássico de ficção científica. O grande Jacques Monodescreveu frases que ele mesmo deve ter inserido na sua obra seguramente apenas como ficção científica. Cito: "O surgimento dos vertebrados tetrápodes (...) justamente tem sua origem do fato de que um peixe primitivo 'escolheu' ir a explorar a terra, sobre a qual, porém, ele era incapaz de se deslocar, exceto saltitando desajeitadamente e criando, assim, como consequência de uma modificação do comportamento, a pressão seletiva graças à qual se desenvolveriam os membros robustos dos tetrápodes. Entre os descendentes desse audaz explorador, desse Magellan da evolução, alguns podem correr a uma velocidade de 70 quilômetros por hora..." (citado segundo a edição italiana de Il caso e la necessità, Milão, 2001, p. 117ss.).

Em todas as temáticas discutidas até agora, trata-se de um diálogo sério, para o qual eu – como já disse repetidamente – sou grato. As coisas são diferentes no capítulo sobre o sacerdote e a moral católica, e ainda diferentes nos capítulos sobre Jesus. Quanto ao que o senhor diz sobre o abuso moral de menores por parte de sacerdotes, eu só posso reconhecer – como o senhor sabe – com profunda consternação. Eu nunca tentei mascarar essas coisas. O fato de que o poder do mal penetra a tal ponto no mundo interior da fé é para nós um sofrimento que, por um lado, devemos suportar, enquanto, por outro, devemos, ao mesmo tempo, fazer todo o possível para que casos desse tipo não se repitam. Também não é motivo de conforto saber que, segundo as pesquisas dos sociólogos, a porcentagem dos sacerdotes réus desses crimes não é mais alta do que a presente em outras categorias profissionais semelhantes. Em todo caso, não se deveria apresentar ostensivamente esse desvio como se se tratasse de uma imundície específica do catolicismo.

Se não é lícito calar sobre o mal na Igreja, também não se deve silenciar, porém, sobre o grande rastro luminoso de bondade e de pureza, que a fé cristã traçou ao longo dos séculos. É preciso lembrar as figuras grandes e puras que a fé produziu – de Bento de Núrsia e a sua irmã Escolástica, Francisco e Clara de Assis, Teresa de Ávila eJoão da Cruz, aos grandes santos da caridade como Vicente de Paulo e Camilo de Lellis, até a Madre Teresa de Calcutá e as grandes e nobres figuras da Turim do século XIX. Também é verdade hoje que a fé leva muitas pessoas ao amor desinteressado, ao serviço pelos outros, à sinceridade e à justiça. (...)

O que o senhor diz sobre a figura de Jesus não é digno do seu nível científico. Se o senhor põe a questão como se, no fundo, não soubesse nada de Jesus e como se d'Ele, como figura histórica, nada fosse verificável, então eu só posso lhe convidar de modo decidido a tornar-se um pouco mais competente do ponto de vista histórico. Recomendo-lhe, para isso, sobretudo os quatro volumes que Martin Hengel (exegeta daFaculdade de Teologia Protestante de Tübingen) publicou juntamente comMaria Schwemer: é um exemplo excelente de precisão histórica e de amplíssima informação histórica. Diante disso, o que o senhor diz sobre Jesus é um falar imprudente que não deveria repetir. O fato de que na exegese também foram escritas muitas coisas de escassa seriedade é, infelizmente, um fato indiscutível. O seminário norte-americano sobre Jesus que o senhor cita nas páginas 105ss. só confirma mais uma vez o que Albert Schweitzer havia notado a respeito da Leben-Jesu-Forschung (Pesquisa sobre a vida de Jesus), isto é, que o chamado "Jesus histórico" é, em grande parte, o espelho das ideias dos autores. Tais formas mal sucedidas de trabalho histórico, porém, não comprometem, de fato, a importância da pesquisa histórica séria, que nos levou a conhecimentos verdadeiros e seguros sobre o anúncio e a figura de Jesus.

(...) Além disso, devo rejeitar com força a sua afirmação (p. 126) segundo a qual eu teria apresentado a exegese histórico-crítica como um instrumento do anticristo. Tratando o relato das tentações de Jesus, apenas retomei a tese de Soloviev, segundo a qual a exegese histórico-crítica também pode ser usada pelo anticristo – o que é um fato incontestável. Ao mesmo tempo, porém, sempre – e em particular no prefácio ao primeiro volume do meu livro sobre Jesus de Nazaré – eu esclareci de modo evidente que a exegese histórico-crítica é necessária para uma fé que não propõe mitos com imagens históricas, mas reivindica uma historicidade verdadeira e, por isso, deve apresentar a realidade histórica das suas afirmações de modo científico também. Por isso, também não é correto que o senhor diga que eu estaria interessado somente na meta-história: muito pelo contrário, todos os meus esforços têm o objetivo de mostrar que o Jesus descrito nos Evangelhos também é o Jesus histórico real; que se trata de história realmente ocorrida. (...)

Com o 19º capítulo do seu livro, voltamos aos aspectos positivos do seu diálogo com o meu pensamento. (...) Mesmo que a sua interpretação de João 1, 1 seja muito distante da que o evangelista pretendia dizer, existe, no entanto, uma convergência que é importante. Se o senhor, porém, quer substituir Deus por "A Natureza", resta a questão: quem ou o que é essa natureza. Em nenhum lugar, o senhor a define e, assim, ela parece ser uma divindade irracional que não explica nada. Mas eu gostaria, acima de tudo, de fazer notar ainda que, na sua religião da matemática, três temas fundamentais da existência humana continuam não considerados: a liberdade, o amor e o mal. Admiro-me que o senhor, com uma única referência, liquide a liberdade que, contudo, foi e é o valor fundamental da época moderna. O amor, no seu livro, não aparece, e também não há nenhuma informação sobre o mal. Independentemente do que a neurobiologia diga ou não diga sobre a liberdade, no drama real da nossa história ela está presente como realidade determinante e deve ser levada em consideração. Mas a sua religião matemática não conhece nenhuma informação sobre o mal. Uma religião que ignore essas questões fundamentais permanece vazia.

Ilustríssimo Senhor Professor, a minha crítica ao seu livro, em parte, é dura. Mas a franqueza faz parte do diálogo; só assim o conhecimento pode crescer. O senhor foi muito franco e, assim, aceitará que eu também o seja. Em todo caso, porém, avalio muito positivamente o fato de que o senhor, através do seu contínuo confronto com a minha Introdução ao cristianismo, tenha buscado um diálogo tão aberto com a fé da Igreja Católica e que, apesar de todos os contrastes, no âmbito central, não faltem totalmente as convergências.

Com cordiais saudações e com todos os melhores votos para o seu trabalho.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

AS MALDIÇÕES DITADAS POR MOISES AO POVO DE SEU TEMPO PODEM SER REPETIDAS NOS DIAS DE HOJE?





Bênçãos e maldições Moisés lançou sobre seu povo.
O mundo moderno não estaria sujeito às mesmas bênçãos e maldições, sendo que estas últimas em grau muito maior?
Assim falou Moisés: “Eis que eu ponho hoje diante dos vossos olhos a bênção e a maldição; a bênção se obedecerdes aos mandamentos do Senhor vosso Deus, que hoje vos prescrevo; a maldição, se não obedecerdes aos mandamentos do Senhor vosso Deus, mas vos apartardes do caminho que eu hoje vos mostro, e fordes após os deuses estranhos, que não conheceis” (Deut 11) .  Em seguida explica que a bênção seria dada do alto do monte Garizin e a maldição virá do monte Hebal.
A fim de que bênçãos e maldições só recaíssem sobre aqueles que realmente as merecesse, em seguida mandou separar o povo em dois grupos, de um lado os que mereceriam ser abençoados e do outro os que deveriam ser amaldiçoados. Reuniu sobre o  monte de Garizin, após passarem o Rio Jordão, a metade dos patriarcas das tribos de Israel, Simeão, Levi, Judá, Issacar, José e Benjamin e lhes ordenou que dessem ao povo reunido as bênçãos que ele estava mandando. E sobre o monte Hebal mandou reunir os patriarcas restantes das tribos Rúben, Gad, Aser, Zabulão, Dan e Neftali a fim de deitarem as maldições que ele lhes ditara.
E hoje, onde reuniria ele dois grupos, a fim de serem, separadamente, abençoados e amaldiçoados? Quais são os que, atualmente, merecem ser abençoados? E quais o que devem ser amaldiçoados? Talvez não seja difícil fazer a separação, dada a radicalização cada vez maior, ou pelo bem, ou pelo mal, existente no mundo moderno.
Segue Moisés: “E os levitas pronunciarão e dirão em alta voz a todos os homens de Israel:
- Maldito o homem que faz imagem de escultura ou fundida, etc.” (Deut. 27, 11-15). 
Se Moisés fosse vivo, diria hoje: maldito o homem que idolatra objetos, animais e pessoas, dando culto ao secundário e desprezando o verdadeiro Deus. Hoje não existe mais aquela idolatria antiga, onde se cultuava objetos de pedra ou madeira. Mas há outras idolatrias. E  neste grupo estariam incluídos milhões de pessoas que idolatram artistas, cantores, jogadores de futebol, políticos, etc
E seguem-se outras maldições: maldito o que não honra o seu pai, maldito o que transpõe os marcos do seu próximo, maldito o que perverte a justiça, etc. etc. E hoje, quantos ainda honram seu pai, quantos amam o seu próximo, quantos respeitam a justiça?
Estas maldições são como que um preâmbulo das que viriam depois. É verdade que antes Moisés manda algumas bênçãos:
“Ora se tu ouvires a voz do Senhor, teu Deus, pondo em prática e observando todos os seus mandamentos, que eu hoje te prescrevo, o Senhor teu Deus te exaltará sobre todas as nações que há na terra. Todas estas bênçãos virão sobre ti e te alcançarão, contanto que ouças os teus preceitos. Serás bendito na cidade e bendito no campo. Será bendito o fruto do teu ventre, etc.”. Em seguida estão abençoados os frutos da terra, dos animais, os celeiros e tudo o que pertence ao homem que cumpre a Lei de Deus. Assim como naqueles tempos, seriam abençoados hoje aqueles que seguissem verdadeira a Lei de Deus, em local separado de onde recaíssem as maldições.
Estas bênçãos, porém, ocupam menos espaço nas Sagradas Escrituras do que as maldições, as quais vêm logo a seguir:
“Porém, se tu não quiseres ouvir a voz do Senhor, teu Deus, para observar e por em prática todos os seus mandamentos e cerimônias, que hoje te prescrevo, virão sobre ti todas estas maldições e te alcançarão. Serás maldito na cidade, maldito no campo. Maldito o teu celeiro e malditas as tuas obras. Maldito o fruto do teu ventre, o fruto da tua terra, as manadas dos teus bois e os rebanhos das tuas ovelhas. Serás maldito ao entrar e maldito ao sair.” Ah, e hoje? Quem mora na cidade ou no campo que pratica os mandamentos divinos? De tal modo afronta a Deus que só merecem a maldição sobre os filhos (frutos do ventre) e sobre o que produz a terra (os frutos) e os animais que o homem cria. “Maldito ao entrar e ao sair”, isto é, em todo lugar que entra e sai o homem de hoje, mais ainda, mau como é, só encontra maldições por causa de suas obras.
Mas Moisés não se circunscreve ao genérico e passa a entrar em detalhes: “O Senhor mandará sobre ti a fome e carestia, a maldição sobre todas as obras que fizeres...  O Senhor te pegue a peste... O Senhor te fira com a pobreza, com febre e com frio, com calor e secura, com ar corrompido e com ferrugem...”. E como tais maldições se parecem com os castigos previstos nas profecias sobre os dias atuais: fome, carestia, pestes, pobreza, doenças e desastres da natureza.
Até agora as maldições caem sobre aquilo que cerca o homem, mas aí vem coisa pior, as maldições sobre coisas remotas ou que não afetam diretamente a pessoa, mas lhe dizem respeito indiretamente: “O céu, que está por cima de ti, seja de bronze, e a terra, que pisas, seja de ferro. Em lugar de chuva mande o Senhor sobre a tua terra areia, e do céu caia cinza sobre ti... O Senhor te faça cair diante de teus inimigos...” As maldições caem sobre tais homens até depois de mortos:  “Sirva o teu cadáver de pasto a todas as aves do céu e às feras da terra, e não haja quem as afugente”. Como hoje tais maldições recaem sobre o homem de uma forma mais violenta, temos que admitir que vai chover fogo do céu, vai parar de chover por algum tempo provocando secas e fome, as guerras farão com que muitos “caiam nas mãos de seus inimigos”, e tais maldições cairão nos homens até depois de mortos, pois consta nas profecias sobre os castigos atuais que haverão tantos cadáveres insepultos espalhados pela terra que causarão pavor, não havendo quem consiga afugentas as aves que os estarão devorando.
“O Senhor te castigue com a úlcera do Egito, e (fira) de sarna e de comichão aquela parte de teu corpo por onde se lançam os excrementos, de sorte que não possas curar-te”. Oh! Meu Deus! E quantas e quantas doenças atuais se parecem, ou são até pior, do que estas descritas por Moisés. Úlceras e sarnas são pequenas em comparação com AIDS e outras mazelas modernas. E sem curas.
“O Senhor te fira de loucura, de cegueira e de frenesi, de sorte que andes às apalpadelas ao meio-dia como um cego... E em todo o tempo sejas vítima de calúnias...  Recebas uma mulher, e outro durma com ela... Plantes uma vinha e outra a vidime. O teu boi seja imolado diante de ti e não comas dele...”  Sim, ele fala de coisas daqueles tempos, mas podemos muito bem considerar que algo parecido possa ocorrer nos dias de hoje, como loucura, cegueira e frenesi: basta que olhemos na quantidade enorme de gente que anda pelas ruas, de celulares nas mãos, às tontas, tropeçando, caindo ou até sendo acidentados, muitos atacados de loucura e frenesi.
Em seguida vêm as maldições sobre a família e os bens: “Os teus filhos e as tuas filhas sejam entregues a outro povo, e vejam-no os teus olhos, e desfaleçam de os ver todo o dia, e não haja força na tua mão. Os frutos da tua terra, e todos os teus trabalhos coma-os um povo que tu não conheces, e sejas sempre vítima da calúnia e oprimido todos os dias...  O Senhor te fira com a chaga maligna nos joelhos e nas pernas, e não possas ser curado desde a planta do pé até ao alto da cabeça”.  Que dizer das inúmeras pessoas que são traficadas, escravizadas e levadas por outras nas guerras modernas? Será que a Europa, brevemente, estará livre disso com a tão propalada invasão muçulmana?
As maldições continuam a atingir o rei que governa tal povo, as plantas, as colheitas, filhos e filhas, etc. Estas maldições virão até que o povo seja destruído completamente, até a dispersão. A razão: “porque não ouvistes a voz do Senhor, teu Deus, nem observastes os teus mandamentos nem as cerimônias que ele te prescreveu. Quer dizer, falando-se em tempos modernos, dairão maldições terríveis sobre os governantes atuais. E “várias nações serão aniquiladas”, conforme avisou Nossa Senhora em Fátima, como fruto de maldições que cairão sobre elas.
A seguir Moisés passa a profetizar o que viria a ocorrer de futuro com o povo hebreu: “Haverá perpetuamente em ti e na tua posteridade sinais e prodígios; porque não servistes ao Senhor, teu Deus, com gosto e alegria de coração, por causa da abundância de todas as coisas” (Deut 28, 1-46).  Por causa disso, aquele povo não seria mais superior aos outros, mas seria escravizado e dominado por estrangeiros, etc.  Estas maldições permanecem até o momento, pois o povo hebreu perdeu toda e qualquer hegemonia sobre as demais nações, sendo aplicável isso ao mundo hoje com relação aos grupos e políticos que governam contra as leis divinas: nunca mais conseguirão exercer qualquer hegemonia ou domínio sobre os demais, embora hoje tenham qualidades superiores, como o Europeu, por exemplo.
Estão próximos, pois, os dias em que Deus mandará separar os homens em dois grupos: num local ficarão aqueles destinados às suas bênçãos e num outro suas maldições. Feitas em separado, ocorrerão fatos que comprovarão seus efeitos sobre uns e sobre outros: será que os Santos Anjos não separarão os homens maus dos bons a fim de que se possam efetuar tais bênçãos e maldições?
Aqueles que forem abençoados construirão depois o Reino de Cristo, sob a denominação de Reino de Maria, e os que forem amaldiçoados serão destruídos com tudo o que lhes acompanham. Para sempre. Ou até o fim dos tempos.


sábado, 3 de setembro de 2016

SENSO DE DIREÇÃO OU DE ORIENTAÇÃO


Todo ser animal tem senso de direção inato. Trata-se do sentido que o faz saber para onde vai e o que buscar. Alguns têm o sentido de direção ou orientação mais aguçado do que outros, mas a maioria o possuem em grau apenas necessário para mover-se em pequenos espaços e poucos deslocamentos. Mas, outros não; possuem sentidos, como os olhos da águia ou o olfato do cão, para sentir e percorrer maiores distâncias sem perder-se. Por exemplo, os gnus viajam centenas de quilômetros na planície do Serengueti, na Africa, por matas, morros e rios, com o fim único de fugir da seca e procurar alimentos. Da mesma forma, há espécies de peixes que nadam centenas e até milhares de quilômetros pelas entranhas do oceano, em profundidades que não lhes permitem sequer alguma orientação com os astros, migrando para áreas longínquas, ou para desovar tranquilamente seus alevinos ou mesmo por causa do clima diferente. Há também aves que voam distâncias enormes em suas viagens migratórias, como, por exemplo, as chamadas “aves de arribação” que atravessam o Atlântico aos milhares, da África para o Nordeste brasileiro, simplesmente para pôr seus ovos e ter suas crias. Depois, fazem a viagem de volta, desta vez com a companhia dos filhotes.
Este senso de direção ou de orientação é essencial para que os animais desempenhem sua auto-regência, possam ter o domínio sobre si que Deus deixou para que cumpram bem seus dias de vida. Mas, apesar de alguns o possuírem de uma forma até sofisticada (como os morcegos, os quais, mesmo cegos, voam e não se chocam contra os obstáculos à sua frente), não há uma só espécie que consiga fazer com que tal senso cresça ou atinja outros graus: tudo o que fazem não são nada senão fruto de sua própria natureza. As pequenas abelhas e as formigas, em seu micro mundo, pode-se dizer que possuem tal senso em grau muito elevado, mas não conseguem ir além daquilo com que foram criadas.
Quanto ao ser humano, possui o senso de direção ou de orientação que se desenvolve de acordo com cada indivíduo em alto grau, podendo alguns chegar a maiores perfeições, outros ficarem estagnados e outros até mesmo retrocederem em seus atributos inatos. Nosso senso de orientação nos faz seguir para qualquer lugar do universo, seja nas entranhas da terra, no ar ou nas profundezas do oceano, sem que se perca, sem que não saiba para que destino seguir nem para onde voltar. Até mesmo no cosmo o senso de orientação do homem é perfeito, fazendo com que o mesmo possa viajar para qualquer astro (se isso for possível) sem que perca o caminho de volta. É claro que poderá haver situações em que determinado indivíduo, ou mesmo grupo, se perca momentaneamente e não ache seu senso de direção. Mas, isto são situações anormais que ocorrem esporadicamente por causa de fatores que perturbem os sentidos humanos em certo espaço de tempo.
Há pessoas que têm tal senso em alto grau, entrando e saindo em cidades grandes, cheias de ruas, de edifícios e complicados labirintos, guardando em sua memória todo o roteiro de ida e vinda dos lugares; o mesmo ocorre com outros que conseguem guiar-se de uma forma inerrante no meio da mata, ou até mesmo no meio do mar. Mas, há também pessoas que têm tal senso em grau diminuto e não conseguem memorizar com facilidade os lugares que vão, nem como conseguiriam voltar para o ponto de partida. Isso mostra como cada ser humano consegue aprimorar em si mesmo o sentido de auto-regência contido no senso de orientação. Alguns têm, até, certas deficiências naturais que os impedem de ser perfeitos nisso.
Mas, engana-se quem pensa que tal senso de orientação no homem só funciona para sua locomoção. Este senso é utilizado para muito além do simples deslocar-se de um lugar para outro. Por exemplo, o homem desenvolve tal senso quando pensa em seu futuro ou no de seus filhos, quando procura estudar para uma carreira promissora, quando procura juntar algumas economias para se prevenir para as incertezas do seu porvir, etc. Esta preocupação é uma fase mais avançada do senso de orientação, coisa que os animais irracionais não possuem. E o homem possui este senso nesta fase assim adiantada porque possui alma, porque tem o elemento espiritual que rege todo o seu ser. E é esse senso que o leva a conhecer em seu interior a necessidade de praticar a virtude da Esperança, pois tudo o que ele pensar em seu interior como preparação para o futuro, seguindo tudo pelo senso de orientação, termina por levá-lo a conceber a necessidade de “esperar” sempre que tudo corra bem: a Esperança torna-se, assim, a certeza do bom êxito naquilo que almeja para o porvir.
A neurofisiologia afirma que todas as funções cerebrais se realizam mediante Atos Reflexos. Inclu­sive as funções mais complexas que formam a base dos fenômenos psíquicos. São de dois tipos: os Atos Reflexos Incondicionados e os Atos Reflexos Condicionados. Os primeiros são aqueles inatos, já nos acompanham desde o nascimento. Em geral, assim como os animais irracionais, os atos reflexos incondicionados são aqueles que se destinam à nossa própria sobrevivência, o instinto de conservação. Há outros atos, porém, que vão além e se destinam, por exemplo, à nossa defesa, nos orientando para que nos afastemos de tudo o que seja risco para nós ou para aqueles que amamos. E, indo mais além, existem os “atos reflexos de orientação”, que guiam o homem para onde vai, para onde vem, o que vai fazer naquele dia, naquela semana ou mês, ou doravante em toda a sua vida, o que pretende ser no futuro, etc.,
Este “ato reflexo” ou senso de orientação desperta no homem dois outros sentidos externos: o assombro e a curiosidade. O assombro se refere ao maravilhamento pelo belo, o bom e o pulcro. A curiosidade pode levá-lo ao conhecimento, ao saber.  Tanto o assombro quanto à curiosidade, e suas conseqüências, como o maravilhamento e a procura do saber, levam o homem ao amor de Deus. No animai irracional, o máximo que tais reflexos de orientação podem causar externamente é a busca da segurança através do medo, um ato reflexo incondicionado de todo ser animal.
Tais atos reflexos ou senso de orientação se manifestam de acordo com as condições de vida e de educação do indivíduo. Ao selecionar estímulos capazes de produzir reflexos condicionados, o córtex cerebral estará realizando uma atividade de síntese e de análise, necessári­as para se alcançar a adaptação indispensável às condições de vida e de equilíbrio com o meio. Se­ria, portanto, uma atividade psicológica aliada aos estímulos nervosos. E por ser “síntese” e “análise” estão ligadas ao ato de julgar pertencente ao poder de regência. Aí entram em ação também a memória e a consciência.
As pessoas que possuem tal senso de orientação em grau maior do que os demais, usam-no para ser guias, orientadores das outras pessoas, assim como o fazem também os Santos Anjos.