MOISÉS E AS GESTAS DO POVO HEBREU





Após o pecado de Adão e sua expulsão do Paraíso, patenteou-se a necessidade do Redentor. A primeira profecia que fala explicitamente da vinda do Messias foi feita pelo Patriarca Jacó quando dava suas bênçãos aos seus doze filhos, fundadores das doze tribos judaicas. Ao abençoar Judá, disse: “O cetro não será tirado de Judá, nem o príncipe da sua descendência, até que venha aquele que deve ser enviado. E ele será a expectação das nações...” (Gn 49, 10-11). Por um período de 4 séculos os filhos de Israel se multiplicaram e prosperaram no Egito ouvindo esta profecia. Havia, portanto, uma opinião pública que se mantinha acesa pela Tradição, repetindo-se de pai para filho, que alimentava esta profecia ou então ela foi registrada em algum documento antigo dos primeiros israelitas. Mas, mesmo estando inscrita em algum documento ela não teria nenhum valor se não tivesse aceitação pacífica entre os hebreus, isto é, houvesse uma opinião pública que a aceitasse. Moisés chega a pedir o Messias quando Deus lhe deu a missão de resgatar o povo do Egito: “Rogo-te, Senhor, que envies aquele que deves enviar”(Ex 4, 13).
Quando José trouxe seu pai Jacó, seus irmãos e todos os familiares para o Egito, eles eram em número de 70. Passaram a morar num lugar chamado Gessém (Gn 45,10 e 46,28), onde cresceram e se multiplicaram com vida própria. Este local provavelmente era algum campo destinado ao pastoreio, pois José pediu que seus familiares falassem ao Faraó que eles eram simples pastores tradicionais, já que os egípcios detestavam todos os pastores de ovelhas. Quando Deus castigou o Egito com as dez pragas, o povo de Israel lá vivia e ficou livre dos castigos: “Mas eu, nesse dia, tornarei maravilhosa a terra de Gessém, em que habita meu povo...”( Ex 8,22). “Só na terra de Gessém, onde estavam os filhos de Israel, não caiu granizo” (Ex 9,26). O lugar era também chamado de Ramesses ou Ramessés, de onde partiram todos para a busca da terra prometida (Num 33,3). Note-se que Ramsés era o nome de uma das dinastias de Faraós.
É provável que durante a última das pragas (a morte dos primogênitos) grande parte do povo hebreu já se encontrava mesclada com os egípcios, pois no decorrer das noves pragas anteriores havia sido criada uma grande expectativa pela partida em busca da terra prometida e tenham ido para a capital do país para os preparativos da viagem ou saber das notícias. Daí Deus haver ordenado que suas casas fossem assinaladas com sangue nas portas a fim de que o anjo vingador nelas não entrasse. Veja-se a diferença das mensagens divinas: ao povo hebreu Deus dizia que estavam indo para a terra prometida, onde “mana leite e mel”; ao Faraó, porém, mandou Moisés dizer que libertasse seu povo a fim de Lhe oferecer sacrifícios no deserto.
Ao nascer Moisés os filhos de Israel já eram mais de dois milhões, segregados dos egípcios, praticando rituais diferentes (como a circuncisão e a imolação de animais), crendo num Deus diferente, não se miscigenando nem se acostumando completamente aos costumes pagãos. E assim progrediram formando um povo, embora vivendo numa espécie de gueto e debaixo do poder de um outro. É curioso que Deus tenha formado o seu povo sob o jugo de outro: por que não deixou que Jacó permanecesse com seus filhos em Canaã, lá formando o povo eleito, em vez de formá-lo no Egito e depois fazê-lo voltar à Terra Prometida? Uma das razões talvez fosse de que a escravidão alimentava neles a expectativa de um Libertador, de um Messias; daí o termo “expectação das nações” usada por Jacó. De outro lado, Deus sabia o quanto este povo seria de cerviz dura, e assim quis que ele se formasse humilhado por um outro. Tornaram-nos escravos, mas mesmo assim Deus os abençoava e os fazia crescer.
O Faraó tentou sustar tal crescimento, querendo impedir a natalidade dos israelitas: as parteiras eram pagas para matar os filhos e, por fim, foram condenados à morte todos os primogênitos dos hebreus que deveriam ser afogados no rio. A mãe de Moisés, para salvar a criança, talvez inspirada por Deus, colocou-a num cesto calafetado, a pôs dentro do Rio Nilo e mandou sua filha, Maria, segui-la de perto para ver se dava nas margens onde costumavam tomar banho as filhas do Faraó. Quando a criança foi encontrada e adotada por uma filha do Faraó, a própria irmã de Moisés, Maria, indicou a ama que iria amamentá-lo, isto é, sua própria mãe.
Moisés criou-se, portanto, num ambiente diferente do de sua gente. Isto deve tê-lo feito ficar muito versado nos conhecimentos egípcios e caldeus, mas também pode ter lhe transmitido alguma influência pagã. É o caso, por exemplo, de haver matado o homem que açoitava um operário hebreu e tê-lo escondido na areia. Foi este o fato que o fez fugir do Egito para não ser morto, tendo que morar com um sacerdote madianita chamado Jetro, pai de Séfora sua futura esposa. Moisés morou 40 anos com Jetro em Madian, sofrendo grande influência do mesmo. Era tão grande a influência de Jetro sobre Moisés que este seguiu prontamente seus conselhos quando se encontrava no deserto com o povo hebreu (Ex 18, 13-26). É provável que Jetro o tenha convertido ao verdadeiro caminho de Deus, pois foi a partir do momento que foi conviver com ele que o Senhor lhe apareceu e o escolheu para salvar o povo judeu tornando-o o “homem mais manso de todos os homens que havia na terra” (Num 12-3). Um episódio mostra que Moisés, mesmo depois da aparição divina, ainda não cumpria fielmente os costumes prescritos aos filhos de Israel: em Êxodo 4, 23-25, Deus ameaça lhe matar porque seu filho primogênito não havia sido circundado.
Os 120 anos de vida de Moisés foram divididos em três partes iguais: 40 anos entre os egípcios, 40 com seu sogro Jetro e os restantes 40 conduzindo o povo pelo deserto. Entre os egípcios teve vida cheia de prática e conhecimentos daquele povo, inclusive morando entre pessoas da elite dirigente, pois foi achado e criado por familiares do Faraó. Deve ter aprendido a arte da guerra, a escrita cuneiforme que os egícpios aprenderam com os sumérios, a arte de embalsamar os mortos e alguns princípios doutrinários dos sacerdotes egípcios, que eram influenciados remotamente pelos antigos sumérios e caldeus. O saber manejar a escrita foi fator importante para a elaboração dos livros sagrados. E conhecer as religiões egípcias foi também importante para saber com que povo teria que se defrontar. Quando suscitava as pragas com que Deus castivava o Egito recusou a proposta do Faraó, para que imolassem lá mesmo suas vítimas, dizendo: “Não se pode fazer assim, porque sacrificaremos ao Senhor nosso Deus animais que para os egípcios é sacrilégio matar; e se nós diante dos egípcios matarmos o que eles adoram nos apedrejarão” (Ex 8, 26). Moisés revela, assim, grande conhecedor e respeitador da opinião pública e procura evitar entrar em choque com ela.
Depois, foi a vez de conhecer com maior profundidade a religião de seu povo, talvez com o sacerdote Jetro, seu futuro sogro. Que tipo de sacerdócio Jetro exercia? Por ser madianita, povo árabe semi-nômade mas também descendente de Abraão, Jetro deveria exercer algum tipo de sacerdócio fiel à tradição patriarcal de Abraão. Era um sacerdócio comum ao povo antigo, não exclusivo do povo hebreu. Ele era também chamado de Raguel, que significa “amigo de Deus”. Veja o exemplo do sacerdote Melquisedec, que abençoou Abraão (Gn 14, 18-20), embora neste tempo não houvesse ainda sacerdócio oficial criado por Deus. A religião praticada consistia em rituais simples, apenas imolação de animais, embora os que se destacassem como sacerdotes fossem em geral escolhidos e abençoados por Deus através de visões e revelações.


Grandeza prodigiosa sem medidas
Ao conduzir o povo pelo deserto Moisés recebia do próprio Deus as leis que deveriam guiá-los, e aí completou sua grandeza, já manifesta perante o povo do Egito: “Ora Moisés foi um homem muito grande na terra do Egito, aos olhos dos servos do Faraó e de todo o povo” (Ex 11,3). Moisés pode ser considerado o maior homem que a História já conheceu, depois de Jesus Cristo. No Eclesiásticos há um grande elogio à sua pessoa: “Moisés foi amado por Deus e pelos homens; a sua memória é abençoada. O Senhor fê-lo semelhante em glória aos santos, engrandeceu-o e tornou-o terrível aos seus inimigos. Pela sua fé e mansidão o santificou, e o escolheu dentre todos os homens” (Eclesiásticos 45, 1-4). É considerado pelos Santos e Doutores da Igreja como homem extraordinário, grande santo, sumo profeta, o legislador insigne e mais sábio que já houve, taumaturgo prodigioso, o mais antigo dos historiadores, o mais sublime dos filósofos. E no entanto, morreu sem nenhuma recompensa terrena, não se sabendo o que ocorreu com sua descendência. Foi um homem nascido para o bem da humanidade.
Morando no Egito, haveria necessidade de que Deus o deixasse passar tantos anos longe de seu povo para depois chamá-lo de volta com a missão de resgatá-lo? Mas isto talvez foi necessário para o instruir na religião, bem longe dos costumes pagãos egípcios, onde havia sido criado. De outro lado, todas as aparições de Deus, face a face, ocorreram nos Montes Horeb, Sinai, etc., próximos onde morava Jetro. As outras aparições ou comunicações divinas, fora de lá, eram em sonhos ou oráculos dos profetas. No Egito, Deus se comunicava tanto com Arão como com Moisés, mas a Sagrada Escritura não o diz como, fazendo-nos supor que era através de sonhos. Como Arão era intérprete de Moisés, que era gago, Deus também lhe aparecia dando as mesmas ordens.
O primeiro fenômeno ou prodígio operado por Deus, após lhe aparecer na sarça ardente, foi transformar uma vara que tinha na mão em serpente. Prodígio semelhante foi operado na presença do Faraó, quando os magos egípcios transformaram suas varas em dragões, logo devorados pela vara de Arão. A serpente começa a aparecer como animal simbólico dos castigos divinos. Ela figura desde o pecado de Adão e Eva e a tradição a tinha como animal repelente. No entanto, era cultuada no Egito antigo e em alguns povos pagãos como os sumérios, assírios, babilônios e caldeus. Há descobertas modernas que mostram uma “serpente emplumada” sendo objeto antigo de culto pagão, embora esta divindade fosse apenas uma entre mais de 3 mil existentes no Egito. Nada nos faz supor que a serpente não fosse uma divindade importante entre eles. Houve um momento em que Moisés mandou fazer serpentes de bronze no deserto: o povo ao olhar para elas ficava curado das picadas de cobras que andavam atacando os hebreus como castigo que Deus lhes havia mandado. Olhando para as serpentes de bronze se ficava curado das verdadeiras serpentes. Estas serpentes de bronze foram a prefigura do Messias, mas aquele símbolo ainda tinha alguma significação para um povo que morou 4 séculos entre os egípcios. Evidentemente que Moisés não estava alimentando uma crendice pagã, pois do fato não se tira esta conclusão, mas apenas de que Deus manifestava o seu poder também daquela forma.


Reis divinos ou ditadores?
Quem eram os governantes egípcios daquele tempo, os Faraós? A palavra Faraó significa “casa grande”, quer dizer, grande dinastia. Era tarefa principal de um Faraó estabelecer a supremacia religiosa de sua própria “casa”, isto é, de sua descendência, de sua família, sobre todas as outras. E assim, se rivalizavam construindo monumentos funerários cada vez maiores, onde se utilizavam da força escrava para confecções de “tijolos”, ou grandes moles de pedras. Quando morria um rei eram mortos e enterrados juntamente com ele todos os familiares e escravos, pois eles criam que no Além ele precisava daquele povo para o servir. Existe no Egito um local denominado “Vale dos Reis”, com enormes monumentos encravados em rochas de até 300 metros alturas e onde eram enterrados os Faraós.
Quando Moisés e Arão foram à presença do Faraó pedir que libertasse o povo judeu, obtiveram como resposta que o povo precisava trabalhar mais e foi dado ordens aos chefes das obras: “Não mais dareis palhas, como antes, ao povo, a fim de fazer tijolos, mas eles mesmos juntarão a palha. E os obrigareis à mesma quantidade de tijolos que antes, sem lhes diminuir nada; porque estão ociosos, etc” E depois mandava açoitar o povo para que produzisse sempre a mesma quantidade de tijolos. Eram mais de dois milhões de pessoas, a maioria condenada aos trabalhos forçados! Que obra monumental necessitava de tanta gente? A Sagrada Escritura menciona as cidades de Fíton e Ramessés (Ex 1,11) construídas pelo trabalho escravo dos hebreus, mas não fala de outras talvez por considerar que eram obras humanas e destinadas a satisfazer a vaidade pessoal de algum rei. Hoje, descobre-se monumentos fantásticos construídos pelos Faraós, que causam pasmo e admiração ao homem moderno.
Na época de Moisés, século XIII a.C., predominava a dinastia dos Ramsés, um dos quais governou 67 anos. É interessante notar que os nomes Moisés e Ramsés têm a mesma partícula “sés”, indicando algum significado egípcio em uso na mesma época. A Sagrada Escritura dá como significado para o nome de Moisés, o de “tirado das águas”. Mas alguns exegetas afirmam que a filha do Faraó, “porque ele saiu das águas”, colocou-lhe um nome com significado comum à família em que fora criado. Trata-se de um nome que se soma o significado de “nasceu” com o de um deus aquático que se celebrava naquele dia. Assim, é possível que quem adotou e pôs o nome em Moisés foi a mesma pessoa ou da mesma família do Faraó Ramsés.
A tirania exercida por tais monarcas era terrível, embora houvesse épocas de tolerância para com o povo hebreu. O rei que governava no tempo de Moisés era tão obstinado que nem perante os prodígios operados à sua vista cria em Deus. Foi daí que se originaram as pragas do Egito, bastante conhecidas e relatadas no Êxodo 7-13. Os próprios magos chegaram a dizer que “o dedo de Deus está aqui” (Ex 8, 19), mas o Faraó talvez possesso não cedia.
Somente após a décima praga, e por esta haver morto todos seus filhos primogênitos, deixou o povo hebreu sair em paz, e ainda cheio de despojos: “Os filhos de Israel fizeram como Moisés tinha ordenado; pediram aos egípcios vasos de prata e de ouro, e grande quantidade de vestidos. O Senhor fez com que o seu povo encontrasse graça diante dos egípcios, para que estes lhe emprestassem; e despojaram os egípcios” (Ex 12, 35-36). Era lícito que assim procedessem os hebreus, a pedido de Moisés e por ordem de Deus? Se considerarmos que o povo israelita trabalhava sem remuneração, como escravos que eram, a mais de 4 séculos, mereciam melhor paga em sua despedida. As condições em que o povo deixava o Egito não eram muito favoráveis: eram mais de dois milhões de pessoas deixadas ao relento, sem abrigo e alimento, levando suas ovelhas e gado, seus pertences pessoais, nem sequer tiveram tempo de levedar o pão que iriam comer no caminho. E a sua saída teria provocado decadência financeira entre os egípcios? Ora, o país já se encontrava arrasado pelas dez pragas e não parece que precisavam do povo hebreu para produção econômica, mas tão somente para o usarem em suas construções mirabolantes que nenhum benefício trazia à sua nação.


Prodígios miraculosos feitos para multidões mudarem de opinião
A partir da saída do Egito, o povo hebreu era guiado por Deus, que ia na frente: “O Senhor ia adiante deles para lhes mostrar o caminho, de dia numa coluna de nuvem, e de noite numa coluna de fogo, para lhes servir de guia num e noutro tempo. Nunca se retirou de diante do povo a coluna de nuvem, durante o dia, nem a coluna de fogo, durante a noite” (Ex 13, 20-22). Quer dizer, era um fenômeno permanente, diário e noturno, a manifestar o poder de Deus e sua preferência por aquele povo. Não era para causar pasmo, admiração e maravilhamento do povo? Para que coisa mais maravilhosa e admirável do que ter diante de si o próprio Deus, representado por colunas de nuvem e de fogo? A partir daí os fenômenos miraculosos foram cada vez mais extraordinários e grandiosos. A travessia do Mar Vermelho, a chuva diária de maná para alimentar o povo, a água que corria da rocha ao simples toque da vara de Moisés, as vitórias espetaculares sobre os salteadores e povos que os agrediam constantemente, como o rei Amalec, tudo isto não era para causar admiração e pasmo? Logo no início da peregrinação pelo deserto chegam a um lugar chamado Mara, cujas águas eram amargas e ninguém conseguia bebê-las. Deus ordenou a Moisés que lançasse na água uma madeira, tendo as águas se tornado doce. Seria esta passagem uma das prefiguras de Maria Santíssima, a Mãe de Deus? E que madeira seria aquela senão uma prefigura da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo?
Mas a multidão estava sempre a se queixar, reclamando e se deixando levar por desânimos, falta de fé em Deus e revoltas. Apesar de tantos milagres! Ora reclamavam da comida, pois no Egito tinham fartura de carne e pão, enquanto que no deserto só comiam o maná miraculoso, ora reclamavam da água ou da caminhada, ora se revoltavam contra os preceitos religiosos. E tinham saudades das cebolas do Egito! E o maravilhoso, o miraculoso, o grandioso, estava a seus olhos, diariamente, a fim de que cressem e adorassem ao Deus verdadeiro! Moisés disse que “o Senhor vos conduziu quarenta anos pelo deserto; os vossos vestidos não se romperam, nem os sapatos dos vossos pés se gastaram com a velhice” (Deut. 19, 5). Até que vieram as guerras e os castigos. Durante 40 anos Deus os conduziu pelos desertos e planícies enfrentando inimigos e tendo cismas internos.
Por que Deus Nosso Senhor deixou este povo perambulando 40 anos pelo deserto? Em parte, foi por castigo. Mas um castigo destinado a mudar a mentalidade daquele povo. Mudar a mentalidade de um povo formada durante 4 séculos no meio dos egípcios, fazer com que cressem no Deus verdadeiro e largassem a idolatria, abandonassem costumes pagãos enraizados durante séculos não era coisa fácil. E daí os fatos miraculosos, extraordinariamente maravilhosos, para conquistar os corações tão duros daquele povo. Era Deus formando uma nova opinião pública a respeito dEle mesmo, num povo que Ele havia escolhido para ser o Seu arauto, o seu como que porta-voz perante todos os povos da terra.

General, guerreiro e comandante implacável nas guerras
Tendo que enfrentar diversos povos hostis, Moisés deixou instruções detalhadas da forma como deveriam os israelitas guerrear contra eles. Há inclusive a preocupação pela pureza: “Quando saíres a combater contra os teus inimigos abster-te-ás de toda a coisa má. Se entre vós houver (algum) homem que esteja impuro, por causa dum sonho noturno, sairá para fora do acampamento, e não voltará antes de se ter lavado em água á tarde; depois do sol posto tornará a ir para o acampamento” (Deut 23, 9-11). Na maioria dos casos a tônica era um discurso inflamado, cheio de confiança na proteção divina: “Se saíres à guerra contra os teus inimigos, e vires os seus cavalos e carroças, e o exército contrário mais numeroso que o que tu tens, não os temerás, porque o Senhor, teu Deus, que te tirou da terra do Egito, é contigo”.
Em seguida, dando-se início a batalha ele diz como devem ser animados os soldados para a guerra: “Quando se aproximar a batalha, o pontífice estará diante do exército, e falará assim ao povo: Ouve, ó Israel, vós estais hoje para combater contra os vossos inimigos, não se atemorize o vosso coração, não temais, não recueis nem lhes tenha medo, porque o Senhor, vosso Deus, está no meio de vós e combaterá por vós contra vossos inimigos, para vos livrar do perigo”. Este discurso deverá ser proferido pelo pontífice para assim trazer as bênçãos de Deus para o exército. Mas logo a seguir os comandantes das tropas, os oficiais e comandantes, deverão falar aos soldados:
“Os oficiais também de cada esquadrão, ouvindo todo o exército, gritarão: Quem é o homem que tenha edificado uma casa nova e a não tenha ainda estreado? Vá e torne para sua casa; não suceda que morra na batalha e outro a estreie” (Deut 20, 5). A referência à “casa nova” dá a idéia de que esta ordem deveria ser cumprida depois do povo haver se estabelecido em cidades, pois não se compreende que andando no deserto, com tendas portáteis, alguém tenha a idéia de construir sua casa. Da mesma forma , todo aquele que tenha plantado uma vinha, o medroso, o tímido, ou o que tenha desposado uma mulher, isto é, tenha algo que o apegue aos bens terrenos não deve ir para a batalha mas fique em casa. Também, não deveriam combater os recém-casados: “Quando um homem tiver tomado uma mulher há pouco tempo, não irá à guerra, nem se lhe imporá cargo algum público, mas estará descansando sem culpa em sua casa, a fim de passar alegre um ano com sua mulher” (Deut 24, 5). Nenhuma lei trabalhista moderna concede um prazo tão longo para uma lua-de-mel.
Outra recomendação importante: ao se aproximarem de uma cidade para ser tomada, antes lhes mande mensageiros propondo uma paz. “Se ela aceitar e te abrir as portas, todo o povo que houver nela será salvo e te ficará sujeito pagando tributo. Mas, se não quiser aceitar as condições e começar a guerra contra ti, cercá-la-ás. E, quando o Senhor, teu Deus, ta houver entregado nas mãos, passarás a fio da espada todos os varões que nela há, poupando as mulheres, as crianças, os animais, e tudo o mais que houver na cidade.” Esta norma, porém, era diferente para aquelas cidades que Deus havia prometido dar ao povo hebreu: “Quanto àquelas cidades, porém, que te hão de ser dadas, não permitirás que alguém fique vivo, mas passá-lo-ás ao fio da espada... para que não suceda que vos ensinem a cometer todas as abominações que eles mesmos praticaram para com os seus deuses...” (Deut 20, 1-20). Em muitos casos até mesmo as crianças e os velhos foram mortos por ordem de Moisés.
Quando um comandante, um general, um chefe militar qualquer, quer conquistar o território inimigo, manda alguns espiões ou exploradores na frente para averiguar o terreno inimigo. Assim, estando no início da caminhada pelo deserto Moisés mandou 12 homens explorar as terras que iriam ser invadidas pelo povo hebreu (Deut 1, 23). Os homens voltaram acovardados, principalmente pelo fato de terem visto gigantes combatendo ao lado do inimigo. Mas Moisés os animou dizendo: “Não tenhais medo e não os temais; o Senhor Deus, que é o vosso guia, ele mesmo combaterá por vós, como fez no Egito à vista de todos”. Quem eram tais gigantes que tanto medo causavam aos povos? Segundo a Sagrada Escritura tais gigantes existiam desde os primórdios da humanidade: “Ora, naquele tempo, havia gigantes sobre a terra. Porque depois que os filhos de Deus tiveram comércio com as filhas dos homens, e elas geraram filhos, estes foram homens possantes e desde há muito afamados” (Gen 6, 4). Por “filhos de Deus” entende-se os descendentes de Set, os fiéis a Deus, e por “filhos dos homens” entende-se os que descendem de Caim.
No tempo de Moisés havia uma tribo de gigantes chamada “emins” e outra chamada “enacins”. Uma delas descendia dos moabitas, filhos de Lot: “Os emins foram os seus primeiros habitantes, povo grande e forte de tal estatura que se tinham por gigantes, da linhagem dos enacins. Enfim os moabitas chamam-nos de emins” (Deut 2, 10). Haviam outras tribos de gigantes. Em terra de Amon havia uma tribo chamada zomzomin, “povo grande e numeroso, e de tal estatura, como os enacins, que o Senhor exterminou diante dos amonitas, e fez habitar estes em lugar daqueles...” (Deut 2, 21). Um gigante famoso foi o filisteu Golias, com 6 côvados de altura, cerca de 2,80 m.
Os hebreus iriam passar por alguns povos que deveriam ser expulsos ou exterminados, e aí Moisés ouvia a voz de Deus ordenar: “Levantai-vos e passai a torrente do Arnon; eis que te entreguei nas mãos Seon, rei de Hesebon, amorreu; começa a possuir a sua terra e peleja contra ele. Hoje começarei a pôr o terror e o medo das tuas armas nos povos, que habitam debaixo de todo o céu, para que, ao ouvir o teu nome, temam, e à maneira das mulheres que estão para dar à luz, tremam e sintam dores” (Deut 2, 24-25). Houve a batalha, pois o rei não aceitou a proposta de paz mandada por Moisés: “Naquele tempo tomamos-lhe todas as suas cidades, mortos os seus habitantes, homens, mulheres e meninos, e nelas não deixamos nada, exceto os animais, que tocaram aos saqueadores, e os despojos das cidades, que tomamos” (Deut 2, 34-36). Nada foi poupado, como se vê. E nunca se ouviu dizer que Moisés tenha proibido de se apossar dos despojos de uma guerra, ele simplesmente os narra como coisa mais normal do mundo.
Contra os amalecitas, dirigidos pelo rei Amalec, foi necessário Moisés subir o monte juntamente com Arão e Hur e ficar rezando para que Deus desse a vitória a Josué. Cada vez que Moisés mantinha os braços levantados, Josué vencia, e cada vez que baixava os braços, de cansado que estava, Amalec vencia. Seus auxiliares, Arão e Hur, tiveram então a idéia de colocar pedras debaixo de seus braços para que os mesmos não baixassem. Josué ganhou a guerra e passou os inimigos ao fio da espada (Ex 17, 8-16). Depois, Moisés deixou este conselho: “Lembra-te do que te fez Amalec no caminho, quando saíste do Egito, de como ele te saiu ao encontro e matou os últimos do teu exército, que cansados ficavam atrás, quando tu estavas consumido de fome e de fadiga, e ele não teve nenhum temor de Deus. Quando, pois, o Senhor teu Deus, te tiver dado descanso e tiver sujeitado todas as nações circunvizinhas na terra que te prometeu, apagarás o seu nome debaixo do céu. Olha, não o esqueças” (Deut 25, 17-19).
Houve também a guerra contra o rei Og, de Basan. Este rei era o último sobrevivente da estirpe dos gigantes. “O Senhor, nosso Deus, entregou, pois, nas nossas mãos também Og, rei de Basan, e todo o seu povo; ferimo-lo até o extermínio, devastando ao mesmo tempo todas as suas cidades; não houve cidade que nos escapasse; sessenta cidades, todo o país de Argob pertencente ao reino de Og, de Basan”. (Deut 3, 3-4). Ressalte-se que nem sequer as crianças foram poupadas: “Destruímo-los, como tínhamos feito a Seon, rei de Hesebon, destruindo as cidades, os homens, as mulheres e as crianças”. Foram mortos também os pais dos reis a fim de se evitar que voltassem a gerar gigantes.
Uma das últimas paradas antes de entrarem na terra prometida era em meio aos madianistas. Estes foram os que tentaram o povo israelita com a idolatria do deus Beelfegor e conseguiram muitos adeptos. Os idólatras hebreus foram punidos com o enforcamento dos principais responsáveis, ocasião em que morreram 24 mil homens (Num 25, 9). Faltava agora punir os madianitas, mas para tanto teria que haver uma guerra. E Deus o exigiu de Moisés, para a qual logo convoca seu povo: “Armem-se para a batalha alguns homens dentre vós, que possam executar a vingança do Senhor sobre os madianitas”. Foram escolhidos mil homens de cada tribo, num total de 12 mil, os quais Moisés enviou com Finéias, abençoado por Deus por ter morto o casal que fornicava (um israelita e uma madianita), tido pela tradição hebraica como o primeiro pontífice escolhido por Deus.
A batalha contra os madianistas foi uma das mais terríveis e arrasadores: “mataram todos os varões, os seus reis Evi, Recem, Sur, Hur e Rebe...”. “Tomaram as suas mulheres, os seus filhinhos, todos os seus gados e todos os seus bens; e saquearam tudo o que puderam alcançar. O fogo consumiu as cidades, as aldeias e os castelos”. Levaram tudo o que foi apreendido ao inimigo até Moisés, ao sacerdote Eleazar e a toda a multidão para mostrar-lhes, mas Moisés ficou irado porque os soldados israelitas haviam poupado as mulheres: “Por que poupastes as mulheres? Não são elas que, por sugestão de Balaão, seduziram os filhos de Israel e vos fizeram prevaricar contra o Senhor com o pecado de Fegor, pelo qual também o povo foi castigado? Matai, pois, todos os varões, mesmo os de tenra idade, e degolai as mulheres que tiveram comércio com homens; mas reservai para vós as donzelas e todas as mulheres virgens”. (Num 31, 16-18).
Nesta guerra não morreu um israelita sequer. Após contar todos os soldados disseram os comandantes a Moisés: “Nós, teus servos, fizemos a resenha dos combatentes, que comandávamos, e nem um faltou. Por esta causa cada um de nós oferece por donativo ao Senhor o ouro que pudemos achar na presa, ligas, braceletes, anéis, arrecadas e colares, para que rogues por nós ao Senhor” (Num 31, 49-50). Todo o ouro arrecadado, com o peso de 16.750 ciclos, foi posto no tabernáculo.
No total, Moisés derrotou 8 reis. Josué, no entanto, derrotou muito mais, cerca de 33 reis. E a glória de Josué era apenas parte da de Moisés.

Moisés, “moderno” administrador
Uma das características do administrador moderno, moldado pela tônica da eficiência e da eficácia, é se utilizar da técnica chamada “descentralização de poder”. Não podendo ele sozinho exercer as atividades e as responsabilidades que lhe são atribuídas, delega então racionalmente poderes a alguns auxiliares. Isto que os administradores se ufanam de ser uma técnica moderna e do avançado século XX, nada mais é do que a cópia fiel do que fez Moisés em seu tempo.
Estando ele no deserto conduzindo o povo de Israel, foi ao seu encontro o sogro Jetro para lhe levar sua esposa, Séfora, e os dois filhos Gersão e Eliezer. Após ser recebido com alegria por Moisés, Jetro lhe deu os seguintes conselhos: “Sê mediador do povo naquelas coisas que dizem respeito a Deus, para lhes expores os pedidos que lhe são dirigidos, e para ensinares ao povo as cerimônias e o modo de honrar a Deus, o caminho por onde devem andar e as obras que devem fazer. Mas escolhe entre todo o povo homens capazes e tementes a Deus, nos quais haja verdade e que aborreçam a avareza; faze deles tribunos, centuriões e chefes de cinqüenta, e de dez homens, os quais julguem o povo em todo o tempo, e te dêem conta das coisas mais graves”. Alguns historiadores creditam aos romanos o pioneirismo na técnica de criar grupos de homens chamados decúrias (dez), centúrias (cem) ou legiões (mil), para mais facilmente serem conduzidos, mas na realidade o pioneiro foi Moisés. E continua Jetro: “Desta sorte o peso que te oprime será mais leve, sendo repartido com outros” (Ex 18, 19-23).
Prontamente Moisés seguiu os conselhos de seu sogro. Voltando-se para o povo disse-lhes: “Eu só não posso reger-vos, porque o Senhor vosso Deus vos multiplicou, e sois hoje tão numerosos como as estrelas do céu... Eu só não posso atender aos vossos negócios, trabalhos e questões. Dai-me dentre vós homens sábios e experimentados, e de vida provada nas vossas tribos, para que eu os constitua vossos chefes... E eu tomei das vossas tribos homens sábios e nobres, e constituí príncipes, tribunos e chefes de cem, de cinqüenta e de dez que vos instruíssem em todas as coisas...”(Deut. 1, 10-15).
Moisés foi também o primeiro a instituir o censo populacional. E para registrar toda a população que com ele andava pelos desertos mandou escrever o livro chamado Números. No primeiro censo, ordenado por Deus, foram contados os homens em condições de ir para a guerra, que tivessem mais de vinte anos. E assim foram contados 46.500 homens da tribo de Rúben, 59.300 da tribo de Simeão, 45.650 da tribo de Gad, 74.600 da tribo de Judá, 54.400 da tribo de Issacar, 57.400 da tribo de Zabulão, 40.500 da tribo de José, 32.200 da tribo de Manassés, 35.400 da tribo de Benjamin, 62.600 da tribo de Dan, 41.500 da tribo de Aser e 53.400 da tribo de Neftali. No total haviam 603.550 homens, com mais de vinte anos de idade, que podiam ir à guerra. (Num 1, 20-46). Após este censo foi estabelecida uma ordem no acampamento pela qual as tribos obedecessem uma hierarquia e disposição próprias.
Depois vieram outros censos: o dos levitas, contadas as crianças a partir de 1 mês e todos os adultos, num total de 22 mil; depois foram contados aqueles que tinham acima de 30 anos até os 50, e que entraram para o serviço de Deus, somando 8.580. Finalmente, depois de vários episódios e guerras, Moisés mandou contar novamente todos os homens dispostos à guerra: ao todo eram 601.730 homens acima de 20 anos. Se tantos eram aqueles que estavam em condições de ir à guerra quanto somava toda a população?


Proto-inquisidor
Assim como Elias foi o Patriarca espiritual do Profetismo, Moisés foi o Patriarca da Lei e da Nação eleita. Tal é a importância de ambos que apareceram ao lado de N. S. Jesus Cristo cobertos de glória no Monte Tabor. Foram os profetas maiores da Lei. E para que a Lei fosse acatada às vezes era necessário se fazer violência. Deus sempre fez alianças com os homens, a começar de Noé, que foi uma aliança ligada à natureza. Com Abraão, com Isaac, com Jacó, com todos Deus fez alianças, que eram representadas por símbolos. Com Moisés, porém, havia uma aliança maior, mais ampla, que foi escrita nas tábuas da Lei: o Decálogo. Não só o Decálogo, pois de tudo Deus deu leis para reger o seu povo: basta lermos o Levítico e os outros Livros Sagrados feitos por Moisés e lá encontraremos uma profusão de leis divinas. E quando os homens rompiam sua aliança com Deus, sempre vinham os castigos. Ao entregar a Moisés as tábuas da Lei, Deus quis que todo o povo soubesse o que ocorria e, embora não vissem a Deus, no entanto viam que estava acontecendo um fenômeno divino, a ponto de lhes causar medo. Os setenta anciãos que representavam o povo e os demais aclamaram publicamente a fidelidade aos preceitos divinos, firmaram como que um pacto com Deus (Ex 24). Mas o que se observa depois é uma constante desobediência e revolta.
A primeira rebeldia foi a construção do bezerro de ouro. Como Moisés demorou em descer do monte Sinai, foram até Arão e pediram que ordenasse que se fizesse um deus para eles. Foi necessário juntar os braceletes, os brincos e as pulseiras de ouro de todo o povo para se fazer o bezerro. Arão, irmão de Moisés, que era sacerdote, cometeu pecado ainda maior: mandou erigir um altar para o bezerro ser adorado e onde se ofereciam vítimas em holocausto. Arão só não foi rigorosamente punido por Deus porque Moisés intercedeu por ele. O pecado cometido era enorme, tendo-se em conta que além da idolatria, praticada pelo povo eleito, a adoração do bezerro de ouro era seguida de excessos na comida e na bebida, além de diversões com danças, tudo bem de acordo com o espírito pagão dos povos que os rodeavam ou do Egito de onde vieram.
Foi neste momento que Deus quis exterminar o povo hebreu. Desejava fazer de Moisés o Patriarca fundador de uma nova nação eleita: “Vejo que este povo é de cerviz dura; deixa-me, a fim de que o meu furor se acenda contra eles, e que eu os extermine, e eu te farei chefe de uma grande nação”. (Ex 32, 9-10) . Interessante notar que Deus diz “deixa-me” como se Moisés O estivesse impedindo, ou tivesse algum poder para evitar que Deus fizesse o que desejava. No entanto, o termo “deixa-me” é bem adequado para mostrar que Deus não impõe nada a ninguém, mas faz depender de um o destino dos outros a fim de que haja colaboradores em Sua obra. Moisés orou e pediu a Deus por seu povo, dando argumentos convincentes e suficientes para impedir Deus de destruí-los. Aí ele atua como intercessor entre Deus e os homens. Suas orações têm o poder de aplacar a ira divina.
Não consta que Deus o tenha ordenado, no entanto Moisés castiga severamente em nome de Deus os culpados e, pela primeira vez, os israelitas combatem entre si; chamando aqueles que eram fiéis disse: “Cada um cinja a sua espada ao seu lado; passai e tornai a passar de porta em porta através dos acampamentos e cada qual mate o seu irmão, o seu amigo e o seu vizinho. Os filhos de Levi fizeram o que Moisés tinha ordenado, e cerca de três mil homens caíram naquele dia”. Tal mortandade poderia causar repulsa numa mente adversa à inquisição, mas Moisés pelo contrário disse: “Consagrastes hoje as vossas mãos ao Senhor, cada um em seu filho e em seu irmão, para vos ser dada a bênção”. (Ex 32, 27-29).
Em outro lugar, no Levítico, Deus entrega a Moisés leis inquisitórias para quem peca contra a Religião: “Se algum homem dentre os filhos de Israel e dos estrangeiros, que habitam em Israel, der de seus filhos ao ídolo Moloc, este será punido de morte; o povo da terra o apedrejará” (Lev 20, 2-3). O oferecimento de vítimas a Moloc era uma coisa bárbara. Tratava-se de uma divindade que existia em Canaã, à qual eram oferecidos sacrifícios de crianças. Tal costume bárbaro foi explicitamente condenado por Deus: “Não darás nenhum de teus filhos para ser consagrado ao ídolo de Moloc...” (Lev, 18,21). Tal prevenção era necessária por causa da forte inclinação que o povo hebreu tinha pela idolatria, além de ser comum entre eles fazerem sacrifícios cruentos com animais. Porém, Deus nunca permitiu que se fizessem sacrifícios humanos. Mesmo assim, Salomão ainda caiu neste erro terrível ao mandar construir templos idolátricos, inclusive um para Moloc (III Reis 11, 7).
De outra vez foi um blasfemador levado à presença de Moisés para se saber o que fazia com ele. Moisés poderia ter decidido o que fazer, mas para aquietar a consciência dos israelitas preferiu ouvir a sentença do próprio Deus: “Tira o blasfemo para fora do arraial, e todos os que o ouviram, ponham as suas mãos sobre a cabeça dele, e todo o povo o apedreje. E dirás ao povo de Israel: O homem que amaldiçoar o seu Deus, levará o seu pecado, e o que blasfemar o nome do senhor, seja punido de morte; todo o povo o apedrejará, quer seja cidadão, quer seja forasteiro.” (Lev 24, 15-17).
A idolatria perseguia e estava em volta do povo hebreu. Era preciso destruí-la. E para tanto, Moisés prevenia o povo: “Quando o Senhor, teu Deus, te tiver introduzido na terra, de que vais tomar posse, e tiver exterminado diante de ti muitas nações, o heteu, o gergeseu, o amorreu, o cananeu, o ferezeu, o heveu e o jebuzeu, sete nações muito mais numerosas e mais fortes do que tu, e o Senhor teu Deus tas tiver entregado, tu as combaterás até ao extermínio. Não farás aliança com elas, nem as tratarás com compaixão... Deitai abaixo os seus altares, e quebrai as estátuas, cortai os bosques e queimai as esculturas...” (Deut 7, 1-5). Havia uma idolatria que se fazia entre as árvores, por isso se dizia que deveriam cortar os bosques. As outras idolatrias eram de deuses pagãos, em geral crenças nascidas entre os povos da localidade ou então crendices trazidas do Egito de onde vinham.
Numa ocasião os israelitas chegaram a idolatrar um deus moabita, Beelfegor, atraídos pelas mulheres daquele povo: “E eles comeram e adoraram os deuses delas. E Israel consagrou-se a Beelfegor. Então, irado, o Senhor disse a Moisés: Toma todos os príncipes do povo e pendura-os em forcas em face do sol, para que meu furor se afaste de Israel. E Moisés disse aos juízes de Israel: Cada um mate os seus vizinhos, que se entregaram a Beelfegor”. Houve um pontífice, Finéias, filho do sacerdote Eleazar, zeloso da lei de Deus, que matou um israelita e uma mulher que fornicavam acintosamente à vista de todos. Foi glorificado por Deus e é considerado como o primeiro pontífice israelita. Mas, a matança houve assim mesmo: “E cessou a praga de sobre os filhos de Israel: foram mortos vinte e quatro mil homens”. (Num 25, 1-9).


Bondoso intercessor entre Deus e os homens
Uma coisa que está sempre presente em Moisés é a sua bondade. Ela se manifesta todo o tempo em que conduziu o povo hebreu. Por isto dele foi dito que era o “mais manso de todos os homens que havia na terra” (Num 12, 3). São Boaventura o chama “mansíssimo amicíssimo de Deus” (cf. “As Seis Asas do Serafim”). Esta bondade não o impedia de indignar-se contra os que cometiam pecados contra a majestade e a dignidade divinas, e em alguns casos mandando-os executar como na ocasião do bezerro de ouro e da revolta de Natan e Abiron. Porém, no mais das vezes, Moisés intercedia pedindo a Deus pelo seu povo, como foi o episódio descrito em Números 14. Tendo Deus ameaçado castigar o povo com pestes e exterminá-lo, responde Moisés em tom de súplica:
“É, pois, para que os egípcios, do meio dos quais tiraste este povo, ouçam, eles e os habitantes desta terra que ouviram (dizer) que tu, Senhor, estás no meio deste povo e és visto face a face, e que a tua nuvem os protege, e que vais adiante deles, de dia numa coluna de nuvem, e de noite numa coluna de fogo, que fizeste morrer uma tão grande multidão como (se fora) um só homem e digam: Ele não pôde introduzir o povo no país que lhe tinha prometido com juramento; por isso os matou no deserto. Seja, pois, glorificada a fortaleza do Senhor como tu juraste, dizendo: O Senhor é paciente e de muita misericórdia, que tira a iniqüidade e as maldades, e que nenhum culpado deixa impune. Tu visita os pecados dos pais sobre os filhos até à terceira e quarta geração. Perdoa, te suplico, o pecado deste povo, segundo a tua grande misericórdia, assim como lhe foi propício desde que saíram do Egito até este lugar” (Num 14, 13-19). E Deus respondeu a Moisés perdoando povo, com exceção daqueles que haviam visto a majestade de Deus e O haviam tentado dez vezes e não ouviram a sua voz: estes nunca veriam a terra prometida. Os cadáveres destes infiéis ficariam insepultos no deserto: “Os vossos filhos andarão errantes no deserto durante quarenta anos, e pagarão a vossa infidelidade, até que os cadáveres de seus pais sejam consumidos no deserto, conforme o número de quarenta dias em que explorastes aquela terra; contar-se-á um ano por cada dia” (Num 14, 33-34).
Quando Moisés pedia pelo povo era atendido, mas em geral quando pedia para si era negado. Foi o que ocorreu quando quis ver a Terra Prometida, que por castigo Deus o tinha impedido: Deus negou atendê-lo, dizendo apenas: Basta; não falemos mais nisto, tu não irás ver a terra mas nomearás Josué em teu lugar (Deut 3, 24). Da mesma forma ocorreu de não ser atendido integralmente, por exemplo quando Maria, sua irmã, prevaricou, Moisés rogou a Deus por ela e obteve esta resposta: “Se seu pai lhe tivesse cuspido no rosto, não deveria ela estar coberta de vergonha ao menos durante sete dias? Esteja separada fora dos acampamentos durante sete dias e depois será outra vez chamada” (Num 12, 14). Maria foi punida com a lepra e Deus só a curou após aquele período de opróbrio e penitência que o Senhor lhe impôs. Ora, Moisés tinha o poder de fazer milagres espantosos e poderia ter curado sua irmã imediatamente. Mas como a doença havia sido um castigo de Deus por causa de sua revolta, Moisés não a curou mas pediu a Deus que a perdoasse e curasse: “Ó Deus, eu te rogo, sara-a...”
Numa das murmurações que o povo levantava contra Deus, o Senhor irou-se e desceu um fogo do céu devastando uma parte do acampamento. “O povo, tendo chamado Moisés, Moisés orou ao Senhor e o fogo extinguiu-se” (Num 11, 1-2). Estes episódios demonstram que Deus sempre escolhe um intercessor entre Ele e os homens e só aplaca sua ira pelas orações de tais intercessores.


Moisés ígneo, zeloso pela glória de Deus, terrível e justiceiro
O quanto Deus era zeloso pelos regulamentos religiosos ficou patente com as mortes de Nadab e Abiú, ambos filhos de Arão e, portanto, também sacerdotes. A importância que Moisés dava às cerimônias religiosas, aos rituais, era tanta que sempre dizia: “eu vos ensinei os mandamentos, os regulamentos e as cerimônias”, tendo esta última também destaque. O fato é que tinham simplesmente colocado nos turíbulos fogo e incenso estranhos do que se utilizava entre os israelitas. “Um fogo vindo do Senhor devorou-os e morreram diante do Senhor”. (Lev 10, 1-2). A Sagrada Escritura não menciona que tipo de incenso ou fogo foram colocados nos turíbulos, mas é de se supor que deveria ser alguma coisa que relembrasse as cerimônias pagãs tão comum entre os povos que rodeavam os israelitas.
Houve um levante comandado por três homens: Coré, Datan e Abiron. Juntaram 250 homens e foram contra Moisés. Levantaram um grito igualitário semelhante ao dos protestantes, dizendo: “Baste-vos que todo o povo seja um povo de santos, e que o Senhor esteja no meio deles: por que vos elevais vós sobre o povo do Senhor?” (Num 16, 3). Determinaram que os seus sequazes pegassem seus turíbulos e àqueles a quem incensassem se tornariam santos, a exemplo do que sempre fazia o irmão de Moisés, o sacerdote Arão. Moisés mandou chamar os três revoltosos para conversar, os quais recusaram em comparecer. Foi feito então uma espécie de desafio: todos comparecessem no dia seguinte, pela manhã, com seus turíbulos, Coré e seus sequazes de um lado, Arão de outro. Deus se manifestaria para qual lado estaria o certo. Tendo todos comparecido à entrada do tabernáculo, Deus mandou que Moisés e Arão se separassem e assim pudesse destruir os demais. E tendo ordenado a todos que se separassem dos revoltosos, falou Moisés: “Nisto conheceis que o Senhor me enviou a fazer tudo o que vedes, e que eu não o fiz por minha cabeça. Se estes morrerem com a morte ordinária dos homens, e forem feridos de uma praga, de que também os outros homens costumam ser feridos, o Senhor não me enviou; mas, se o Senhor fizer por um novo prodígio que a terra, abrindo a sua boca, os engula com tudo o que lhe pertence, e que desçais vivos ao inferno, então sabereis que eles blasfemaram contra o Senhor”. (Num 16, 28-30). Mal acaba de falar Moisés e a terra já se abria e engolia todos os revoltosos, com tudo o que lhes pertencia, suas tendas, etc. E um fogo veio e devorou os 250 homens que ofereciam o falso incenso. Esta cena nos faz lembrar a do profeta Elias ao desafiar os profetas de Baal, destruídos pelo fogo do céu. Então Moisés seria também um profeta ígneo, atraindo o fogo do Céu contra os inimigos de Deus.


Moisés, Profeta
Escreveu o próprio Moisés em seu livro Deuteronômio: “O Senhor teu Deus te suscitará um profeta, como eu, da tua nação, e dentre teus irmãos, ouvi-lo-ás, como o pediste ao Senhor teu Deus em Horeb. E o Senhor disse-me: Eu lhe suscitarei do meio de seus irmãos um profeta semelhante a ti; e porei na sua boca as minhas palavras. Mas o que não quiser ouvir as palavras que ele disser em meu nome, eu me vingarei dele” (Deut. 18, 15-19). Todos interpretam esta profecia como um dos anúncios do Messias, Nosso Senhor Jesus Cristo. E o próprio Jesus Cristo o confirma no Evangelho, dizendo que “se vós crêsseis em Moisés, certamente creríeis também em mim; porque ele escreveu de mim. Porém, se vós não dais crédito aos seus escritos, como haveis de dar crédito às minhas palavras?”. (Jo. 5, 45-47).
No capítulo 28 do Deuteronômio, onde Moisés lança bênçãos e maldições sobre seu povo, ao final há uma clara profecia a respeito da diáspora dos judeus, ocorridas tanto no cativeiro da Babilônia quanto na invasão de Tito, no ano 70 de nossa era. Referindo-se aos povos que escravizariam os judeus, provavelmente aos romanos, dizia: “O Senhor virá vir sobre ti de longe, e das extremidades da terra, uma nação, à semelhança da águia que voa impetuosamente, cuja língua tu não poderás compreender, nação em extremo arrogante, que não terá respeito pelo velho, nem se compadecerá do menino. Devorará o fruto dos teus gados, os frutos da tua terra, até que pereças, e não te deixará nem trigo nem vinho, nem azeite, nem manadas de bois, nem rebanhos de ovelhas, até que disperse, e te aniquile em todas as tuas cidades, e sejam derrubados em toda a tua terra os teus muros sólidos e altos em que punhas a tua confiança. Serás sitiado dentro das tuas portas em toda a tua terra que o Senhor, teu Deus, te dará.” “Comerás o fruto do teu ventre, as carnes dos teus filhos e de tuas filhas, que o Senhor, teu Deus, te vier dado, na angústia e desolação com que te oprimirá o teu inimigo”.
Segundo o historiador Flávio Josefo, judeu, era tanta a fome durante o cerco de Jerusalém que houve casos de se comerem carne das crianças, dos próprios filhos de judeus. Moisés assim profetizou: “O homem mais delicado dos teus e o mais voluptuoso, terá inveja ao seu irmão e à (sua) mulher que repousa sobre o seu seio, e não lhes dará das carnes de seus filhos, que ele comerá, por não ter outra coisa no cerco e na penúria, com que te afligirão os teus inimigos dentro de todas as tuas portas”. Finalmente, Moisés profetiza a dispersão do seu povo: “Assim, como antes o Senhor se comprazia em vós, fazendo-vos bem e multiplicando-vos, assim se comprazerá, perdendo-vos e destruindo-vos, para serdes exterminados daquela terra em cuja posse estás para entrar. O Senhor te dispersará entre todos os povos desde uma extremidade da terra até à outra”. (Deut 28, 49-64).
Estas profecias são mencionadas por Baruc:
“Por isso o Senhor nosso Deus cumpriu a sua palavra, que tinha pronunciado contra vós e contra os nossos juízes, que julgaram Israel, contra os nossos reis, contra os nossos príncipes, contra toda Israel e Judá, de que traria o Senhor sobre nós grandes males, quais nunca se tinham visto debaixo do céu, como os que vieram sobre Jerusalém, segundo o que está escrito na lei de Moisés: que o homem comeria as carnes de seu próprio filho e as carnes de sua própria filha” ( Baruc 2, 1-3).


Amaldiçoador dos ímpios
Bênçãos e maldições Moisés lançou sobre seu povo: “Eis que eu ponho hoje diante dos vossos olhos a bênção e a maldição; a bênção se obedecerdes aos mandamentos do Senhor vosso Deus, que hoje vos prescrevo; a maldição, se não obedecerdes aos mandamentos do Senhor vosso Deus, mas vos apartardes do caminho que eu hoje vos mostro, e fordes após os deuses estranhos, que não conheceis” (Deut 11) . Em seguida explica que a bênção seria dada do alto do monte Garizin e a maldição virá do monte Hebal.
Reuniu sobre o monte de Garizin, após passarem o Rio Jordão, a metade dos patriarcas das tribos de Israel, Simeão, Levi, Judá, Issacar, José e Benjamin e lhes ordenou que dessem ao povo reunido as bênçãos que ele estava mandando. E sobre o monte Hebal mandou reunir-se os patriarcas restantes das tribos Rúben, Gad, Aser, Zabulão, Dan e Neftali a fim de deitarem as maldições que ele lhes ditara.
“E os levitas pronunciarão e dirão em alta voz a todos os homens de Israel:
Maldito o homem que faz imagem de escultura ou fundida, etc.” (Deut. 27, 11-15). E segue-se algumas maldições: maldito o que não honra o seu pai, maldito o que transpõe os marcos do seu próximo, maldito o que perverte a justiça, etc. etc. Mas estas maldições são como que um preâmbulo das que viriam a seguir. É verdade que antes Moisés manda algumas bênçãos: “Ora se tu ouvires a voz do Senhor, teu Deus, pondo em prática e observando todos os seus mandamentos, que eu hoje te prescrevo, o Senhor teu Deus te exaltará sobre todas as nações que há na terra. Todas estas bênçãos virão sobre ti e te alcançarão, contanto que ouças os teus preceitos. Serás bendito na cidade e bendito no campo. Será bendito o fruto do teu ventre, etc.”. Em seguida estão abençoados os frutos da terra, dos animais, os celeiros e tudo o que pertence ao homem que cumpre a Lei de Deus.
Estas bênçãos, porém, ocupam menos espaço nas Sagradas Escrituras do que as maldições que vêm logo a seguir:
“Porém, se tu não quiseres ouvir a voz do Senhor, teu Deus, para observar e por em prática todos os seus mandamentos e cerimônias, que hoje te prescrevo, virão sobre ti todas estas maldições e te alcançarão. Serás maldito na cidade, maldito no campo. Maldito o teu celeiro e malditas as tuas obras. Maldito o fruto do teu ventre, o fruto da tua terra, as manadas dos teus bois e os rebanhos das tuas ovelhas. Serás maldito ao entrar e maldito ao sair.”
Mas Moisés não se circunscreve ao genérico e passa a entrar em detalhes: “O Senhor mandará sobre ti a fome e carestia, a maldição sobre todas as obras que fizeres... O Senhor te pegue a peste... O Senhor te fira com a pobreza, com febre e com frio, com calor e secura, com ar corrompido e com ferrugem...”
Até agora as maldições caem sobre aquilo que cerca o homem, mas aí vem coisa pior, as maldições sobre coisas remotas ou que não afetam diretamente a pessoa, mas lhe dizem respeito indiretamente: “O céu, que está por cima de ti, seja de bronze, e a terra, que pisas, seja de ferro. Em lugar de chuva mande o Senhor sobre a tua terra areia, e do céu caia cinza sobre ti... O Senhor te faça cair diante de teus inimigos...” As maldições caem sobre tais homens até depois de mortos: “Sirva o teu cadáver de pasto a todas as aves do céu e às feras da terra, e não haja quem as afugente”.
“O Senhor te castigue com a úlcera do Egito, e (fira) de sarna e de comichão aquela parte de teu corpo por onde se lançam os excrementos, de sorte que não possas curar-te”.
“O Senhor te fira de loucura, de cegueira e de frenesi, de sorte que andes às apalpadelas ao meio-dia como um cego... E em todo o tempo sejas vítima de calúnias... Recebas uma mulher, e outro durma com ela... Plantes uma vinha e outra a vidime. O teu boi seja imolado diante de ti e não comas dele...”
Em seguida vêm as maldições sobre a família e os bens: “Os teus filhos e as tuas filhas sejam entregues a outro povo, e vejam-no os teus olhos, e desfaleçam de os ver todo o dia, e não haja força na tua mão. Os frutos da tua terra, e todos os teus trabalhos coma-os um povo que tu não conheces, e sejas sempre vítima da calúnia e oprimido todos os dias... O Senhor te fira com a chaga maligna nos joelhos e nas pernas, e não possas ser curado desde a planta do pé até ao alto da cabeça”. Esta última maldição deve ser a da lepra. Foi esta uma situação difícil vivida pelo Patriarca Jó, pois embora tenha sofrido tais males não havia nenhuma maldição sobre ele. No entanto, todos achavam que Deus o castigava e o amaldiçoava com todos aqueles infortúnios.
As maldições continuam a atingir o rei que governa tal povo, as plantas, as colheitas, filhos e filhas, etc. Estas maldições virão até que o povo seja destruído completamente, até a dispersão. A razão: “porque não ouvistes a voz do Senhor, teu Deus, nem observastes os teus mandamentos nem as cerimônias que ele te prescreveu.
A seguir Moisés passa a profetizar o que viria a ocorrer de futuro com o povo hebreu: “Haverá perpetuamente em ti e na tua posteridade sinais e prodígios; porque não servistes ao Senhor, teu Deus, com gosto e alegria de coração, por causa da abundância de todas as coisas” (Deut 28, 1-46). Por causa disto, aquele povo não seria mais superior aos outros, mas seria escravizado e dominado por estrangeiros, etc. Ver acima o que está dito sobre o espírito profético de Moisés no tópico “Moisés, profeta”.


Moisés, legislador
Até o dia em que Moisés recebeu de Deus o Decálogo a Lei era aquilo que o povo via na vida dos patriarcas antigos e a Tradição lhes havia comunicado. Parte desta lei era ditada pelos costumes e parte já havia sido escrita nos livros sagrados. A partir de Moisés, toda a Lei foi consignada nos livros. No início, este conjunto de livros sagrados era denominado simplesmente “Livro de Moisés”, pois foi ele que os idealizou e mandou escrever, juntando-os como um só livro. Assim, sabe-se hoje que Moisés mandou escrever o que chamamos de Pentateuco, os cinco primeiros livros sagrados: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Há dúvidas se o primeiro livro, Gênesis, foi escrito por ordem dele, ou se Moisés mandou compilar a História que o povo contava por tradição oral junto com alguns escritos antigos. Há uma versão que atribui ao Patriarca Henoc a autoria do Gênesis. Como o próprio Henoc é citado em parte do livro sagrado, havendo ainda muito que se escreveu após sua passagem pela terra, esta versão não é muito lógica; a não ser que ele tenha escrito uma parte até à sua saída desta terra e o restante do livro ele tenha simplesmente inspirado, por exemplo, ao próprio Moisés, aparecendo-lhe em sonhos ou algo semelhante. O certo é que todos estes livros foram escritos por inspiração divina e têm, portanto, o poder infalível de nos manter firmes na Fé.
Nestes livros, além dos Dez Mandamentos que Deus lhe entregou, Moisés houve por bem consignar uma série de leis, de condenações e de regulamentos para reger os destinos religiosos do povo hebreu. Quando Deus lhe comunicava Suas condenações aos vícios e pecados dos homens, Moisés mandava logo que fossem registrados nos livros.


Vícios e pecados condenados por Deus:


Magia e Espiritismo:
“Não deixarás viver o feiticeiro” (Ex. 22,18);
“Não vos dirijais aos magos, nem interrogueis aos adivinhos, para que não vos contamineis por meio deles” (Lev. 19, 31);
“O homem ou mulher em quem houver espírito pitônico ou de adivinho, sejam punidos de morte. Apedrejá-los-ão; o seu sangue caia sobre eles” (Lev. 20,27);
“Não se ache entre vós quem consulte adivinhos ou observe sonhos ou agouros, nem quem seja encantador, nem quem indague dos mortos a verdade. Porque o Senhor abomina todas estas coisas, e por tais maldades exterminará estes povos” (Deut. 18, 10-12).


Blasfêmias
“O que blasfemar o nome do Senhor, seja punido de morte” (Lev. 24,16);


Homossexualismo
“Não te aproximarás de um homem como se fosse mulher, porque é uma abominação” (Lev. 18, 22);
“Aquele que pecar com um homem, como se ele fosse uma mulher, ambos cometeram uma coisa execranda, sejam punidos de morte; o seu sangue caia sobre eles” (Lev. 20, 13).


Incesto
“Aquele que toma por mulheres a filha e a mãe, cometeu um crime; será queimado vivo com elas, e não será tolerada entre vós tão grande iniquidade” (Lev. 20,14);
“O que tomar a sua irmã e ver a sua nudez, e ela ver a nudez de seu irmão, fizeram uma coisa execranda; serão mortos na presença de seu povo”(Lev. 20, 17);
Bestialidade
“Aquele que peca com um animal grande ou pequeno seja punido de morte; matai também o animal. A mulher que pecar com qualquer animal será morta juntamente com ele; o seu sangue caia sobre eles”(Lev 20, 15-16);
“Maldito o que peca com qualquer animal” (Deut. 27, 21).


Adultério
“Se algum (homem) cometer adultério com a mulher de seu próximo, sejam punidos de morte, assim o adúltero como a adúltera” (Lev. 20, 10);
“Se uma mulher cair em falta e, desprezando o marido, tiver dormido com outro homem, e o marido não puder prová-lo, ele a levará ao sacerdote. E estando a mulher de pé diante do Senhor, (o sacerdote) terá (na mão) as águas amaríssimas sobre as quais pronunciou as maldições com execração. E a esconjurará e lhe dirá: Se nenhum homem estranho dormiu contigo, e tu não te manchaste abandonando o leito de teu marido, não te farão mal estas águas amaríssimas sobre que eu cumulei as maldições. Mas se te manchaste e dormiste com outro homem, cairão sobre ti estas maldições. O Senhor te faça um objeto de maldição, faça apodrecer a tua coxa, e que teu ventre inchado arrebente. E o sacerdote lhe dará a beber aquelas águas” (Num. 5, 11-24);


Prostituição
“Não haverá prostituta entre as filhas de Israel, nem fornicador entre os filhos de Israel” (Deut. 23, 17).


Trajes contrários à natureza
“A mulher não se vestirá de homem, nem o homem se vestirá de mulher, porque aquele que tal faz é abominável diante de Deus” (Deut. 22,5).


Perda da virgindade
“Se um homem casar com uma mulher e a donzela não foi encontrada virgem, os homens daquela cidade a apedrejarão e ela morrerá, porque cometeu um crime detestável em Israel” (Deut. 22, 20-21).


Filho revolucionário e revoltado
“Um filho contumaz e rebelde, o pai ou a mãe pegarão nele, e o conduzirão aos anciãos e lhes dirão: Este nosso filho despreza ouvir nossas admoestações, passa a vida em comezainas, e em dissoluções e banquetes. O povo da cidade o apedrejará, e ele morrerá, para que tireis o mal do meio de vós” (Deut. 21, 18-21);


Seqüestro
“Aquele que tiver roubado um homem, e o tiver vendido, morra”(Ex. 21,16);


Deixar-se levar pela maioria
“Não seguirás a multidão para fazer o mal, nem em juízo te unirás ao parecer do maior número, para te desviares da verdade” (Ex. 23, 2).


Moisés, instituidor do Culto Divino
A tradição hebraica fala de cultos divinos desde a criação do mundo, quando Caim e Abel ofereceram sacrifícios a Deus. Já se nota aí uma diferença fundamental: Abel, que era criador, ofereceu a Deus sacrifícios de animais, enquanto que Caim, lavrador, ofereceu os frutos da terra. Deus se manifestou satisfeito com Abel e não aceitou a oferta de Caim. O sacrifício de Abel era mais perfeito porque oferecia vítimas num holocausto cruento. Caim ofereceu a Deus os frutos podres de sua colheita. Ora, Caim não precisava ter inveja de Abel por causa disto. Bastava procurar imitá-lo e também oferecer a Deus sacrifício semelhante. A Sagrada Escritura não entra em detalhes, mas por qual razão estes homens primitivos teriam tido a idéia de oferecer sacrifícios a Deus? Teria sido alguma revelação angélica ou eles o aprenderam de seus pais, Adão e Eva? O certo é que ambos foram os primeiros a oferecer culto a Deus, pois se entende que tais ofertas de sacrifícios se constituíam desde então cultos a Deus. A Sagrada Escritura não nos fala se Adão e Eva costumavam oferecer sacrifícios a Deus. Somente após falar de Abel e Caim é que se refere a Enós, filho de Set, desta maneira: “Este começou a invocar o nome do Senhor” (Gen 4-26), quer dizer, praticamente foi Enós o pioneiro em dirigir preces a Deus. Foi um dos Patriarcas remotamente fundador do povo judaico, descende de Noé e Set, e deste Abraão.
E o oferecimento de sacrifícios de vítimas cruentas ficou sendo comum entre o povo eleito. A ponto de o próprio Abraão haver sido conclamado por Deus a oferecer o seu filho, Isaac, como vítima. Para o povo eleito, era sagrado o prestar culto a Deus oferecendo-Lhe vítimas cruentas. Não havia outro meio de honrar a Deus que lhes parecesse mais perfeito. Chegavam até a imolar filhos inocentes ao ídolo Moloc, um deus pagão. Os povos pagãos cultuavam apenas imagens tênues do que criam serem seus deuses, e muitos chegavam ao exagero de lhes oferecer também vítimas cruentas, até mesmo humanas. Com o passar do tempo o Culto foi se tornando mais perfeito, e com a vinda de Moisés foi necessário sua regulamentação. Todas as manifestações divinas com o povo de Israel eram seguidas da ereção de um altar no local onde as mesmas ocorriam. No referido altar eram feitas imolações de vítimas pacíficas e ficava ali designado como futuro local para se prestar culto a Deus.
Foi assim que, ao descer do Monte Sinai, Moisés mandou erigir um altar ao pé do monte, com doze colunas em memória das doze tribos de Israel. Determinou que alguns jovens oferecessem holocaustos, bem como vítimas pacíficas. Em seguida tomou a metade do sangue destas vítimas, colocou-a em taças e aspergiu o sangue sobre o altar. E disse: “Tudo o que disse o Eterno, nós o faremos e Lhe obedeceremos”. Depois, pegou o restante do sangue e aspergiu sobre o povo, dizendo: “Eis o sangue da aliança que o Eterno fez convosco”. Era uma aliança diferente de todas aquelas que Deus já fizera com os homens, pois agora o próprio Deus ensinava como o povo Lhe deveria prestar culto e respeitar Suas Leis. Até mesmo a respeito dos sacrifícios Moisés deixou regras.


Sacrifícios cruentos


Entre os hebreus haviam sacrifícios sangrentos e não sangrentos. Os primeiros consistiam em imolação de animais, que só podiam ser um cordeiro, uma cabra, um boi ou uma pomba. Depois de morto o animal era queimado total ou parcialmente sobre o altar conforme a qualidade do sacrifício oferecido.


Holocaustos
Era assim chamado porque se queimava inteiramente a vítima. Seu fim era reconhecer o soberano domínio de Deus, e confessar que diante dEle a criatura nada é.


Sacrifício pacífico
Nele, queimava-se parte da vítima, reservando-se outra para os sacerdotes e uma terceira parte para aqueles que mandavam oferecer o sacrifício. O sacrifício pacífico se oferecia em ação de graças por um benefício alcançado e chamava-se eucarístico; ou para pedir uma graça, era então chamado impetratório.


Sacrifício de expiação
Era oferecido para implorar o perdão dos pecados, quer em nome do povo, quer em nome dos indivíduos. Queimava-se parte da vítima, tocando o resto aos sacerdotes somente.


Sacrifícios incruentos
Consistia em oferta de perfumes, flor de farinha com óleo, bolos, pães não levedados, e também libações de vinhos.


Por que Moisés não viu a Terra Prometida
Um homem tão grandioso, tão santo, tão puro, tão unido e fiel a Deus, no entanto foi levado a cometer uma pequena fraqueza, uma pequena falha, que Deus não deixou passar sem punição. Este episódio é chamado nas Sagradas Escrituras como o das “águas da contradição”. Estando no deserto, o povo pedia água e Deus mandou Moisés com a Sua vara na mão que ordenasse saísse água de um rochedo. Ele não cumpriu rigorosamente o que Deus lhe ordenara. Em vez de mandar que saísse água, bateu com seu cajado na pedra. E como a água não jorrasse, bateu pela segunda vez na pedra ordenando que a água saísse. Desta vez a água saiu, mas Deus ficou insatisfeito. E como castigo não permitiu que Moisés entrasse na Terra Prometida, tendo morrido antes.
No Êxodo está narrado que Moisés foi na frente acompanhado apenas dos anciãos: “O Senhor disse a Moisés: Caminha adiante do povo, toma contigo alguns dos anciãos de Israel, toma na tua mão a vara com que feriste o rio, e vai. Eis que eu estarei lá diante de ti sobre a pedra do Horeb. Ferirás a pedra e dela sairá água, para que o povo beba. Moisés assim fez na presença dos anciãos de Israel” (Ex 17, 5-7). No livro Números, porém, é narrado de forma diferente. Ou foi outro episódio, ou então o mesmo com outra linguagem: “E o Senhor falou a Moisés, dizendo: Toma a vara, e junta o povo, tu e Arão, teu irmão, e falai ao rochedo diante deles, e ele dará águas...” (Num 20, 8). Moisés cumpriu o que Deus lhe mandou, mas feriu a pedra duas vezes em vez de somente falar ao rochedo. E Deus lhes repreendeu desta forma: “Porque vós não me crestes para me santificardes diante dos filhos de Israel, não introduzirei estes povos na terra que eu lhes darei. Esta é a água da contradição, onde os filhos de Israel altercaram contra o Senhor, e onde (o Senhor) foi santificado entre eles”. (Num 20, 12-13). Como se sabe, Deus introduziu na terra prometida apenas aqueles que nasceram e cresceram na peregrinação de 40 anos pelo deserto: os mais velhos que provinham do Egito morreram todos!
Referindo-se ao fato escreveu Moisés: “Nem é para admirar esta indignação contra o povo, quando o Senhor, irado também contra mim por causa de vós, disse: Nem tu entrarás lá, mas em teu lugar entrará Josué, filho de Nun, teu ministro...” Quando estava para entrar na Terra Prometida, Moisés ainda tentou conseguir que Deus o permitisse acompanhar o povo, mas foi recusado: “Senhor Deus, tu começaste a mostrar ao teu servo a tua grandeza, e a tua mão poderosíssima, porque não há outro Deus, quer no céu quer na terra, que possa fazer as tuas obras, ou comparar-se com a tua fortaleza. Passarei, pois, e verei essa terra tão boa além do Jordão, e esse belo monte e o Líbano. E o Senhor irou-se contra mim por causa de vós, e me não ouviu, mas disse-me: Basta; não me fales mais tal coisa. Sobe ao cume do monte Fasga e lança os teus olhos em roda para o ocidente e para o setentrião, para o meio-dia e para o oriente, e olha; porque tu não passarás este Jordão” (Deut 3, 24-27). Em seguida Deus ordena que mande Josué assumir o comando do povo. Para quem dirigiu o povo durante quarenta anos unicamente para este fim, era muito duro o castigo. Quando se tratava de interceder entre Deus e o povo de Israel as orações de Moisés sempre eram ouvidas, mas quando se tratava dele mesmo o Senhor não quis ouvir Moisés, que morreu sem ver a Terra Prometida. No entanto, Deus lhe deu coisa melhor: o Paraíso celeste.


Moisés, glorificado por Deus já nesta vida
A glória de Moisés foi concedida por Deus ainda em vida, pois assim o exigia a glória de Deus. Havia recebido as tábuas da lei pela primeira vez e cheio de zelo pela glória de Deus quebrou-a perante o bezerro de ouro. Subiu novamente ao monte Sinai e por quarenta dias e noites jejuou, ao final do que desceu do monte com o rosto resplandecente: “Descendo Moisés do monte Sinai, trazia as duas tábuas do testemunho, e não sabia que o seu rosto era resplandecente depois que tinha estado a falar com o Senhor. Mas Arão e os filhos de Israel, vendo o rosto de Moisés resplandecente, tiveram medo de se aproximar dele. E, tendo-os chamado, voltaram (a ele) tanto Arão como os príncipes da assembléia. E, depois que lhes falou, aproximaram-se também dele todos os filhos de Israel, aos quais deu todas as ordens que tinha recebido do Senhor no monte Sinai. Tendo acabado de falar, pôs um véu sobre o rosto. E quando entrava à presença do Senhor e falava com ele tirava o véu até sair, e então dizia aos filhos de Israel tudo o que lhe tinha ordenado. Eles viam que a face de Moisés ao sair era resplandecente, porém cobria de novo o rosto, se tinha de lhes falar”. (Ex 34, 29-35).
As tábuas da lei foram escritas duas vezes. As primeiras foram feitas somente por Deus que escreveu “com o seu dedo na pedra”. As segundas, porém, Deus exigiu que os homens as fizessem e, depois, o próprio Moisés escreveu nelas o Decálogo ditado por Deus. Logo após, Deus exigiu que se construísse o tabernáculo, arrecadando-se todo o ouro e demais metais entre o povo. Quanta riqueza havia ainda, pois apesar de se haver gasto muito ouro com o bezerro destruído, ainda se arrecadou entre eles, além de ouro, prata, cobre, jacinto, bálsamo, linho, etc., tudo para a construção do tabernáculo, que ostentava uma riqueza impressionante para um templo ambulante.
O maior mistério ocorreu com o sepultamento de Moisés: “Moisés, servo do Senhor, morreu ali na terra de Moab, segundo a ordem do Senhor; e o sepultou no vale da terra de Moab, defronte de Fegor; nenhum homem soube até hoje o lugar do seu sepulcro...” (Deut 34, 5-6). Não se sabe o lugar de seu sepulcro, seja uma caverna ou qualquer lugar o mais recôndito possível, pois se viessem a saber poderiam levar seu culto à idolatria. Como diz as Escrituras houve muito pranto com a morte de Moisés, talvez muitas orações, muitos rituais de homenagens a ele, mas o fato de não se vislumbrar sua sepultura talvez tenha evitado que o povo hebreu praticasse a idolatria, como era comum ocorrer no Egito de onde vinham
Em sua Epístola, São Judas alude a uma disputa de São Miguel com o demônio sobre o corpo de Moisés: o glorioso Arcanjo, por disposição de Deus, queria que o sepulcro de Moisés permanecesse oculto; o demônio, porém, procurava torná-lo conhecido, com o fim de dar aos judeus ocasião de caírem em idolatria, por influência que já sofriam dos povos pagãos que os rodeavam. “Quando o Arcanjo Miguel, disputando com o demônio, altercava sobre o corpo de Moisés, não se atreveu a proferir contra ele a sentença de maldição, mas disse somente: “Reprima-te o Senhor”. (Judas 1, 9).


JURACI JOSINO CAVALCANTE - juracuca@hotmail.com