sábado, 22 de agosto de 2020

O SENTIDO DE REINO DE DEUS NA SAGRADA ESCRITURA

 


Quando se fala em “Reino” vêm-nos logo à memória os termos “império”, “conquista”, “soberania”, etc. Mas, há diferenças. Imperar é exercer a regência com imposição da vontade do regente sobre os demais; conquistar é o ato de tirar a regência atual e impor uma nova; soberania é o exercício do poder sobre os outros, nem sempre pacífica. No caso da regência perfeita, o “Reino” deve ser o sistema em que o regente exerce sua função de uma forma autêntica e legítima, contando, inclusive, com a plena concordância dos regidos. Foi tal tipo de regência e de Reino que Jesus Cristo veio trazer ao mundo. Ele assim o definiu ao dizer: “O Reino de Deus está entre vós...”. Quer dizer, antes de tudo, no interior de cada homem, mas devendo refletir-se em toda a sociedade.

Havia, pois, um tipo de reino, ou regência da sociedade humana, que estava em ruínas e um outro que estava surgindo. Ambos os reinos não se mediam somente pela natureza humana, mas conjuntamente – a humana e a divina. São João Batista foi o primeiro a proclamar a chegada do novo reino, dizendo “...está próximo o reino dos céus”, indicando não somente aquele reino interior que Deus deve ter sobre os homens, mas também sobre toda a sociedade conjuntamente. Nosso Senhor Jesus Cristo se referiu a seu reino várias vezes, dizendo sempre que o mesmo “não é desse mundo”. Quer dizer, não era um reino daquele mundo pervertido, daquele mundo decadente e imoral, mas de um outro mundo que fosse conforme à vontade divina. É bem verdade que vale também o outro sentido: o Seu Reino é antes de tudo espiritual e eterno, cujo império completo é reservado para a outra vida. Mas, exatamente por isso, é que ele deve prevalecer já desde a vida atual.

No Antigo Testamento há várias referências a um suposto poder temporal do Reino de Deus:

“Pede-me, e eu te darei as nações em tua herança, e estenderei o teu domínio até as extremidades da terra. Governá-la-ás com uma vara de ferro, e quebrá-la-ás como vaso do oleiro. E agora, ó reis, entendei; instruí-vos vós que julgais a terra”. (Sl 2, 8-10)

“Com tua glória e tua majestade, caminha, avança vitoriosamente, reina, por meio da verdade, da mansidão e da justiça” (Sl 44, 5)

“O teu trono, ó Deus, subsistirá por todos os séculos; o cetro do teu reino é cetro de retidão” (Sl 44, 7)

“Porque aqui está Deus, o nosso Deus para sempre, e pelos séculos dos séculos; ele reinará sobre nós eternamente”.(Sl 47, 15).

“O Senhor fará sair de Sião o cetro do seu poder; domina no meio dos teus inimigos” (Sl 109, 2)

“Este povo que andava nas trevas viu nascer uma grande luz; aos que habitavam na região da sombra da morte nasceu-lhes o dia. Multiplicaste a gente e não aumentaste a alegria. Eles se alegrarão quando tu lhes apareceres, como os que se alegram no tempo da messe, e como exultam os vencedores com a presa que tomaram, quando repartem os despojos. Porque tu quebraste o pesado jugo que o oprimia, a vara que lhe rasgava as espáduas e o cetro de seu exator, como o fizeste na jornada de Madian. Porque todo o despojo feito com violência é tumulto, e a vestidura manchada de sangue serão queimados e ficarão sendo o pasto do fogo.

“Porquanto um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado e foi posto o principado sobre o seu ombro; e será chamado Admirável, Conselheiro, Deus forte, Pai do século futuro, Príncipe da paz. O seu império se estenderá cada vez mais e a paz não terá fim; sentar-se-á sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o firmar e fortalecer pelo direito e pela justiça, desde agora e para sempre; fará isto o zelo do Senhor dos exércitos”  (Is 9, 2-7).

“No tempo [quer dizer, no final], porém daqueles reinos suscitará o Deus do céu um Reino que não será jamais destruído, e este seu Reino não passará a outro povo; antes esmigalhará e aniquilará todos estes reinos e ele subsistirá para sempre [ou, até o fim do mundo]. Segundo o que viste que uma pedra foi arrancada do monte sem intervir mão de (homem) e esmigalhou o barro, o ferro, o cobre, a prata, o ouro, com isto mostrou o grande Deus ao Rei o que está para vir nos tempos futuros” (Dan 2, 44-45)

Essa imagem do Reino de Deus aplica-se, neste mundo, à Santa Igreja Católica, mas, há um sentido de reino temporal que aplica-se também a ele, que será a construção de uma Civilização inteiramente adequada e conforme os princípios da mesma Igreja, isto é, um reino temporal em que se viva inteiramente o Evangelho, conforme previu Santo Agostinho em sua famosa obra “A Cidade de Deus”. Será quando cumprir-se-á a frase do Salmo: “Os reis de toda a terra hão de louvar-vos, ó Senhor” (Sl 137, 4). É na direção dessa última conclusão que nos envia o comentário do Profeta Daniel, quando disse que o reino de que fala destruirá todos os outros (ele fala dos reinos temporais então existentes) e subsistirá para sempre. “Para sempre”, quer dizer, vigorará tanto neste mundo como no outro porque será um reino destinado a levar as almas para o Céu Empíreo, onde os homens também regerão. A Igreja Católica existe também não somente neste mundo material (como militante) mas no outro (como gloriosa e padecente).

 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

SÃO PIO X, MODELO DE ENERGIA

 

Na beatificação de Pio X, é intenção da Igreja afirmar que este Papa praticou, em vida, em grau heróico, as virtudes teologais de Fé, Esperança e Caridade, as virtudes cardeais de Justiça, Prudência, Fortaleza e Temperança, pelo que está gozando no Céu a glória correspondente. Em conseqüência, permite a Igreja que lhe seja prestado culto público em certos lugares.

Este pronunciamento tem por objetivo próximo e explícito a própria pessoa do Papa Pio X. Implicitamente, porém, envolve de certo modo uma apreciação sobre seu modo de governar a Igreja. Pois, se o Papa foi heróico nas virtudes cardeais, é que no gerir os mais altos interesses espirituais da Cristandade, não se mostrou nem injusto, nem imprudente, nem fraco, nem intemperante. Antes pelo contrário, foi exímio na prática destas virtudes, não só enquanto homem privado mas ainda enquanto Papa. E suas ações, não só enquanto homem como enquanto Papa nos podem e devem ser propostas como modelo digno de imitação.

Vem pois muito a propósito analisar a conduta do santo Pontífice num episódio absolutamente memorável da vida da Igreja em nosso século, tirando daí preciosos ensinamentos para nossa santificação.

 Uma questão candente

A Igreja se encontra, hoje, em uma das fases mais dramáticas de sua História. Jamais foram tão poderosos, tão radicais, tão militantes os seus inimigos. Lembremos antes de tudo o mundo soviético, que vai da Indochina até a Alemanha, constituindo pois um Império maior do que o de Alexandre ou Carlos Magno. É inútil fechar os olhos à realidade: esse "mundo" forma o maior quisto de ateísmo jamais existente sobre a face da terra. Dentro dos limites circunscritos pela cortina de ferro, agonizam nos cárceres, nos campos de concentração, em outras prisões talvez mais disfarçadas porém não menos cruéis, Cardeais, Arcebispos, Sacerdotes, Missionários, Religiosas, e simples fiéis. É uma oitava parte da população católica do globo que está sujeita assim a um governo direta e oficialmente ateu, que tem por intenção oficial e declarada extinguir a Religião. E este imenso quisto comunista não constitui senão a cabeça do polvo. Seus tentáculos se estendem pelas regiões vizinhas, a Indonésia, Índia, a Pérsia, a desditosa Áustria, a Alemanha Ocidental, e se dividem em ramificações ativas que envolvem como em uma rede toda a Europa Ocidental, a América do Norte e do Sul, e grande parte da África. Nas Universidades, nos Parlamentos, na imprensa, no cinema, no rádio, nos sindicatos, os filamentos desta rede se multiplicam a todo momento. O inimigo não está "ante portas". Está instalado em nossas próprias entranhas.

E se fosse só este! Em face do corpo de doutrinas maciço do comunismo, de sua organização férrea, nada é mais fluido, mais inconsistente, menos orgânico do que a amálgama de princípios, instituições e povos habitualmente considerados anticomunistas.

O extremo oposto do comunismo é o Catolicismo. E, assim, tudo quanto contribui para enfraquecer a influência do Catolicismo constitui cooperação preciosa - se bem que às vezes não intencional - à expansão comunista. E a sociedade ocidental está sendo corroída por toda sorte de vermes que trabalham assim para a vitória do adversário. A literatura e os espetáculos imorais que enervam as forças da resistência da família cristã; a propaganda socialista que sob pretexto de justiça social lança de fato os pobres contra os ricos, mina o princípio da autoridade e semeia o espírito de revolução; o ensino superior ou secundário que apresenta o universo como um grande todo tendo imanentes em si mesmo forças de sua evolução gigantesca e indefinida, um todo que não foi criado por nenhum Deus pessoal e em que o homem não tende para uma felicidade sobrenatural, extra-terrena e eterna; tudo isto fere a civilização cristã na sua própria alma, que é a Igreja Católica, e prepara o campo para o advento do comunismo.

Consideradas assim em seu conjunto as forças que trabalham contra a Igreja, numa imensa ofensiva ora violenta, ora sutil, ora adocicada (é este, tantas vezes, o caso dos socialistas, p. ex.), em que o adversário conquista posições com todas as armas, desde a pólvora até o açúcar, qual deve ser a atitude católica?

Em outros termos, o que fazer: enfrentar a onda ou procurar flutuar sobre ela?

Vários aspectos da questão

Como se enfrentaria a onda? Marcando muito definidamente a diferença entre o espírito da Igreja e as mil e uma manifestações do espírito neopagão de nossos dias, desde as manifestações brutais do comunismo russo até as mais macias blandícies das alas conciliadoras do socialismo, do protestantismo, ou do liberalismo: argumentando do modo mais eficiente contra o espírito neopagão, e a favor da doutrina da Igreja manifestada em toda a sua inteireza, no arrojo de sua nobreza, na sublimidade nua e por vezes trágica de sua austeridade; mostrando às almas que não podem ficar a meio termo entre as duas posições ideológicas; fazendo o possível e até tentando o impossível para as trazer à Igreja de Jesus Cristo.

Como se flutuaria sobre a onda? Evitando de discordar abertamente de qualquer coisa: homens, fatos, doutrinas. Procurando aplaudir o lado bom que há em tudo (pois até o demônio, no mais fundo dos infernos, totalmente mau como é do ponto de vista moral, tem entretanto um ponto em que pode ser elogiado: é o fato de ser criatura de Deus). Acomodando o Catolicismo, tão completamente quanto possível, ao gosto do século: sonhando com a abolição do traje talar para os Sacerdotes, e do celibato eclesiástico, ansiando pela supressão das Ordens meramente contemplativas; formando votos por que a eleição do Papa não toque mais ao Colégio Cardinalício mas ao povo de Roma; preconizando uma participação dos fiéis na celebração litúrgica, mais largamente do que em qualquer outra época de vida da Igreja; trabalhando pela introdução de paramentos litúrgicos muito simples, ou até pela autorização aos Sacerdotes para que celebrem com o "macacão" operário; dando apoio franco ao combate contra todas as diferenças de fortuna ou classe social, etc., etc. Em matéria doutrinária, flutuar sobre a onda consiste em apresentar a doutrina católica do modo mais parecido possível com os erros daquele com quem conversamos. Se ele é panteísta, falemos sobre o Corpo Místico de tal maneira que, sem desmentir claramente nossa doutrina, ele sinta nela um pouco de "sal" panteísta. Se é socialista, brademos mais energicamente do que ele contra toda diferença de classe social. Se é protestante, restrinjamos tanto quanto possível em presença dele os limites do magistério da Igreja.

 Dois sistemas de vida

Sem prejulgar a questão, lembremos aqui um ponto fundamental. É que ela se relaciona com todo um delicado problema de caráter e de feitio mental.

Assim, se alguém é amigo da lógica, da clareza, da franqueza; se tem entusiasmo pela doutrina católica e lhe dói presenciar a impunidade do erro; se é idealista e portanto está disposto a lutar e sofrer para a afirmação dos princípios que professa, será partidário da tática de enfrentar a onda.

Se pelo contrário alguém sofrer de um "complexo" (perdoem-nos os leitores a bárbara expressão) de timidez; se não tem absoluta certeza de suas opiniões nem coragem de as afirmar; se não lhe dói nem lhe incomoda que os outros glorifiquem e propaguem o vício ou o erro; se é amigo sobretudo de sua consideração social, gostando de passar por simpático, moderno, compreensivo, esclarecido; se por fim ama o sossego, e está disposto a todos os silêncios para não suportar lutas e discussões, então será um partidário de "deixar a onda passar", de flutuar sobre ela e de praticar uma política de "prudente" e extensa "adaptação".

Para resumir, há católicos que caminham para o adversário com a espada de fogo de São Miguel Arcanjo; outros pelo contrário julgam fazer melhor aconselhando o guarda-chuva de Chamberlain...

 Ampliando os horizontes

Este problema não é novo. E nem se coloca apenas no terreno religioso. Pois esta diferença de caráter e feitio deita reflexos em todos os campos da atividade humana. Diante do protestantismo, Filipe II personificou a atitude dos que enfrentam o perigo, e de fato se o protestantismo não conquistou a Europa tal se deve - humanamente falando pelo menos - ao grande Rei. Luiz XVI, pelo contrário, procurou contemporizar com a Revolução. Nicolau II também. Foram precursores de Chamberlain... que por sua vez teve e terá seguidores.

 

Durante o pontificado de Pio X

Em última análise, como se vê, a questão é muito velha. De fato ela é até mais antiga do que Felipe II. Data dos primórdios da humanidade. De quando em quando, isto é no que os franceses chamam com toda a propriedade de expressão "les tournants de l’Histoire", ela se põe.

No tempo de Pio X, a atual ofensiva contra a Igreja ainda não tinha atingido o clímax hodierno, mas já estava francamente em vias de desenvolvimento. Nem todos os problemas religiosos daquele tempo se punham como hoje. Mas pelo menos em suas grandes linhas gerais a situação podia ser vista como hoje a vemos. Já havia um forte movimento comunista, o socialismo se estendia por todo o Ocidente, a corrupção dos costumes já tinha entrado a fundo até em lares "cristãos", o espírito de revolta já lavrava francamente por toda a parte. O materialismo, o panteísmo, o evolucionismo já estavam na ordem do dia.

Por isto mesmo, os dois feitios temperamentais também já se tinham definido inteiramente entre os católicos. Uns eram favoráveis à luta. Outros à acomodação. Procuravam "modernizar" o Catolicismo.

 Os "modernistas"

Eram os chamados católicos "modernistas". Constituíam um "movimento" que tinha uma doutrina, uma estratégia, objetivos bem definidos, uma rede de instituições a seu serviço, e toda uma galeria de grandes homens para os chefiar. Como todo "movimento" que se preza, os modernistas tinham até seus "tabus".

 A doutrina

A doutrina modernista consistia em última análise numa longa série de estratagemas e artifícios destinados a conformar o Catolicismo com as idéias religiosas do tempo.

Como dissemos, estas idéias admitiam um Deus impessoal, que estava latente em todas as forças do universo, e que se identificava em última análise com a "Natureza". Este Deus entranhado nos kosmos guiava todas as forças para um progresso indefinido, em que se aperfeiçoaria o mesmo kosmos, e especialmente o gênero humano. Entranhado em todos os seres como a água numa esponja, ou a tinta num mata-borrão, este Deus impessoal também está "embebido" no homem. É uma força que produz em nós sensações interiores, aspirações de caráter religioso mais ou menos vagas. Cada qual procura, então, satisfazer estas aspirações forjando uma religião conforme lhe convenha, ou escolhendo uma das várias religiões já conhecidas. Isto posto, todas as religiões existentes, ou as que ainda se vierem a produzir, são igualmente legítimas, pois preenchem seu papel desde que satisfaçam as aspirações religiosas dos homens que a engendraram. Diante desta concepção, é perfeitamente indiferente indagar se os dogmas desta ou daquela religião são verdadeiros. De fato, todos os dogmas são falsos, produtos da mente humana que os concebeu para sua satisfação. São para os adultos mais ou menos como os contos de fadas para as crianças. Visto deste ângulo, o Catolicismo apresento dois aspectos. De um lado, muito bom: enquanto religião engendrada por uma grande quantidade de homens para se satisfazerem quanto a necessidades religiosas. Outro muito mau: enquanto se pretendesse que os nossos dogmas são realmente verdadeiros pois que, sustentavam, manifestamente eles são tão falsos quanto os de outra religião qualquer. E vinha então toda uma explanação de objeções contra a doutrina católica: negava-se a divindade de Jesus Cristo, a existência do sobrenatural, a própria existência de um Deus pessoal, a veracidade dos fatos narrados nos Livros Sagrados, etc., etc. Se se perguntasse a um sábio desta escola se era Inimigo do Catolicismo, responderia que não, mas que acharia perfeitamente ridículo ver nele uma religião objetivamente verdadeira. Seus dogmas eram falsos, eram mutáveis, de fato já tinham sido uns no início do Cristianismo e seriam outros com o decurso do tempo.

À vista disto, o que faziam os modernistas? Em lugar de desmascarar a doutrina nova, mostrando que em última análise ela negava todas as religiões, inclusive a católica, contemporizavam:

a) - uns, mais "moderados", limitavam-se a fazer coro com os escritores ímpios, em pontos "secundários", isto é, negando a autenticidade de relíquias e fatos hagiográficos veneráveis, até então tidos por incontestes; aceitando interpretações capciosas da Sagrada Escritura, tendentes a dar significado mais "racional" a este ou àquele tópico; pleiteando uma adaptação de toda a disciplina da Igreja aos costumes e estilos do século XX;

b) - outros, mais arrojados, insinuavam a possibilidade de reformar o próprio dogma em pontos reputados "menos importantes", sob a alegação de que alguns deles deveriam acompanhar a marcha das ciências. Pleiteavam também a "reforma" de certos pontos de moral, como a indissolubilidade do casamento, reputados manifestamente anacrônicos.

c) - outros, por fim, já não conhecendo limites para suas audácias, apresentavam em seus livros, em linguagem velada, toda a doutrina dos escritores ímpios.

 

O "movimento"

O modernismo "católico" se propagou nos meios eclesiásticos da Europa e da América com a suavidade e a celeridade de uma mancha de azeite. Quando Pio X subiu ao trono pontifício, já este movimento ideológico constituía uma potência, que contava com a cooperação de professores Universitários, escritores, jornalistas, homens de ação, personalidades de relevo social de toda a espécie.

Houve um diretório que orientasse todo este esforço? E’ difícil responder a esta pergunta, mas é certo que muitas coisas se passavam como se este diretório existisse. Assim, os modernistas de todos os países mantinham entre si uma correspondência estreita, elogiavam-se mutuamente e com ardor, e cooperavam intimamente para o mesmo fim... tudo com tanta precisão, tanta harmonia, tanta conjuração de todos para o objetivo comum, que verdadeiramente em certos momentos se tinha a impressão de que algo de coordenado havia em tanto trabalho.

 A estratégia

Esta impressão era particularmente nítida para quem observasse com diligência a estratégia modernista:

a) antes de tudo, guardavam um tal ou qual segredo. Para melhor "despistar", costumavam evitar a apresentação sistemática e lógica de sua doutrina. Pareciam até discrepar entre si num ou noutro ponto. Era necessária uma análise muito madura para perceber que estas discrepâncias ou eram inteiramente acidentais, ou até inexistentes; e que em meio a tanta aparente balbúrdia havia uma perfeita unidade de pensamento;

b) de outro lado, os mais arrojados não exprimiam inteiramente seu pensamento. Falavam por meio de metáforas, de circunlóquios. Era necessária uma como que iniciação para se chegar ao inteiro conhecimento de seu modo de pensar;

c) para escapar a qualquer condenação pontifícia, chegavam a publicar livros com nome de autores supostos, o que permitia a um mesmo escritor ostentar várias máscaras, e mais facilmente embair os incautos;

d) por fim, intimados a se explicar desdiziam-se com toda a facilidade, para mais tarde, em outra obra, voltar novamente a pregar o erro.

É doloroso dizê-lo, mas esta estratégia era seguida não só por leigos, mas até por Sacerdotes, de tal maneira o fanatismo modernista havia obliterado as consciências.

e) quando alguém atacava suas doutrinas, moviam-lhe uma "guerra total", que ia desde a refutação doutrinária até a campanha de difamação pessoal. E quando nada tinham que objetar doutrinariamente, ou pessoalmente, organizavam a campanha do silêncio. Ao que era assim "castigado" cerravam-se todas as tribunas, todas as redações de jornais, as portas de todas as revistas, e até de muitas associações religiosas. Era o ostracismo.

 Os objetivos

Os objetivos do movimenta eram claros. Tratava-se de transformar a Igreja por dentro. Era uma evolução a ser feita maciamente, sem choques nem barulho, mas que deveria ser, em última análise, a maior das transformações sofridas pela Igreja em sua história vinte vezes secular. Para isto, era essencial que os modernistas ficassem dentro dos ambientes católicos; que ocupassem cátedras, púlpitos, jornais e revistas católicos; que falassem sempre em nome da opinião católica. Em nossos dias chamar-se-ia a isto uma quinta coluna. Mas, no tempo de Pio X, o vocábulo ainda não existia É frisante o caso de um Sacerdote modernista cujo livro fora condenado. Perguntaram-lhe se se revoltaria e deixaria a batina, ou se abjuraria suas idéias. Ele sorriu e, indicando que não faria uma coisa nem outra, deu esta resposta: "comprarei uma batina nova".

 A posição de Pio X

O que faria o Papa? Diante do modernismo, fecharia os olhos? Muitos motivos pareciam aconselhar esta tática:

a) vários chefes modernistas eram inteligentes, capazes de uma atividade apostólica intensíssima, de uma probidade de vida indiscutível. Seria sumamente doloroso golpear pessoas dignas de tanta consideração;

b) depois, golpeando-as não se correria o risco de as arrastar à apostasia? Dado que entre os apóstatas eventuais estava número não pequeno de Sacerdotes, inclusive Religiosos, não haveria com isto notável escândalo para o povo fiel?

c) valeria a pena dividir os católicos numa época de lutas?

d) o Papa é pai de misericórdia. Fica bem ao seu ministério agir com severidade em relação a uma corrente em cujas fileiras haveria possivelmente multas pessoas bem intencionadas?

Este último ponto, especialmente, chamava a atenção. Pio X era de uma bondade angélica. Ninguém se aproximava dele sem experimentar os eflúvios de sua bondade. Iria ele agir com uma severidade que parecia tão contrária a seu temperamento?

 A solução de um Santo

Primeiramente, com bondade paternal, Pio X advertiu em particular aos principais responsáveis, aconselhando-os, exortando-os, advertindo-os. Dada a inutilidade destes esforços, começou a tomar atitudes públicas, referindo-se ao assunto com uma energia cheia de prognósticos severos. A 3 de Julho de 1907, a Sagrada Inquisição Romana e Universal publicou o famoso decreto "Lamentabili", em que se condensavam os principais doutrinas modernistas, todas condenadas pela Igreja. Ainda isto não foi suficiente. Pio X deu então o golpe fulminante que foi a Encíclica "Pascendi Dominici Gregis", de 8 de Setembro de 1907, em que com uma energia que se poderia chamar hercúlea se, mais do que isto, não fosse sobrenatural, denunciou e estigmatizou o modernismo.

Nesta Encíclica, Pio X expõe longamente toda a doutrina modernista, mostra sua identidade com o pensamento ímpio em voga no século XX, historia as origens do movimento, sua tática, a perfídia de seus estratagemas, a insinceridade de seus processos de ação, e por fim indica os remédios para esta "torrente de gravíssimos erros que às claras e às ocultas se vai avolumando".

Por fim, uma série de excomunhões das mais severas, expulsando das fileiras católicas muitos chefes do movimento, acabou por desmontar todo o sistema de incrustação modernista nas fileiras da Igreja.

 

A atualidade do exemplo

Antes de tudo, notemos como Pio X se colocou em posição inteiramente oposta ao campo dos que acham melhor recuar diante do adversário, e passar por debaixo dele, do que enfrentá-lo. É este um primeiro exemplo que devemos atentamente meditar.

De outro lado, notemos como Pio X - o próprio Pontífice em que os homens aclamavam uma bondade que mais parecia de Anjo do que de homem - soube ser de uma energia invencível face ao mal. É que a bondade não exclui a energia, pelo contrário, a completa. E contra os que se obstinam no mal cumpre ser enérgico em toda a medida do necessário para impedir que eles propaguem seus erros e transviem os bons. Assim é que age o Bom Pastor, em relação ao lobo com pele de ovelha...

Por fim, consideremos a confiança de Pio X no sobrenatural. A força da Igreja não vem dos homens, mas de Deus. No cumprimento de sua missão, não tem que recear, nem tiranos, nem multidões. Confiante em Deus, pode proceder com evangélico desassombro, porque a vitória será sua.

Estes exemplos têm uma aplicação profunda na vida de todos nós. Quando tivermos de lutar contra os erros modernos de que está saturado o ambiente que todos freqüentamos, saberemos que nosso dever é de reagir e não de recuar. Quando um falso ideal de bondade nos sugerir a covardia diante da impiedade triunfante, saberemos que a bondade não consiste em permitir que os maus dizimem à vontade os nossos irmãos. Quando nos parecer que a luta é por demais desigual, continuaremos a lutar até com vigor redobrado, pois saberemos que nossa vitória vem de Deus e não de nós.

 

(Plínio Corrêa de Oliveira – “Catolicismo” – junho de 1951)

 

A REGÊNCIA ATRAVÉS DO CONVÍVIO SOCIAL

 



Uma das coisas primordiais para o aperfeiçoamento humano é o convívio social. E será pelo convívio que as pessoas poderão mais facilmente aprender como ser regidos, co-reger ou mesmo reger a sociedade em que vive. Conviver é o mesmo que “viver com”, ter uma vida participativa com as pessoas de seu relacionamento mais próximo, e, às vezes, até mais afastado. O homem nasceu para viver em sociedade, mas não somente na sociedade terrena, pois faz parte do nosso convívio todos aqueles que vivem na eternidade.

O primeiro relacionamento social, o princípio básico de se relacionar com outro ser é o que diz respeito ao próprio Deus.  Então, quando estamos próximos de Deus em nossos pensamentos, em nossas orações e nos atos, cumprindo seus mandamentos e O adorando como Ele merece, O amando como Ele é amável, estamos iniciando um convívio que não é meramente terreno, mas celeste. Sempre que meditamos coisas divinas, nosso coração sente o palpitar da centelha divina, que nos alimenta com coisas boas e nos dá segurança nos nossos juízos interiores e em nossas decisões. É Deus agindo em nosso interior, em nosso íntimo, no  âmago de nossa alma, relacionando-Se conosco.  É assim que convivemos com Deus em nosso interior. 

Mas, o convívio com Deus pede que seja feito não somente com o Pai, mas também com o Filho e o Espírito Santo, pois são estas três Pessoas Divinas que compõem a divindade. Assim, precisamos se deixar levar pelas inspirações do Espírito Santo e, ouvindo conselhos sábios de irmãos mais santos ou mais cultos, participando de atividades apostólicas benfazejas para o Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja, poderemos dessa forma ter uma convivência com o Espírito Santo. Depois disso, obedecendo às mesmas inspirações d’Ele, fazemos nossa confissão a um Sacerdote, uma convivência interior e íntima entre nós e o representante de Deus com poderes de perdoar nossos pecados, e ficaremos prontos para conviver com o Filho, indo à igreja e recebendo-O na Hóstia Consagrada. Até aqui podemos dizer que temos a convivência interior com a Santíssima Trindade. Para completar essa abençoada convivência, nada melhor do que a devoção à Nossa Senhora e a São José, que do Céu nos dirigem, nos protegem e até nos ensinam a viver a convivência perfeita com Deus.

De outro lado, a convivência humana não para aí.  Pois Deus quer que convivamos com todos os seres por Ele criados, os anjos e os homens. Estes últimos estão facilmente ao nosso alcance, pois alguns ainda vivem ao nosso lado nessa vida terrena. Quanto aos Santos Anjos, a convivência com eles é meramente espiritual, vez por outra alentada por uma ação em nossa vida que nos faz senti-los mais de perto. Rezando a eles pedindo suas proteções, orientações, conselhos, governo, etc., estaremos estabelecendo uma profícua convivência angélica.  Embora seja mais sentida interiormente, ela se refletirá em toda a nossa vida e atuação terrena.

Depois, temos a convivência com os homens, mas não aqueles com os quais vivemos neste mundo, mas com aqueles que partiram para eternidade. Mais uma convivência meramente interior e espiritual. São as almas de nossos entes queridos e todos aqueles já falecidos, pelos quais temos obrigação de rezar ou pedir auxílio em nossas necessidades. Nessa última categoria estão não somente aqueles que sabemos ter morrido em odor de santidade, mas os santos canonizados pela Igreja, que estão no Céu a nos proteger e nos preparar para a glória eterna.

Finalmente, por último, convivemos com as pessoas que ainda vivem. Estão ao nosso lado, pelo menos de uma forma material. Precisamos conviver uns com outros a fim de nos reger e ser regidos, aprender a viver santamente, e nos preparar para a eternidade. Ninguém consegue viver isolado dos demais, Deus nos fez com disposições próprias a viver em sociedade. Por isso ser tão salutar ter bom convívio social. Há pessoas que moram ao lado de outras, mas vivem isolados, por desejo próprio ou por causa dos demais, trazendo grande mal ao seu desenvolvimento social e humano. A solidão é um grande mal, que a sociedade moderna não consegue vencer porque o homem de hoje não entende essa relação de convívio social numa hierarquia que começa em Deus para terminar naquele que está ao seu lado nessa vida. Como é que devemos ter uma boa convivência social? Suportando os defeitos do próximo? Tendo que tolerar até mesmo os importunos ou pessoas ruins que nos atormentam? Tudo isso é possível, dependendo de onde e com quem se convive. Mas, o essencial é que só conseguiremos equilíbrio de ação social nesse convívio se antes dele tivermos uma boa convivência com Deus, Nossa Senhora, São José, os Santos Anjos e os Bem-aventurados. Tudo dará certo se obedecermos essa sequência hierárquica. Com as pessoas com as quais vivemos aprendemos a prática das virtudes, mas também seus vícios; através delas recebemos inspirações divinas, mas também diabólicas; é pelo convívio social que a boa e a má regência podem influir em nosso desenvolvimento espiritual. Se tivermos boa convivência espiritual com os seres celestes, teremos luzes para perceber onde está o erro e recusá-lo, e onde está o bem e praticá-lo.

Somente assim, conseguiremos ter uma boa regência nessa vida.

 

 


quinta-feira, 20 de agosto de 2020

A DUPLA REGÊNCIA DENTRO DO LAR

 


O homem (esposo e pai) exerce, como que, a regência imperativa  dentro do lar, enquanto a mulher (esposa e mãe) exerce a regência “política”, co-regida e misericordiosa. Assim como na sociedade Deus colocou estes dois tipos de regências, representados pelos poderes político e religioso, da mesma forma ambos foram introduzidos no ambiente familiar, pois já nascem com a própria natureza humana. O homem, por sua própria índole, já nasce com pendor para mandar, dirigir, reger imperativamente, enquanto que a mulher demonstra, pelo contrário, uma índole “diplomática”, afetiva e dócil, geralmente mais como auxiliar do homem. Já desde criança a natureza vai demonstrando tais pendores.

Essa dualidade de regências deve atuar em consonância uma com a outra, sem que uma predomine inteiramente, e também de uma forma alternada a depender das circunstâncias: pois há momentos em que há necessidade de impor a ordem pela força e outras em que a mesma deve apenas ser regida, ou co-regida.

Abaixo transcrevemos parte do estudo feito pelo Cardeal Ângelo Herrera, então Bispo de Málaga, “Verbum Vitae – La Palavra de Cristo”, publicado na obra do Dr.. Plínio Corrêa de Oliveira “Nobreza e Elites Tradicionais Análogas” (Editora Civilização), constante de vários esquemas de homilias sobre a aristocracia (aqui apresentada como a regência amorosa):

 Aristocracia na família

“A. Por certa analogia pode-se dizer que o poder aristocrático dentro do lar está reservado à mulher.

a) A autoridade corresponde ao marido.

b) Mas a mulher dentro da família é um elemento de moderação e de conselho.

c) É um elemento de relação entre pai e filhos.

1. Por ela se tornam muitas vezes eficazes, junto aos filhos, as ordens do pai.

2. Através dela chegam ao pai as necessidades e os desejos dos filhos.

B. São Tomás diz que o pai governa os filhos com o governo “despótico”, no sentido clássico da palavra, e a mulher com o governo “político”.

a) Porque a mulher é conselheira e participa do governo do pai.

b) A mulher, por outro lado, tem como que a representação da caridade dentro da família. É como que a personificação da misericórdia no lar.

c) É a que deve estar mais atenta às necessidades dos filhos e criados e mais pronta a mover o pai a remedia-los.

C. No Evangelho aparece muito claro o contraste entre a falta de misericórdia, de caridade, de espírito aristocrático dos apóstolos na cena que comentamos e a inefável missão aristocrática que desempenhou Maria Santíssima nas Bodas de Caná.

a) Atenta às necessidades dos demais, Maria aproxima-se de quem pode remedia-las para as expor.

b) E depois se aproxima do povo, representado pelos criados, para mostrar-lhes que devem ser obedientes” (op. cit. pág. 246)

 O papel da mãe na família

De algum modo a regência da mãe num lar é superior a do pai. Vejamos as razões. Foi dada à Mãe de todas as mães o dom dessa suprema regência já em seu próprio lar santíssimo por ser a que gerou o Filho, o supremo regedor do Universo

Feliz o homem a quem Deus deu uma santa mãe! Essa expressão aparece nos lábios de vários educadores católicos. Quantas mães imprimiram profundamente na alma dos filhos o respeito, o culto, a adoração de Deus; desse Deus de quem elas próprias eram, pela pureza da sua vida, uma imagem viva! A mulher cristã, como mãe, santifica o filho; como filha, edifica o pai; como irmã, ajuda o irmão; como esposa, santifica o marido, exercendo assim um papel eminentemente aristocrático no lar.

A aspiração da santidade deve ser sempre a maior entre as mães. “Quero fazer do meu filho um santo”, dizia a mãe de Santo Atanásio. “Mil vezes obrigado, meu Deus, por me terdes dado uma santa mãe”, exclamava, quando da morte de Santa Emília, o seu filho São Basílio Magno. “Oh meu Deus!, devo tudo à minha mãe!” , dizia Santo Agostinho.

Como reconhecimento por tê-lo marcado tão profundamente pela doutrina de Cristo, São Gregório Magno mandou pintar a mãe Sílvia ao seu lado, vestida de branco e com a mitra dos doutores, estendendo dois dedos da mão direita, como para abençoar e tendo na mão esquerda o livro dos Santos Evangelhos sob os olhos do filho.

Quem nos deu São Bernardo e o tornou tão puro, tão forte, tão abrasado no amor de Deus? A sua mãe, Aleth, embora saibamos que tudo nos santos depende muito mais das graças divinas. Mas as mães são como os Santos Anjos que ajudam abrir as janelas da alma para que as graças nela penetrem.

O próprio Napoleão teve de reconhecer: “O futuro de uma criança é obra da sua mãe”. Quando se é alguém, é muito difícil que isso não se deva, além das graças de Deus, à mãe. “Oh meu pai e minha mãe!, que vivestes tão modestamente – disse Pasteur – é a vós que tudo devo! Oh minha valorosa mãe, comunicaste-me o vosso entusiasmo. Se sempre associei a grandeza da ciência à grandeza da pátria, é porque estava cheio dos sentimentos que me inspirastes”.  A alguém que o felicitava por ter desde a infância o amor à vida de piedade, o Santo Cura d’Ars disse: “Depois de Deus, isso deve-se à minha mãe”.

Quase todos os santos receberam das mães as bases da sua santidade.

Pode-se dizer igualmente que os grandes homens foram formados pelas mães. O Bispo Cartulfo, numa carta dirigida a Carlos Magno, faz-lhe recordar a sua mãe Berta e diz: “Oh Rei!, se Deus Todo-Poderoso vos elevou em honra e glória acima dos vossos contemporâneos e de todos os vossos predecessores, ficastes a devê-lo sobretudo às virtudes da vossa mãe!”

Duas mães piedosas e santas tiveram papel importante na formação de dois grandes reis santos, São Luís, rei de França, e São Fernando, rei de Castela e de Leão. Dizem os cronistas que D. Branca, mãe de São Luís, foi tudo para ele e o Reino. A mãe de São Fernando chorava de emoção ao descobrir que tinha um filho santo, fato que não se dava pelo fato do mesmo ser rei.

 A mãe também deve, às vezes, exercer a regência imperativa e coercitiva

A mãe é no lar aquela chama resplandecente de que fala o Evangelho, a irradiar sobre todos a luz da fé e o fogo da caridade divina. Compete-lhe alimentar na família o pensamento da soberania de Deus, nosso primeiro princípio e nosso último fim, o amor e reconhecimento que devemos ter pela sua infinita bondade, o temor da sua justiça, o espírito de religião que nos une a ele, a pureza dos costumes, a honestidade dos atos e a sinceridade das palavras, o devotamento e ajuda mútua, o trabalho e a temperança. Mas, há momentos em que, na falta do poder paterno, se exige dela um agir mais forte, mais decidida, ou, até mesmo, com o uso da força, como se fora o próprio homem.

Vejamos um discurso de Pio XII sobre o papel da esposa dentro do lar, pronunciado a 11 de março de 1942, ressaltando ser ela “o sol da família”:

 “A esposa vem a ser como o sol que ilumina a família. Ouvi o que dela diz a Sagrada Escritura: Mulher formosa deleita o marido, mulher modesta duplica seu encanto. O sol brilha no céu do Senhor, a mulher bela, em sua casa bem regalada.

“Sim, a esposa e mãe é o sol da família. É o sol com sua generosidade e abnegação, com sua constante prontidão, com sua delicadeza vigilante e previdente em tudo quanto pode alegrar a vida de seu marido e de seus filhos. Ela difunde em torno de si a luz e o calor; e, se ocorre dizer-se de um matrimônio que é feliz quando cada um dos cônjuges, ao contrário, se consagra a fazer feliz não a si mesmo, mas ao outro, este nobre sentimento e intenção, ainda que obrigue a ambos, é, sem embargo, virtude principal da mulher, que lhe nasce com as palpitações de mãe e com a maturidade do coração; maturidade que, se recebe amarguras, não quer dar senão alegrias; se recebe humilhações, não quer devolver senão dignidade e respeito, semelhante ao sol que, com seus albores, alegra a nebulosa manhã e doura as nuvens com os raios de seu ocaso.

“A esposa é o sol da família com a claridade de seu olhar e com o fogo de sua palavra; olhar e palavra que penetram docemente na alma, a vencem e enternecem e se elevam fora do tumulto das paixões, arrastando o homem para a alegria do bem e da convivência familiar, depois de uma larga jornada de continuado e muitas vezes fatigante trabalho no escritório ou no campo, ou nas exigentes atividades do comércio e da indústria.

“A esposa é o sol da família com sua ingênua natureza, com sua digna sensibilidade e com sua majestade cristã e honesta, tanto no recolhimento e na retidão do espírito quanto na sutil harmonia de seu porte e de seu vestir, de seu adorno e de sua modéstia, reservada a par de afetuosa. Sentimentos delicados, graciosos gestos do rosto, ingênuos silêncios e sorrisos, um condescendente sinal de cabeça, lhe dão a graça de uma flor seleta e sem embargo singela que abre sua corola para receber e refletir as cores do sol.

“Oh, se soubésseis quão profundos sentimentos de amor e de gratidão suscita e imprime no coração do pai de família e dos filhos semelhante imagem de esposa e de mãe!”

 

No Livro dos Provérbios se destaca o papel da esposa dentro do lar, como fiel adjutório do marido, especialmente este versículo “Seu marido será ilustre na assembléia dos juízes, quando estiver assentado com os anciãos da terra (Prov 31-10-23)”. Aí está explicitado o papel da esposa auxiliando seu marido na regência da sociedade, pois a “assembleia dos juízes” nada mais é do que a reunião entre aqueles que regem o povo. E se a esposa torna o marido “ilustre” entre os demais é claro que obterá mais influência para bom desempenho de seu papel.

 


terça-feira, 18 de agosto de 2020

SANTA HELENA, MÃE DO PRIMEIRO IMPERADOR CRISTÃO

 


Hoje é festa de Santa Helena, imperatriz e viúva. Mãe de Constantino Magno, e a quem se deve a Invenção da Verdadeira Cruz. E é a Novena do Imaculado Coração de Maria também.

A importância de Santa Helena vem não só do fato de ela ter sido imperatriz, mas também de que teve sobre Constantino uma influência semelhante àquela de Santa Clotilde sobre Clóvis.

Constantino, o primeiro imperador, faz uma promessa para ver se, com o auxílio de Nosso Senhor Jesus Cristo venceria seus adversários; recebe a confirmação dessa promessa e, de fato, vence e derruba a estrutura do Estado pagão.

Evidentemente não podemos deixar de reconhecer uma relação de causa e efeito entre isto e o fato de que, apesar de até o fim de sua vida não ter dado provas de santidade - pelo contrário há muitas objeções a fazer à vida pessoal de Constantino - ter feito, no entanto, uma obra magnífica.

Quando nos lembramos de Santa Mônica rezando por Santo Agostinho e obtendo a conversão dele; quando nos recordamos de Santa Clotilde, inspirando e obtendo a conversão de Clóvis, é impossível não supor que Santa Helena não tenha inspirado, a fundo, Constantino. E que a atitude deste último não tenha sido, em grande parte, decorrente da influência que ela exercia sobre si.

Ora, nossa finalidade consiste em lutar pela restauração da ordem social e temporal católica. E é evidente que não podemos deixar de reconhecer, com muita alegria, o trabalho feito por ela precisamente para isto: tomar o império, que era pagão e não só fazer cessar as perseguições, mas fazer com que o imperador começasse a edificar uma nova ordem temporal que, se não chegou a ter a plenitude de catolicidade que teve o Estado medieval, foi a primeira tentativa para constituir uma ordem temporal católica.

Tentativa, por vários lados, verdadeiramente gloriosa. Não só porque o Edito de Milão dava liberdade para a Igreja, mas porque também mandava fechar todos os cultos pagãos. E, realmente, a partir daquele tempo, veio um ideal de unidade imperial católico que a Idade Média conservou e do qual surgiu, depois, a estrutura do Sacro Império Romano Alemão.

Vemos, portanto, como Santa Helena estava na raiz, pela sua mão e pelo seu exemplo, de um mundo de realizações gloriosas, de idéias grandiosas, de princípios que repercutiriam depois até a queda do sacro Império Romano Alemão e até os nossos dias.

Quem luta pelo ideal do estado da ordem temporal católica não pode deixar de ter muita veneração por santa Helena e compreender, com este exemplo, o papel da oração nessas coisas. Mas - veja-se bem - compreender o papel da oração equilibradamente. Porque há um certo modo de falar do papel da oração que tem um aspecto de sentimentalismo e um insinuar de que não adianta fazer mais nada, basta rezar. E isso não é. É o papel da oração para mover à ação que desencadeia e realiza o seu fim.

Então, temos Santa Helena rezando, Constantino lutando. E lutando com as armas, com o emblema de Nosso Senhor Jesus Cristo no lábaro, de armas na mão para impor aquilo, para alcançar a sua vitória. Aqui o equilíbrio é perfeito: Santa Helena reza, mas reza de uma oração que, com certeza, foi acompanhada de muito apostolado com o filho e este cuida dos meios materiais – inclusive militares – para realizar o que, sem dúvida, sua mãe desejaria realizar, porque é impossível imaginar que Santa Helena não quisesse ardentemente o que seu filho realizou.

Então, temos um equilíbrio entre a oração e a ação. A oração, que é realmente a razão mais fecunda do desencadear dos fatos, mas depois estes realizam o que se quer. Portanto, uma oração que não é uma condenação da ação, não uma forma de sentimentalismo, por onde a ação fica quase suspeita: “Você está agindo? Ihhh! Pensei que estivesse rezando...”. Não é isto. Mas também não é o contrário: age, age e age, porque só a ação dá certo. Vemos aí o papel primordial, se bem que não único, da oração e a necessidade da ação, segundo os planos comuns de Deus. É preciso agir.

É muito bonito que esta santa tenha sido, ao mesmo tempo, a santa que encontrou a verdadeira Cruz. Sabe-se que ela se serviu de revelações privadas, de tradições do local e que, afinal, encontrou a verdadeira Cruz, que foi cercada de milagres, de bênçãos, e é a Cruz da qual se espalham fragmentos por toda a Terra. Os senhores compreendem o que representa para uma mulher, ao mesmo tempo, ser mãe do primeiro imperador cristão e ser aquela que tira das entranhas da terra a verdadeira Cruz, com todos os benefícios que foram espalhados pela terra por tal relíquia, pelos atos de adoração à verdadeira Cruz...

Todos esses benefícios têm Santa Helena na sua origem. Aí se compreende o vulto dessa mulher, sua estatura de alma e se compreende também o que é uma grande missão. Mas também se compreende algo do respeito do feitio feminino, quando é verdadeiramente católico, sem nada em comum com o tipo de mulherica tão em voga hoje em dia. É o grande tipo de mulher que, verdadeiramente, vive só para Nosso Senhor. Matrona de alma alta, de horizontes largos, considerando as coisas a partir dos seus aspectos mais sublimes e de maior alcance. E que, por causa disso, transforma um Império e dá ao mundo a dádiva imensamente grandiosa da verdadeira Cruz de Cristo.

Quanto esses horizontes são diferentes dos de certo tipo de pessoas que hoje em dia frequentam as igrejas: basta anunciar uma cantoria e elas se enchem...

Gostaria de perguntar a esse tipo de pessoas: “Os senhores pensaram no Império Romano? Os senhores pensaram na verdadeira Cruz? Os senhores têm as idéias voltadas para a atualidade dos problemas do Brasil, no qual, ao contrário da obra de Constantino, está para ser feita a implantação da foice e do martelo? Os senhores rezaram por isto? Os senhores sofrem com isto? Os senhores pensam na possibilidade desses fragmentos da verdadeira Cruz desaparecerem completamente nas mãos dos comunistas, ecologistas, sem terra, e tantos outros, quando tomarem a terra? E, sobretudo, os senhores pensam numa coisa mais grave, que são as almas, que valem mais que a própria Cruz de Cristo? Porque Cristo teria morrido por cada um de nós ainda que se tratasse de salvar só a nós. Mas, para uma cruz, Ele não teria morrido, por mais sagrado que seja, é um objeto material. O senhor, a senhora pensa nessas almas que poderão se perder?”...

Quantas pensam nisto? Horizontes mínimos... minúsculos! O gosto das orações vai para o padre cantor, para o marido, para uma enxaqueca que têm ou então para uma tia que mandou uma carta e está meio aflita porque ela, por sua vez, tem um tio que está doente na Espanha...

Os senhores compreendem como isto são horizontes completamente diferentes destes. E, através disso, os senhores compreendem o que é a altura do verdadeiro espírito católico, do espírito contra-revolucionário.

Vamos, portanto, nos recomendar a Santa Helena no dia de hoje.

 

(Plínio Corrêa de Oliveira - Santo do Dia – 18 de agosto de 1964)