quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

SÃO JOÃO BOSCO




Quando o mundo se afasta da Igreja, cai inevitavelmente nos erros mais grosseiros da inteligência, levado pela dissolução dos seus costumes. De fato, os maiores erros da humanidade provieram, não da verdadeira ciência, mas dos pecados dos cientistas, que, deturpando suas inteligências, os conduziram ao erro, quer insensivelmente, quer propositalmente, como meio de desculpar as suas faltas.
É por isso que costuma aparecer livros e teorias pretendendo constituir a moral independente de Deus, muitas vezes mascarando-a com o endeusamento da vontade. Ora, a vontade é verdadeiramente maravilhosa, e reforma verdadeiramente o homem quando coopera com a graça divina, porém é absolutamente impotente quando a despreza.
O homem verdadeiramente honesto é o católico verdadeiro, pois são tantas as paixões que procuram desviá-lo do cumprimento do dever, que é impossível observar todas as suas obrigações, sem a recepção frequente dos sacramentos.
E só o católico verdadeiro, que recebe frequentemente os Sacramentos e corresponde fielmente à graça de Deus com inquebrantável força de vontade, consegue cumprir escrupulosamente os ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo.
São João Bosco nos revela o quanto pode a graça, quando de nossa parte correspondemos fielmente a ela. Dotado de grande força de vontade, desde pequeno alimentava o desejo de ser padre, embora a extrema miséria de sua família e a oposição do irmão levantassem uma barreira que pareceria intransponível a quem confiasse apenas em suas próprias forças.
São João Bosco, no entanto, tinha toda confiança em Nosso Senhor Jesus Cristo, e tudo suportou para corresponder à vocação que possuía pelo sacerdócio.
Depois de ordenado, São João Bosco resolveu dedicar-se inteiramente às crianças abandonadas, reunindo-as determinados dias em “oratórios” como ele designava essas reuniões infantis, para rezarem, divertirem-se em brinquedos honestos e aprenderem o catecismo.
Por suas crianças, São João Bosco de tudo era capaz. Tanto afrontava os poderosos da época, em geral inimigos da Igreja, como esforçava-se em aprender os malabarismos de um artista de circo que com sua arte desviava os meninos do seu “oratório”.
Dentro em pouco, tão numerosas eram as crianças que corriam aos “oratórios”, que São João Bosco concebeu a ideia da fundação de uma nova Sociedade religiosa que se dedicasse exclusivamente à educação da juventude. Animado pelo Bem-aventurado (hoje Santo, n.d.c.) José Cafasso e pelo Papa Pio IX fundou a “Pia Sociedade de São Francisco de Salles” e o “Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora”.
Mais tarde, numa antevisão da “ação católica” instituiu a obra dos cooperadores salesianos, composto quase que exclusivamente de leigos e que tinham por obrigação dedicarem-se às obras de caridade e prestar todo auxílio possível aos vigários, Bispos e ao Santo Padre.
Apesar de inteiramente dedicado aos meninos, São João Bosco quis que de sua casa partissem religiosos para as missões em busca de novas almas para Cristo. Os primeiros salesianos que partiram para as missões eram chefiados por João Cagliero e se dirigiram à América Meridional. Hoje, eles se acham espalhados por todas as missões do mundo.
São João Bosco tinha por lema na vida “Dai-me almas e ficai com o resto”, e durante toda sua existência preocupou-se exclusivamente em ganhar almas para o Céu, não poupando sacrifícios e doçura de trato para conseguir a amizade de seus meninos.
Quando aos 31 de janeiro de 1888, morreu o Santo das crianças, foi extraordinário o número de meninos e ex-alunos de São João Bosco que acorreram ao seu enterro. Desde logo a fama de sua santidade espalhou-se por toda parte. Instaurado o processo para sua beatificação em 1907, Pio XI em 1934 incluía-o entre os Santos da Igreja Católica.
São João Bosco nada tinha de seu, no começo de sua vida, mas confiado exclusivamente na Providência divina, e cooperando fielmente com a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, construiu igrejas, colégios, fundou duas congregações religiosas, ganhou inúmeras almas para o Céu e, o que vale mais que tudo isto, santificou-se. Que Ele, continuando no Céu seu intenso apostolado, conquiste os brasileiros para a Igreja, a fim de que o Brasil se faça uma nação verdadeiramente católica, merecedora das bênçãos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

(PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA - Extraído do jornal "Legionário", de 30 de janeiro de 1938)





sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

SANTO ODILON




Dr. Plínio vai descrever a psicologia de um grande Santo, Santo Odilon cuja festa ocorre a 4 de janeiro. Nesse “Santo do Dia” ele se serve de um hagiógrafo contemporâneo do Santo, o padre Jardet.:

“...Portanto é documento direto, de quem conheceu Santo Odilon. Os senhores podem, nessa descrição, ter a idéia do que era um varão monacal e sacral da Idade Média. E fazer a comparação entre esse tipo e o tipo do progressista por exemplo.
Para começar pelos seus menores méritos:
"Esse homem tinha um passo grave, uma voz admirável."
Um passo grave: os senhores estão vendo que é diferente do saltitar progressista, não é? É um homem que anda com passo firme, pisando onde pisa, mas sem corre-corre.
"Ele falava bem; era uma alegria vê-lo. Seu rosto angélico, seu olhar sereno, cada um de seus movimentos e de seus gestos, todo ato de seu corpo exprimia a honestidade".
A "honestidade" na antiga linguagem, não tinha o sentido de hoje, restrito à virtude por onde não se rouba o que é dos outros. É a honestidade no sentido latino da palavra, "honestas", que é a dignidade, a compostura e a elevação. Quer dizer, um modo exterior de ser que corresponde à virtude interior. É isto.
"Cada dobra de suas vestimentas revelava dignidade, o respeito de si mesmo e dos outros".
Os senhores vejam que beleza isto, um frade, um monge, com sua grande túnica beneditina, e que não anda nunca a não ser com esta dignidade, de tal maneira que qualquer dobra do seu traje revela o respeito que ele tinha de si e dos outros. E esta alma cheia de respeito de si e dos outros, como é uma alma diferente da alma revolucionária a que nós estamos tão habituados.
"Tinha em si qualquer coisa de luminoso que convidava a imitá-lo e a venerá-lo."
É bem o homem no qual está Deus e em que transparece a graça. Aquele comentário de um advogado do Cura de Ars, quando perguntaram: "o que é que vós fostes ver em Ars, o que vistes em Ars? E ele respondeu: Eu vi Deus num homem." Aí os senhores estão vendo Santo Odilon, esta espécie de presença, de transparência de Deus.
"A luz da graça que habitava nele, brilhava, por assim dizer, no exterior manifestando o quilate de sua alma. Porque o comportamento de uma alma, diz-se, transparece na apresentação do rosto.
"Falemos brevemente de sua aparência exterior. Era de porte mediano, seu rosto exprimia simultaneamente autoridade e benevolência".
Isto é uma outra coisa profundamente contra-revolucionária, porque para o revolucionário a autoridade nunca é benevolente, e a benevolência jamais é autoritária. E para o contra-revolucionário, não: a autoridade e a benevolência se aliam. Os senhores estão vendo o rosto deste abade, que era um dos mais altos dignatários da Igreja naquele tempo, e cuja fisionomia exprimia ao mesmo tempo autoridade e benevolência.
"Com os mansos mostrava-se sorridente, acolhedor; mas para com os orgulhosos e rebeldes tornava-se terrível, a ponto de eles não poderem suportar o seu olhar".
Se ele vivesse hoje, incutiria medo no revolucionário; o revolucionário chegando perto dele sentiria susto, sentiria mal estar. Pelo contrário, os contra-revolucionários sentiram nele a bondade, o acolhimento, a afabilidade.
"Nele a magreza acentuava a força e a palidez era elegância".
Não sei se os senhores vêem que espécie de homem é: quer dizer, asceta, esguio, magro, mas magro com elegância. Quer dizer, há um jeito de ser magro, que o sujeito é   desossado, uma geringonça. Mas há um ser magro que é todo animado pela alma. E que toma uma certa elegância. Ele é desse tipo. E a palidez nele era elegante. Há realmente uns pálidos nos quais a palidez é doença. Mas há uns pálidos nos quais a palidez é distinção, é quase uma cor de marfim, é uma coisa superior.
"Os cabelos brancos era uma  distinção. Seus olhos tinham um brilho singular que inspirava ao mesmo tempo o espanto e o temor. Eram olhos acostumados às lágrimas, porque tinha recebido a graça da compunção".
A graça da compunção é aquela pela qual a gente se condói tanto com as coisas de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Nossa Senhora e da Igreja, que se chora por causa disto. Então, eram olhares que tinham o brilho do pranto, que é um brilho suave, é um brilho doce, um brilho convidativo. Os senhores podem imaginar a beleza ver esse homem passar da consideração de Nossa Senhora, para um olhar terrível e fulminante, e depois acariciar um doente ou um pobre... Que diferença de modulações de alma deveria haver nisto, e que privilégio teria sido a gente conhecer esse homem.
"De seus movimentos, de seus gestos, de seu passo, emanava uma espécie de autoridade, de gravidade e de paz".
Os senhores vêem que coisa bonita: autoridade, seriedade e paz. Isto aí é bem a imagem do superior e o ambiente que o superior deve constituir em torno de si.
"Sua acolhida era um raio de alegria e de graça, uma extraordinária surpresa para quem chegava. Era perfeitamente senhor de si. Sem artifício, sem fraudes, a natureza tinha feito dele qualquer coisa de admiravelmente harmônico e todo posto em ordem. Santo Ambrósio tem razão em dizer que a beleza não tem lugar de virtude. Contudo, desprezaremos essa graça?"
Quer dizer, Santo Ambrósio tinha razão de dizer que o varão belo nem por isso é virtuoso. Mas, pergunta o biógrafo: por causa disso desprezaremos a beleza que Deus quis dar a um de seus santos? Santo Ambrósio era um desses homens assim. Os senhores vêem que é uma dessas culminâncias da humanidade, que Deus cria de séculos em séculos para iluminar a Igreja e para mostrar como deve ser um clérigo verdadeiro, inteiramente segundo o espírito de Deus, ou como deve ser o perfeito católico.
"Primeiro na dignidade ele era abade, ele se esforçava por ser igualmente o primeiro no trabalho, seguindo a palavra da Escritura: "Jesus se pôs a operar e a ensinar". Grande leitor, tinha freqüentemente um livro nas mãos, mesmo em viagem".
Não pensem os senhores que era a mesma coisa viajar de avião lendo e viajar a cavalo naquele tempo; cavalo assim... e com estradas péssimas e lendo... E depois, hoje livro é "pocket book"; naquele tempo, era um livraço assim... o sujeito ia carregando, ia andando a cavalo, coisa dura, hein!...
"Enquanto cavalgava, refazia na leitura as forças de sua alma".
Viagens terríveis, hein!... Mas ele ia lendo e refazendo as forças da alma, enquanto  andava a cavalo, gastava as do corpo.
"Quando meditava os livros da sabedoria mundana...
Quer dizer, os livros que não são inspirados pela Igreja.
"...observava com sagacidade aquilo que a voz divina dita ao legislador do Deuteronômio: "A cativa estrangeira poderá tornar-se a esposa de seu vencedor arrasado e de garras cortadas. Autorizado por esse exemplo, guardava na sua memória aquilo que de bom achava nos livros dos filósofos. O resto, quer dizer, o amor e o cuidado dos bens deste mundo, ele extirpava e alijava como coisa infecta e mortal".
Quer dizer, da literatura pagã, aquilo que não servisse de suporte à doutrina católica, ele abandonava, desprezava.
"Perscrutava a Lei Divina com espírito especulativo e penetrante. E sua aplicação à leitura santa, absorvia-o a ponto de torná-lo, por instantes, alheio aos outros e até a si mesmo".
Ele esquecia até de si mesmo no meio daquilo.
"Entregava-se, pode-se dizer, todo inteiro ao livro Sacro. Lá, ele auferia das fontes do Salvador o que distribuía em seguida gratuitamente. Ele rodeava-se de doutores, desejando sempre aprender deles."
Quer dizer, enquanto todos o consideravam um poço de ciência, disso ele não tinha vaidade, não se considerando um grande homem.
"Mas  perscrutava as coisas divinas como uma criança, desejando com toda alma aprender sempre e sempre. Ávido de leituras e incansável na oração, pode-se dizer que a  toda hora era útil aos outros e a si mesmo. Quando guardava o silêncio, estava com o Senhor, mas, se falava, era sempre no Senhor ou do Senhor."
Vejam que magnífico elogio! Quer dizer que quando ele se calava, estava com Deus. Quando ele falava, era de Deus e em Deus. Quer dizer, apoiado por Deus e estimulado por Deus.
Isto aí é uma parte da personalidade dele. Mas é tão longa a descrição, que creio que nós podemos validamente deixar o resto para outro Santo do Dia.

(Plinio Corrêa de Oliveira  - Santo do Dia, 22 de maio de 1972)