quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

MEDITAÇÕES PARA O ADVENTO (XXXIII)

 



31 de dezembro
- 7º dia na oitava do Natal

 

COMENTÁRIOS DE SÃO TOMÁS DE AQUINO SOBRE O NASCIMENTO DE CRISTO

I. Cristo queria nascer em Belém.

1º) Porque ele foi feito da linhagem de Davi, segundo a carne (Rm 1, 3), para a qual uma promessa especial de Cristo também foi feita; e por que queria nascer em Belém, onde David nasceu, para que se mostrasse que a promessa feita a ele sobre o próprio lugar do nascimento; e isso indica o Evangelista, dizendo: Porque ele era da Casa e família de David (Lc, 2, 4).

2º) Porque Belém significa casa do pão, como diz São Gregorio; e o próprio Cristo é quem diz: Eu sou o pão vivo, Eu desci do céu (Jo 6:41). Assim como Davi nasceu em Belém, também escolheu Jerusalém para estabelecer nele a sede do reino, e para construir lá o templo de Deus; e assim escolheu Jerusalém, para ser uma cidade real e sacerdotal. Mas o sacerdócio de Cristo e seu reino foram consumados principalmente em sua paixão, e é por isso que ele convenientemente escolheu Belém para o nascimento e Jerusalém para a paixão.

Da mesma forma, ele confundiu a glória dos homens, que gabam-se de trazer sua origem de cidades notáveis, onde desejam também seja principalmente honesto. Cristo, pelo contrário, queria nascer em uma cidade obscura e sofrer desgraça em uma cidade nobre.

II. Ele nasceu em tempo hábil. Pois existe entre Cristo e os outros homens, a diferença de que esses homens nascem sujeitos à necessidade de tempo, enquanto Cristo, como senhor e criador do tempo todo, escolheu para si a época em que deveria nascer, assim como a mãe e o lugar. E porque Deus ordenou as coisas são arranjadas convenientemente, segue-se que Cristo nasceu no tempo mais conveniente. Cristo, com efeito, veio para nos tirar do estado de servidão e nos levar ao estado de liberdade. E portanto, então como ele assumiu nossa mortalidade, para nos levar à vida, da mesma forma dignou-se a encarnar naquela época em que, recém nascido, era inscrito no censo de César para se submeter à escravidão no interesse de nossa liberdade.

Também naquela época, quando todos viviam sob um único príncipe, ele gozava de grande paz no mundo. E conseqüentemente, era apropriado que naquela época nascesse Cristo, que é a nossa paz, aquele que fez um só povo (Ef 2:14).

Também era conveniente que na época em que um único príncipe dominou o mundo quando Cristo nasceu, que veio para reunir o seu em um para que houvesse um rebanho, um pastor. Ele queria nascer durante o reinado de um rei estrangeiro para que a profecia de Jacó fosse cumprida (Gn 49:10), que diz: “tirou o cetro de Judá, e o líder de sua coxa, até que ele deve ser enviado, porque enquanto o povo eleito estava sujeito a reis de sua nação, embora pecadores, foram enviados profetas para seu remédio; mas, agora, quando a lei de Deus estava sob o poder de um rei ímpio, nasce Cristo; porque uma doença grave e desesperadora exigia um médico mais sábio.

Finalmente, Cristo queria nascer quando a luz do dia começou a aumentar; a fim de mostrar que Ele veio para que os homens cresçam na luz divina: Para iluminar aqueles que eles estão sentados nas trevas e na sombra da morte (Lc 1, 79). E Ele também escolheu a severidade do inverno para seu nascimento, para já sofrer para nós desde a aflição da carne. (3 °, q. XXXV, a. VII e VIII).

 

(Extraído de “MEDULLA S. THOMAE AQUITATIS PER OMNES AMNI LITURGICI SEU MEDITATIONES EX OPERIBUS S. THOMAE DEPROMPTAE.- Recopilação de Fr. Mezar, OP, e tradução do latim para o espanhol por Luís M. de Cádiz)


MEDITAÇÕES DE SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO PARA A OITAVA DE NATAL E OS DIAS SEGUINTES ATÉ A EPIFANIA.

- JESUS ENVOLTO EM PANOS.

Querido Menino, como poderia eu temer os vossos castigos quando vos vejo enfaixado, privado, por assim dizer, do poder de levantar a mão para punir-me? Com isso dais-me a entender que não tendes a intenção de castigar-me, se eu quiser sacudir o jugo de minhas paixões e prender-me a vós. Sim, meu Jesus, quero libertar-me dele. Arrependo-me profundamente de me haver separado de vós abusando da liberdade que me destes. Ofereceis-me uma outra liberdade, uma liberdade mais bela, e que me deve livrar das cadeias do demônio e colocar-me no número dos filhos de Deus. Deixastes-vos aprisionar nesses paninhos humildes por seu amor; quero ser prisioneiro do vosso grande amor. Ó felizes cadeias, belos laços de salvação, que prendeis as almas a Deus, vinculai também meu pobre coração; cingi-o tão fortemente que não possa mais separar-me do amor desse bem supremo. Meu Jesus, amo-vos, uno-me a vós, dou-vos todo o meu coração, toda a minha vontade. Meu amado Senhor, estou resolvido a nunca mais deixar-vos. Ah! meu doce Salvador, vós que, para apagar minhas dívidas, quisestes não só vos deixar enfaixar por vossa santa Mãe, mas também ser maltratado como um criminoso pelos algozes e nesse estado arrastar-vos pelas ruas de Jerusalém para serdes em fim conduzido à morte como um inocente cordeiro que se leva ao matadouro; vós que quisestes ser pregado na cruz e que não deixastes senão com a vossa morte, eu vos conjuro, não permitais tenha eu ainda a infelicidade de separar-me de vós e de me ver privado da vossa graça e do vosso amor.
Ó Maria, que outrora enfaixastes em paninhos o vosso Filho inocente, prendei também a mim pecador, prendei-me a Jesus, a fim que não mais me afaste de seus pés, que viva sempre preso a Ele e que morra unido a Ele, para ter a felicidade de entrar um dia na pátria bem-aventurada, onde estarei fora do perigo e do temor de separar-me ainda de seu santo amor.

(SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO - “Encarnação, Nascimento e Infância do Menino Jesus” – de Santo Afonso Maria de Ligório – Coleção Clássicos da Espiritualidade Católica, págs. 185/186)

 

 


quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

MEDITAÇÕES PARA O ADVENTO (XXXII)


 

A SAGRADA FAMÍLIA: JESÚS, MARÍA E JOSÉ

COMENTÁRIOS DE SÃO TOMÁS DE AQUINO

 Sendo Maria, sua mãe, casada com José ... (Mat 1,18).

1. Houve um casamento verdadeiro? Deve ser respondido afirmativamente, porque existiam os três bens do casamento, a saber: a prole, O próprio Deus; fidelidade, visto que não houve adultério; e sacramento, porque houve uma união indissolúvel de almas.

Mas como o casamento existiu se o voto impede a contratação casamento?. Visto que a Santíssima Virgem fez voto de virgindade, parece que não houve casamento verdadeiro. É preciso dizer que (Maria)  estava angustiada com duas coisas. Por um lado, ficou assombrada pela maldição da lei pela qual a mulher estéril estava sujeita; por outro lado, o propósito de manter a castidade; e por isso não se acredita que, antes de se casar com José, ela tivesse feito voto absoluto de virgindade, mas apenas sob condição se agradasse a Deus; E mesmo se quisesse, ainda  tinha que submeter sua vontade à vontade divina. Mas depois, uma vez que tomou marido, conforme o exigiam os costumes daqueles tempos, e depois que tomou conhecimento daquilo que era agradável a Deus, fez voto absoluto de virgindade de comum acordo com José, e isto precisamente antes do anúncio do Anjo, pois a ele respondeu: “Como vai ser isso possível, porque eu não conheço homem?” (Lc 1,34), que não teria dito, é verdade, se não tivesse primeiro dedicado sua virgindade a Deus. (In Mat., I e 3ª q. XXVIII, a. 4)

II. Era conveniente para Cristo nascer de uma virgem prometida, já por Ele mesmo, ora por sua mãe, ora por nós.

Por causa do próprio Cristo: 1º, para que ele não fosse rejeitado pelos infiéis como nascido ilegitimamente; 2º, para que, segundo a forma costumeira, sua genealogia pudesse ser descrita por linha masculina; 3º, para tutela da criança nascida, para que o diabo não procurasse mal contra ela com aumento da violência; É por isso que Santo Inácio diz que ela se casou para esconder o parto ao diabo; 4º, para ser sustentada por São José; e é por isso que foi chamou seu pai como um educador.

Por motivo da Virgem: 1º, porque por isso foi libertada da pena, isto é, para que ela não fosse apedrejada pelos judeus; 2 °, para se livrar da infâmia; o Senhor preferiu que alguns duvidassem de sua origem ao invés de duvidar da modéstia da mãe, pois sabia que a modéstia da virgem é delicada, e julgou que seu nascimento não deveria prejudicar a fidelidade da mãe; 3º, para que São José pudesse ajudá-la, já quando ela fugiu para o Egito, já depois voltar de lá.

Foi conveniente para nós: 1º, porque pelo depoimento de José foi provado que Cristo nasceu de uma virgem, pelo que Santo Ambrósio diz: “Como a testemunha mais eloqüente da modéstia de Maria é seu marido, que poderia reclamar da lesão e vingar a desgraça, se não conhecesse o mistério"[1]; 2º, porque as mesmas palavras da virgem mãe, que testemunha sua virgindade, se tornam mais confiáveis; já que a noiva não tinha razão para mentir, já que o prêmio do casamento e a graça do casamento é a fecundidade das mulheres; 3º, porque isso é simbolizado em toda a Igreja, que sendo virgem, casou-se com um só varão, Cristo. Também pode haver outra razão pela qual a mãe do Senhor era desposada e virgem, que em sua pessoa fossem honrados a virgindade e o matrimônio contra hereges que atacaram um e outro. (3º q. XXIX, a. 1)

  

(Extraído de “MEDULLA S. THOMAE AQUITATIS PER OMNES AMNI LITURGICI SEU MEDITATIONES EX OPERIBUS S. THOMAE DEPROMPTAE.- Recopilação de Fr. Mezar, OP, e tradução do latim para o espanhol por Luís M. de Cádiz)

 

MEDITAÇÕES DE SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO PARA A OITAVA DE NATAL E OS DIAS SEGUINTES ATÉ A EPIFANIA.

- JESUS NASCE MENINO.

Pai celeste, eu miserável pecador digno do inferno, nada tenho para oferecer-vos as lágrimas, as penas, o sangue, a morte desse Menino inocente, que é vosso Filho, e peço-vos misericórdia por seus méritos. Se não tivesse esse divino Filho para vo-lo oferecer, estaria perdido, e não haveria mais esperança para mim; mas vós mo destes a fim que, oferecendo-vos os seus méritos,  tenha esperança de salvação. Senhor, bem grande foi minha ingratidão, porém maior ainda é a vossa misericórdia. E que maior misericórdia podia eu esperar de vós que de me dardes o vosso próprio Filho por Redentor e como vítima que eu vos pudesse oferecer por meus pecados? Pelo amor de Jesus Cristo,  perdoai as minhas ofensas; arrependo-me de todo o coração de vos haver desgostado, Bondade infinita! E também pelo amor de Jesus dai-me a santa perseverança. Ah! meu Deus, se tornasse a ofender-vos depois que me esperastes com tantas paciência. me aclarastes com tantas luzes, e me perdoastes com tanto amor, não mereceria um inferno criado expressamente para mim? Ah! meu Pai, não me abandoneis; tremo ao pensar nas infidelidades de que me tornei culpado para convosco; quantas vezes vos voltei as costas depois de ter prometido amar-vos! Ó meu Criador, não permitais tenha eu a deplorar a desgraça de ver-me de novo privado da vossa graça e separado de vós. Não permitais me separe de vós! Não permitais me separe de vós! Repito essa prece e quero repeti-la até o derradeiro suspiro de minha vida; mas dai-me a graça de repeti-la sem cessar Não permitais me separe de vós! Meu
Jesus, ó caro Infante, prendei-me a vós pelas cadeias do vosso amor; amo-vos e quero amar-vos eternamente; não permitais me separe jamais de vosso amor. Amo-vos também, Maria, minha Mãe; dignai-vos amar-me também, e como penhor de amor, obtende-me a graça de não cessar jamais de amar o meu Deus.

(SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO - “Encarnação, Nascimento e Infância do Menino Jesus” – de Santo Afonso Maria de Ligório – Coleção Clássicos da Espiritualidade Católica, págs. 182/183)

 



[1] Super Luc., cap. I, In mense sexto




terça-feira, 29 de dezembro de 2020

MEDITAÇÕES PARA O ADVENTO (XXXI)

 



    COMENTÁRIOS DE SÃO TOMÁS DE AQUINO

 BRILHO DA ALMA PENITENTE

 Em um sentido místico, podemos considerar que a entrega da Bem-Aventurada Virgem Maria significa a entrega da alma penitente, como é dito em Isaías: “Por causa do teu temor, Senhor, nós concebemos e demos à luz um espírito de saúde” (de boas obras) (26, 18). Misticamente apropriado para este nascimento é o local do nascimento de Cristo, isto é, Belém. É por isso que São Bernardo diz: "Se fores também Belém pela contrição do coração, de modo que as tuas lágrimas sejam seu pão dia e noite, e esta refeição traz alegria contínua (Belém é interpretada como casa do pão), e se fores Judá pela confissão e cidade de David pelas obras de satisfação, Cristo nascerá em você, e se encherá de alegria seu coração pela graça no presente e pela glória no futuro. "

Mas deve-se notar que, após a entrega da penitência, a alma penitente deve se embrulhar com as fraldas da caridade contra a falta de jeito do pecado, que consiste na desordem interna da alma; deve reclinar pelo amor da humildade contra o orgulho, que é uma aversão; e ficar na manjedoura de aspereza por uma penitência proporcional ao deleite do pecado, que é uma orientação para o mal.

Da primeira coisa que é dito em Provérbios: A caridade cobre todas as faltas (10, 12). Mas devemos nos envolver com esse pano em todos os lugares: primeiro, para amar a Deus que está acima de nós; segundo, para nós mesmos; depois, para o que está ao nosso lado, ou seja, para nosso vizinho; Quarto, para o que está abaixo de nós, é digamos, ao nosso corpo. Essas quatro coisas devem ser amadas com caridade, como diz Santo Agostinho.

Sobre este último, lemos no Salmo (50, 19): Para o coração contrito e humilhado, não o desprezarás, ó Deus. É por isso que diz São Bernardo: “A humildade merece a estima de Deus, submete-nos a Deus, somos atraídos pelo prazer de Deus, como disse a Bem-Aventurada Virgem: Porque olhou para a baixeza do sua escrava.”(Lc 1,48).

Quanto ao terceiro, o Evangelho diz: Então dê frutos digno de penitência (Lc 3,8). E São Bernardo: “Fuja da volúpia, porque nela a morte é emboscada às portas de deleite. Faça penitência, porque através dela virá o reino de Deus. Isso é o que o estábulo prega para você, a manjedoura chama, dizem aqueles membros infantis, suas lágrimas e choramingos o anunciam. " (De Humanitate Christi).

  (Extraído de “MEDULLA S. THOMAE AQUITATIS PER OMNES AMNI LITURGICI SEU MEDITATIONES EX OPERIBUS S. THOMAE DEPROMPTAE.- Recopilação de Fr. Mezar, OP, e tradução do latim para o espanhol por Luís M. de Cádiz)

 

 MEDITAÇÕES DE SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO PARA A OITAVA DE NATAL E OS DIAS SEGUINTES ATÉ A EPIFANIA.

- DO NASCIMENTO DE JESUS

Andei errante, como ovelha, que se desgarrou; busca o teu servo. Senhor, sou essa pobre ovelha que, para seguir seus gostos e caprichos, se perdeu  miseravelmente; mas vós, Pastor e Cordeiro divino, viestes do céu para salvar-me imolando-vos sobre a cruz como vítima de expiação por meus pecados: Eis o Cordeiro de Deus, eis o que tira o pecado

Se quero pois corrigir-me, que tenho a temer? não devo confiar inteiramente em vós que nascestes justamente para salvar-me? Eis que Deus é meu Salvador; agirei com confiança e nada temereis. E que maior prova de misericórdia poderíeis dar-me, meu doce Redentor, para obrigar-me a confiar em vós, do que o terdes vos dado a mim? Ó caro Menino, quanto sinto ter-vos ofendido! Eu vos fiz chorar no estábulo de Belém, mas, sabendo que viestes para me buscar, lanço-me aos vossos pés; e embora vos veja tão aflito e humilhado nesse presépio em que repousais sobre palha, reconheço-vos por meu Rei e meu soberano Senhor. Ouço os vossos ternos vagidos, que me convidam a amar-vos, e me pedem o coração; ei-lo, Jesus, estou agora aos vossos pés para vo-lo oferecer; transformai-o e inflamai-o, já que viestes ao mundo para abrasar os corações de vosso santo amor. Ouço-vos dizer-me do presépio: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração; e eu respondo: Ah! meu Jesus, se não amo a vós que sois meu Senhor e meu Deus, a quem amarei então? Vós vos declarais minha propriedade pois que nasceis para vos dar todo a mim; e eu recusaria ser vosso? Não, meu amado Senhor, dou-me todo a vós, e amo-vos de todo o meu coração. Sim, amo-vos, amo-vos, amo-vos, ó Bem supremo, único amor de minha alma! Por favor, recebei-me hoje, e não permitais eu cesse jamais de amar-vos. Ó Maria, minha Soberana, eu vos conjuro pela alegria de que fostes inundada a primeira vez que os vossos olhos viram vosso divino Filho em seu nascimento e os vossos braços o apertaram contra o vosso seio materno, pedi-lhe aceite a oferta que lhe faço de mim mesmo, e me prenda a ele para sempre pelo dom de seu santo amor.

(SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO - “Encarnação, Nascimento e Infância do Menino Jesus” – de Santo Afonso Maria de Ligório – Coleção Clássicos da Espiritualidade Católica, págs. 179/180)

 

 


segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

MEDITAÇÕES PARA O ADVENTO (XXX)

 


COMENTÁRIOS DE SÃO TOMÁS DE AQUINO

QUATRO UTILIDADES DO NASCIMENTO DE CRISTO

 Um Menino nasceu para que imitemos sua pureza e humildade; para que sejamos movidos por sua bondade, para que tenhamos confiança em sua mansidão.

1 °) Esta criança nasceu para nós no sacramento da pureza. Pelo qual diz São Mateus (1, 21): Porque ele salvará o seu povo. E São Bernardo: "Eu tenho aqui a Cristo, que realiza a purificação dos crimes, aqui vem Ele purificar nossa miséria. "E Santo Agostinho: "Oh infância bem-aventurada, pela qual a vida de nossa espécie foi reparada! Oh doce e delicioso choramingado, pelo qual escapamos rangendo os dentes e chorando prantos eternos! Oh fraldas felizes, pelas quais a miséria foi limpa dos nossos pecados! "

2ª) Nos nasceu como exemplo de humildade. É por isso diz São Bernardo: “Esforcemo-nos por ser como este Menino; aprendamos com Aquele que é manso e humilde de coração, não sem razão, Deus, que é assim grande, tornou-se um menino. Para o qual é insolência intolerável que, sendo a majestade subjugada, o verme incha e se engolfa. "

3º) Nos há nascido para aumentar a caridade: o fogo vem para por na terra (Lc 12,49). E São Bernardo acrescenta: “O grande e digno de todo louvor tornou-se criança e amável. Uma criança, diz ele, nasceu.

Porque ele é muito bom para nós; ele é pai, irmão, senhor, servidor, recompensa e exemplo." E em outro lugar: "Quanto menor foi feito em humanidade, muito maior foi mostrado na bondade. Quanto maior bondade nos ofereceu, mais isso acende nosso amor. "

4º) Nasceu para consolo da nossa esperança e segurança. Por isso diz o Apóstolo: “Cheguemos com confiança ao trono da graça, isto é, Cristo, em quem reina a graça, a fim de obter misericórdia, isto é, perdão de pecados anteriores, e para encontrar graça para ser socorrido a tempo  conveniente” (Hebr 4:16). E Santo Agostinho exclama: "Oh doce dia do nascimento de Cristo, no qual os próprios infiéis se movem em compunção, e o pecador é movido pela misericórdia, o arrependido espera por perdão, o cativo não se desespera da liberdade e o ferido espera pelo remédio. Neste dia nasce o Cordeiro que tira os pecados do mundo; em seu nascimento aquele com a consciência se alegra mais docemente, acalme-se e tema mais profundamente aquele que está mal; o que é bom pergunte com mais amor; o pecador implora com mais devoção; doce dia e verdadeiramente doce para os penitentes, um dia que traz perdão. Vos prometo, filhinhos, e tenho certeza que, se alguém se arrepender de coração  neste dia, e não voltará ao vômito do pecado, ele receberá tudo o que pedir " (De Humanitate Christi).

 

(Extraído de “MEDULLA S. THOMAE AQUITATIS PER OMNES AMNI LITURGICI SEU MEDITATIONES EX OPERIBUS S. THOMAE DEPROMPTAE.- Recopilação de Fr. Mezar, OP, e tradução do latim para o espanhol por Luís M. de Cádiz)

 

AS QUATRO FONTES DE GRAÇAS QUE TEMOS EM JESUS CRISTO

Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris. Vós tirareis com gosto águas das fontes do Salvador (Is 12,3).

Considera as quatro fontes de graças que temos em Jesus Cristo,  contempladas por São Bernardo.

A primeira é uma fonte de misericórdia, em que podemos purificar-nos de todas as manchas do pecado. Essa fonte foi para nós formada com as lágrimas e o sangue do nosso Redentor: Ele nos amou e nos lavou dos nossos pecados com seu sangue.

A segunda é uma fonte de paz e de consolação em nossas penas. Invocai-me no dia da aflição, diz-nos Jesus, e eu vos consolarei. Se alguém tem sede das verdadeiras consolações possíveis nesta vida, venha a mim, que eu o contentarei. Quem bebe da água que eu darei, já não terá sede: virá a ser nele uma fonte de água que salte para a vida eterna. Isto é: Quem provar as águas do meu amor desprezará para sempre as delícias do mundo; ficará plenamente satisfeito quando entrar na mansão dos eleitos, porque a água da minha graça o levará ao céu. A paz que o Senhor dá às almas que o amam, não é a paz que o mundo nos promete quando nos convida aos prazeres sensuais; estes deixam após si mais amargura do que paz; a paz que Deus dá excede todos os prazeres dos sentido. Bem-aventurados os que tem sede das águas dessa fonte divina.

A terceira é uma fonte de devoção. Oh! como se torna devoto e pronto para obedecer à voz de Deus, como cresce sempre em virtudes, quem a miúdo medita o que Jesus Cristo fez por amor de nós! Será como uma árvore plantada junto às correntes das águas.

A quarta é uma fonte de amor. A meditação acenderá o fogo na minha alma. Não é possível que, quem medita os padecimentos e as humilhações que Jesus suportou por nosso amor, não se sinta inflamado do belo fogo que Ele veio trazer à terra. Assim se verifica perfeitamente a palavra do profeta, que quem se aproveita dessas felizes fontes abertas para nós em Jesus Cristo, delas tira sem cessar águas de alegria e salvação: Vós tirareis com gosto águas das fontes do Salvador.

 

(SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO - “Encarnação, Nascimento e Infância do Menino Jesus” – Edição Pdf Aparecida – 2004 – Fl. Castro – págs. 151/152)

 

 


domingo, 27 de dezembro de 2020

MEDITAÇÕES PARA O ADVENTO (XXIX)

 

                    (Morte dos Santos Inocentes)


           27 de dezembro 

SÃO JOÃO, APÓSTOLO E EVANGELISTA, E OS SANTOS INOCENTES

 COMENTÁRIOS DE SÃO TOMÁS DE AQUINO

 Um de seus discípulos, a quem Jesus amava, estava reclinado à mesa no seio de Jesus (Jo 13,23). Este discípulo é São João Evangelista, que fala de si mesmo como de outra pessoa para evitar vangloriar-se e seguir a regra dos outros escritores das Sagradas Escrituras. Pois Moisés também usa desta forma quando ele fala de si mesmo em seus livros, como de outro, dizendo: O Senhor falou a Moisés. Da mesma forma São Mateus: Ele viu um homem sentado no balcão de impostos, denominado Mateus. São Paulo diz: Eu conheço um homem.

I. São João diz três coisas sobre si mesmo:

1º) O amor que o fez descansar em Cristo, dizendo que ele estava recostado, isto é, descansando. Jó diz neste sentido: “Então, no Todo-poderoso se encherá de delícias e elevará seu rosto a Deus” (Jó 22, 26), e o profeta Davi: “Ele me leva a fontes silenciosas (Sl 23: 2)”.

2º) O conhecimento dos segredos que o Senhor lhe revelava, principalmente para a redação do seu Evangelho. É por isso que ele diz que estava “reclinado no seio de Jesus”. O seio significa o segredo. E em outro lugar diz: “Filho unigênito, que está no seio do Pai, ele mesmo o declarou” (Jo 1, 13).

3º) O amor especial com que Cristo o amava. É por isso que ele diz: “quem amava Jesus”; certamente não exclusivamente, mas o amava quase com preferência aos demais.

II. É preciso saber que João foi mais amado por Cristo por três motivos:

1º) Pela sua pureza, visto que foi eleito virgem pelo Senhor e permaneceu sempre virgem. É por isso que é lido em Provérbios: “Quem ama a pureza de coração, pela graça de seus lábios terá o rei por amigo (22, 11)”.

2ª) Pela sublimidade de sua sabedoria, pois penetrou nos arcanos da divindade mais profundamente do que os outros, razão pela qual é comparado a Águia. “É aceito para o rei um ministro entendido”, é lido em Provérbios (14, 35).

3º) Pelo ardente fervor do seu amor a Cristo: “Amo aos que me amam” (Prov 8, 17). (In Joan., XIII)

 

(Extraído de “MEDULLA S. THOMAE AQUITATIS PER OMNES AMNI LITURGICI SEU MEDITATIONES EX OPERIBUS S. THOMAE DEPROMPTAE.- Recopilação de Fr. Mezar, OP, e tradução do latim para o espanhol por Luís M. de Cádiz)

 

 Que sentido tem o Antigo Testamento após a vinda de Cristo?

 É comum os protestantes darem mais importância ao Antigo Testamento do que ao Novo, realçando alguns fatos como a libertação do povo eleito do Egito, os Dez Mandamentos, Davi e Salomão, etc.,  O personagem mais lembrado por eles é Salomão. O mesmo procedimento ocorre entre os Judeus, estes com certa razão (embora culposamente) pelo fato de nunca terem reconhecido em Jesus Cristo o verdadeiro Messias. Os fatos mais importantes após a vinda de Cristo foram aqueles decorrentes d’Ele mesmo, ou seja, a Igreja Católica e a Civilização Cristã.  Os do Antigo Testamento apenas são pre-figuras e símbolos do que veio após Ele.

A propósito, ouçamos o que diz sobre o tema o grande São João da Cruz:

 “A principal causa pela qual na lei antiga eram lícitas as perguntas que se faziam a Deus, e convinha que os profetas e sacerdotes tivessem visões e revelações de Deus, era porque não estava então ainda fundada a Fé nem estabelecida a lei evangélica; e assim ,  era mister que perguntassem a Deus e que Ele falasse, ora por palavras, ora por visões e revelações, ora em figuras e semelhanças, ora em muitas outras maneiras de significações. Porque tudo o que respondia e falava e obrava e revelava eram mistérios de nossa Fé e coisas tocantes a ela ou endereçadas a ela. Porém, já que está fundada a Fé em Cristo e manifesta a lei evangélica nesta era da graça, não há porque perguntar-Lhe daquela maneira, nem para que Ele fale nem responda como então.

Porque, em nos dar, como nos deu, a seu Filho – que é uma Palavra sua, que não tem outra -, tudo nos falou junto e de uma vez somente nesta Palavra, e não tem mais que falar. E este é o sentido daquela autoridade com que São Paulo quer induzir os hebreus a que se apartem daqueles modos primeiros e tratos com Deus da lei de Moisés, e ponham os olhos somente em Cristo, dizendo: O que antigamente falou Deus nos profetas a nossos pais de muitos modos e maneiras, agora finalmente, nestes dias, nos tem falado no Filho tudo de uma vez.

No qual dá a entender o Apóstolo,  que Deus ficou já como mudo e não tem mais que falar, porque o que falava antes em partes aos profetas já o tem falado n’Ele tudo, dando-nos o tudo que é o Filho.

Pelo qual, quem quisesse agora perguntar a Deus ou querer alguma visão ou revelação, não somente faria uma necedade, mas faria agravo a Deus, não pondo os olhos totalmente em Cristo, sem querer outra coisa ou novidade. Porque lhe poderia responder Deus desta maneira: “Se te tenho já falado todas as coisas por minha Palavra, que é meu Filho, e não tenho outra coisa que te possa revelar ou responder que seja mais que isso, põe os olhos n’Ele, porque n’Ele o tenho posto tudo e dito e revelado,  e encontrarás n’Ele ainda mais do que pedes e desejas.

Porque desde o dia em que baixei com meu espírito sobre Ele no monte Tabor, dizendo: Este é meu amado Filho em que pus minha complacência, ouvi-O, já que levantei a mão de todas essas maneiras de ensinamentos e respostas, e as dei a Ele; ouvi-O, porque eu nada tenho mais a revelar,  nem mais coisas que manifestar. Que, se antes falava era prometendo-lhes a Cristo, e se me perguntavam eram perguntas encaminhadas à petição e esperança de Cristo, em que haviam de achar todo o bem, como agora o dá a entender toda a doutrina dos evangelistas e apóstolos”.

 

(Do tratado de São João da Cruz, “Subida ao Monte Carmelo”, liv. 2, cap. 22, n. 3-4)


sábado, 26 de dezembro de 2020

MEDITAÇÕES PARA O ADVENTO (XXVIII)

 

 


                                     SANTO  ESTÊVÃO, PROTOMÁRTIR

 26 de dezembro

 MEDITAÇÃO DE SÃO TOMÁS DE AQUINO

 Porque foste fiel no pouco, colocar-te-ei acima do muito; entra no gozo do seu Senhor (Mt 25,23). Essas poucas coisas são tudo o que se encontra nesta vida, que é como nada em comparação com os bens celestiais. Que significa: “porque foste fiel”, em relação aos bens da vida presente, “vou colocá-lo sobre o muito”, isto te darei os bens espirituais que estão acima de todos esses bens. Aquele que é fiel no mínimo, também é fiel no maior. (Lc 16,10).

Em continuação fala sobre a grandeza do prêmio: “Entra no gozo  do seu Senhor”. Porque o gozo é o prêmio: “vos hei de ver, e vosso coração se alegrará” (Jo 16:22). Alguém poderia dizer: a visão é o prêmio ou é algum outro bem? Eu respondo que se algo mais for dito prêmio, o gozo, no entanto, é o prêmio final. Como dizemos que o fim de corpos pesados ​​é o centro da terra, e aquele que repousa no centro é o principal, então o gozo nada mais é do que o repouso da alma no bem alcançado; portanto, em razão do fim, o gozo é chamado prêmio.

E por que ele diz: "Entre no gozo do seu Senhor" e nos  "receba"? Deve-se responder que existem duas alegrias, a dos bens exteriores e a dos bens internos. O que goza dos bens exteriores, não entra no gozo, mas o gozo que entra nele; mas aquele que goza dos espirituais, entre no gozo: “me introduziu o rei em sua câmara” (Cant  1, 3).

De outro modo. O que está em alguém é contido por este, e o que contém é maior. Então, quando o gozo vem de uma coisa menor que nosso coração, então o gozo entra no coração; mas Deus é maior do que o coração; e é por isso que quem goza de Deus entre no gozo.

Ademais “entra no gozo do seu Senhor”, isto é, goza do Senhor, porque o Senhor é a verdade. Pelo qual a bem-aventurança não é outra coisa que o gozo da verdade.  Ou também "Entra no gozo do seu Senhor” significa: Alegra-te daquilo com que se goza e de que se goza teu Senhor; a fruição de si mesmo. Então o homem goza como o Senhor, quando goza da mesma maneira que o Senhor. Por isso diz aos Apóstolos: “Eu disponho do reino ... para que vocês possam comer e beber à minha mesa no meu reino” (Lc 22,29-30), isto é, para que sejais bem-aventurados da mesma forma que sou bem-aveturado. (In Matth., XXV)

Este gozo será pleno: “Pedi e recebereis, para que a sua alegria se cumpra” (Jo 17:24). Como desejo é movimento para o bem e o  gozo é o seu descanso no bem, o homem goza quando repousa no bem possuído, para o qual o desejo se moveu. Mas o gozo é proporcional ao bem possuído, e do bem criado não se pode ter gozo absoluto, porque não satisfaz totalmente o desejo e o apetite do homem. Assim, pois, nosso gozo será completo quando possuirmos esse bem em que são superabundantemente os bens que podemos desejar. Este bem é só Deus,  que enche de bens o nosso desejo com coisas boas. É por isso que se diz: Peça para que o vosso gozo seja cumprido, ou seja, desfrute de Deus e da Trindade, depois da qual não há mais nada. Me encherás de alegria com teu rosto (Sl 15:11). (In Joan., XVI; 2ª 2ae, q. XXVIII, a. 3

 (Extraído de “MEDULLA S. THOMAE AQUITATIS PER OMNES AMNI LITURGICI SEU MEDITATIONES EX OPERIBUS S. THOMAE DEPROMPTAE.- Recopilação de Fr. Mezar, OP, e tradução do latim para o espanhol por Luís M. de Cádiz)

 

O NATAL NOS  FAZ PRESENTE A LUTA ENTRE O BEM E O MAL

 Santa Teresa Benedita da Cruz, OCD. (Edith Stein) publicou uma meditação sobre o Natal no final de seus exercícios espirituais, em 9 de junho de 1939, onde a temática principal é a dualidade de mistérios que envolveu a Encarnação do Verbo: o da própria Encarnação e o da iniquidade. Os martírios a seguir o de Cristo (Santo Estêvão e os Inocentes) dão bem uma idéia do que representava para a luta entre o bem e o mal, o nascimento do Salvador.

 Eis como ela introduz o tema:

 “Todos nós já sentimos essa felicidade na véspera de Natal, mesmo quando o céu e a terra ainda não se uniram. A estrela de Belém ainda é uma estrela à noite escura.  Apenas dois dias depois, a Igreja tira as roupas brancas e se veste com a cor do sangue, no quarto dia da  púrpura da tristeza.  Santo Estêvão, o Protomártir, o primeiro a seguir o Senhor no martírio e os Santos Inocentes de Belém de Judá, os filhos do peito brutalmente decapitados pelos soldados de Herodes, são o cortejo do Menino do Presépio. O que significa isto ? Onde está a alegria dos exércitos celestiais? Onde a beatitude silenciosa da véspera de Natal? Onde a paz na terra? "Paz na terra para homens de boa vontade". Mas nem todos têm boa vontade.

É por isso que o Filho do Pai Eterno teve que descer da grandeza da sua glória para a pequenez da terra, já que o mistério da iniqüidade a cobriu com as sombras da noite.

A escuridão cobriu a terra e Ele veio a nós como a luz que brilha na escuridão, mas a escuridão não a recebeu. Ele trouxe aqueles que o receberam luz e paz; paz com o Pai do céu, paz com todos os que são igualmente filhos da luz e do Pai celestial e a paz profunda e íntima do coração. Mas de nenhuma maneira a paz com os filhos das trevas. O Príncipe da paz não lhes traz paz, mas a espada. Para eles é uma pedra de tropeço, contra a qual eles colidem e batem.

Esta é uma verdade difícil e muito séria de que não devemos nos esconder com o encanto poético do Menino de Belén. O mistério da Encarnação e o mistério do mal estão intimamente unidos. À frente da luz que veio de cima, a escuridão do pecado torna-se mais escura e mais sombria. O Menino na manjedoura estende seus braços pequenos e seu sorriso parece predizer o que os lábios do homem dirão mais tarde: "Venha para mim, todos vocês cansados ​​e sobrecarregados, para que eu descanse" (Mt.11,28). Para os que ouviram o seu chamado, aos pobres pastores, a quem o brilho dos céus e a voz dos anjos lhes anunciaram as boas novas nos campos de Belém e que, no caminho, responderam a esse chamado dizendo: "Nós iremos Belém "(Lc.2,15); também para os reis que, do Extremo Oriente, seguiram com fé simples a estrela maravilhosa, para todos eles o derramamento de graça que emanava das mãos do pequeno filho foi derramado e foram "cheios de grande alegria" (Mt.2 , 10).

Essas mãos concedem e exigem ao mesmo tempo: você é sábio, deixe de lado sua sabedoria e faça-se simples como crianças; os reis, dê suas coroas e tesouros e se incline humildemente diante do Rei dos Reis e aceite sem hesitação as obras, dores e sofrimentos que seu serviço exige. De vocês, filhos, que não podem dar nada de forma voluntária, de você as mãos do Menino Jesus tomam a ternura de sua vida, quase antes de começar. Ela não poderia ser melhor empregada do que no sacrifício para o Senhor da Vida.

Siga-me! Desta forma, as mãos da Criança são expressas, assim como serão os lábios do homem (Mc 1,17). Assim falou seus lábios ao discípulo que o Senhor amou e que agora também pertence a sua comitiva. O próprio João, o mais jovem de todos, o discípulo com o coração de uma criança, seguiu-o sem perguntar onde e para o que. Ele deixou o barco de seu pai e seguiu o Senhor em todos os seus caminhos até o topo do Gólgota.

Siga-me! Estêvão fez o mesmo. Ele seguiu os passos do Senhor na luta contra o poder das trevas e contra a cegueira da incredulidade inveterada; ele finalmente deu testemunho dele com Sua palavra e com Seu sangue. Ele também o seguiu no espírito; no espírito de Amor que luta contra o pecado, mas que ama o pecador e, mesmo diante da morte, intercede diante de Deus por seus assassinos.

Estas são as figuras da luz que se ajoelham ao redor da manjedoura: os ternos filhos inocentes, os pastores fiéis, os reis humildes, Santo Estêvão, o discípulo entusiasmado e João, o apóstolo do amor. Todos seguiram o chamado do Senhor. Diante deles estende a noite fechada da incompreensível dureza do coração e da cegueira do espírito: a dos escribas, que poderia apontar com precisão para o tempo e lugar onde o Salvador do mundo deveria nascer, mas quem, no entanto, não conseguiram deduzir a partir de lá uma decisão: "Vamos a Belém" (Lc.2,15); e a do rei Herodes, que queria tirar a vida do Senhor da Vida.

Em frente à Criança reclinada na manjedoura, os espíritos estão divididos. Ele é o Rei dos Reis e Senhor sobre a vida e a morte. Ele pronuncia o seu "segue-me" e aquele que não está com ele está contra ele. Ele também nos diz e nos coloca diante da decisão entre luz e escuridão”.

  (“El Mistério de La Nochebuena” – Edith Stein – Biblioteca de Formación para Católicos – www.alexandriae.org, págs. 3/4 )

 

 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

MEDITAÇÃO DE DR. PLÍNIO CORREA DE OLIVEIRA SOBRE O NATAL

 



Vou dar duas meditações e depois perguntarei aos senhores qual dos modos de considerar o Santo Natal lhes fala mais. Porque eu quereria fazer um pouquinho um teste como sopram os espíritos na geração que sucedeu a geração que sucedeu à minha.

Farei uma primeira meditação que tem uma altíssima autoridade, porque tirada diretamente de Santo Inácio de Loyola. Vou adaptá-la um pouco aos senhores. porque ele a faz sem adorno.

Diz ele que, no acontecimento do Natal, Nosso Senhor Jesus Cristo quis dar aos homens uma lição e o mundo, ou seja, o conjunto dos que vivem não para Deus mas para si mesmos, o conjunto dos egoístas, que são a imensa maioria dos homens, sobretudo nas épocas de decadência, como era quando Nosso Senhor nasceu e como é a época em que vivemos, o egoísmo deles propende para um dos três objetivos seguintes: em primeiro lugar, as riquezas; segundo lugar, as delícias; terceiro lugar, as honras.

Como delícias ele entende os prazeres que os sentidos podem dar, antes de tudo sensuais; depois, os prazeres da degustação, da vista, do olfato, do ouvido; enfim, tudo quanto a vida de luxo pode dar de agradável, de gostoso.

Por riquezas entende algo diferente: é a simples posse do dinheiro. É a avareza daqueles que procuram o dinheiro não por causa dos prazeres que este pode trazer, porque neste caso o que move as pessoas não é a sede do dinheiro, mas a sede dos prazeres - o dinheiro é um meio, não é um fim. Mas os que tem a mania do dinheiro, quer dizer, querem ser ricos por serem ricos. Não tiram proveito nenhum de sua fortuna, vivem às vezes de modo muito obscuro, muito apagado, muito banal, às vezes vivem até de modo miserável, para terem a alegria de sentirem-se continuamente de posse de uma grande quantia de dinheiro.

Depois há o prazer das honras. São as pessoas que não procuram tanto o dinheiro nem a vida agradável, quanto procuram a consideração dos outros, querem ser objeto de grandes homenagens, de grandes atenções, de grandes reverências; eles procuram o prestígio.

Essa classificação é perfeitamente bem feita! Em última análise, o egoísmo dos homens tem um desses três objetos. Os Senhores. notarão mesmo em torno de si - talvez notem em si mesmos, fazendo exame de consciência... Cada um dos Senhores, no fundo, se se deixasse atrair, iria atrás de um desses três polos.

Os Senhores. dirão: “Mas Dr. Plinio, está meio esquemática essa classificação, porque a pessoa pode ir trás das três coisas ao mesmo tempo: gostar muito do dinheiro, muito das delícias e muito do prestígio”.

Eu digo: é verdade. Mas está no espírito humano necessariamente o seguinte: a pessoa gosta de uma dessas coisas muito mais do que das outras. De maneira que, depois de ter experimentado todas elas, acaba fixando-se em uma, e fazendo desta a finalidade de sua vida.

Há no homem uma certa unidade pela qual ele tem também uma unidade de objetivos, conforme ensina São Tomás de Aquino. E quando não se procura a Deus como seu fim último, busca-se um desses três gêneros de prazeres como seu fim último.

Por Sua vida, Nosso Senhor provou o nada desses prazeres

Então, Nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo para provar aos homens como esses prazeres não valem nada.

Essa prova evidentemente só vale para os católicos. A prova tem como ponto de partida a convicção de que Nosso Senhor Jesus Cristo é Homem-Deus e que, portanto, toda a lição que Ele dá é infinitamente sábia, infinitamente verdadeira. Um ateu evidentemente não pode aceitar essa prova.

Mas como é que haveremos de fazer uma meditação de Natal para um ateu? É impossível, uma vez que ele nega os pressupostos do Natal. Estas considerações são, portanto, para um católico.

Mais ainda. Não é uma meditação para um católico qualquer, mas para um católico que tem algum fervor, ser capaz de algum modo, em alguma medida pelo menos, impressionar-se com as coisas da religião. Não é desses católicos tíbios, que os Senhores. encontram em tal quantidade por aí, que diga-se a eles o que se disser em matéria de religião, não se incomodam.

Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio supõem um católico com alguma possibilidade de se impressionar e de se sensibilizar pelos temas da religião, algum desejo de ser coerente com sua Fé, que deduz dos princípios religiosos algumas consequências para o seu procedimento e considera insuportável estar em incoerência.

Então, Santo Inácio propõe uma meditação sobre o Natal e atrai a atenção das pessoas que são levadas, por um desses três objetivos idolátricos, a esquecer a Deus por causa do dinheiro, dos prazeres, ou das honras.

Ele visa - antes de tudo - as riquezas e pergunta: de que valem as riquezas deste mundo? Nosso Senhor Jesus Cristo é o criador do céu e da terra, é a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, é Deus, e criou o Céu e a terra porque as operações de Deus são conjuntas das Três Pessoas da Santíssima Trindade. Foram as três Pessoas da Santíssima Trindade que criaram conjuntamente o universo. Portanto criaram todas as riquezas que há na Terra. Quer dizer, tudo quanto existe na terra de maravilhoso, de belo, de útil, de capaz de fundamentar a prosperidade de um homem, foi Deus que criou. De maneira que ninguém pode ter uma riqueza comparável com a de Deus.

Deus que criou todas as riquezas que existem e - mais ainda - tem um poder inesgotável de criar quantas riquezas queira, sem o menor esforço, sem a menor aplicação especial, porque Ele é Onipotente e exerce sua onipotência com perfeitíssima facilidade. De maneira que basta olharmos para as estrelas do céu e compreendermos cada uma delas que riqueza representa, para entendermos com que facilidade Deus cria tudo. De modo que tudo quanto há na criação, Ele poderia criar um número insondável de vezes, outro tanto e mais tanto, inesgotavelmente e com a mesma facilidade com que cria um grão de areia, de tal maneira Deus é infinitamente rico. Rico na Sua essência, muito mais do que simplesmente por aquilo que Ele criou.

Ora, esse Deus tão infinitamente rico quis vir à Terra como pobre, quis nascer de um pai carpinteiro, de uma Mãe que executava serviços domésticos em casa; quis nascer numa manjedoura, ou seja, num lugar mais pobre que se possa imaginar; tendo como aquecimento apenas o bafo de alguns animais e as roupinhas que Nossa Senhora fez para Ele; tendo como asilo não uma residência de homens, mas um local para animais, era onde os bichos iam para comer. Foi ali que nasceu o Verbo de Deus!

Ele quis mostrar assim, o quanto o homem deve ser indiferente às riquezas quando se trata de compará-las com o serviço de Deus. E que, portanto, o homem deve viver - antes de tudo - não para ser rico, não para ter grandes cabedais, mas para amar a Deus, louvá-Lo, servi-Lo nesta terra, para depois ir adorá-Lo no Céu por toda a eternidade.

Então, esses homens que vemos em torno de nós que correm debandadamente atrás do dinheiro, que fazem da posse do dinheiro a única preocupação de sua vida, que fazem das conversas sobre o dinheiro o tema mais agradável, que mais os atrai, que mais os interessa; que colocam toda felicidade na idéia de que eles possuem dinheiro e que nunca ficarão pobres e, pelo contrário, vão ficar cada vez mais ricos... esses homens são uns verdadeiros insensatos. Porque os bens que possuem, por mais que valham, são uma parcela minúscula do que existe no Universo. E para Deus não são senão um pouquinho de poeira e de lama.

Admitamos que o homem mais rico do mundo seja um X. E que a relação de seus bens ocupasse um catálogo do tamanho de uma lista telefônica: imóveis, dinheiro, títulos, créditos, objetos de valor, etc., etc. O que seria tudo isto em comparação com Deus Nosso Senhor? Absolutamente nada.

Então, X e esses que vivem exclusivamente para o dinheiro, ou principalmente para o dinheiro e fazem de sua posse o único objetivo da vida, estes procedem como verdadeiros insensatos, porque calcam aos pés a lição que Nosso Senhor Jesus Cristo lhes deu no Presépio. Não compreendem que aí Nosso Senhor deu a entender o seguinte: o homem pode desejar riquezas, adquiri-las e conservá-las desde que não faça disto o objetivo supremo de sua vida. Este deve ser a glória de Deus, portanto, a glória da Igreja Católica, portanto, a vitória da Contra-Revolução sobre a Revolução. A preocupação financeira tem que ser uma preocupação colateral, sob pena de o católico - como um verdadeiro demente - inverter a ordem dos valores e amar mais o que devia amar menos, e amar menos o que devia amar mais. Isso é quanto ao dinheiro.

Quanto às delícias: Nosso Senhor Jesus Cristo - se tivesse querido - teria mandado reunir no Presépio todas as sedas, as mais deliciosas do universo; teria podido mandar os Anjos introduzirem no local onde nasceu todos os perfumes, os mais agradáveis; Ele poderia ter, para ouvir a música mais agradável que todas que existem na Terra. Porque se os Anjos cantaram para os pastores ouvirem, quanto mais eles cantariam para o Menino Jesus! E não há música terrena que de longe possa se comparar à música angélica. O Menino Jesus poderia ter tido agasalhos super-eficazes; poderia ter sido nutrido desde o começo com as melhores comidas que há no mundo; em uma palavra, Ele poderia se ter enchido de delícias logo no primeiro momento de Sua vida terrena.

O que Ele fez? Foi o contrário: quis nascer deitado sobre palha, um material cujo contato não dá nenhum regalo para o corpo; quis estar numa manjedoura, onde o cheiro normalmente não é bom, por mais que Nossa Senhora e São José tenham limpado o local antes; quis estar tiritando de frio, nascendo à meia-noite de um mês que nesse lugar onde nasceu é um mês de inverno e, portanto, de muito frio; quis ter como música apenas o mugido dos animais que estavam junto a Ele. Ou seja, o contrário de todas as delícias que se possam imaginar. Ele quis tudo isso para mostrar aos homens que é uma loucura fazer das delícias a principal finalidade da vida.

A lição que Ele nos dá é o contrário: desde que seja para o bem das almas, desde que seja para a glória de Deus, a gente deve desfazer-se imediatamente de todas as delícias e deve procurar apenas aquilo que seja para o bem da Causa de Nossa Senhora, embora com muito sacrifício e com muita renúncia, é o que se deve fazer.

Terceiro: as honras. As “honras” equivale a dizer um desejo desregrado do próprio prestígio, ou seja, a “megalice”. O que vem a ser as honras? É a pessoa ser objeto de reverências por ser mais do que outro. Por ser mais inteligente, ou ser mais jeitoso, ou por ser mais engraçado, ou por ser mais diplomático, ou por ser mais interessante, ou por ser mais simpático, ou por qualquer outra coisa que a pessoa possa encontrar no caminho, que tenha ou que imagine ter e então acha que tem direito a uma atenção especial.

Às vezes é tal a miséria humana que o homem se envaidece até das coisas que não seriam motivo para isso. O famoso São Paulo Eremita, depois que ficou muito velho, vivendo sozinho no deserto, num momento considerou que ele seria provavelmente o homem mais velho da Terra. Ora, o homem mais velho da terra é o que está mais perto da sepultura!... Não dava para ficar vaidoso disso. Pois ele teve que lutar contra essa tentação. Se ele dissesse: "Sou o homem mais maduro da Terra", que atingiu, embora efemeramente, o ponto de mais perfeita maturidade, de maior conciliação entre o que a idade pode dar e a juventude pode conservar, seria errado, mas ao menos haveria um fragmento de lógica dentro disso. Mas se o homem se envaidece por ser o mais velho da Terra, simplesmente é um disparate! Mas até com isso um homem pode envaidecer...

Nosso Senhor Jesus Cristo quis nascer despojado de tudo quanto pudesse envaidecer. É fato que Ele nasceu da Casa Real de David, era Príncipe dessa Casa que perdera seu poder político, seu prestígio social, seu dinheiro, em que Ele não era absolutamente nada na ordem terrena das coisas. Seu pai era carpinteiro, Sua Mãe fazia - como já disse - serviços domésticos...

Nasceu como um pária, fora da cidade, porque lá ninguém quis dar acolhida a Seus pais que iam de casa em casa pedindo lugar - não havia hotéis, eram hospedarias - e não lhes receberam. Por isso Ele quis nascer numa manjedoura, para provar até que ponto são loucos os que se fazem uma ideia fixa de parecer mais do que os outros. Em vez de procurarem servir à Causa Católica procuram ser mais, ser mais, ser mais e fazem, então, desta vaidade o fim de sua vida.

Então, o modo pelo qual um católico deve aproveitar esses raciocínios é fazendo uma aplicação aos outros e a si mesmo.

Aos outros: quando se vê alguém que não vive segundo a Lei de Deus e para a glória de Deus, mas exclusivamente para sua própria vantagem - tal amigo da família, tal vizinho, tal colega de profissão que tem prestígio político por este ou aquele motivo, ou que leva uma vida deliciosa, ou que tenha muito dinheiro - se se tiver tendência de admirar aquela pessoa só por isso, deve-se dizer: Não! O procedimento dessa pessoa é censurado por Nosso Senhor no Evangelho. Nosso Senhor, que é Rei da Sabedoria Eterna, ensinou o contrário, ou seja, que essas coisas são secundárias. E tais pessoas, pondo todo empenho de suas vidas nessas coisas, agem de modo irracional e serão condenadas por causa disso no último dia.

Pelo contrário, bem-aventurados serão os que renunciarem à riqueza, aos prazeres, às honras; ou tiverem riquezas, prazeres e honras, mas sempre na disposição de renunciar a qualquer minuto, caso a Causa católica peça. Estes do partido da renúncia, eu vou admirar! E vou desprezar os outros, não vou me permitir admirar uma pessoa que não vive como deve!

Aplicação a si próprio: nas relações com os outros, o que procuro? Busco ser considerado pela minha riqueza? pela vida regalada que levo? por algum título de superioridade que tenha? Então eu não valho nada! Porque o que eu devo é não procurar que os outros me considerem, mas que amem a Deus! encaminhar os outros para o amor de Deus, não querer fixar a atenção sobre mim. Pois nesse caso estarei roubando o que é devido a Deus. Eu devo apenas me preocupar com a dedicação inteira que minha alma deve a Deus Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Santa Igreja Católica.

Então, segundo a escola de Santo Inácio - que é a escola verdadeira - nós devemos de dia e de noite ter estas considerações diante dos olhos e eliminar de dentro de nossa alma, com energia como quem arranca erva daninha, essas considerações mundanas que levam-nos a adorar o dinheiro, os prazeres e as honras.

Isto supõe naturalmente muita oração, porque o homem não cumpre esse propósito de pensar sempre nisso apenas com atos de força de vontade. Este é um pensamento tantas vezes penoso que a pessoa tem dificuldade de mantê-lo sempre em vista. E, mesmo tendo em vista, ter-se-á dificuldade de renunciar a tais coisas. É preciso oração, graças, mortificação para conseguir realizar isso. Mas se se agir por esta forma, conseguir-se-á e dessa maneira se poderá agradar a Deus.

Então, trata-se de ter esta meditação diante dos olhos e orientar suas orações, seu rosário, sua Comunhão, sobretudo, as Missas que assista, enfim todos atos de piedade, de apostolado que se faça, deve-se orientar tudo segundo esta ideia: desapego do dinheiro, dos prazeres e das honras.

Aqui está uma meditação feita segundo a escola de Santo Inácio de Loyola.

(Plínio Corrêa de Oliveira – Santo do Dia – 29 de dezembro de 1973)