quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

O QUE LUCRARIA A IGREJA EM DOAR SEUS BENS?







Sóror Maria Natália Magdolna. das Irmãs de Santa Maria Madalena nasceu em 1901 perto de Pozsony, na atual Eslováquia. Foi uma mística do século passado e teve visões de Nossa Senhora e Nosso Senhor.. Recebeu as mensagens em húngaro. Sua vida está cheia de acontecimentos históricos e políticos já que viveu quase todo este século. Morreu a 24 de abril de 1992, em odor de santidade.
Magdolna, em húngaro, quer dizer Madalena, devoção tradicional na Hungria em honra de Santa Madalena:  em Budapest há uma igreja em ruínas, comumente chamada de “torre”, construída no século XIII em honra de Santa Madalena: “Mária Magdolna Torony”, Isto é, Torre Maria Madalena, ou também “Templom Magdolna”, igreja de Madalena.
Desde a mais tenra idade percebeu claramente sua vocação religiosa e aos dezessete anos entrou no convento de Pozsony. Aos trinta e três anos, suas superioras a enviaram para a Bélgica, de onde voltou pouco tempo depois porque adoeceu e a remeteram para a Hungria, sua pátria, onde viveu nos conventos de Budapest e Keeskemet.
Na Hungria, começou a ter locuções interiores e visões sobre o destino da Hungria e do mundo, embora desde criança houvesse tido fortes experiências místicas. Estas mensagens são um chamado à reparação dos pecados, à emenda e á devoção ao Coração Imaculado de Maria como a Vitoriosa Rainha do Mundo. A maioria destas mensagens escreveu-as entre os anos de 1939 e 1943.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Sóror Natália aconselhou o Papa Pio XII que não fosse a Castelgandolfo, sua residência de verão, porque seria bombardeada, como de fato o foi.
Sóror Natália teve que transmitir algumas mensagens muito duras à hierarquia católica da Hungria: que repartissem suas riquezas aos pobres, que deixassem seus palácios e que começassem a fazer penitência
Talvez tenha sofrido alguma influência do movimento progressista, em ascensão na Igreja, cuja filosofia defendia a pobreza total, mas não quer dizer que fizesse parte isso das mensagens divinas recebidas, que pedia penitência e não pobreza. Ou então, tudo é possível: alguns viram nisso que a Providência Divina pode ter previsto neste ato (doação dos bens aos pobres) uma forma da Igreja livrar seus bens das mãos dos comunistas que estavam prestes a tomar o poder, embora estando nas mãos do povo não se evitasse que fossem também tomados por eles. Seria até mais fácil.,
Para muitos este chamado à pobreza não somente era uma loucura mas um absurdo. Somente uns quantos fizeram caso do chamado do “Apostolado da Emenda”. Tratada com desdém, não viram nessa mensagem um aviso da Providência para o que viria a ocorrer em seguida. Isto é, o comunismo tomou conta do país e todos os bens da Igreja foram confiscados pelo governo. Então, nem a Igreja, nem os pobres, e sim os donos do novo poder que ficaram donos do patrimônio milenar da igreja.
Somente depois da guerra, quando o cardeal Mindszenty em 1945 foi eleito Primado da Hungria, começou o movimento de reparação de uma forma séria, mas tardiamente, pois a perseguição era total e não deixava a Igreja respirar. muito menos voltar a possuir o que era dela. 
O terror contra o povo húngaro foi três vezes mais severo do que nos países satélites vizinhos. Confiscou todas as suas escolas, dispersou as ordens religiosas e tomou seus conventos e mosteiros. Todo o mundo se inteirou da trágica sorte do Primado da Hungria, o cardeal Joseph Mindszenty, o qual lutou valentemente contra a tirania vermelha. Sóror Natália compartiu a sorte de suas irmãs religiosas e teve que viver escondida, mas sua vida mística continuou e sob a orientação de seu novo diretor espiritual, em 1981, começou a escrever novamente seu diário.
Quem desejar saber maiores detalhes sobre a vida desta mística e a mensagem que lhe foi transmitida pela Divina Providência, chamada de ‘A VITORIOSA RAINHA DO UNIVERSO”, acesse este site
Isto foi oque ocorreu na Hungria no século passado em que predominou o comunismo. Temos home uma situação diferente. A Europa é invadida pelo ceticismo ateu de um lado, e pelo islamismo bárbaro de outro. Outros continentes sofrem  males semelhantes ou piores. Já quase não há mais uma fé católica que justifique a veneração por seus monumentos, suas catedrais, seus conventos e toda a sua riqueza cultural e religiosa. Entregar tais riquezas para a posse de quem? Dos pobres? Que pobres são estes? São católicos que têm realmente fé e veneração por aquilo que vão possuir? Ou são apenas uma multidão de ateus e muçulmanos que hoje povoam a Europa e tantos outros continentes outrora cristãos?
Não se iludam. O resultado disso é que tais monumentos, ou tais riquezas, serão inapelavelmente destruídas, queimadas, algumas transformadas em mesquitas, outras em mansões dos magnatas do petróleo árabe.
É só o que se pode esperar de medida tão insana.


quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

A GLÓRIA DE DEUS NO ALTO DOS CÉUS, ASPECTO SECUNDÁRIO DO NATAL?




Plinio Corrêa de Oliveira


Repousais, Senhor, em vosso misérrimo e augustíssimo presépio, sob os olhos da Virgem, vossa Mãe, que vertem sobre Vós os tesouros inauferíveis de seu respeito e de seu carinho. Jamais uma criatura adorou com tão profunda e respeitosa humildade o seu Deus. Nunca um coração materno amou mais ternamente seu filho. Reciprocamente, jamais Deus amou tanto uma mera criatura. E nunca filho amou tão plenamente, tão inteiramente, tão superabundantemente sua mãe. Toda a realidade desse sublime diálogo de almas pode conter-se nestas palavras que indicam aqui todo um oceano de felicidade, e que em ocasião bem diversa haveríeis de dizer um dia do alto da Cruz: Mãe, eis aí teu filho. Filho, eis aí tua Mãe ( cf. Jo. 19, 26 ). E, considerando a perfeição deste recíproco amor, entre Vós e vossa Mãe, sentimos o cântico angélico que se levanta das profundezas de toda alma cristã: "Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade" ( Luc. 2, 14 ).
"Paz na terra aos homens de boa vontade": o jogo complicado mas célere das associações de imagens me faz sentir imediatamente que em numerosas ocasiões no ano que finda ouvi falar de paz, e de homens de boa vontade. Curioso... dou-me conta de que ouvi falar menos, e até muito menos, da glória de Deus no mais alto dos Céus. A bem dizer, disto quase não ouvi falar. Nem mesmo implicitamente; pois implicitamente se fala da glória de Deus quando se afirmam os soberanos direitos d'Ele sobre toda a criação, e, por amor a Ele, se reivindica o cumprimento de sua Lei por parte dos indivíduos, famílias, grupos profissionais, classes sociais, regiões, nações, e toda a sociedade internacional. Por que este silêncio, pergunto-me eu? Por que os homens querem tanto a paz? Por que tantos homens se ufanam de ter boa vontade? E por que tão poucos são os que se preocupam com a glória de Deus, e se blasonam de por ela agir e lutar?
Em outros termos, o fato essencial do vosso Santo Natal, Senhor, seria só a paz na terra para os homens de boa vontade? E a glória de Deus no mais alto dos Céus seria como que um aspecto colateral, longínquo, confuso e insípido para os homens, do grande evento de Belém?
Em outros termos ainda, a paz dos homens vale mais que a glória de Deus? A terra vale mais que o Céu? O homem vale então mais do que Deus? E a paz na terra pode ser obtida, conservada e até incrementada sem que com isto nada tenha a ver a glória de Deus?
Por fim, o que é um homem de boa vontade? É o que só quer a paz na terra, indiferente à glória de Deus no Céu?
Todas estas questões convidam a uma detida análise do cântico angélico.
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Admirável profundidade de toda palavra inspirada! Tão simples que até uma criança o pode compreender, o cântico dos Anjos de Belém encerra entretanto verdades das mais profundas.
Como é proveitoso, pois, nutrir o espírito com essas palavras, para participar devidamente das festas do Santo Natal!
Ajudai-nos, Mãe Santíssima, Sede da Sabedoria, com vossas preces, para que, iluminados pelas claridades que de Jesus dimanam, possamos entender o cântico angélico que é o mais perfeito e autorizado comentário do Natal.
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"Homem de boa vontade": o que representa isto aos olhos de tantos e tantos de nossos contemporâneos?
Para o sabermos, basta indagar: boa vontade para com quem? A resposta salta impetuosa e impaciente, como sói acontecer quando a pergunta tem algo de ocioso por inquirir o que é quase evidente. Ora bolas, dirão muitos de nossos coetâneos, boa vontade para com o próximo. Aquele que, ateu ou sequaz de uma religião, seja ela qual for, adepto da propriedade privada, do socialismo ou do comunismo, quer que todos os homens vivam alegres, na fartura, sem doenças, sem lutas, sem riscos, aproveitando o mais possível esta vida, este é um homem de boa vontade.
Visto nesta perspectiva, o homem de boa vontade é um artífice da paz. Diz o ditado que "em casa onde falta o pão, todos brigam e ninguém tem razão". Logo, onde há pão todos têm razão e há paz. Onde há pão, teto, remédios, segurança, com maioria de razão há necessariamente a paz.
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E a glória de Deus? Para o "homem de boa vontade" assim concebido, é ela um elemento supérfluo no que se refere à paz na terra. Pois é da adequada ordenação da economia que decorre a boa ordem na vida social e política, e portanto a paz.
"Supérfluo" é dizer pouco, a respeito da glória de Deus no Céu, considerada em função da paz na terra. Como alguns homens crêem em Deus, e outros não crêem, e como entre os que crêem há diversidade no modo de entender Deus, este último pode atuar como perigoso fautor de divisões, discussões e polêmicas. Deus é um senhor por demais comprometido há milhares de anos em polêmicas, para que dele se fale a toda hora. Para ter paz na terra é melhor não estar falando a todo momento sobre Deus e sua glória no Céu.
E depois... o Céu é tão vago, tão longínquo, tão incerto! Que dele falassem os Anjos, vá lá, pois lá moram. Mas nós homens, cuidemos da terra.
Unir a glória celeste à paz terrestre é para o "homem de boa vontade" algo de tão incorreto, supérfluo e pejado de fatores de luta quanto é, por exemplo, imprudente unir a Igreja ao Estado. A Igreja livre do Estado e o Estado livre da Igreja, eis um anelo bem típico do "homem de boa vontade". A paz terrena liberta de implicações religiosas, e Deus no seu Céu e sua glória, sorrindo de braços cruzados para a terra em paz, a uma tal distância da terra que lá não chegue nem sequer o Lunik, eis o ideal do "homem de boa vontade".
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Estas são as considerações do "homem de boa vontade" entre aspas, cujo coração está longe do Céu, e cujo olhar só se detém sobre a terra.
Contudo, quanto divergem elas do sentido próprio e natural do cântico angélico!
Realmente, se o Natal dá glória a Deus no mais alto dos Céus e simultaneamente é a fonte da paz na terra para os homens de boa vontade - e foi o que os Anjos proclamaram em seu cântico - não se pode dissociar uma coisa da outra. Sem que os homens dêem glória a Deus, não há paz no mundo. E a guerra, enquanto considerada no agressor culpado, é incompatível com a glória de Deus.
Vós, Senhor Jesus, Deus humanado, sois entre os homens o Príncipe da Paz. Sem Vós a paz é uma mentira e, afinal, tudo se converte em guerra.
E é porque os homens não compreendem isto, que procuram de todos os modos a paz, mas a paz não habita no meio deles.
O que é então o homem de boa vontade, se não é o homem que ama o próximo? Será porventura o que odeia seu próximo?
Ao fariseu, que Vos chamou de bom Mestre, perguntastes: por que Me chamais de bom, se só Deu é bom ( cf. Luc. 18, 19 )?
Se só Deus é bom, a boa vontade autêntica é a que se volta toda para Deus, e ama o próximo, não pelo mero amor do próximo, mas pelo amor de Deus. O homem é tal, que não pode amar o próximo pelo próximo. Ou o ama por amor de si mesmo, e isto é egoísmo. Ou o ama por Deus, e isto sim é amor verdadeiro.
Em conseqüência, a "boa vontade" agnóstica e a paz terrena que ela tende a instaurar, nem são boa vontade autêntica, nem paz verdadeira.
E o falso "homem de boa vontade" é em última análise um semeador de guerras e um artífice de ruínas.
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Mas, dirá alguém, como pode ser Jesus o fundamento da paz, se ninguém como Ele tem suscitado tanto ódio? O populacho cumulado por Ele de favores espirituais e materiais de toda ordem, preferiu-Lhe Barrabás, um bandido. Isto não é ódio? Os Imperadores contra Ele moveram perseguições atrozes. Os arianos contra Ele mobilizaram todas as potências da terra. Depois vieram os maometanos. E depois, e depois, todos os grandes vagalhões da História, até o nazismo e o comunismo. Aliás, acrescentaria talvez alguém, Simeão bem exprimiu essa verdade, profetizando que Ele seria ao longo da História uma pedra de escândalo, um sinal de contradição para a morte e ressurreição de muitos ( cf. Luc. 2, 34 ). Ele próprio disse de Si que trazia à terra o gládio ( cf. Mat. 10, 34 ). Por melhor que tudo isto seja, poderia argumentar um "homem de boa vontade" entre aspas, a verdadeira paz, isto é, uma plena e completa desmobilização dos espíritos, uma inteira cessação não só de todas as guerras como de todas as polêmicas, não é possível com Jesus Cristo. A paz só é autêntica quando abstrai de todas as controvérsias, inclusive aquelas a que Jesus Cristo - sem culpa própria, concede o "homem de boa vontade" - dá ocasião.
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Sim? diria um homem de boa vontade autêntico, isto é, um homem que com todas as veras de sua alma ama a Deus.
Neste caso, é por burla que a Escritura chama Jesus Cristo Príncipe da Paz ( cf. Is. 9, 6 ), e a Igreja, fazendo eco ao Batista ( cf. Jo. 1, 29 e 36 ), O apresenta como um manso Cordeiro a quem os homens devem pedir o dom da paz: "Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, dona nobis pacem".
Ou é por que a verdadeira paz não exclui a luta do bem contra o mal, a polêmica entre a luz e as trevas, o perpétuo esmagar da cabeça da Serpente pela Virgem sem mancha, a hostilidade entre a raça oriunda da Virgem e a raça da Serpente? A paz é a ordem de Cristo no Reino de Cristo. Ela tem pois como condição a luta dos sequazes de Cristo contra os inimigos de Cristo. A paz de Cristo não se identifica de modo nenhum com a falsa paz, sem lutas nem polêmicas, do pretenso "homem de boa vontade".
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Três grandes lições, ó Deus-Menino, recolhemos do vosso Santo Natal. Ficamos sabendo que não há paz na terra sem Vós.Que homem de boa vontade autêntico não é quem ama o homem pelo homem, mas quem o ama por amor de Vós. E que vossa Paz inclui a cessação de todas as lutas exceto a vossa incessante e gloriosa guerra contra o demônio e seus aliados, isto é, o mundo e a carne.
Virgem Maria, Medianeira de todas as graças, debruçada em adoração sobre o Deus-Menino, obtende-nos uma plena compenetração de todas estas verdades.
E permiti que nas perspectivas que elas desvendam, cantemos conVosco e com todas as criaturas celestes e terrenas de que sois Rainha,
Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade.

("Catolicismo" Nº 156 Dezembro de 1963)


domingo, 15 de dezembro de 2019

QUE MILAGRE PODERIA CAUSAR COMOÇÃO EM TODO O MUNDO MODERNO?




O homem de nosso tempo, cético e indiferente ao maravilhoso, dificilmente teria o curso de sua vida abalado por causa de um dos milagres que ocorrem da forma já conhecida. No entanto, algumas profecias (como a aparição de Garabandal) falam da ocorrência de um milagre que abalaria toda a terra, antes que se precipitassem os clamorosos castigos previstos em Fátima.
Que tipo de milagre seria esse? Uma bomba atômica ficar suspensa no ar sem explodir e sem cair no chão? Uma cidade ficar incólume na boca de um vulcão em erupção? Tudo isso podemos imaginar e, realmente, seriam milagres de grande impacto e comoção.
No entanto, há um tipo de milagre que causaria comoção ainda maior. Seria, por exemplo, a ressurreição de uma pessoa que represente todo o oposto da vida que se leva hoje em dia e cuja presença levaria à mente de todos a volta da prática dos princípios da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana. E, mais ainda, se essa pessoa ressuscitasse consigo um grupo de tantos outros do passado que pregou os mesmos princípios e pelos quais morreram, formando um exército de santos ressurretos.

Haveria ressurreições antes do Juízo Final?

A questão não é muito clara e poucos teólogos e profetas debateram sobre o tema. Pois há vários modos de ressurreição:
1) aquela que é entendida apenas como a mudança de vida;
2) a volta à vida natural depois de morto;
3) a ressurreição momentânea, a exemplo da que ocorreu por ocasião da morte de Cristo na Santa Cruz;
4)  e, por fim, aquela Ressurreição que deverá ocorrer após o Juízo final e que fará com que todos os homens retomem novos corpos em sua forma definitiva e eterna.
Quando Nosso Senhor Jesus Cristo acabou de morrer, alguns corpos ressuscitaram. Os Evangelistas escreveram: abrem-se túmulos e ressuscitam-se corpos. E esta ressurreição, momentânea,  foi misteriosa.
Apenas São Mateus comenta sobre este portentoso milagre: “Abriram-se os túmulos e muitos corpos dos santos falecidos  ressuscitaram. E, saindo dos túmulos após a ressurreição de Jesus, entraram na Cidade Santa e foram vistos por muitos” (Mt 27, 52-53). Sabe-se, pela Tradição, que os mortos caminhavam pelas ruas apontando para os fautores daquele crime os acusando do pecado que cometiam. Se houve ressurreições de algumas pessoas, elas teriam vivido algum tempo a fim de dar testemunho de tão portentoso milagre.
São Mateus escreveu que eles saíram “dos túmulos após a ressurreição de Jesus”. Este “após” poderia indicar quanto ao tempo ou quanto ao modo. Quanto ao tempo é impossível, pois naquele momento Jesus acabava de morrer e só iria ressuscitar ao terceiro dia, e então tais corpos só teriam sido ressuscitados no domingo da ressurreição e não naquele momento em que o Evangelista falava. Quanto ao modo, quer dizer, ressuscitar glorioso como Cristo, também é impossível porque ninguém poderia receber tamanha graça antes que o próprio Cristo ressuscitasse. Santo Afonso de Ligório diz  que “não convinha que, havendo triunfado da morte, ressuscitasse outro antes de Cristo”. O que quis dizer então São Mateus que os corpos saíram da sepultura após a ressurreição de Jesus? Talvez ele quisesse indicar que seria uma ressurreição como que a modo da gloriosa ressurreição de Cristo, momentânea, mas não gloriosa ainda, suficiente apenas para dar testemunhos de Cristo.  Então, não foi uma ressurreição tipo de Lázaro, pois estas pessoas não continuaram sua vida normal; não foi também uma ressurreição semelhante a de Cristo; mas foi uma ressurreição propriamente dita, pois os corpos saíram das sepulturas, animados por seus espíritos, e andaram pelas ruas, aparecendo a algumas pessoas em suas formas humanas normais, numa situação extraordinária em que Deus o permitiu apenas para a maior glória de Cristo. Depois, provavelmente estes ressurretos foram levados pelos Santos Anjos para um local a espera da ressurreição final.
Há algo a dizer, no entanto, sobre uma ressurreição que haveria em uma época da Igreja que causaria um grande impacto sobre os fatos e sobre a História. É desta que falaremos. Provavelmente tal ressurreição ocorreria numa das circunstâncias abaixo:
1º ) - Ocorreria numa época em que houvesse um crime semelhante ao deicídio, talvez o aparente “assassinato”  do Corpo Místico de Cristo, a Santa Igreja Católica;
2º ) - Se for uma ressurreição momentânea, quando os corpos retomarem à vida apenas por alguns momentos, teria o objetivo de amparar os bons, combater os maus e dar nova vida à Igreja, numa situação de calamitosas catástrofes;
3º ) – Não seria uma ressurreição semelhante a de Lázaro, pois aquela ocorreu por intervenção pessoal de Jesus Cristo para manifestar o seu poder. Algumas ressurreições ocorreram por intercessões de Santos, mas estas também tiveram o mesmo fim de manifestar o poder de Jesus Cristo. Talvez não pudesse ocorrer ressurreições deste tipo na situação antevista acima (calamitosas catástrofes mundiais), pois as pessoas ficariam vivendo e convivendo com os outros mortais e, no entanto, só seria necessário a presença delas naqueles momentos cruciais.
4º ) - Provavelmente não ocorreria a ressurreição de uma só pessoa, embora  uma só possa causar um impacto terrível sobre a humanidade a depender de quem fosse essa pessoa. Supomos, porém, que essa pessoa (conforme conjecturas do Pe. Vieira abaixo) ressuscitaria juntamente com vários outros justos, santos que viveram em outras épocas e foram perseguidos ou mortos por próceres da Revolução, da mesma forma que ocorreu no momento da morte de Jesus.
O padre Vieira disserta sobre o tema em sua defesa perante o Santo Ofício:[1]  “...nenhuma admiração nos deve fazer o falarmos na ressurreição de um morto, quando são tão inumeráveis os mortos que em todas as idades da Igreja consta haverem ressuscitado.
“E porque não saiamos do nosso Reino, com ser humana tão pequena parte do mundo, se em Braga, como acima tocamos, depois de seiscentos anos, ressuscitou aquele homem que depois foi São Pedro de Rates...” Em outra obra do Padre Vieira encontra-se a descrição do Milagre: “Entrou em Braga o Apóstolo [São Tiago], e para entrar com estrondo de trovão (cujo filho o chama Cristo, Nosso Senhor) se foi a uma sepultura célebre, onde jazia enterrado de seiscentos anos um santo profeta, judeu de nação, e que ali viera dar com outros cativos mandados de Babilônia por Nabucodonosor, chamado Malaquias, o Velho, ou Samuel, o Moço; e em presença de infinito povo, chamando por ele o ressuscitou em nome de Jesus Cristo, a quem vinha pregar e publicar por verdadeiro Deus; batizou-o pouco depois, e dando-lhe o nome de Pedro, o escolheu e tomou por primeiro e principal de todos seus discípulos”  Este fato foi extraído da obra “História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga”, escrita por D. Rodrigo da Cunha.
A respeito do grande milagre feito por São Tiago, continua o padre Vieira: “Até aqui esta maravilhosa história, tirada de autores e memórias mui antigas, e particularmente de uma carta de Hugo, bispo do Porto, e dos fragmentos de Santo Atanásio, bispo de Saragoça, o qual conheceu o mesmo Pedro ressuscitado e escreveu o caso quase pelas mesmas palavras, que por isso não a traduzimos, e são as seguintes: ‘Ego novi sanctum Petrum, Bracharensem Episcopum, quem antiquum prophetam suscitavit Sanctus Jacobus Zebedaei filius, magister meus. Hic venerat cum duodecim tributus missis a Nabuchodonosere in Hispaniam Hierosolymis duce Nabuchoi-Cerdan, vel Pyrrho, Hispaniarum praefecto’ [2]
Mas continuemos as narrações de outros milagres semelhantes que encontramos na falada “Defesa perante o Santo Ofício”, do mesmo padre: “E se, no adro da Sé de Lisboa, ressuscitou um morto por quem condenavam ao pai de Santo Antonio, que muito que, na capela mor de São Vicente, possa suceder o mesmo? Finalmente, se na vila de Montemor ressuscitou um povo inteiro de mulheres e meninos, que naquele tempo era mais numeroso que hoje, que muito seria que ressuscitasse um só homem!...”  [3]
Abstraindo-se o fato do padre Vieira equivocar-se ao considerar como sendo o rei de Portugal D. João IV a quem Deus ressuscitaria para restauração da Igreja e destruição de seus inimigos, o texto abaixo encaixa-se perfeitamente ao considerarmos que o homem a ser ressuscitado seria o “Grande ou Poderoso Monarca”, não um rei terreno, mas um Profeta regedor das leis universais, conforme definiu o venerável padre Bartolomou de Holzhauser:
“E descendo à praxe desta necessidade, ou desta conveniência: se o instrumento desta grande facção e gloriosa conquista há de ser o Príncipe português, como geralmente cremos e esperamos todos, e creram e têm escrito muitos autores estrangeiros, até entre os mesmos Mouros e Turcos é tradição recebida e se este Príncipe português há de ser aquela cabeça a quem os mais hão de seguir e obedecer, eleito e escolhido por eles, como pode ser nem imaginar-se possível, senão que seja ou haja de ser um homem prodigioso, conhecida e manifestamente dado por Deus, e mandado ao Mundo para esta empresa? ...   ...Porém se este Príncipe fosse um homem ressuscitado depois de tantos anos morto, e ressuscitado em um empório e teatro tão público do Mundo como Lisboa nos olhos de todas as mesmas nações, não há dúvida que neste caso se uniriam e conspirariam todos em seguir, obedecer, venerar,  acompanhar e ter parte nas ações e vitórias de tal Príncipe, como cabeça, guia, e capitão dado, sinalado e nomeado por Deus...    “...E Frei Bartholomeu de Salutio (vulgarmente chamado Salutivo) , dizendo que de Lisboa há de ir o vencedor e conquistador do Turco, acrescenta que há de ser uma pessoa cuja fama soará em todas as partes do Mar e da Terra, e que há de dar no Mundo um grande grito, e que grito, como dizer-se em todo o Mundo: o Rei Restaurador de Portugal ressuscitou! Este grito, esta fama, este milagre será, como dizia, ou seria (se assim fosse) o maior terror e assombro do Poder otomano e o que em muitas partes sem batalhas nem detença de sítios, entregaria as fortalezas e cidades[4] 

Quem seria o “grande monarca”
A figura de um grande restaurador da Igreja é sempre associada a “um grande monarca”, conforme profecias do Beato Palau e outros. Ora, “monarca”, segundo explicações mais exatas não seria um rei temporal, mas um santo que regeria as leis do Universo. Nesse sentido, o padre Vieira engana-se quando dá algumas profecias sobre a ressurreição deste grande Restaurador, que é visto nas profecias de que ele fala como um “príncipe” ou um “grande rei”, vendo no personagem um rei terreno e não um grande santo.
Assim cita ele esta passagem:“As palavras de S. Metódio, falando do Príncipe que há de destruir o Turco, bem claramente dizem o mesmo: “Expergiscetur tanquam a sommno viniquem putabant homines quasi mortuum et inutilem esse”...  ..De maneira que vem a ser o sentido de S. Metódio: que será reputado como verdadeiramente morto, e por isso estimado como inútil, assim como o são os mortos, que não prestam nem servem para coisa alguma, quanto mais para uma empresa tão grande...”
“...Na livraria do Convento de Nossa Senhora de Jesus, de Lisboa, está um livro francês muito antigo, em que se vê estampado um homem meio amortalhado, que se vai soerguendo da sepultura. Ao qual um anjo está oferecendo um barrete; e junto à mesma sepultura está uma ave toda negra. E posto que me não lembram as letras da inscrição desta estampa, é certo que falam de um prodigioso Imperador, que dizem virá nos tempos vindouros. ...  ...o ir-se erguendo meio amortalhado da sepultura significa a sua ressurreição; e o barrete oferecido pelo Anjo significa o Império dado por Deus e pelo Céu; porque o barrete é insígnia dos Imperadores na sua coroação...” [5] 
A respeito do tema ressurreição, na mesma obra, e muito mais adiante, o padre Vieira volta a comentar: 
“No mesmo capítulo 20 [do Apocalipse], fala São João em uma ressurreição, a qual chama primeira: “Et haec est resurrectio prima”. E diz que nesta ressurreição hão de viver e reinar com Cristo os santos por todo o tempo dos dois mil anos do seu Reinado, que é o tempo do consumado Império de Cristo, que temos provado. Esta ressurreição primeira (sobre que se tem disputado muito) resolvem todos os Doutores, que não é corporal, senão espiritual; e que, assim como na segunda ressurreição hão de ressuscitar os corpos, assim nesta hão de ressuscitar as almas, pelo que diz no mesmo texto S. João, falando destes mesmos Ressuscitados, que lhe viu as almas: Vidi sedes et animas decollatorum  propter testimonium Jesu etc. A ressurreição dos corpos consiste na união dos mesmos corpos com suas almas, e a ressurreição das almas consiste na união das mesmas almas com Deus; e esta será a ressurreição primeira em que ressuscitarão somente os santos ou, para melhor dizer, em que serão santos todos os ressuscitados; porque na mesma união da alma com Deus em que consiste esta ressurreição espiritual, consiste também a graça e a santidade. Concorda admiravelmente com este texto, o que já notamos de S. Paulo, no capítulo 11 da Epistola aos Romanos, onde diz que a conversão última do Povo judaico será como a ressurreição dos mortos, comparando aquele estado com o presente do mundo: “Si enim omissio eorum reconciliatio est mundi, quid Assumptio nisi vita ex mortuis?”.[6]  Uma das partes de que naquele tempo se há de compor a Igreja, como largamente deixamos mostrado, há de ser o Povo judaico convertido juntamente com o gentílico. E assim como uma parte da Igreja, conforme o texto de S. Paulo, há de ser então de homens ressuscitados, assim a outra parte e toda a mesma Igreja há de constar de homens ou de almas espiritualmente ressuscitadas, conforme o texto presente de S. João, podendo-se também então dizer pelo mundo ou por este grande Prodígio convertido, o que se disse pelo outro: Mortus erat et revisit. [7]
O padre Bartolomeu Holzhauser faleceu em 1658, aos 45 anos de idade. Era natural da cidade de Augsbourg e foi pároco de Titmoningen, na Alemanha, onde adquiriu fama de reformador do clero e por seus comentários sobre o Apocalipse.[8] Tais comentários (que o mesmo afirmou ter sido inspirados por um Anjo que guiava sua mão ao escrevê-los), divide a História da Igreja em sete períodos, representados pelas sete cartas dos capítulos II e III do Apocalipse que São João dirige para sete cidades ou igrejas orientais: Éfeso, Smirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laudicéia. Em 1640, o Papa Inocêncio XI dá a palavra da Igreja e aprova tais comentários.
Segundo o Venerável Holzhauser, três grandes personagens surgirão no final do quinto período da Igreja e começo do sexto: o Grande Monarca, o Santo Pontífice e um grande general.  Apenas um destes personagens (O Monarca Poderoso) estará “vestido com uma nuvem”, o que poderia significar que, embora tenha vindo do céu (isto é, da Igreja), tratando-se portanto de um Santo, não encontra-se na terra nos momentos cruciais das grandes confrontações, ou então, envolto numa nuvem misteriosa, terá um poder todo celeste. Aqueles que pessoalmente comandarão as grandes batalhas na terra serão o Pontífice Santo e o grande general. Este Grande Monarca seria, da mesma forma, o Moisés da Lei da Graça profetizado pelo Beato Francisco Palau.
A palavra “monarca”, portanto, é entendida, também, não como um governante terreno, mas como “regedor das leis do Universo”.  Embora Deus seja o Supremo regedor das leis do Universo, no entanto Ele constitui Anjos ou Santos da Igreja que possam executar seus planos. Um destes planos seria, por exemplo, derrotar a Revolução, cinco vezes secular, e implantar o Reino de Maria para durar até o fim do mundo. A quem Deus confiou tal missão?  Só o tempo o dirá, quando então será tal “Monarca” reconhecido por todos pelo que obrou em busca de tal fim.



[1] Defesa Perante o Tribunal do Santo Ofício” – Pe. Antonio Vieira – Liv. Progresso Editora
[2] “História do Futuro”, de Antonio Vieira, 2a. Edição,  Imprensa Nacional de Lisboa, pág. 227
[3]              op. cit. pág. 193
[4]              op. cit. – tomo II – pág. 195/196
[5]              op. cit. – tomo I – págs. 207/208
[6]              Porque, se a perda deles é reconciliação do mundo, que será a sua Assunção senão uma ressurreição dentre os mortos? (Rom 11, 15)
[7]              op. cit. tomo II – págs. 187/188
[8]  “Bénédictions et malédictions – Prophéties de la révelation privée”, de Jean Vaquié, Paris, 3a. Edição revista e ampliada, págs. 47 a 76).

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

A SAGRADA FAMÍLIA







É comum encontrar estampas com pitorescas representações da casa onde viveu a Sagrada Família. Muitas são respeitáveis e bastante apropriadas. Em geral, combinam uma pureza diáfana com uma luz que não era apenas a de um dia belamente luminoso – luz persistentemente matinal de um horário que já não é matinal. Em síntese, apresentam uma simplicidade absoluta junto a uma limpeza absoluta.
Isto é o que nos apresentam tais figuras, mas fica-se sem saber o que dizer a respeito do que acontecia na Casa de Nazaré. Imaginemos, então.

Imaginando aspectos da casa e do dia-a-dia
O que comentar, por exemplo, da limpeza desta casa?
Era Maria Santíssima que, diante dos coros angélicos extasiados, fazia a limpeza da Santa Casa. Às vezes era São José, seu castíssimo esposo, quem a fazia. Noutra ocasião, quando estavam cansados, era o Menino quem limpava a casa para que os pais a encontrassem em bom estado... É difícil crer, mas nem sequer os Anjos tinham o privilégio de limpá-la.
Num canto da casa, há um simples jarro, do qual se levanta uma açucena, reta como a virgindade. É a única coisa que fala de arte; o resto é tão simples...
Entretanto, olhando para qualquer madeira tosca, para o pé de uma cadeira, por exemplo, ou para uma prateleira que suporta três ou quatro pequenos objetos indispensáveis para viver, fica-se extasiado! Não se sabe o que dizer diante dessas "sublimes bagatelas", tão comuns na vida de qualquer um, mas, que por estarem postas naquela casa, assumem um caráter todo especial.

Sublimes realidades
Imaginemos São José sentado, torneando alguma coisa, enquanto Nossa Senhora faz alguma costurinha, e o Menino que, tão pequeno ainda, brinca com duas ou três pedrinhas, em pé, apoiado numa cadeira vazia.
Não há palavras que bastem para nos explicar o que, na realidade, está se passando: este Menino – verdadeiro menino, nascido da linhagem de David – foi gerado pelo Espírito Santo nas entranhas de Nossa Senhora, a flor do gênero humano!
Enquanto o Menino Jesus brinca com suas pedrinhas, e n'Ele a natureza humana se desenvolve segundo a ordenação posta por Deus, que repercussão estará havendo nas relações das Três Pessoas da Santíssima Trindade? Entretanto, tudo tão simples, tão elementar.
Enlevo e admiração pelo Filho-Deus
Pode-se imaginar o enlevo sem fim que o casal tinha por cada olhar ou movimento do Menino. Enquanto trabalhavam em alguma coisinha, Maria e José ficavam atentos ao mínimo gesto de Jesus e procuravam não perder sequer uma emissão de voz d'Ele.
Quem não ficaria atento? Afinal, eles sabiam que era o Homem-Deus que estava assim Se movendo.
Isto representava para eles um tesouro sem conta.
O dia-a-dia da Sagrada Família
Como seria o relacionamento no seio da Sagrada Família?
Conversariam sobre a virgindade fecunda de Nossa Senhora? Teriam uma interlocução por onde, constantemente, faziam referência à natureza divina? Ou somente falavam sobre estes assuntos nas grandes ocasiões, quando, por exemplo, baixavam do Céu luzes extraordinárias, ou quando contemplando o Menino tinham êxtases místicos?
Eu sou propenso a acreditar que, na maravilha desse convívio interno, as situações mais diferentes se sucediam simultaneamente, e isto constituía uma forma de convivência celeste.
A vida comum de uma pobre família operária, e o encanto das considerações metafísicas e sobrenaturais de Nossa Senhora e de São José, que viviam inundados pela presença do Menino, uniam-se no dia-a-dia da Casa de Nazaré.
Numa ocasião comum, Nossa Senhora perguntaria:
– José, meu esposo, fostes vós que abristes aquela porta? Ireis porventura sair, levando o banco que acabastes de fazer?
– Senhora, responderia São José, preciso ainda ficar aqui por algum tempo, exceto se vossa vontade for outra.
Acrescentaria ele:
– Senhora, Vós Vos distraístes – ele bem sabia que Maria tinha estado conversando com os Anjos – e o almoço vai longe em nosso pequeno fogareiro; vede um pouco...
Quem sabe ao certo como se davam estas coisas? Pode-se imaginar tudo.

Previsão do sofrimento e da glória
Noutra ocasião, o Menino – que quando adulto, no Tabor, reluziria entre Moisés e Elias de um modo tão esplendoroso –, no momento inopinado em que vinha pedir licença aos pais para brincar um pouco no jardim, apareceria diante deles com um brilho deslumbrante. Eles passavam alguns instantes sem poder responder ao Menino – o qual esperava reluzente a resposta –, completamente transportados para outra esfera: estavam diante de Deus.
Em certos momentos, Eles viam que o Menino Lhes aparecia brincando com dois pauzinhos que Ele carregava às costas: era o precônio da cruz.
Ficavam, então, com o coração partido, olhando o Menino Jesus andar determinadamente de um lado para outro na casa, fazendo um gesto ao Padre Eterno. Era um ato figurativo da Agonia no Horto.
Tudo estava impregnado por uma respeitabilidade, uma majestade, de uma seriedade augusta, de uma determinação forte, para dizer tudo em uma só palavra, de uma seriedade e de uma dor desconcertantes!
Que dor, que nobreza, que grandeza, que majestade!

(Plínio Corrêa de Oliveira - Extraído de conferência de 20/11/82)


terça-feira, 3 de dezembro de 2019

SÃO FRANCISCO XAVIER E SEU CARÁTER GUERREIRO






Os episódios narrados a seguir mostram uma característica peculiar de São Francisco Xavier, o Apóstolo das Índias: seu caráter guerreiro.

As conquistas cristãs despertam perseguição muçulmana
Decorrido algum tempo após a conquista de Malaca, na Índia, e o crescente avanço do cristianismo, logo surgiu um déspota muçulmano tentando destruir o bom andamento da catequese e de nova cristandade que ali se desenvolvia. No dia 9 de outubro de 1547 uma armada islâmica atacou o porto da cidade e destruiu os navios que estavam ancorados. 
Produziu um geral terror nos habitantes e todos correram às armas; eram duas horas da manhã. O tempo estava quente, um luar sinistro iluminava a cidade inteira; gritos longínquos, alegres e prolongados como os gritos de vitória, e multiplicados por numerosos ecos, misturavam-se com o estrondo das descargas sucessivas de uma formidável artilharia.
Homens, mulheres, crianças, índios, portugueses, toda a população, enfim, está de pé em um instante. Cada um procura conhecer o perigo de que é ameaçado; dirigem-se ao porto... Está em fogo!
Todos os navios ancorados são presa das chamas, o incêndio que devora aquele rico meio de defesa deixa a cidade à mercê dos bárbaros que a atacam tão traiçoeiramente! Contudo ela procura defender-se do interior pelo maior tempo possível, e consegue repelir os assaltantes que investem ferozmente e contam ocupar a fortaleza antes do dia.

O terror islâmico como arma de conquista
Ao nascer do sol, sete pobres pescadores entram na cidade; tinham sido surpreendidos pelo inimigo,  que depois de lhes cortar os narizes e as orelhas os enviava, assim mutilados, com uma carta do general em chefe do exército muçulmano a Dom Francisco de Melo, governador de Malaca.
Pelo teor da carta, abaixo transcrita, vê-se que tipo de mentalidade predomina entre os adeptos de Maomé:
 “Bajaja Soora, que tem a honra de levar em vasos de oiro o arroz do grande sultão Alaradim, rei de Achém e das terras que são banhadas pelos dois mares, te ordena que escrevas ao teu rei dizendo-lhe que estou aqui, mau grado seu, lançando o terror na sua fortaleza pelo meu feroz rugido, e que estarei quanto tempo me parecer. Eu tomo por testemunha não somente a gente que a habita mas todos os elementos até o céu e a lua, e lhes declaro pela minha própria boca, que o teu rei é sem valor e sem nome, que os seus estandartes abatidos não poderão jamais levantar-se sem permissão daquele que lhos vence hoje; que, pela vitória que alcançamos, o meu rei tem debaixo dos seus pés a cabeça do teu, que é deste momento seu vassalo e seu escravo; e a fim de que tu próprio confesses esta verdade, te provoco e desafio ao combate no local  em que me acho, se te sentes como coragem de ousar resistir-me”.

O governador não se inquietaria absolutamente com aquela carta se pudesse  dispor da sua marinha; porém todos os navios portugueses se achavam destruídos pelo inimigo; e não podia aceitar o combate naval; a situação era, portanto, embaraçosa; mandou pedir ao Padre Xavier que viesse auxiliar com o seu parecer o conselho reunido em sua casa.

Um santo com sangue de fidalgo nas veias aceita o desafio da guerra
Não contavam os invasores que na cidade havia um grande santo, São Francisco Xavier. Havia acabado de celebrar a Santa Missa na igreja de Nossa Senhora do Monte, quando foi chamado à presença de D. Francisco de Melo, que lhe dá a ler a carta de Soora, e lhe pede a sua opinião. Xavier que, segundo a expressão de M. Crétineau-Joly, - “tinha o velho sangue de fidalgo nas veias – respondeu-lhe:
- Senhor, o sultão é muito mais inimigo do Cristianismo do que de Portugal. Por honra da religião cristã é necessário aceitar-lhe o combate; um insulto semelhante não pode ficar impune! Se vós suportais aquela injúria deste rei muçulmano, a que se não atreverão todos os outros? Não! Não! É necessário aceitar o desafio, e provar aos infiéis que o Criador do Céu e da terra é muito mais poderoso que o seu rei Alaradim.

Primeiros sinais de fraqueza dos cristãos
A partir daquele momento, São Francisco Xavier começou a sentir o quanto os cristãos daquele lugar eram dominados pelo espírito da moleza e falta de espírito guerreiro. O primeiro a manifesta isso foi o próprio governador:
- Mas, meu Padre, como quereis vós que vamos para o mar? Em que navios quereis que embarquemos? Dos oito que existiam no ancoradouro, só nos restam quatro cascos de fustas arruinadas! E poderiam elas prestar-nos algum serviço contra uma esquadra tão numerosa?
- Quando os infiéis tivessem um número de navios muito mais considerável ainda, respondeu Xavier, não seríamos nós os mais fortes, tendo o Céu por nós? E se Deus está por nós, quem contra nós? Poderemos porventura ser vencidos combatendo em nome de Jesus Nosso Senhor?
O grande Xavier pronunciara aquelas palavras com um acento tão inspirado, que não deixava hesitação por um só momento sobre o partido a tomar. Dirigem-se todos ao arsenal; Francisco Xavier guia e anima a todos em geral e a cada um em particular: descobrem uma barca chamada “Catur”, em bom estado e destinam-na para o combate. Existiam sete fustas fora do serviço e ele julga que podem ser reparadas; porém Eduardo Barreto, capitão e diretor dos armamentos, declara a empresa impossível:
- Aos armazéns do estado, diz ele, falta neste momento tudo que é necessário para a obra da reparação e equipamento; demais, o cofre de reserva está absolutamente sem dinheiro.
Xavier agarra-se então aos sete capitães dos navios, membros do conselho; abraça-os e suplica-lhes que se encarregue cada um da reparação e do  armamento duma fusta, e sem lhes dar tempo para responder, designa a cada um a sua, com tanta viveza nos movimentos, tanta graça na sua exigência e atração nas suas palavras, que todos aceitam com entusiasmo e empregam imediatamente naqueles trabalhos mais de cem operários, à sua custa, em cada embarcação. Em cinco dias ficaram elas em estado de serem lançadas ao mar. Andréa Toscano, um dos mais distintos marinheiros, tomou o comando da “Catur”. Cada capitão vai comandar o barco que reparara, e recebe a seu bordo cento e oitenta soldados. D. Francisco Deza toma o comando da frota.

Um guia espiritual seguro tanto na batalha quanto nas orações
São Francisco Xavier agora irá enfrentar o espirito de moleza de toda a população, e vai tentar reanimar a todos com coragem e determinação.
O heroico Xavier pediu para acompanhar a armada naval; os habitantes de Malaca opuseram-se tenazmente, considerando-se abandonados por Deus se o santo Padre os deixasse num momento de tão grande ansiedade para eles. Dirigiram-se em massa à casa do governador para lhe suplicarem que retivesse o santo Padre; D. Francisco de Melo prometeu-lhes pedir aquele favor ao seu apóstolo deixando-lhe, contudo, a decisão:
-“Vamos para ali todos! Exclamaram eles imediatamente; vamos procurar o santo Padre! Ele terá piedade de nós; não nos poderá recusar!”
Efetivamente, Xavier não pôde resistir às suas solicitações e às suas lágrimas:
- Sim, meus queridos irmãos, lhes respondeu ele, eu ficarei entre vós durante todo o tempo desta guerra; orarei convosco pelo triunfo da nossa valente armada, e espero que Deus, combatendo por ela, no-la restituirá vitoriosa.
Aquelas singelas palavras bastaram para acalmar a grande consternação do povo.
Na véspera do embarque da expedição, Xavier reuniu na igreja os oficiais e os soldados da armada naval:
- Eu vos acompanharia, lhes disse ele, de alma e coração. Vossas famílias pediram-me com tantas lágrimas que ficasse com elas para as consolar e amparar durante a vossa ausência, que não pude resistir às suas instâncias e à sua dor; mas seguir-vos-ei com os meus votos e as minhas orações. Elevarei as mãos para o Deus dos exércitos, enquanto vós arremeteis o inimigo do nome cristão. Combatei com valor, não para adquirir uma glória vã e transitória, mas uma glória sólida e imortal!
No calor do combate, dirigi a vista para o Divino Salvador crucificado cuja causa defendeis e sustentais, e em vista das suas veneráveis chagas,  não temais as feridas e a morte!  Bem felizes vos devereis julgar se vos fosse permitido dar vida por vida...

Soldados cristãos juram fidelidade até á morte
Ao ouvir o fervoroso discurso do Santo, todos se animaram e fizeram um juramento, o qual é consagrado com a confissão e comunhão de todos. Era um costume cristão que nas vésperas dos combates os soldados se ajoelhassem nos confessionários e, após assistirem missa, todos comungarem. Estavam assim preparados de corpo e alma, tanto para a vida quanto para a morte.
- Meu Padre, exclamaram a voz todos aqueles bravos guerreiros, meu Padre, nós juramos aqui, perante Deus e perante vós, combater os infiéis até à morte! Juramos dar o nosso sangue até á última gota pela causa de Jesus Cristo!
- Este juramento impressiona-me profundamente, replicou Xavier, cujas lágrimas traíam a comoção que o dominava. Jesus Cristo ouviu-o, aceitou-os; vós sois de  hoje em diante “a falange de Jesus Cristo”! e eu vou abençoar-vos em seu nome.
No mesmo instante, todos aqueles bravos guerreiros caem de joelhos, o grande apóstolo implora para eles as bênçãos celestes, depois, ouve em confissão a cada um e administra-lhes a sagrada comunhão.

Primeira tentação de desalento no momento do embarque
A expedição embarcaria na manhã seguinte com um entusiasmo que parece pressagiar a vitória. Levantam-se ferros... O navio almirante faz ouvir um ruído medonho!... Abre-se uma veia de água que deixa apenas o tempo necessário para salvar a equipagem, e o navio submerge-se!... O povo cobria a praia; grita vigorosamente contra a partida da frota, pede que se renuncie àquela expedição, revolta-se contra o santo Padre, não obstante toda a veneração, todo o amor que lhe inspira.
A equipagem do navio almirante estivera em tamanho perigo e tão próxima da morte, que aquele povo exasperado pelo receio duma nova desgraça, perdendo a consciência do que diz e do que faz, acusa de imprudente aquele de quem  recusava separar-se dois dias antes.
O governador manda chamar o santo Padre, que o enviado encontra no altar quase no fim da missa; ele aproxima-se para lhe falar; o Santo acena-lhe que espere. Depois da missa, Xavier diz ao enviado do governador, sem dar tempo de falar:
-“Ide dizer a vosso amo, da minha parte, que não nos devemos desanimar pela perda dum navio”.
Conservou-se ainda por algum tempo em ação de graças aos pés do altar da Santíssima Virgem, e ouviram-lhe exclamar com todo o ardor de sua alma, antes de se retirar:
-“Meu Jesus, amor do meu coração! Olhai-me dum modo favorável! Considerai vossas adoráveis chagas! Lembrai-vos que elas nos dão o direito de pedir-vos o que desejamos! E vós, Virgem Santa, sede-me propício!”
E, erguendo-se, corre à fortaleza, onde o conselho reunido o aguardava:
- Que é isto, pois! Vós perdeis a coragem por tão pouco? - Diz ele ao governador.
- Mas, meu Padre, o povo está exaltado! Fostes vós que provocastes esta triste crise...
- Vamos ao porto, senhor, tudo isto vai arranjar-se, eu vo-lo prometo.
A gente que acabava de escapar da morte estava consternada. Xavier enche-se de toda a sua coragem para lhes dizer:
- Sede firmes na vossa resolução, não obstante esta desgraça que Deus não permitiu senão para experimentar a vossa fidelidade. Ele vos salvou do naufrágio, como fim de vos obrigar a cumprir a promessa  que lhe fizeste sob juramento!
São Francisco Xavier chamou a atenção para um detalhe importante, esquecido na aflição desesperadora em que eram tentados: o incidente ocorrido na hora do embarque foi obra de Deus, que assim evitou algo pior que iria ocorrer em pleno mar, ou em combate, onde muitos morreriam.
Ouvindo isto, mudaram de opinião:
- Sim, sim, meu Padre! Nós sustentaremos e cumpriremos o nosso juramento!
Tal foi o grito de expansão unânime da guarnição do navio almirante, ao qual todas as outras responderam com o mesmo entusiasmo da véspera.

Continua a tentação do desânimo
Apesar disso, o governador, deixando-se influenciar pela oposição dos habitantes, persiste em declara a guerra impossível... Eleva-se então um brado formidável das fileiras do exército; os capitães encarregam-se de pedir a palavra em nome das equipagens, e anunciam ao governador que os soldados preferem a morte à inação; que eles juraram solenemente a Jesus Cristo combater os infiéis até à última gota do seu sangue, e não cessam de repetir:
“Nós devemos esperar tudo das orações e das promessas do santo Padre Francisco!”
A esta  última palavra, Francisco Xavier ergue-se com tom inspirado que dominava todos os espíritos e diz ao governador e ao conselho:
- A fusta perdida será bem depressa substituída; antes do pôr do sol nos chegarão melhores navios: eu vos anuncio isto em nome de Deus!
Seguiu-se um momento de silêncio, depois do qual ficou convencionado que se adiasse a resolução para a manhã seguinte.

Chegam reforços previstos pelo Santo
O dia correu longo para todos!... O sol estava quase a desaparecer quando vieram anunciar que do campanário da igreja de Nossa Senhora do Monte se descobriram duas velas na direção do norte.  O governador manda-se reconhecer por um bote: eram dois navios portugueses que vinham de Patana, masque não deviam tocar em Malaca; pertenciam eles a Soares Galega e a seu filho Baltazar, e cada um comandava o seu.
Achava-se então o padre Xavier em oração na igreja de Nossa Senhora do Monte; foram ter com ele e disseram-lhe:
- Meu Padre, os capitães dos navios não quere ancorar e a vossa predição não se cumprirá!
Xavier mete-se no bote que havia reconhecido os navios portugueses e dirige-se para bordo deles. Os capitães apenas descobriram o santo Padre, viraram de bordo, aproaram para o bote, recebem-no com veneração e põem-se à sua disposição, eles, seus navios e suas equipagens, para o serviço de Deus e do rei.
Foram recebidos com entusiásticas aclamações do povo, e no seguinte dia de manhã, 25 de outubro, logo que Xavier enviou ao almirante Deza o estandarte que havia benzido, a esquadrilha levantou ferro e partiu.

Ânimo forte mantido pelas orações
Um mês depois da partida da esquadra não se tinham recebido senão notícias indiretas, umas mais assustadoras do que outras; o nosso santo animava a todos e prometia o mais feliz resultado. Contudo, os dias sucediam-se naquela mortal incerteza para as famílias, e aquele povo, sempre pronto a voltar-se para qualquer lado, começava a queixar-se de Xavier; muitos portugueses foram até fazer em sua presença insultantes censuras; porém o angélico Padre respondia àqueles insultos com as mais suaves e humildes palavras, acrescentando:
- Eu vos repito, porque tenho a certeza, que a esquadra voltará triunfante.
Decorreram ainda alguns dias e mesmo algumas semanas na desconsoladora incerteza da sorte da expedição! Num dia dos fins de dezembro, um domingo, pregava o santo apóstolo na catedral, entre as nove e as dez da manhã. Pára de repente... os músculos do seu belo rosto contraídos pela dor e pelo sofrimento; os olhos abertos; o olhar elevado e fixo; tinha uma expressão seráfica. Depois de alguns instantes volta-se para o auditório; mas fala-lhes em termos enigmáticos e tudo quanto se pode compreender é que ele vê duas armadas em combate e cujos movimentos e manobras segue com uma agitação que se manifesta em toda a sua pessoa. Finalmente, dirigindo o seu celeste olhar para o crucifixo que tinha diante de si, exclama em voz suplicante:
- “Ó Jesus , Deus da minha alma! Pai de misericórdia! Eu vos rogo humildemente pelos merecimentos da vossa santa Paixão, para que não abandoneis os vossos soldados!”
Depois abaixa a cabeça, apoia-se sobre o púlpito, conserva-se assim, como abismado pela dor, durante alguns momentos, e levantando-se em seguida todo radiante, exclama:
-“Meus irmãos! Jesus Cristo venceu por nós! Neste mesmo momento, os soldados do seu Santo Nome acabam de pôr em derrota a armada inimiga. Fizeram uma carnificina horrorosa! Nós não perdemos senão quatro dos nossos bravos soldados; na sexta-feira próxima recebereis notícias, e pouco depois tornaremos a ver a nossa esquadra.”
O governador e as principais pessoas da cidade não duvidaram da visão do santo Padre; mas não aconteceu o mesmo com as mulheres e mães dos marinheiros e dos soldados. E o suave e caridoso Xavier, que tinha empenho de beneficiar tanto os corações como as almas, reuniu todas aquelas pobres desconsoladas ao meio dia, e repetiu-lhes tudo quanto tinha dito de manhã, consolou-as, fortificou-as por tal modo que elas o deixaram convencidas.
Na sexta-feira imediata o navio comandado por D. Manuel Godinho trouxe a notícia duma brilhante vitória; a esquadra seguiu-o de perto.
O nosso Santo conduziu o povo para o porto a fim de receber e expedição, e tendo o seu crucifixo levantado, fez entoar durante o desembarque cânticos de ações de graças, aos quais todos os vencedores misturavam suas vozes com alegria.
A presença do santo Padre fazia crescer a exaltação geral, porque, se eles atribuíam a iniciativa da guerra ao poder da sua influência, atribuíam igualmente o resultado ao poder de sua oração, e não se poupavam e lho patentear com o testemunho do mais vivo reconhecimento.
Tantos elogios, tantos aplausos, apressaram a partida de Francisco Xavier, que, além disso, já se demorara quatro meses em Malaca. Fez embarcar no Navio de Jorge Álvares três japoneses, dos quais falaremos mais tarde; os trinta jovens que trouxera das Molucas partiram no navio de Gonçalo Fernandes; uns e outros foram com o maior interesse recomendados ao reitor do colégio de Goa, que os esperava.
Xavier, tendo que demorar-se na Costa da Pescaria, com o fim de visitar as suas cristandades, embarcou em um outro navio que se fazia à vela para Cochim.

(Extraído com adaptações, da obra “S. FRANCISCO XAVIER”, de Daurignac. págs. 254/262).


1.    Com espírito de Santo Elias, como São Francisco Xavier conduz os cristãos na guerra contra os infiéis

No episódio a seguir o que se destaca é o espírito de fogo de Santo Elias.
A ilha de Celebes, completamente infiel e muito considerável pela sua extensão e população, atraía o zelo apostólico do nosso Santo; para lá foi, evangelizando em primeiro lugar acidade de Tolo, a mais importante, e bem depressa conseguiu batizar mais de vinte e cinco mil habitantes. Ali, como em toda parte, fez erigir igrejas e levantar cruzes, e deixando as suas instruções para a manutenção da fé, internou-se pela ilha...
Enquanto o apóstolo ampliava o reino de Jesus Cristo nas principais cidades daquela ilha, vieram comunicar-lhe que o rei de Tolo, que recusara renunciar aos seus deuses para viver mais comodamente no gozo de suas paixões, fazia destruir as igrejas e derrubar as cruzes; acrescentava-se que ele obrigava os neófitos a calcar aos pés as cruzes abatidas, e que o terror dominava tudo.
A esta nova, exalta-se o zelo de Xavier. Reúne os seus amigos portugueses, em número tão somente de oito, e diz-lhes:
- Deixaremos impune um tal atentado à Majestade divina? Mereceremos o glorioso título de soldados de Jesus Cristo se não acudirmos em sua defesa, se não soubermos fazer respeitar a sua lei e castigar os revoltosos do seu império? Partamos! Tomemos quatrocentos cristãos indígenas que nos cercam, vamos atacar o rei na sua praça-forte de Tolo, sem nos importar com o número avultado dos seus guerreiros! Que nos importa o número! Deus está por nós; e eu vos prometo a vitória!...
- Marchemos, meu Padre! Respondem todos os portugueses; estamos prontos a dar o nosso sangue e a nossa vida, se necessário for, por uma só de vossas ordens!
O santo apóstolo abraça-os, aperta-os ao coração, assegura-lhes sobretudo a mais brilhante vitória e enche-os de entusiasmo. Prontamente se organiza o pequenino exército, marcha-se sobre Tolo e quando se achavam já a pouca distância, o grande Xavier detém-se e prostra-se para orar. A sua gente também se detém e ora a seu exemplo, feliz e orgulhosa por se ver comandada por um tal chefe. Ouve-se no mesmo instante uma horrorosa detonação... e as chamas do mais violento incêndio cobrem a cidade e a devoram!
Tolo era dominada por uma montanha... Aquela montanha acabava de abrir-se repentinamente, e lançava, com a mais desesperadora impetuosidade, pedras, cinza, a lava incendiária e enxofre inflamado! Os estilhaços das rochas  voam em bocados incandescentes e caem sobre as habitações que abatem e consomem! A terra treme, o solo parece faltar sob os pés dos habitantes que fogem e vão buscar um abrigo nas florestas. O montão de pedras e lava, que não cessa de cair do vulcão, excede bem depressa a altura das muralhas da cidade, onde não fica nem um só indígena!...
Finalmente, cessa o flagelo,  o Padre Xavier e os seus soldados entram na praça e tornam-se facilmente senhores dela. Então os culpados correm a cair aos pés do grande apóstolo, confessa publicamente os seus crimes, obtêm perdão, e a penitência a que se sujeitam prova a sinceridade do seu arrependimento.
Celebes estava conquistada; a fé veio a ser ali viva e ardente; Xavier embarcou para voltar a Termite, com disposição de levar mais longe o nome de Jesus Cristo...

(Extraído de S. FRANCISCO XAVIER, de Daurignac, págs. 238/240)

Narram fato semelhante ao ocorrido em Celebes, ou então o mesmo sendo visto por outros cronistas. Um rei pagão dirigia-se com seu exército a fim de atacar uma localidade cristã, fato que já vinha ocorrendo quando o mesmo destruída tudo a seu redor e matava cruelmente as pobres vítimas indefesas. Correram a São Francisco Xavier pedindo ajuda. Postado a certa altura, viu o Santo ao longe o exército que se aproximava. Rezou um pouco e depois, voltando-se para os cristãos que estavam em sua volta, disse:
- Jesus Cristo disse que quem tem fé pode mover montanhas. Vocês acreditam nisso?
- Sim, responderam todos.
- Então, se temos fé, peçamos àquela montanha que se mova em cima daquele exército e o destrua.
- Montanha, pela fé em Cristo, saia daí e caia sobre aquele exército -disseram todos.
Em seguida a montanha elevou-se no ar e desabou sobre o exército matando todos aqueles soldados e o próprio rei.