segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Castro, excomungado por João XXIII, estaria voltando à Igreja?

Segundo notícia divulgada nessa semana Fidel foi excomungado, sim; mas é um assunto pouco ventilado. O que se dá mais realce é a sua suposta “volta” à Igreja. Mais um lance publicitário e hipócrita... seria uma boa idéia, principalmente se com isso o povo de Cuba ficasse livre definitivamente do comunismo.
A notícia, veiculada pela ACI/EWTN Notícias, afirma que o ex-ditador cubano “deseja regressar ao seio da Igreja Católica” durante a próxima visita do Papa à ilha em março vindouro. Essa especulação foi difundida pela imprensa italiana, especialmente partida dos diários “La República” e “La Stampa”. A filha de Castro, Alina Fernández, declarou que seu pai, ultimamente, está se “aproximando” da Religião e de Deus.
A filha do ex-ditador diz que é uma católica devota, e para comprová-lo afirma que visita Roma com certa freqüência. Há especulações, também, sobre uma possível visita de Castro a Bento XVI quando de sua próxima visita a Cuba. Sabe-se, porém, que Fidel Castro foi excomungado pelo Papa João XXIII em janeiro de 1962, por haver se declarado marxista leninista e ser responsável pela expulsão de padres da ilha e de haver fechado inúmeras escolas católicas. A notícia não cita as mortes de católicos e sacerdotes também efetuadas pelo regime castrista. Nem tampouco, dos milhares de exilados que fugiram do regime e hoje vivem em Miami e diversas partes do mundo.

Abaixo segue alguns dados do excomungado e ex-ditador, extraído de uma reportagem publicada em “Catolicismo”, de agosto de 1974:

Breve biografia de um excomungado:

“Um precursor dos "hippies"

Fidel Castro nasceu em 13 de agosto de 1926, filho de um fazendeiro rico. Freqüentou as escolas paroquiais e fez o curso secundário com os Jesuítas, em Havana. Ingressou na Universidade em 1945 e recebeu seu diploma de advogado em 1950. Casou-se com Mirtha Díaz Bolart em 1948, divorciando-se em 1955.
A passagem de Castro pela Universidade já prenunciava o revolucionário que viria surgir depois no cenário internacional.
Durante o ano de 1947 participou de uma frustrada tentativa de invasão da República Dominicana.
Um especialista cubano em comunismo, Díaz Versón, informa que Castro se empregou como agente soviético desde os últimos anos de sua adolescência. Segundo esse autor, entre os funcionários russos que estiveram em Cuba figurou G. W. Bashirov, o qual já havia atuado na Espanha como recrutador de jovens. Bashirov desempenhou missão especial na ilha, não se alojava na embaixada, mas numa casa particular situada na Calle Segunda, n. 6, Miramar.
Em meados de 1943, muitos jovens cubanos começaram a visitar a residência de Bashirov. Díaz Versón cita o nome de vários, entre os quais Castro.
Em 1944, Bashirov foi chamado a Moscou para informar e, pouco depois, retornou com novas instruções. Determinou que alguns integrantes do grupo se infiltrassem nos partidos políticos não comunistas. Ordenou que três deles não se comprometessem com as atividades do Partido Comunista, porque estavam reservados para futuras missões: Fidel Castro, Antonio Nuñez e Alicia Alonso.
Fidel era um jovem estranho para os padrões cubanos da época. Embora filho de pai rico, que não lhe negava dinheiro, usava roupa suja e velha, e não se preocupava em mudar de camisa.
Não acatava normas das mais usuais do trato social. Por exemplo, tinha o costume de tirar os sapatos onde tivesse vontade de fazê-lo, sem se importar com o ambiente que o cercava. Não perdeu aliás esse costume: há alguns anos a imprensa publicou fotos mostrando-o com as mãos nos pés descalços, no meio de vários assistentes.
Foi um "hippy" vinte anos antes de surgir o movimento "hippie". Os trajes, as maneiras, as longas barbas e certos hábitos que introduziu na revolução cubana precederam o estilo "hippie", que depois invadiria o mundo.
Durante seus anos acadêmicos, conforme registros da polícia cubana, participou de bandos estudantis que utilizavam até o assassinato como arma política.
Fidel, ainda durante seu período universitário, participou do levante comunista de abril de 1948, em Bogotá, que passou à História com o nome de "Bogotazo".
Há muita documentação sobre esse episódio sangrento. A participação de Fidel Castro tem sido ignorada, atenuada ou mal interpretada pela maioria dos comentadores. Tenta-se explica-la como sendo uma travessura juvenil, mas não foi nada disso. Naquela época, Castro já era um agente de confiança do Cremlin.
Castro chegou à capital colombiana com credenciais da Federação Mundial da Juventude Democrática, organização marxista sediada em Moscou.
Há um despacho da UPI de 19 de abril de 1948, muito interessante, assinado pelo correspondente de Bogotá, Alcides Orozco:
"Esta mañana, estando sientado en el vestíbulo del Claridge Hotel [...] llegaran dos detectives preguntando por el gerente. Al ser recibidos en la oficina, dijieran que buscaban a dos cubanos, Fidel Castro y Rafael del Pino, quienes paraban en dicho hotel.
Los dos detectives tomaron posesión de la correspondencia de los cubanos, que abrieron en mi presença y dijieron que tenian informes fidedignos de que Castro y Rafael del Pino habian dirigido o saqueo del 9 de abril com motivo del asesinato del dirigente liberal Jorge Eliécer Gaitán.
La correspondencia demonstró que ambos pertenecían al partido comunista cubano, y las cartas fechadas en la Habana el 9 de abril, mencionan los desórdenes de Bogotá".
Castro e del Pino refugiaram-se na embaixada de seu país para evitar a prisão como agentes comunista e instigadores da insurreição armada. O Dr. Guilhermo Belt, chefe da delegação cubana à Conferência Panamericana, que se reuniu na época em Bogotá, mandou-os de regresso à Cuba por via aérea.
O governo da Colômbia forneceu na ocasião amplas provas de que os dois jovens eram agentes do Cremlin. O chefe dos serviços de segurança do país aludiu a eles como "conhecidos comunistas". O Presidente Mariano Ospina Perez, em discurso, denunciou-os como "comunistas e organizadores da insurreição".
Voltando a Havana, Castro retomou os estudos, abandonou os bandos estudantis homicidas para não comprometer o futuro que lhe reservava o PC e, em 1950, recebeu seu diploma.
Seu irmão mais moço, Raul Castro, entrou na Universidade em 1950 e foi colocado em contato com os comunistas. Pouco tempo depois estes enviaram-no para os países da Europa Oriental. Não se sabe onde passou o tempo em que se esteve aperfeiçoando na ideologia e nos métodos marxistas. Algumas versões afirmam ter ele estado em Moscou; outras, em Praga. O certo é que também Raul, figura de proa do movimento revolucionário que derrubou Batista e hoje o segundo homem em Cuba, foi desde os primeiros anos de sua juventude um comunista ardoroso e agente de confiança da Rússia Soviética.
Fidel dedicou-se às atividades políticas, sempre como homem de esquerda, de 1950 até 1953”.

Veja o texto integral da reportagem “Uma História de embuste e violência”.

Após tantos crimes, e impor tanto sofrimento a milhares de patrícios cubanos, o ex-ditador e excomungado poderá ser recebido pelo Papa, e com isso fazer crer a muitos que está se “convertendo” à Igreja. Mais um ato da peça do enorme embuste que continua sendo aplicado naquele triste povo caribenho.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O carnaval é uma festa popular?

Sempre que um carnaval termina é feito um balanço daquilo que ele alcançou; e sempre o resultado é o pior possível. Nos veículos de comunicação é prolífera quantidade de informações sobre as mazelas causadas por essa festa. A par da grande quantidade de violência, vem sempre as notícias que lhe são afins como estupros, roubos, assassinatos, violências morais e corporais de todo tipo.
Bem; onde está a alegria? É verdade que alguns (sim, alguns, apenas) se esbaldaram de dançar e comemorar, mas estes mesmo encontram-se frustrados após tantos festejos e encontram-se profundamente infelizes e sem compreender a razão de suas vidas. O cansaço é um fator secundário, pois o pior é a frustração. Frustração de que? Frustração porque não chegaram ao final da festa com um objetivo lógico para suas vidas; frustração porque, ao final, a vida continua como antes, cheia de problemas, de dores, de angústias, de incertezas, etc; a única certeza é que o carnaval de nada lhes serviu para amenizar suas mazelas, muitas vezes até as piora.
Sim, e cadê a tão decantada alegria do carnaval? Essa falsa alegria é comparável àquela do torcedor de futebol: se o time dele faz o gol ele comemora, mas o do time adversário fica triste e frustrado; e, muitas vezes, jogadores e torcedores se envolvem em luta corporal para fazer prevalecer suas vontades. Não se parece um pouco com o carnaval? Enquanto alguns pulam e se alegram, outros brigam, apanham, matam, sofrem, às vezes são presos até injustamente e apanham da própria polícia: tudo isso para com que outros “brinquem” e se alegrem. No futebol, também alguns se alegram enquanto outros ficam tristes e frustrados. E, o pior, no final, muitos entram numa tremenda briga, que no final até acaba em mortes.
É verdadeiramente alegria este tipo de divertimento?.
Aos quatro ventos se diz que o carnaval é uma festa popular. Quanta mentira nisso! Há dois sentidos para algo ser “popular”: o primeiro é tudo aquilo que a média das pessoas gosta e aprova;.então, diz-se que um artista é popular porque há uma média ponderada da população que lhe aplaude. Mas ele não pode dizer que é popular em todo o sentido da palavra enquanto não obtiver uma aprovação da maioria. Então, esse é o segundo sentido de popular, o sentido que modernamente se atribui à uma sociedade dita democrática, onde as coisas para se dizerem “populares” devem obter a aprovação da maioria. E o carnaval é aceito pacificamente pela grande maioria de nosso povo? Por que nunca foi feita uma pesquisa nesse sentido?
Vamos fazer aqui uma análise com base em alguns dados. Segundo os jornais, no ano 2012, cerca de 1,9 milhões de carros saíram de São Paulo para fugir do carnaval! Sim, para fugir do carnaval! Se em cada carro viajar uma média de 4 pessoas teremos então quase oito milhões de pessoas fugindo do carnaval somente na cidade de São Paulo. E aí só estão computados aqueles que possuem carros próprios. Falta serem apurados aqueles que saíram de ônibus, de trens e de aviões, etc. Em todas as capitais e grandes cidades do país o fenômeno se repete, levas e mais levas de trânsfugas invadem as estradas fugindo da festa mais “popular” do Brasil. E, segundo dizem, os roteiros turísticos mais procurados não são aqueles que procuram o carnaval mas os que fogem dele. Um dos mais visitados no Brasil, durante o carnaval, é, por exemplo, o das cataratas de Iguaçu.
É claro que os motivos dessa fuga são meramente egoísticos, em geral são de pessoas em busca de sossego, de gozar a vida nas praias e nos recantos aprazíveis. Mas há também aqueles que fogem por fugir, porque desejam ficar longe do barulho e das folias momescas. No final, computando tudo, é muito maior o número das pessoas que fogem do carnaval do que aqueles que se dirigem às capitais ou grandes cidades para participar das festas. Resultado, o carnaval não é uma festa tão popular quanto propagam. E nem traz a tão sonhada paz e alegria quanto se divulga. Que o digam as milhares de pessoas feridas e até mortas no decurso dos carnavais que se festejam em todo o Brasil. 

E por que tais estatísticas não são divulgadas como devem? Segundo uma certa mentalidade política, é preciso mostrar o carnaval como a apoteose da alegria e felicidade, sendo, portanto, inoportuno divulgar seus efeitos maléficos. Certa feita foi questionado isso perante as autoridades de Salvador, e, se não engano o prefeito da época declarou que havia pedido à imprensa não divulgar as violências ocorridas durante o carnaval a fim não afastar os turistas e visitantes. 
Outras estatísticas empanam essa festa, como o número de pessoas atendidas por uso excessivo de drogas, furtos e roubos, acidentes nas estradas (em geral causados por pessoas embriagados durante o carnaval). Isso para não falar nas outras brigas e querelas, e todo tipo de violência que ocorrem nos circuitos das escolas de samba do Rio e de São Paulo.


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Uma monarquia, apesar de tudo...

Muitos falam que o papel da rainha da Inglaterra é meramente figurativo, não tendo mais poderes para reger politicamente seu país. No entanto, é preciso que se frise que um governante não rege seu povo somente pela força da lei, mas por influência de sua própria presença, de sua personalidade, de sua maneira de ser. E a rainha Elisabeth II tem marcado época com uma personalidade fortemente ímpar, causando no povo inglês e outros povos uma grande influência de seriedade, de bons costumes e de moralidade. Nesse caso, ela reina mais do que o primeiro ministro e os deputados que fazem e executam as leis.
No último dia 6 ela completou 60 anos de sua ascensão ao trono e o Reino Unido pretende comemorar em grande estilo, com eventos programados ao longo de 2012, que terão seu auge em junho. Está prevista a emissão de selos postais e fotografias da rainha para marcar a data. As principais comemorações serão celebradas no primeiro fim de semana de junho, para quando está previsto um desfile de centenas de navios - modernos e antigos - pelo rio Tâmisa, em Londres.
O que não está sendo explicado é que sua ascensão ao trono se deu em 1952, mas sua coroação só deu-se no ano seguinte. Então, temos duas datas: a da ascensão ao trono e a da sua coroação.
Geralmente,na monarquia, se tem presente estas duas efemérides: assumir o trono é tomar conta do cargo, com as funções burocráticas que lhe são afins. E ser coroado é o simbólico reconhecimento da nação, é a aclamação popular de sua autoridade. Esta úiltima cerimônia foi muito comum nos reis medievais, e mostra o quanto a monarquia tinha de natural e popular. Em quase todos os países da Europa havia uma coroação real, feita logo após a ascensão ao trono, como símbolo do reconhecimento e da aclamação do povo àquele rei.
Assim, teremos em junho de 2013 uma festividade muito mais simbólica e importante para o povo inglês do que esta ocorrida agora em fevereiro.
Abaixo, divulgamos dois vídeos sobre a vida de Elisabeth II. No primeiro, com narrativa em francês, vemos seu casamento com o duque de Edimburgo, ocorrido em 1947. E no segundo, flashes de sua coroação a se completar 60 anos em 2013.


Casamento de Elisabeth II com o príncipe Phillip em 1947




Elizabeth II chegou ao trono após a morte do pai, o rei Jorge VI, em 6 de fevereiro de 1952. Aos 85 anos, ela se tornará a soberana britânica que mais tempo esteve no trono depois da rainha Victoria, que foi monarca durante 63 anos.

Coroação da Rainha em 1953

Apesar da morte de sua avó, Rainha Maria, em 24 de março de 1953, a Coroação foi em frente à Abadia de Westminster em 2 de junho de 1953, atendendo o desejo da prória Maria. A cerimônia inteira foi televisionada, exceto a unção e a comunhão. Mais de 20 milhões de britânicos assistiram à Coroação pela TV. Na América do Norte, 100 milhões de pessoas assistiram.


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O que é a tolerância?

Assistimos nestes últimos dias uma cena no mínimo inusitada: o general do exército encarregado de expulsar os militares amotinados na Assembléia Legislativa de Salvador abraçou os revoltosos e com eles festejava seu próprio aniversário. A cena foi divulgada pela TV como mostra do espírito tolerante e de paz. Depois da cena, cada grupo voltou a seus postos no aguardo dos acontecimentos, que a estas alturas não sei se já não se chegou ao cúmulo da intolerância e do confronto entre as partes. Confronto inevitável, pois há um grupo que promove motins e desordens e um outro que está ali para restabelecer a ordem. Não pode haver intolerância maior entre os dois. Se o general continuar com essa exagerada tolerância, certamente irá ceder aos revoltosos e nunca conseguirá impor a ordem. A não ser que os amotinados mudem de idéia, o que parece não estar se concretizando, pois a cada momento se manifestam mais irredutíveis... e intolerantes.
A propósito do termo “tolerância” muito já se escreveu e nos últimos dias é comum movimentos favoráveis a todo tipo de tolerância: tolerância religiosa, tolerância política, tolerância racial, etc. Dissertand
o sobre o tema, o Dr. Plínio Corrêa de Oliveira publicou três artigos no ano de 1957, onde a clareza de linguagem nos faz ver com nitidez em que momento e em que grau podemos ser ou não ser tolerantes ou intolerantes. Como era comum em sua maneira de expor suas idéias, o tema é tratado por ele apenas nos meios católicos, mas nos serve para o aplicarmos em toda a sociedade.


O que é a tolerância

Plínio Corrêa de Oliveira

Em matéria de tolerância, mais do que em qualquer outra talvez, a confusão reina tão completamente, que parece indispensável esclarecer o alcance dos termos, antes de abordar o mérito da questão.
O que é precisamente a tolerância?
Imagine-se a situação de um homem que tem dois filhos, um de princípios sãos e vontade forte, e outro de princípios
indecisos e vontade vacilante. Aparece de passagem, no lugar em que a família reside, um professor que dará um curso de férias extraordinariamente útil a ambos. O pai deseja que seus filhos sigam o curso, mas vê que isto implicará em privá-los de vários passeios aos quais ambos estão muito apegados. Pesados os prós e os contras, fixa ele seu juízo sobre o assunto: mais convém a seus filhos renunciar a algumas distrações, aliás muito legítimas, do que perder uma ocasião rara de se desenvolverem intelectualmente. Significada a deliberação aos interessados, a atitude destes varia. O primeiro, depois de um momento de relutância, acede à vontade paterna. O outro se lamenta, implora, suplica ao pai que mude de resolução, dá mostras tais de irritação, que um grave movimento de revolta de sua parte é de se temer.
Diante disto, o pai mantém sua decisão quan
to ao filho bom. Mas, considerando o que custa ao filho medíocre o esforço da rotina escolar, prevendo as muitas ocasiões de atrito que na vida diária surgem nas relações entre ambos, para a eventual salvaguarda de princípios morais impostergáveis julga melhor não insistir. E consente em que o filho não faça o curso.
Agindo assim com o filho medíocre e tí
bio, o pai lhe deu uma permissão a contragosto. Uma permissão que não é de modo algum uma aprovação. Uma permissão que lhe foi como que extorquida. Para evitar um mal (a tensão com o filho), consentiu ele num bem menor (as excursões de férias), e desistiu de um bem maior (o curso). É a este tipo de consentimento, dado sem aprovação, e até com censura, que se chama tolerância.
Claro está que, às vezes, a tolerância é o consentimento, não em um bem menor para evitar um mal, mas em um mal menor para evitar um maior. Seria o caso de um pai que, tendo um filho que contraiu vários vícios graves, e posto na impossibilidade de os fazer cessar todos, forma o projeto de os combater sucessivamente. Assim, enquanto procura obstar a um vício, fec
ha os olhos aos demais. Este fechar de olhos, que é um consentimento dado com profundo desgosto, visa evitar um mal maior, isto é que a emenda moral do filho se torne impossível. Trata-se caracteristicamente de uma atitude de tolerância.
Como acabamos de ver, a tolerância só pode ser praticada em situações anormais. Se não houvesse maus filhos, por exemplo, não haveria necessidade de tolerância da parte dos pais.
Assim, numa família, quanto mais os membros forem forçados a praticar a tolerância entre si, tanto mais a situação será anô
mala.
Sente-se muito a realidade do que aqui está dito, considerando-se o caso de uma ordem religiosa ou um exército em que os
chefes ou superiores tenham de usar habitualmente de uma tolerância sem limites com seus subordinados. Tal exército não está apto a ganhar batalhas. Tal ordem não está caminhando para os altos e rudes cimos da perfeição cristã.
Em outros termos, a tolerância pode ser uma virtude. Mas é virtude característica das situações anômalas, periclitantes, difíceis. Ela é, por assim dizer, a cruz de cada dia do católico fervoroso, nas épocas de desol
ação, decadência espiritual e ruína da civilização cristã.
Por isto mesmo, compreende-se que seja tão necessária em um século de catástrofe, como o nosso. A todo momento, o católico se encontra, em nossos dias, na contingência de tolerar algo: no bonde, no ônibus, na rua, nos lugares em que trabalha, nas casas em que faz visitas, nos hotéis em que veraneia, ele encontra a todo instante abusos que lhe provocam um b
rado interior de indignação. Brado que é por vezes obrigado a sopitar para evitar mal maior. Brado que, entretanto, em ocasiões normais seria um dever de honra e coerência.
De passagem, é curioso fazer observar a contradição em que caem os adoradores deste século. De um lado, elevam enfatica
mente às nuvens suas qualidades, e silenciam ou subestimam seus defeitos. De outro, não cessam de apostrofar os católicos intolerantes, suplicando tolerância em favor do século. E não se cansam de afirmar que essa tolerância deve ser constante, onímoda e extrema. Não se compreende como não percebem a contradição em que se põem. Pois só há tolerância na anomalia, e proclamar a necessidade de muita tolerância é afirmar a existência de muita anomalia.
De qualquer maneira, gregos e troianos estão concordes em reconhecer que a tolerância em nossa época é muito necessária.
Nestas condições, é fácil perceber quanto anda errado o linguajar corrente a respeito da tolerância.
Com efeito, habitualmente se empresta a este vocábulo um sentido elogioso. Quando se diz de alguém que é tolerante, esta afirmação vem acompanhada de uma série de louvores implícitos ou explícitos: grande alma, grande coração, espírito largo, generoso, compreensivo, naturalmente
propenso à simpatia, à cordura, à benevolência. E, como é lógico, o qualificativo de intolerante também traz consigo uma seqüela de censuras mais ou menos explícitas: espírito estreito, temperamento bilioso, malévolo, espontaneamente inclinado a desconfiar, odiar, ressentir-se e vingar-se.
Na realidade, nada é mais unilateral. Pois, se há casos em que a tolerância é um bem, outros há em que é um mal. E pode chegar a ser um crime. Assim, ninguém merece encômio pelo fato de ser sistematicame
nte tolerante ou intolerante, mas por ser uma ou outra coisa conforme o exigem as circunstâncias.
O problema se desloca, pois. Não se t
rata de saber se alguém pode ou deve ser tolerante, ou intolerante, por sistema. Importa, isto sim, indagar quando se deve ser uma ou outra coisa.
Antes de tudo cumpre ressaltar que há uma situação na qual o católico tem de ser sempre intolerante. E esta regra não admite conformes. É quando se deseja que, para comprazer a outros, ou para evitar algum
mal maior, ele pratique algum pecado. Pois todo pecado é uma ofensa a Deus. E é absurdo pensar que em alguma situação Deus possa ser virtuosamente ofendido.
É isto tão óbvio, que pareceria supérfluo dizê-lo. Entretanto, na prática, quantas vezes seria necessário lembrar este princípio.
Assim, por exemplo, ninguém tem o dire
ito de, por tolerância com amigos, e com o intuito de lhes despertar a simpatia, vestir-se de modo imoral, adotar as maneiras licenciosas ou levianas das pessoas de vida desregrada, ostentar idéias temerárias, suspeitas ou até erradas, ou alardear vícios que na realidade - graças a Deus - não têm.
Que um católico, para dar outro exemplo,
cônscio dos deveres de fidelidade que lhe incumbem para com a escolástica, professe outra filosofia só para granjear simpatias em certo meio, é uma forma de tolerância inadmissível. Pois peca contra a verdade quem professa um sistema em que sabe haver erros, ainda mesmo que estes não sejam contra a Fé.
Mas os deveres da intolerância, em casos
como estes, vão mais longe. Não basta que nos abstenhamos de praticar o mal. É preciso ainda que nunca o aprovemos, nem por ação, nem por omissão.
Um católico que, diante do pecado ou do erro, toma uma atitude de simpatia, peca contra a virtude da intolerância. É o que s
e dá quando ele presencia, com um sorriso sem restrições, uma conversa ou uma cena imoral, ou quando, na discussão, reconhece a outros o direito de abraçar a opinião que entenderem sobre Religião. Isto não é respeitar o adversário, mas os seus erros ou pecados. Isto é aprovar o mal. E até lá um católico não pode chegar jamais.
Às vezes, entretanto, chega-se até lá pensando não ter pecado contra a intolerância. É o que acontece quando certos silêncios em fa
ce do erro ou do mal dão a idéia de uma aprovação tácita.
Em todos estes casos, a tolerância é um pecado, e só na intolerância consiste a virtude.
Lendo estas afirmações, é admissível que certos leitores se irritem. O instinto de sociabilidade é natural ao homem. E este instinto nos leva a conviver com os outros de modo harmonioso e agradável.
Ora, em circunstâncias cada vez mais numerosas o católico é obrigado, dentro da lógica de nossa argumentação, a repetir diante do século o heróico "non possumus" de Pio IX: não podemos imitar, não podemos concordar, não podemos calar. Logo se cria em torno de nós aquele ambiente de guerra fria ou quente com que os partidários dos erros e modas de nossa época perse
guem com implacável intolerância, e em nome da tolerância, todos os que ousam não concordar com eles. Uma cortina de fogo, de gelo ou simplesmente de celofane nos cerca e isola. Uma velada excomunhão social nos mantém à margem dos ambientes modernos. Ora, disto o homem tem medo quase como da morte. Ou mais que da própria morte.
Não exageramos. Para ter direito de cidadania em tais ambientes, há homens que trabalham até se matar com enfartes e anginas cardíacas, há senhoras que jejuam como ascetas da Tebaida, e chegam a expor gravemente sua saúde. Ora, perder uma "cidadania" de tal "valor", só por amor aos princípios... é preciso realmente amar muito os princípios.
E depois há a preguiça. Estudar um a
ssunto, compenetrar-se dele, ter inteiramente à mão em qualquer oportunidade os argumentos para justificar uma posição... quanto esforço... quanta preguiça. Preguiça de falar, de discutir, é claro. Porém, mais ainda, preguiça de estudar. E sobretudo a suprema preguiça de pensar com seriedade sobre algo, de se compenetrar de algo, de se identificar com uma idéia, um princípio! A preguiça sutil, imperceptível onímoda, de ser sério, de pensar seriamente, de viver com seriedade, quanto afasta desta intolerância inflexível, heróica, imperturbável, que em certas ocasiões e em certos assuntos (em tantas ocasiões, em tantos assuntos, melhor seria dizer) é hoje como sempre o dever do verdadeiro católico.
A preguiça é irmã da displicência. Muitos perguntarão porque tanto esforço, tanta luta, tanto sacrifício, se uma andorinha não faz verão, e com nossa atitude os outros não melhoram. Estranha objeção! Como se devêssemos praticar os Mandamentos só para que os outros os pratiquem também, e fi
cássemos dispensados de o fazer desde que os outros não nos imitem.
Atestamos diante dos homens nosso a
mor ao bem e nosso ódio ao mal, para dar glória a Deus. E ainda que o mundo inteiro nos reprovasse, deveríamos continuar a fazê-lo. O fato de os outros não nos acompanharem, não diminui os direitos que Deus tem à nossa inteira obediência.
Mas estas razões não são as únicas. Há também o oportunismo. Estar de acordo com as tendências dominantes é algo que abr
e todas as portas, e facilita todas as carreiras. Prestígio, conforto, dinheiro, tudo, tudo se torna mais fácil e mais obtenível se se concorda com a influência dominante.
Por onde se vê quanto custa o dever da intolerância. O que nos dá o ponto de partida para o artigo seguinte, onde pretendemos tratar dos limites da intransigência, e dos mil meios que há para a sofismar.
(extraído da revista “Catolicismo”, Nº 75 - Março de 1957)

A Tolerância, virtude perigosa

Plinio Corrêa de Oliveira

Em artigo anterior ( "Catolicismo" Nº 75, de março de 1957 ), tratamos do problema da tolerância, estabelecendo que esta, bem como sua contrária, que é a intolerância, não se podem dizer intrinsecamente
boas, nem intrinsecamente más. Em outros termos, há casos em que tolerar é um dever, e não tolerar é um mal. E outros casos há, em que, pelo contrário, tolerar é um mal e não tolerar é um dever.
Ficamos de voltar ao assunto. Premidos pela urgência de outras matérias, só hoje o fazemos. Não para desenvolver ainda mais os princípios básicos que já expusemos, mas para mostrar os riscos da tolerância e as precauções com que se deve praticá-la.
Antes de tudo, lembremos que toda tolerâ
ncia, por mais necessária e legítima que seja, tem riscos que lhe são inerentes. Com efeito, a tolerância consiste em deixar subsistir um mal, para evitar outro, maior. Ora, sucede que a subsistência impune do mal cria sempre um perigo. Pois o mal tende necessariamente a produzir efeitos maus, e além disto tem uma sedução inegável. Assim, há risco de que a tolerância acarrete por si mesma males maiores ainda do que aqueles que por meio dela se desejara obviar. É preciso que tenhamos os olhos bem abertos para este aspecto da questão, pois é em torno dele que vai girar todo o nosso estudo.
Para evitar a aridez de uma exposição exclusivamente doutrinária, figuremos a situação de um oficial, que nota em sua tropa graves sintomas de agitação. Põe-se para ele um problema:
a) será o caso de punir com todo o rigor
de justiça os responsáveis?
b) Ou será o caso de tratá-los com tolerância?

Esta segunda solução abriria campo a outras questões. Em que medida e de que maneira praticar a tolerância? Aplicar penas brandas? Não as aplicar, chamando os culpados e aconselhando-os afetuosamente a mudar de atitude? Fingir que se ignora a situação? Começar talvez pela mais benigna dessas soluções, e ir aplicando sucessivamente as demais, à media que os pr
ocessos suasórios ou brandos se forem patenteando insuficientes? Qual o momento exato em que se deve renunciar a um processo para adotar outro mais severo?
Estas são questões que forçosamente assaltarão o espírito de muito oficial, mas também de qualquer pessoa investida em mando ou responsabilidade na vida civil, desde que tenha exata consciência das suas obrigações. Qual o pai de família, o chefe de repartição, o diretor de empresa, o pr
ofessor, o líder, que não tenha esbarrado mil vezes em todas estas questões? Quantos males obviou por as ter resolvido com perspicácia e vigor de alma? E com quantos teve de arcar por não ter dado solução acertada às situações em que se encontrava?
Na realidade, a primeira medida que deve tomar quem se vê em tal contingência consiste em fazer um exame de consciência para se premunir conta as ciladas que seu feitio pessoal lhe possa criar.
Devo confessar que, ao longo de minha vida, tenho visto nesta matéria os maiores disparates. E quase todos eles conduzindo ao excesso de tolerância.
Os males de nossa época tomaram o caráter alarmante que atualmente apresentam porque há em relação a eles uma simpatia generalizada, da qual participam freqüentemente aqueles mesmos qu
e os combatem.
Há, por exemplo, antidivorcistas. Mas dentre estes, numerosos são os que, opondo-se embora ao divórcio, têm um feitio de espírito exageradamente sentimental. Em conseqüência, consideram romanticamente os problemas nascidos do "amor". Postos diante da situação difícil de um casal amigo, esses antidivorcistas julgarão sobre-humano, para não dizer inumano, exi
gir do cônjuge inocente e infeliz que recuse a possibilidade de "refazer sua vida" ( isto é, dar morte à sua alma pelo pecado ). Da boca para fora, continuarão a "lamentar o gesto" deste último, etc., etc. Mas quando se puser para eles o problema da tolerância, terão toda uma montagem interior feita para justificar as condescendências mais extremas e aberrantes. Assim, comentarão com moleza o ocorrido, receberão os "recém-casados", visitá-los-ão, etc. Quer dizer que pelo exemplo trabalharão em favor do divórcio, ao mesmo tempo que pela palavra o condenarão. Claro está que o divórcio tem muito mais a ganhar do que perder com tal conduta de milhares ou milhões de antidivorcistas.
De onde veio a estes a deliberação de tolerar tão mal a propósito o câncer roedor da família? É que no fundo havia neles um
a mentalidade divorcista.
Contudo, não paremos aqui. Tenhamos a coragem de dizer a verdade inteira. O homem moderno tem horror à ascese. É-lhe antipático tudo quanto exige da vontade o esforço de dizer "não" aos sentidos. O freio de um princípio moral lhe parece odioso. A luta diária contra as paixões se lhe afigura um suplício chinês.
E por isto não é só em relação aos divo
rciados que o homem moderno, ainda quando dotado de bons princípios, é exageradamente complacente.
Há legiões inteiras de pais e professores que por isto mesmo são indulgentes em excesso para com seus filhos ou alunos. E o estribilho é sempre o mesmo: coitadinho... Coitadinho porque tem preguiça, recebe mal as advertências dos mais velhos, come doces às escondidas, fre
qüenta más companhias, vai a maus cinemas, etc. E porque é coitadinho raras vezes recebe o benefício de um castigo severo. No que dá tal educação, não é necessário dizê-lo. Os frutos aí estão. São milhares, milhões de desastres morais ocasionados por uma tolerância excessiva. "O pai que poupa a vara a seu filho, odeia seu filho", ensina a Escritura ( Prov. 13, 24 ). Mas hoje quem quer saber disto?
Ora, o mesmo se dá freqüentemente, m
utatis mutandis, nas relações entre patrões e operários de certo gênero, já que aqueles, tão paganizados quanto estes, sentem que se fossem operários também seriam revoltados.
E em todos os campos os exemplos se poderiam multiplicar.
Esta tolerância se apóia, é claro, em toda espécie de pretextos. Exagera-se o risco de uma ação enérgica. Acentua-se dem
ais a possibilidade de as coisas se arranjarem por si mesmas. Fecham-se os olhos para os perigos da impunidade. E assim por diante.
Na realidade, tudo isto se evitaria se a pessoa que está na alternativa tolerar - não tolerar fosse capaz de desconfiar humildemente de si.
Tenho simpatias inconfessadas para com este mal? Tenho medo da luta que a intolerância traria? Tenho preguiça
dos esforços que uma atitude intolerante me imporia? Encontro vantagens pessoais de qualquer natureza numa atitude conformista?
É só depois de um tal exame de consciência, que uma pessoa poderá enfrentar a dura alternativa: tolerar ou não tolerar. Pois sem esse exame ninguém poderá estar certo de tomar em relação a si mesmo os cuidados necessários a fim de não pecar por excesso de tolerância.
De modo geral, há um conselho muito cabível para os que se encontram nesta alternativa. Todo homem tem tendências más que são nele particularmente arraigadas. Um é apático, outro violento, outro ambicioso, outro céptico, etc. Sempre que a tolerância exigir a vitória sobre a má tendência que em nós for mais funda, não precisamos ter muito receio de pec
ar por excesso de tolerância. Mas sempre que esta lisonjear nossas más inclinações, abramos os olhos, pois o risco é grave. Assim, se somos apáticos, não é provável que pequemos por demasiada tolerância para com um amigo que nos incita à ação: nada mais viscoso, fugidio ou colérico do que o preguiçoso contrariado em sua modorra. Se somos irascíveis, não corremos muito risco de exagerar a tolerância para com os que nos injuriam. Se somos sensuais, é improvável que nos mostremos demasiadamente rigoristas em matéria de mangas e decotes. E se temos espírito servil em relação à opinião pública, dificilmente nos excederemos em invectivas contra os erros de nosso século.
Outro excelente conselho para não se pecar por excessos de tolerância consiste em recear muito mais uma fraqueza nossa neste ponto quando estão em jogo direitos de terceiros, do que quando se trata dos
nossos.
Habitualmente, somos muitos mais "compreensivos" quando os outros é que estão em causa. Perdoamos mais facilmente o gatuno que roubou o vizinho, do que o que assaltou nossa própria casa. E somos mais propensos a recomendar o esquecimento das injúrias do que a praticar este ato de virtude.
E neste ponto não percamos de vista
o doloroso fato de que, segundo os primeiros impulsos de nosso egoísmo, Deus seria muitas vezes para nós um terceiro.
Assim, somos muito mais inclinados a relevar uma ofensa feita à Igreja do que uma injúria feita a nós; a suportar a lesão de um direito de Deus, do que um interesse nosso.
Em geral, este é o estado de espírito dos católicos hipertolerantes. Sua linguagem é imaginativa, mole, sentimental. Só sabem argumentar - se é que a isto se pode chamar argumento - com o coração. Em relação aos inimigos da Igreja, são cheios de ilusões, atenções, obséquios e carícias.
Mas ofendem-se terrivelmente se u
m católico zeloso lhes faz ver que estão sacrificando os direitos de Deus. E, em lugar de argumentar em termos de doutrina, transpõem o assunto para o terreno pessoal. Estão julgando que sou tíbio? Que não sei perfeitamente o que tenho de fazer? Estão duvidando de minha sabedoria? De minha coragem? Oh! não, isto eu não posso suportar. E seu peito arfa, seu rosto se enche de rubor, seus olhos se marejam de lágrimas, sua voz toma uma inflexão particular. Cuidado. Este hipertolerante está no auge de uma crise de intolerância. Todas as violências, todas as injustiças, todas as unilateralidades podem ser receadas por parte dele. É que sua tolerância de fachada só existia quando estavam em jogo valores insípidos e secundários como a ortodoxia, a pureza da Fé, os direitos da Santa Igreja. Mas quando sua pessoazinha entra em cena, tudo muda. E ei-lo disposto a precipitar no inferno quem o suscetibilize ainda que de longe, com indignação análoga à que São Miguel teve contra o demônio: "Quem como eu?"
Veremos em próximo artigo como deve ser praticada a tolerância nos casos em que é justa.
(extraído da revista “Catolicismo”, Nº 78 - Junho de 1957)

O LAICISMO DOS ESTADOS ROUBOU À SOCIEDADE MODERNA O SENTIR DA IGREJA
Plínio Corrêa de Oliveira

Concluamos hoje nossos artigos sobre a tolerância. Admitindo que seja o caso de praticar, em situação dada, esta difícil e arriscada virtude, pergunta-se: como praticá-la?

Em outros termos, a tolerância, ainda quando necessária, traz consigo perigos peculiares. Como evitá-los? E, antes de tudo, quais são estes perigos?
Demos a este respeito uma noção teórica, seguida de um exemplo histórico frisante.
Tolerar um mal é consentir em que ele exista. Ora, assim como o bem produz, de si, efeitos bons, assim também o mal produz maus resultados. De onde, quando se é obrigado a tolerar algo, deve-se circunscrever quanto possível os maus efeitos dessa tolerância, e preparar com toda a diligência uma situação em que se torne ela supérflua, e o mal possa ser extirpado.
Em medicina, isto é elementar. Se alguém sofre de um tumor incurável que, por motivos clínicos, não pode ser logo operado, o cuidado do médico consiste em circunscrever de todos os modos os maus efeitos da presença do tumor no organismo. E, não contente com isto, prepara ele com diligência o doente, para que possa suportar a futura operação. O mais tolerante dos homens não toleraria que seu médico agisse com ele de outra forma. Não consigo compreender como este modo de proceder, tão claro, tão lógico, tão sábio, possa não ser aplaudido quando, em vez de um tumor físico, se trata de um câncer moral, como a heresia por exemplo.
Com efeito, se em um lugar se introduz o erro, deve-se remediar a situação com os meios clínicos suaves e lentos da apologética ou da caridade. Quando estes meios não dão resultado, ou porque o mal é de propagação fulminante e não comporta tratamentos em câmara lenta, ou porque é renitente e não há argumento nem ato de caridade que o extirpe, cumpre recorrer à cirurgia. E se esta não pode ser usada logo, é necessário lutar renhidamente contra a propagação do mal, preparando ao mesmo tempo o dia auspicioso da operação.
Assim - para exemplificar - numa associação religiosa entra um mau elemento. Ele difunde em torno de si um espírito de mundanismo, de sensualidade, de relativismo doutrinário. Se a associação está em condições de resistência excelentes, é o caso de não expulsar imediatamente este membro, para tentar reformar-lhe o espírito. Nesta hipótese, porém, o presidente do sodalício, durante todo o tempo do "tratamento", terá um olhar particularmente atento sobre esse associado, suas relações, seu âmbito de ação, etc. Ao menor sintoma, empregará todas as medidas para que o contágio cesse. Mais ainda, preventivamente, exercerá uma ação contínua sobre os outros membros, a fim de os vacinar contra o perigo. Procedendo assim, tal presidente terá usado de uma tolerância verdadeiramente virtuosa, pois terá feito bem ao mau, sem que daí decorresse mal para os bons.
Isto tudo dá trabalho, requer providências, toma tempo. Suponhamos que o mesmo elemento mau da associação seja uma pessoa de rara sedução, que imediatamente vai influenciando a todos. Como é muito mais fácil influenciar para o mal do que para o bem, o presidente vê que dentro em breve diversos associados terão sido inteiramente deformados, sem que nada se possa ter feito em sentido contrário. Põe-se diante dele uma alternativa: ou consente na permanência do membro mau, e neste caso corre o risco de perder vários bons; ou expulsa o membro mau, este muito provavelmente se perde, e os bons se salvam, voltando à associação a ordem, o bom espírito e a paz de outrora. Qual o seu dever? O caminho só pode ser um. O bem de vários vale mais do que o bem de um. O bem do inocente vale mais do que o bem do culpado. É preciso expulsar quanto antes o lobo com pele de ovelha. Se não proceder assim, o presidente terá traído seu dever, e terá que prestar contas a Deus pelas almas que poderia e deveria ter salvo, e que entretanto se perderam.
Suponhamos por fim outra situação. O indivíduo mau entra na associação e começa a exercer sua ação envolvente e rápida. No fim de pouco tempo, tal foi seu êxito que, se o expulsarem, mesmo os melhores não compreenderão. Sua expulsão determinará no sodalício uma crise na qual este se dissolverá. E, o que é grave, dissolvida a associação, seus membros, privados de todo amparo, correrão o risco de se perder. O que fazer? Evidentemente, contemporizar. Mas contemporizar com solércia, inteligência, decisão. Ser-lhe-á, ao presidente, necessário empregar todos os meios diretos ou indiretos para melhorar as disposições da ovelha negra, e também para coibir-lhe a ação, e, ao mesmo tempo, preparar os espíritos para compreenderem a necessidade urgente de uma expulsão. Logo que os espíritos estejam preparados, cumpre proceder à indispensável amputação. Ainda aí, a tolerância terá sido virtuosa, pois terá salvo a sociedade, enquanto uma ação precipitada a teria perdido.
Em contraposição a esses exemplos, poderíamos mencionar alguns de tolerância defeituosa. O presidente da associação não tem princípios nem convicções firmes. É superficial, sensível, vaidoso, tímido.
Por isto, quando o mau elemento entra, ele é o primeiro a sentir em certa medida a sedução das atitudes e dos princípios que este último jeitosamente insinua. Superficial, nem sequer é ele capaz de entender o que há de implícito em tudo quanto o membro mau faz ou diz. Vaidoso, julga-se o ídolo de seus pares, e por isto não concebe a possibilidade de alguém lhe contrastar a influência. Sensível, está perfeitamente contente com a associação, desde que seus membros lhe façam agrados e lhe prestem homenagens: princípios, doutrinas, polêmicas, lhe parecem trambolhos na doçura da vida cotidiana. Tímido, tem medo de todas as reações. Se tomar alguma providência, chamá-lo-ão, dentro e fora do círculo social, de intolerante. Ora, isto é muito incômodo. Pois o intolerante não é tolerado em nenhum lugar. Vivemos na era da tolerância. Todas as opiniões são permitidas. Não se pode suportar que alguém sustente que há opiniões que não podem ser permitidas. Quem o sustenta é objeto de perseguições, antipatias, sarcasmos. Como expor-se alguém a isto?
Sob a carga de tantos fatores conjugados, o presidente acha melhor tolerar. E isto significa, para ele, fechar os olhos ao problema, e permitir que o mal se alastre às escâncaras, ou pelo menos larvadamente. Quando algum dia a associação estiver inteiramente minada, e uma crise tremenda explodir, será a hora de resignar-se com um fatalismo islâmico: "a vida é assim". Ou de aderir ao mal, para não ser derrubado por ele. É a tática de fazer a revolução de cima, antes que outros a façam de baixo.
Tal tolerância, evidentemente, não poderia ser mais viciosa.
Destes princípios genéricos, passemos a um grande exemplo histórico. É a questão da separação entre a Igreja e o Estado.
Como se sabe, antes da Revolução Francesa a união era o regime vigente em todos os países católicos da Europa. E, nos países protestantes, eram as seitas mais poderosas que estavam unidas à Coroa. Em conseqüência dos princípios laicistas da Revolução, a separação se veio introduzindo gradualmente ao longo do século XIX e do século XX. Hoje em dia, na maior parte das nações ocidentais, o Estado é laico. E, onde não o é, os privilégios da igreja oficial são quase insignificantes.
Esta imensa transformação foi altamente prejudicial para a Santa Igreja pelo que exprime em si mesma. Pois é o fruto natural e típico de uma tendência à laicização, que se fazia sentir progressivamente em vários setores da cultura, da sociedade, e da própria vida no Ocidente. Ora, a laicização é o oposto da Fé. A Fé é a raiz de todas as virtudes. E a virtude é condição essencial para a salvação das almas. Assim, pode-se facilmente imaginar quanto risco para estas existe na atmosfera laicista em que vivemos. Se o fim da Igreja é salvar as almas, é fácil ver quanto Ela é oposta a toda forma de laicismo. Dizemos estas coisas elementares com tanto pormenor e clareza, pois hoje em dia até as coisas mais elementares estão completamente esquecidas. Ou correm o risco de o ficar dentro em breve. O contrário do Catolicismo não é apenas o materialismo ateu, mas também o laicismo liberal.
Por misteriosos desígnios da Providência, e sobretudo por deplorável culpa dos homens, a reação católica não teve força suficiente par impedir a laicização das nações ocidentais. Posto o fato lamentável da separação entre a Igreja e o Estado, o que fazer? Se não tivemos força para evitar a separação, menos ainda a teríamos par impor sua imediata revogação. Só havia um caminho: tolerar.
Há males muito graves, que trazem consigo vantagens que, secundárias embora, não deixam de ser preciosas. Pode-se dizer isto da separação. No regime da união, a vida da Igreja estava tolhida por numerosas intervenções dos governos, cada qual mais perigosa e irritante. Com a separação, estas intervenções cessaram legalmente. Dado o valor inestimável que tem a liberdade da Igreja, bem se compreende quanto proveito podia trazer, debaixo deste ponto de vista, a nova situação. Convinha aproveitá-lo integralmente.
De outro lado, a separação trazia inconvenientes. O mais grave deles era a afirmação explícita, solene, provocante, de que a Religião é assunto de mero foro interno, pelo que o Estado e todos os domínios da vida pública são e devem ser leigos. Das instituições, este princípio influenciaria facilmente todas as esferas da vida mental da nação: caso típico de um fruto que reforça o efeito da própria causa. E com isto viria uma debilitação do sensus Ecclesiae, capaz de falsear em sua raiz e de combalir em seus frutos a vida religiosa do país. Era mister tolerar o inevitável, mas empregar todos os meios para obviar uma tão desastrosa conseqüência. Sem isto, a tolerância, em lugar de ser reta e sábia, importaria num desastre tão grande, que não há palavras para o qualificar suficientemente.
Como reagir? O Magistério Eclesiástico cumpriu cabalmente seu dever de dotar os fiéis de um admirável corpo de doutrinas a respeito das relações entre a Igreja e o Estado. Cabia aos intelectuais católicos comentar e difundir estes princípios com uma amplitude, uma insistência, uma capacidade de atração proporcionada à imensa gravidade do mal. Cabia aos dirigentes de obras católicas chamar constantemente a atenção dos membros destas, para a laicização crescente da vida, operada pela laicização do Estado, para a injúria que daí vem a Deus, para o dano das almas, etc. Cabia à imprensa católica difundir até os últimos rincões o zelo pelos princípios que a separação punha em risco. Cabia, por fim, a todos os filhos da Igreja preparar, longa mas infatigavelmente, uma reação que chegasse à supressão do mal terrível, que é a separação.
Neste sentido, muito se realizou. Não somos dos que fazem consistir a história do século XIX ou do século XX na mera narração dos erros e das falhas dos católicos: é claro que nessa visão entra uma deformação inaceitável. Mas é preciso reconhecer que, se muito se fez entre nós, católicos, muito também se deixou de fazer.
De que modo? Ninguém se dispensou de professar, nas fileiras católicas, que em tese a Igreja deve ser unida ao Estado. Desde a Revolução para cá, os maritainismos, pré-maritainismos ou pós-maritainismos de todos os tipos tiveram de exprimir em termos muito cautelosos e velados sua preferência nada cautelosa e nada velada pela neutralidade religiosa do Estado inter-confessional. Mas, à luz da distinção muito legítima entre a tese e a hipótese, criou-se um regime de perigosa coexistência entre esta e aquela. Em outros termos, a tese, todo o mundo continuava a professá-la: a separação é um mal. Mas, na hipótese presente ela é um mal menor. É o que todos também aceitavam. Em conseqüência, cumpria tolerar a separação... modorrentamente, pachorrentamente, preguiçosamente. Enunciada a tese, falava-se da hipótese com uma resignação que dava a entender que a separação estava destinada a perdurar séculos, sem dano mais profundo para a Igreja. Em conseqüência, pouco ou nada se fez para incutir uma noção clara dos riscos desse regime, da gravidade destes riscos, da ação contínua que se tornava indispensável para que estes riscos não se convertessem em realidade. Do lado anticatólico, os meios mais eficientes, mais possantes, mais requintados, para formar a opinião pública, eram empregados no sentido de laicizar até suas últimas fibras as nações do Ocidente. O resultado, enunciou-o em afirmação impressionante e profundamente sábia - que já tivemos ocasião de citar em outro artigo - o Exmo. Revmo. Mons. Angelo Dell’Acqua, Substituto da Secretaria de Estado de Sua Santidade, numa carta a Sua Eminência o Sr. Cardeal-Arcebispo de São Paulo, D. Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta, a propósito do Dia Nacional de Ação de Graças: "em conseqüência do agnosticismo religioso dos Estados" ficou "amortecido ou quase perdido na sociedade moderna o sentir da Igreja".
Para quem sabem o que é a Fé, e qual o seu papel na salvação, como se afigura trágica esta afirmação, feita com uma franqueza e um desassombro a que é mister prestar homenagem.
É possível que nossos meios, muito inferiores aos do adversário, não tivessem logrado resultado no plano humano, se empregados cabalmente.
Mas Deus não falta a quem faz todo o possível. Pelo contrário, Ele castiga os que, não confiando principalmente na Providência, negligenciam empregar os poucos recursos que têm em mãos. Uma funda era insuficiente, mas David com ela abateu Golias. Se tivéssemos rezado... se tivéssemos agido... se tivéssemos lutado...
Enfim, o passado é o passado. Para que exumá-lo?
É que está diante do presente, diante de nós, o problema da tolerância. Trata-se de saber, em mil ocasiões, até que ponto e de que modo se pode ou se deve tolerar. Como "cesteiro que faz um cesto faz um cento", temos todos os motivos para recear que o homem contemporâneo, além de tolerar o intolerável, muitas vezes tolere com preguiça e apatia o que deveria ser tolerado com vigilância, firmeza e solércia.
Para evitar tão grande mal, aqui ficam estas reflexões, escritas num espírito de simpatia ardente, franqueza fraterna, e leal cooperação.

(extraído da revista “Catolicismo”, Nº 79 - Julho de 1957)
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terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Peleguismo de ontem e de hoje



Ainda existe o peleguismo? Ou trata-se de coisa do passado? Tudo indica que a palavra vem dos pampas gaúchos, pois surgiu exatamente no período Vargas para caracterizar os sindicalistas fiéis ao governo. “Pelego”, no dicionário, se refere a pele de carneiro na linguagem gaúcha, ou então, a um passo dado errado nas danças características de lá. Vejam uma dessas definições: “Pele de carneiro, com a lã, usada como xarel ou couximilho; (bras.do sul) passo errado nas danças gaúchas” É mais ou menos como o ditado que fala de alguém vestido com pele de cordeiro, um falso líder entre os liderados.
O termo tem se prestado a interpretações errôneas. Muitos a aplicam àquele que é “fura-greve” e não concorda com as lideranças sindicais, taxando-o de covarde ou sem personalidade, traindo seus companheiros. No governo de Getúlio o peleguismo não era somente uma casta de sindicalistas que trabalhava em prol da política governamental mas até recebia contribuições federais para exercer seu trabalho. Eram como “lobos vestidos com peles de ovelha” no meio do rebanho de pacíficos cordeiros. Comparar o “fura-greve” com um pelego é uma injustiça, pois muitos “fura-greves” são mais fiéis a seus companheiros, em certos casos, do que mesmo seus líderes sindicais.
Há outra interpretação, um tanto forçada, que diz que pelego se refere aos líderes ou representantes de um sindicato que em vez de lutar pelos interesses dos trabalhadores defende sorrateiramente os interesses dos patrões. Em geral, essa versão do termo é utilizada mais como jargão sindicalista para “carimbar” os opositores e desmoralizar aqueles que rivalizam com eles o poder. Mas, não confere com o sentido que o termo teve em sua origem.
Como a palavra surgiu para identificar exatamente os sindicalistas que usam o sindicato para fazer a política governamental, nada impede que o termo seja usado hoje para caracterizar aqueles que usam os mesmos sindicatos para se alçarem na carreira política. Pois o objetivo do pelego é sempre a política, não importando o meio usado para tanto. Foi o que ocorreu com Lula, no Brasil, e Lech Valesa, na Polônia, e com diversos outros sindicalistas, que, de simples líderes sindicais transformaram-se em vereadores, deputados, prefeitos, governadores, senadores, etc. Só não são chamados de pelegos por que o termo caiu em desuso. Não podem também ser chamados de pelegos na medida em que se utilizam do sindicato para fazer carreira política? Será que alguém faz carreira política sem transigir com os governantes?
As observações acima me surgiram a propósito das greves de polícias que explodiram nos últimos dias no Brasil. Em que pese as centenas de mortes, roubos, arrastões, crimes de toda espécie, muitas vidas ceifadas que ficarão impunes, as autoridades de nosso país estão sendo muito complacentes com os amotinados. Repetem amiúde um velho jargão de que “respeitam o direito de greve”, acentuam demasiadamente este “direito” em detrimento da ordem social e da paz na sociedade. Deveriam agir com mais rigor e disciplinar os revoltosos, mas temem fazê-lo por causa da mídia que lhes cairia em cima com manchetes desmoralizantes. E quem lucra com isso? Os amotinados, nossos futuros dirigentes...
No caso da Bahia, muitos são os crimes cometidos pelos amotinados. Por exemplo, o grupo que invadiu a Assembléia Legislativa de uma forma violenta e cruel, fez várias pessoas prisioneiras lá dentro (cárcere privado, cerceamento da liberdade) que não tinham nada a ver com a greve, alguns eram simples funcionários da Assembléia; foram liberados, mas os revoltosos levaram propositalmente seus familiares, como esposas e filhos (muitas crianças) numa atitude preventiva, pois sabiam que o exército iria desalojá-los e, fazendo-o pela força, encontraria mulheres e crianças pela frente. Trata-se de uma moderna ação revolucionária, tirada dos manuais da Sorbonne e dos antros negros das guerrilhas modernas. Na greve de Fortaleza, por exemplo, alguns militares chegaram a seqüestrar familiares da desembargadora que decretou a ilegalidade da mesma e a intenção era fazer com que ela voltasse atrás em sua decisão. Quer dizer, as corporações militares é que ficam desprestigiadas com tais atitudes, exigindo-se que as autoridades sejam mais rigorosas na punição dos culpados e deixar de ser tão condescendentes com tais motins.
Apesar de ter sido um político muito odiado, muitos baianos andam suspirando pelas ruas dizendo “ah, se ACM fosse vivo e estivesse no governo daqui...”. Quer dizer, o que anda na cabeça do povo é que há necessidade de alguém que tenha pulso forte, o que faz lembrar quão duro foi no passado o político Antonio Carlos Magalhães com esse tipo de gente, fazendo o povo crer que já teria tomado uma atitude corretiva e resolvido a questão.
Anotem os nomes dos líderes grevistas, especialmente aqueles que sofreram punições com suas atuações, ou perdendo cargos ou sendo presos, confiram no final das eleições deste ano quantos deles não se candidataram, e até foram eleitos para cargos políticos. O próprio atual governador da Bahia foi um deles, e quando ele chama o principal incitador do motim policial baiano de “marginal” está, com isso, dando-lhe cacife para enveredar com mais força na política.


Por isso, ninguém diga que o sindicalismo está imune da política... Que o digam os pelegos modernos...

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A greve da polícia em Salvador e uma velha técnica revolucionária

Está sendo deflagrado um movimento grevista no Nordeste (e talvez em todo o País) que é a essência de uma técnica da Revolução: a do terror. A tal ponto que um jornal da capital baiana classificou os grevistas de “amotinados”. Sim, quando militares se revoltam contra as autoridades caracteriza-se uma ação de motim e não de simples greve reivindicatória.
Há pouco mais de dez anos houve a primeira greve dos policiais militares naquela capial. Na oportunidade, a população viu atônita o banditismo tomar conta da cidade. O mesmo ocorreu no início deste ano em Fortaleza, quand
o se desencadeou todo um processo de revoltas e de anarquia na segurança pública. Tantas foram as mortes, assaltos, vinditas e todo tipo de violência em Fortaleza que a mídia local e nacional se viu obrigada a fazer uma censura, com alguns órgãos minimizando os episódios e dizendo que havia mais pânico e exageros do que fatos reais.
Não é o mesmo que ocorre em Salvador, quando a mídia noticia tudo até com certo exagero, repetindo as mesmas notícias para da
r a entender a existência de uma situação caótica e de desgoverno. E quanto mais o caos impera, mais as forças da desordem lucram com isso.
Como é que um punhado de homens consegue tumultuar uma cidade com quase três milhões de habitantes? Segundo dados da Polícia Militar os grevistas não chegam a 30% do efetivo. Acredito que há exagero nisso, pois observa-se que a adesão ao motim dos militares baianos não chegou a
10%. Sim, e como é que pouco mais ou menos do que 3 mil homens conseguem tumultuar uma cidade? Simplesmente usando as táticas revolucionárias que eles aprenderam nos sindicatos.
Uma greve nunca é feita respeitando os direitos e a vontade da maioria. Geralmente é contra o pensamento da maioria, que não aderem ao movimento e às vezes até são contra. O que ocorre é que a minoria qu
e domina o sindicato faz o que chamam de “parede” grevista, isto é, colocam-se em locais estratégicos para impedir os demais de comparecer ao trabalho.
No caso presente essa greve não é só contra os colegas de trabalho, mas contra toda a população baiana.
O mesmo pode-se dizer dos revolucionários de 1789. Segundo o historiador Pierre Gaxote, “os indivíduos que é necessário enfurecer não são mais do que alguns punhados. Bastam duzentos ou trezen
tos homens por seção para fazer a lei, quedando-se o maior número passivo ou amedrontado. Nesta Paris que contava mais de um meio milhão de habitantes, as “massas” revolucionárias não passavam além de dez mil homens, é certo que enquadrados, treinados, sujeitos a uma disciplina”. Assim, nesta Salvador com mais de três milhões de habitantes, os fautores da anarquia e da revolução militar não são mais do que duas ou três unidades de milhar. Os demais ficam inertes porque têm medo de afrontar os anarquistas.


Antecedentes históricos

Por ocasião da Re
volução Francesa deu-se talvez o primeiro lance dessa técnica revolucionária. Trata-se do que ficou conhecido depois como o “Grand peu”, ou grande medo, uma onda de pavor que tomou conta do país entre os dias 20 de julho de 1789 até o início do mês seguinte. Notícias, falsas ou verdadeiras, voavam de vila em vila, de burgos a vilarejos, falando de milhares de brigadas que estavam vindo para atacar as populações. Os historiadores são unânimes em afirmar que esta onda de medo que invadiu o país serviu de preparação para o Terror, logo implantado quando a Revolução se pôs em marcha. O historiador Albert Malet comenta que os cidadãos se aproveitavam para se lançar sobre os castelos, sem ódio contra os proprietários, unicamente para se livrar e para queimar os documentos que estabeleciam os direitos dos senhores nos rendimentos feudais.
Averiguamos fatos análogos que ocorrem na Salvador do século XXI, quando a população invade e saqueia lojas, depreda veículos e outras atrocidades feitas por causa da ausência de alguns militares em seus postos de trabalho. Sim, de alguns, porque a grande maioria dos militares compareceu ao trabalho e só está havendo esse clima de pânico por causa da ênfase que a mídia irresponsavelmente está dando à greve (ou motim).
É claro que, tanto na França do século XVIII quando nos dias de hoje, foi detonada uma alucinação coletiva, mas outro historiador, Ghislain de Diesbach, afirma que tudo não passa de tramas revolucionárias. Quer dizer: a alucinação existe porque um grupo a está alimentando, ou com boatos ou com alguns fatos ocorridos para justificar os boatos... Medo de ataques que às vezes nunca vieram, ou de alguns que chegaram a vir, mas de pouca consistência. Medo de assaltos que diziam estar vindo, mas na hora se formam grupos de auto-defesa que termina por amedrontar populações vizinhas. E assim o pânico se multiplica.
Será que podemos comparar o clima de pânico criado pelas greves de polícias com o “grande medo” havido na Revolução Francesa? É claro que não se trata de alcançar os mesmos objetivos finais, mas apenas imediatos. Na França do Ancién Regime o objetivo era preparar o terreno para aqueles que vinham derrubar o regime. Hoje, nas greves de polícias não se trata de mudar regimes políticos, mas de caracterizar na sociedade a ausência deles. Trata-se de criar um clima de caos e anarquia, o qual, junto com o pânico da população, mina cada vez mais os alicerces da hierarquia social.
Com que objetivo? Na França do século XVIII alguns chegaram a acusar o duque de Órleans e outros a Mirabeau pelo estado de desordem; porém, em geral, todos estão de acordo em atribuí-lo aos “chefes da Revolução”, expressão um pouco vaga.. Eis aqui a tese: Paris, que havia sido “preparada” há muito tempo, ao 14 de julho reagiu conforme o objetivo do partido revolucionário; mas a população rural, muito aderente à Monarquia, parecia indiferente aos acontecimentos. Como resolver o problema de galvanizar aquela massa despreocupada, e, sobretudo, como armar instantaneamente, sem que o Governo pudesse impedi-lo, aquele povo cujo concurso era indispensável? No nosso caso, como fazer crer à nossa população a total ausência de governo, a propalada anarquia social?
No nosso caso, trata-se de expor toda uma corporação (a PM) ao descrédito, ao desprestígio da população. Na Revolução Francesa, os camponeses encontravam-se sem armas e sem munições. Fazia muitos anos, a pedido da nobreza rural, haviam-se confiscado muitos fuzis com o pretexto de perseguir aos caçadores furtivos, e a pólvora havia se convertido em artigo raro. Assim, pois, quando ocorreu ao clamor da presença de imaginários foragidos, todos correram ao castelo do senhor vizinho ou aos arsenais da cidade mais próxima, pedindo armas aos gritos. Como negá-las se era para ir contra os bandidos?
Em nosso Brasil do século XXI já foram feitas várias tentativas de desarmar a população, sob alegação de que são as armas as culpadas pelo clima de violência. Quanto mais o governo usa o programa de desarme popular, mas a violência aumenta, demonstrando que o problema encontra-se em outro fator e não no das armas. Ainda bem que no caso da greve dos militares a população não está procurando se armar; ou, ainda mal, porque se todos se armassem para enfrentar os bandidos, se fazendo de seguranças ou policiais, os marginais teriam mais receio de agir. E olhem que muita gente nunca tinha roubado até o presente momento: até que viu uma loja arrombada, cheia de gente saqueando-a, e aí passou a ser ladrão a partir daquele momento. Um ladrão sem registro policial, inteiramente livre das penas da lei, e ainda sendo considerado como cidadão de bem.
É assim o mundo moderno.