quarta-feira, 28 de novembro de 2018

OS CORPOS MÍSTICOS E A "BAGARRE"






Antes de tudo, algumas definições: o Corpo Místico de Cristo corresponde à Santa Igreja Católica Apostólica, Romana, em toda a sua extensão, terrena e divina (quer dizer, militante e gloriosa ou reinante). O corpo místico de Satanás seria o inverso, ou seja, um grupo formado por homens e anjos maus que combatem o Corpo Místico de Cristo e formariam uma espécie de “igreja satânica”. Quanto ao termo “bagarre”, significa confusão ou caos em francês, e foi utilizado pelo Dr. Plínio Corrêa de Oliveira para caracterizar a situação caótica e confusa do mundo de hoje, com seu auge chegando a um tal clímax que somente a palavra “bagarre” para o caracterizar.
De algum modo fica até fácil que se entenda o Corpo Místico de Cristo, pois a Igreja é uma instituição divina palpável e presente entre os homens. No entanto, o corpo místico de Satanás, ou a “igreja do demônio”, como age nas trevas (apesar de também estar presente é quase invisível), nos cria dificuldades ao se querer defini-la em um sentido metafísico ou filosófico mais preciso. Mas, apesar disso, ele existe e atua...
Como é que um ser humano participa de um corpo místico? Pertence ao Corpo Místico de Cristo todo homem batizado na Santa Igreja Católica e nela perseverante na freqüência de seus Sacramentos e na adesão ao primado de Pedro. Poder-se-ia dizer que pertence ao corpo místico de Satanás todo homem que peca, que se revolta contra Deus, mas este pecado (ou estado de revolta) teria uma característica especial que o faz cumpridor dos planos de Satanás na destruição da verdadeira Igreja. Assim, um católico mesmo estando em pecado mortal continua a ser membro do Corpo Místico de Cristo (embora seja temporariamente um membro morto pela falta da graça divina). A fim de que ele passe a pertencer inteiramente ao corpo místico de Satanás terá que cometer tais pecados ou chegar a um tal estado de revolta que o faça inteiramente a serviço do inimigo da Criação e das almas.
É esta última condição que quero analisar.  Ora, os pecados podem ser individuais e coletivos, isto é, o homem peca sozinho ou com os demais; ou peca apenas com uma pessoa ou com um grupo de pessoas. Assim, os pecados coletivos podem levar os homens a constituir um corpo místico de Satanás. O pecador quando peca sozinho expulsa Deus do interior de sua alma, mas é ainda considerado (sendo católico) membro do Corpo Místico de Cristo (um membro morto mas a espera da ressurreição ou volta para o mesmo Corpo)  e sujeito à remissão pela graça da Confissão. No entanto, ele pode pecar com outra pessoa e, naquele instante, cria um vínculo pecaminoso com outro na revolta contra Deus. Indo mais adiante, pode haver um grupo de pessoas ou uma sociedade inteira que cometa determinados pecados, e aí no caso teríamos uma “sociedade mística de Satanás” atuando contra Deus.
Exemplos: o pecado do liberalismo, do laicismo, do estado totalitário, no campo social, e os pecados de divórcio, amor-livre, sodomia e taras sexuais no âmbito moral. Há também um pecado coletivo, muito comum entre pagãos, que é o espírito de vingança, que pode levar à guerra e ao mata-mata do banditismo. E este pecado de espírito de vingança tornou-se muito comum no Brasil. Basta verificar que, ao ocorrer determinado crime, as pessoas gritam logo “por justiça”, isto é, querem de qualquer forma ver o criminoso punido. Mas essa punição é desejada mais como vingança do que como justiça. Todos estes pecados levam às sociedades a participarem do corpo místico de Satanás através dos pecados individuais ou coletivos de seus membros.
Imagina-se que a sociedade dita satânica, ou o seu corpo místico, só seria composta de bruxos, magos ou satanistas. Mas, não; estes poderiam até ser os elementos de proa, o seu “corpo docente”, mas todo o restante do corpo místico de Satanás é composto por todos aqueles que cometem pecados coletivos e levam toda a sociedade a descaracterizar ou destruir a Igreja de Cristo entre os homens.

O caminho da desesperança e os “serial killer”
O pecado coletivo que está detonando a “bagarre” seria o da falta de Confiança, ou o da Desesperança, corolário de um conjunto de outros pecados coletivos. E este tem crescido assustadoramente nos últimos dias. Trata-se de um pecado contra o Espírito Santo, pois levando ao desespero, leva também à perdição eterna. E há muitos anos que se repetem os crimes chamados de “serial killer”, matança indiscriminada de pessoas, especialmente nos Estados Unidos da América, com destaque para o estado da Flórida.
Vamos começar analisando um caso no Brasil (país, onde não ocorrem tais eventos como lá na América do Norte): a 7 de abril de 2011 no Rio de Janeiro, um jovem entra atirando numa escola, mata vários garotos e depois se suicida. Trata-se apenas da repetição de uma cena já vista em outros países. É a consumação máxima do desespero, o qual pretende se espalhar despoticamente sobre o resto da população.
O atirador deveria estar possesso. E pertencendo ao corpo místico de Satanás por causa de um pecado coletivo: o da desesperança. Este pecado, ou situação espiritual, é estimulado (embora não seja o principal fator) pelo mundo virtual, hoje profuso. O homem vive num mundo irreal, ilusório e virtual e, de repente, transforma este mundo em realidade. Ele “acorda” de seu mundo interior, todo feito de revoltas contra a Ordem do Universo, querendo destruir o mundo real que há em volta dele.
O demônio quer que haja este tipo de ataques, de matanças em massa, a fim de aumentar a desesperança entre as pessoas. E tudo indica que o atirador agiu por impulsos diabólicos, demonstrando rara perícia no manejo das armas e na frieza das execuções das crianças. Um homem em seu estado normal não teria tanta frieza. Deveria estar possesso...

O massacre da Noruega (julho de 2011)
Os acontecimentos mundiais há muito tempo que não são mais analisados segundo certa lógica sociológica ou, por assim dizer, política e social. Aliás, tal é o caos que nada mais parece ter lógica para quem analisa certos fatos que ocorrem atualmente. 
Um deles foi o atentado perpetrado pelo “serial killer” norueguês. Os meios de comunicação o descrevem, geralmente, com dois aspectos: um de certa simpatia e outro de completa aversão. A simpatia vem por conta de seu porte físico, seu cabelo louro, seus olhos azuis, enfim, sua cultura e sua ascendência um tanto simpática. A aversão vem, unicamente, por causa de sua “ideologia”, na qual ele era descrito como “fundamentalista cristão de direita” e mostrado sempre numa foto em que posou ao lado de uma cruz suástica nazista.
Para se analisar tal episódio temos que ter alguns pressupostos. Primeiro: a Revolução é dirigida por forças secretas, onde o próprio Satanás dá algumas ordens e tenta cumprir certo plano. Segundo: cada lance ou cada passo importante dado pela Revolução é executado por um ou mais homens, geralmente possuídos por alguns demônios e sob “ordens” ou meras insinuações dos mesmos ou de seus chefes. O demônio, por si mesmo, não teria poder para agir com tanta desenvoltura. Tem que haver o concurso dos homens, além da permissão de Deus, é claro.
Nesse aspecto, alguns lances ocorridos nos últimos anos têm sido feitos segundo uma técnica chamada de “acupuntura social”. Trata-se de uma técnica de manobrar a opinião pública, usando artifícios, a modo de agulhas de acupuntura (que toca em algumas partes do corpo para surtir efeito em outras), fazendo com que as pessoas passem a agir de forma diferente, e até contrárias, a seus princípios por causa de algum fator emocional passageiro.
Um exemplo: o atentado a bombas em Madri no ano 2004, quando o efeito produzido na opinião pública foi a derrota do candidato direitista (que nas pesquisas iria ganhar com folga) e a vitória do desprestigiado partido socialista. Foi tal a rejeição emocional para o governo que causou sua derrota política. Quer dizer: um atentado cometido por muçulmanos, contra as guerras do oriente, teve como objetivo a derrota de seus inimigos na eleição espanhola.
Difícil dizer ou falar sobre alcance político do atentado contra as torres gêmeas em 2001, mas houve uma mudança da opinião pública ao considerar a fragilidade do colosso americano, ferido gravemente em seu íntimo por um indivíduo só (Bin Laden), o qual figurava na mente das pessoas como uma figura magra, esquálida, triste e melancólica, até mesmo meio idiota, mas atrevidamente enfrentando a maior potência do mundo.
Parece que o atentado na Noruega tem também uma finalidade de “acupuntura social”. Vejamos. O terrorista afirma que seu principal objetivo era criticar o governo por causa de sua tentativa de flexibilizar a entrada de imigrantes no país. Esta é uma questão que se discute muito na Europa, com alguns países tentando amenizar as leis para permitir que levas de imigrantes penetrem naquele continente. Discute-se entre os políticos, mas a opinião pública não é muito simpática à idéia. Agora, parece ter mudado o pensamento das pessoas por causa de um lance emocional de um  bárbaro atentado. A agulhada de acupuntura consistiu num atentado que chocou a opinião de tal forma que a fez apoiar a entrada de imigrantes, coisa antes impossível.
Unamos os pressupostos acima com o atentado em si. Surgiu entre as notícias a informação de que o “serial killer” era maçom, e de grau elevado. Culto, inteligente, maçom de grau elevado, resolve espalhar na internet sua ideologia denominada “cristã de direita” e contrária ao projeto governista de relaxar as leis de imigração. Como é que pode ser considerado inteligente um indivíduo que pensa que um atentado de tal monta faria as pessoas apoiar sua causa? É claro que o objetivo foi o contrário, isto é, não visava conseguir apoio mas rejeição de suas idéias, embora não demonstrasse ser esse seu objtivo. E quem o fez agir assim? Seus compromissos com as seitas secretas e com o “chefe” supremo delas, Satanás. O qual, para cumprir seu desígnio, o possuiu antecipadamente talvez em suas sessões secretas...
O que pode ter ocorrido nos dias que se seguiram ao atentado? Vários governos europeus (especialmente da França e Alemanha) manifestaram o propósito de modificar suas legislações a fim de flexibilizar as imigrações, especialmente provenientes dos países em guerra na África, como Síria, Líbia e tantos outros . Estaria sendo preparada assim a “grande invasão” muçulmana de que fala as profecias do passado? É o que está ocorrendo no momento.
Repentinamente a opinião pública mundial se volta para o mesmo problema nos Estados Unidos da América, quando uma onda de imigrantes ameaça suas fronteiras, todos vindos dos países da América Central, região assolada por governos esquerdistas e com graves problemas sociais e políticos que os americanos, bem pertinho deles, não conseguiram resolver ou ajudar a solucioná-los. Muitas vidas estão em perigo nesse arriscado jogo político, onde empurram massas humanas em direção de algo em que não se vislumbra nenhuma esperança de sucesso. Para tanto, umas tantas vidas humanas nada representam para os corifeus da Revolução universal.

A comoção social
E sempre foi assim: cada passo dado na sociedade pecaminosa, cada susto dado com casos como esse, abre um precedente e cria nas almas das pessoas propensão para achar aquilo normal, embora de início cause comoção. Muitos dos crimes hediondos que hoje se pratica, com a conseqüente difusão em massa pela mídia, vai aos poucos acostumando as pessoas com o império do mal. No caso concreto, o império da desesperança.
De início, causava impacto as ações de bandidos à mão armada assaltando e matando, mas, com o tempo tais ações foram ficando tão comuns que até a população que se diz ordeira chega a praticá-las como coisa natural.
E há também os falsos heróis, apresentados como “modelos” de revolta contra a ordem. Monsenhor Delassus conta um caso sintomático. Dois elementos das forças secretas foram executados em certa cidade italiana em meados do século XIX. A constância e orgulho demonstrado por ambos foi motivo de alegria pelos seus prosélitos (embora fossem insignificantes na seita) pois aquilo representava um choque na opinião pública. Poderiam ser tidos como “mártires” e mudar o sentido de martírio. Foram eles “pioneiros” em criar esta nova concepção de martírio na opinião pública. Vários “mártires” foram apresentados pela Revolução à opinião pública como herói, mas, na maioria das vezes, não passaram de elementos fracos, pusilânimes ou até mesmo covardes. Um exemplo é o facínora argentino “Che” Guevara, na realidade um fracassado sinistro, sem nenhum valor heróico sequer para a seita dele, mas apresentado como tal para ser “venerado” pelo público. Quem o “venera”, de algum modo, incentiva a atuação do corpo místico de Satanás.
Nos dias atuais a coisa tem destaque diferente. Ao longo dos anos o crime foi tendo sempre uma nota de novidade, causando um primeiro impacto na opinião pública e depois se banalizando. A série de assassinatos em massa que se iniciou nos Estados Unidos teve obviamente a mão satânica, nesta perspectiva, de se criar um estado de torpor na opinião pública, mas criando ao longo dos anos como que uma nova “escola” de violência. De revolta principalmente contra a Ordem.
E de desespero. A nota comum deste desespero é o suicídio do assassino logo após os massacres. De tal forma isto virou “novidade” que, logo depois do primeiro caso, já ocorreram diversos assassinatos de cônjuges, namorados ou amantes em que o criminoso se suicida em seguida. Será que já houve tantos casos assim em épocas passadas? Não sei, acho que não.

O mundo virtual pode levar à desesprança
O certo é que Satanás nunca age sozinho quando se trata desta guerra contra Deus e Sua Obra. Sozinho ele apenas deu aquele brado famoso “non servian”, mas precisou da anuência de Adão e Eva para se praticar o primeiro pecado, do apoio dos homens para a revolta de Babel e de todas as revoltas já havidas contra Deus, inclusive o deicídio, que Satanás não teria perpetrado sem o concurso dos homens. As profanações dos Santíssimos que ocorrem não se fariam sem o concurso dos homens. Ele precisa de um corpo místico aqui na terra para continuar sua guerra contra Deus... E é através dos membros deste corpo místico que é cometido os crimes mais infames e, conseqüentemente, o crescimento deste mesmo corpo místico.
Sobre o massacre do Rio, muitos depoimentos foram dados por psicólogos e especialistas, mas nenhum deles atentou para as verdadeiras causas deste mal. Em geral falam de problemas de psicoses, de frustrações familiares, enfim, de algum problema humano comum nos dias de hoje, mas não chegam sequer a sugerir o problema preternatural. Quantos e quantos detentores da mesma mentalidade não existem no mundo de hoje, apenas a espera de uma “ordem” preternatural para executar seus desígnios! E de tal forma que possa dar rumos à história.
Um outro exemplo. Após assistir o filme “Código Da Vinci”, na Itália, um jovem vê um sacerdote na rua e, sem pestanejar, o mata. Na polícia, o assassino diz que viu naquele padre o “inimigo” que ele tanto odiava, que era apenas um personagem do filme. Este criminoso é um dos milhares que andam por aí, sendo preparados diante das telas de cinemas, da TV ou de computadores para agir de forma real. Quer dizer, o virtual transformou-se em realidade na hora em que ele deveria manifestar todo o ódio nutrido interiormente pela película. É nesse mesmo mundo virtual que é gerado e nutrido um crescente número de tarados sexuais, viciados em vídeos e propagandas pornográficas, a agir em qualquer hora contra a sociedade, especialmente contra os inocentes.
Assistimos hoje a uma enxurrada de insinuações virtuais, tanto pela internet quanto pela TV e pelo cinema. Várias mentes estão sendo possuídas para agir em certos momentos, naqueles momentos em que o demônio queira que tome novos rumos o caminho para a desesperança...
Surgiu assim uma nova “onda”, que pretende ser sucessora dos hippies ou dos punks: trata-se dos “freaks” (em inglês), mas já denominados de “frikis” no Japão e na Espanha. Estes últimos são produto acabado do jovem introvertido que vive num mundo virtual, chamados por um psicólogo espanhol de “autistas consentidos”. Formando comunidades “freaks” vão criar um mundo “real” diferente daquele em que vivem e inteiramente afinados com seus ídolos de jogos e de cinemas. E para tanto já elegeram uma palavra-talismã de forte efeito: empatia. Alguns chegaram a ter tanta empatia por um ídolo, um cantor de uma banda que se matou, que resolveram seguir o ídolo e se matar também. Um deles, um gaúcho de apenas 16 anos (por sinal filho de família muito rica), cometeu o suicídio de acordo com orientações captadas pela internet, deixando tudo registrado, vídeos, etc: o objetivo seria causar impacto entre seus familiares, uma espécie de “vingança”, uma revolta inusitada...
Até onde chegaremos? É claro que a Providência suscita alguns que mantém viva a Fé e a Confiança. Especialmente a Esperança. Uma das principais diferenças práticas entre estas virtudes é que a Confiança, de modo geral, se refere ao dia a dia, aos problemas cotidianos, às necessidades mais imediatas da pessoa humana, enquanto que a Esperança se refere a algo mais distante, ao porvir. Confia-se na assistência divina às nossas necessidades materiais, como alimentação e vestimenta, mas espera-se sempre por dias melhores, por um futuro mais feliz ou pela salvação eterna. Nós confiamos firmemente na Providência para socorrer as necessidades do Apostolado, mas esperamos algo mais além, que é a vitória de Nossa Senhora e a implantação de Seu Reino, como coisa futura, embora com a mesma certeza de atendimento.
Quanto ao pecado da desesperança, caminha-se para ele através da desconfiança: desconfia-se hoje de tudo e de todos; desconfia-se não só das pessoas, mas das instituições sociais, como do governo; desconfia-se dos comerciantes e dos empresários de modo geral. E pela desconfiança perde-se a esperança na solução dos problemas. Crê-se que tudo está perdido, não há mais saída para nada. É a desesperança, caldo de cultura da “bagarre”. Neste sentido, a morte é o ponto alto dessa desesperança, e a morte será a “moeda corrente” da “bagarre”, causando desesperança nuns, embora haja confiança noutros por causa da Fé vivida no cotidiano.
Quem viver, verá! Muitos outros massacres estão por vir, o mata-mata está muito próximo, pois as forças da mídia virtual estão preparando muitos elementos para cumprir tão nefastos desígnios. E, cúmulo da desesperança, seguidos de suicídios.
Que a Santíssima Virgem tenha piedade de nós e nos dê paz de alma para saber vencer este pandemônio que se aproxima.




domingo, 25 de novembro de 2018

A FESTA DE CRISTO REI







 Plinio Corrêa de Oliveira 

- "Legionário", 31 de outubro de 1937

A Igreja consagra o dia de hoje, último domingo de outubro, à comemoração da festa de Cristo Rei. Foi o Santo Padre gloriosamente reinante que instituiu essa solenidade a fim de reavivar entre os fiéis a lembrança da soberania de Jesus Cristo sobre as pessoas e os povos.
A verdade ensinada por Sua Santidade na Encíclica de 11 de Dezembro de 1925 não é mais do que a reprodução do que a Igreja sempre ensinou e praticou.
Pio XI veio reafirmar em pleno século XX a tradição observada sempre pela Igreja, já no tempo em que o Papa Leão III coroava Carlos Magno Imperador do Ocidente, já na época em que, mil anos mais tarde, o Pontífice Leão XIII ensinava na Immortale Dei” a obrigação dos Estados renderem um culto público a Deus, em homenagem à sua soberania universal.
Mas o nosso tempo, dominado pelo laicismo, deixou de reconhecer as prerrogativas reais de Nosso Senhor Jesus Cristo. Daí provêem todos os males da sociedade atual, por ter pretendido organizar a vida individual e social como se essa realeza não existisse, e até em oposição formal a ela.
Tal a grande apostasia de nossos tempos, que produziu os frutos amargos do orgulho e do egoísmo, no lugar da Caridade, do amor de Deus e do próximo, gerou a inveja entre os indivíduos, o ódio entre as classes, as rivalidades entre as nações.
Por isso é que no mundo moderno encontraram eco a voz de um Nietzche, endeusando o super-homem no paroxismo do orgulho, a pregação de um Marx lançando as classes sociais umas contra as outras ou a palavra alucinada de um Rosenberg incensando a pretendida raça pura dos alemães.
 Só a ação social católica é capaz de remediar a todos males de nossa época, fazendo Cristo reinar na sociedade.

* * *
As advertências de Pio XI, ao instituir a solenidade de Cristo Rei, revestem-se, portanto, de uma grande atualidade. Suas palavras dirigidas paternalmente aos católicos do mundo inteiro parecem ter sido ditas de modo particular para os brasileiros.
A desordem em que se encontra o Brasil em 1937 não é senão o fruto daquele mesmo mal apontado por Sua Santidade como causa da anarquia geral do mundo: o laicismo.
Nas discussões sobre os males provenientes da República de 1889, muitos há que deixam de lado o maior deles, fundamental, o laicismo da Constituição de 1891.
Desde a promulgação dessa Constituição, o Brasil começou a assistir a tentativa de se organizar a sua vida social abstraindo inteiramente da soberania divina de Jesus Cristo.
Cristo foi expulso das escolas, e em lugar da moral católica - a única que pode dar ao homem a razão pela qual ele é obrigado a cumprir os seus deveres - começou-se a ensinar um ridículo culto à humanidade ou uma instrução moral e cívica inócua e contraproducente. Desses frutos do positivismo republicano ainda restam alguns vestígios em institutos correcionais, em certas bibliotecas e alguns colégios leigos que trazem nas paredes inscrições análogas ao lema da nossa bandeira, de inspiração filantrópica e humanitária inteiramente laicista.
Cristo foi expulso dos quartéis pela negação da assistência religiosa aos soldados, e a formação das classes armadas se baseou, daí por diante, exclusivamente num culto à pátria sem fundamento e sem consistência, incapaz de resistir aos assaltos feitos pela propaganda comunista para apagar duma vez esses restos de patriotismo, que fora do catolicismo dificilmente resistem à dialética da III Internacional.
Cristo foi expulso dos tribunais, onde, como já dissemos certa ocasião, a sua imagem para muitos significa não a de um Deus que se deve adorar, mas apenas uma homenagem platônica ao “maior homem que já existiu sobre a terra”, ou uma recordação sentimental da fraqueza dos juizes humanos, pela lembrança do iníquo julgamento do “meigo Nazareno”.
Como conseqüência, as escolas começaram a formar gerações indisciplinadas e propensas ao materialismo da época; os quartéis, a se transformar em focos de desordem e de constantes inquietações para o país; os tribunais, a absolver os maiores crimes e aviltar a dignidade da justiça.
* * *
Não admira que num ambiente de tal modo preparado para a germinação das idéias comunistas, que muitas vezes vinham tirar dos princípios do laicismo as conseqüências necessárias em que eles importam; não admira que no Brasil da República de 1889, a ação da III Internacional encontrasse um campo dos mais propícios para a pregação de suas doutrinas subversivas.
Mas, dirão os nossos leitores, não foi exatamente depois de revogada a velha Constituição e de expulso o laicismo da nossa Carta Magna - graças aos trabalhos dos deputados eleitos pela Liga Eleitoral Católica em 1933 - não foi neste Brasil que já tem o ensino religioso, as capelanias militares e o casamento religioso com efeitos civis, que o comunismo encontrou tanta facilidade para a sua difusão?
É precisamente a este ponto que desejávamos chegar. Embora tenhamos abandonado o laicismo da primeira república, estamos agora colhendo os seus amargos frutos.
A Constituição de 1934 veio proporcionar ao Brasil as condições humanamente indispensáveis para que a ação social católica produza todos os resultados que são de se esperar dela na reforma das almas e das instituições.
Como condição sine qua non”, vieram as chamadas “reivindicações católicas”, uma vez vitoriosa, remover o grande obstáculo do laicismo.
Resta, agora, a ação decidida e enérgica dos poderes públicos que devem obedecer a letra e o espírito da lei fundamental do Estado brasileiro, e resta principalmente a ação dos católicos.
Dizemos principalmente dos católicos por dois motivos.
Primeiro porque a eles cabe fruir devidamente das regalias que lhes foram dadas.
Além disso, é preciso ainda estarem de sobreaviso para não permitir que lhes possam ser arrancados novamente aqueles direitos, bem como para que sejam regulamentados convenientemente pelas Assembléias Legislativas.
Por tudo isso é que domingo último nos declarávamos contra os riscos de possíveis ditaduras ou quaisquer outras aventuras políticas, de que se fala por aí no atual momento. Repetimos mais uma vez que estamos longe de dar às instituições liberal-democráticas a nossa solidariedade, mas o que nos preocupa é sobretudo manter os postulados católicos da atual Constituição.
A questão do regime para nós é secundária. O que nos interessa, e a todo o católico deve interessar antes de mais nada, é a garantia da mais ampla liberdade de ação para a Igreja na reforma social. Pois só a ação social católica é capaz de remediar a todos os males da nossa época, fazendo Cristo reinar na sociedade.
Ao par das medidas que em boa hora o governo deliberou tomar contra o comunismo, é preciso que os nossos homens públicos compreendam que o maior e mais profundo dos anestésicos contra o “vírus” bolchevista está em romper com toda a espécie de laicismo e reconhecer os direitos de Cristo e de sua Igreja. (...)



sábado, 24 de novembro de 2018

A HORA DA MISERICÓRDIA VOLTARÁ






A festa de Santa Margarida Maria, que a Igreja Universal celebra hoje, trouxe-me à memória um fato antigo, que não é sem interesse para os dias que correm.
Quando viveu na França a humilde visitandina à qual o Sagrado Coração de Jesus fez suas tão suaves confidências, reinava Luís XIV, que a admiração universal consagrou com o título de Roi-Soleil.
Este epíteto correspondia à realidade. Dizia Mazzarino, que vivera na sua mais absoluta intimidade, que havia nele estofo para cinco reis. Tanto do ponto de vista físico como moral, representava Luís XIV o tipo clássico daqueles reis de fantasia, com que certos contos costumam deslumbrar as imaginações infantis. De uma formosura viril e majestosa, acentuada por uma perfeita nobreza de porte e de gestos, e por uma indumentária admiravelmente escolhida, foi ele o modelo supremo dos gentis-homens de seu tempo. As qualidades de inteligência e caráter estavam à altura desse físico magnífico. Sua inteligência era clara, vasta, metódica e idealmente equilibrada. Sua vontade dotada de tal força imperativa, que dobrava quaisquer obstáculos. De um soberano domínio sobre si, não se permitia ele em manifestações extremadas de cólera, de prazer ou de dor. Pelo contrário, todos os acontecimentos o encontravam sempre igualmente sereno, igualmente grande, igualmente sobranceiro. De tal maneira sua índole se havia conformado com as obrigações de “métier” de Rei, que o protocolo era, nele, como que conatural, e até mesmo as suas ações as mais triviais denotavam a alta noção que ele tinha de sua dignidade e de seus deveres.
* * *
Quando Deus dá a alguém qualidades naturais singularíssimas, de qualquer natureza que sejam, impõe-lhe implicitamente responsabilidades onerosas.
Conta-se que os PP. Jesuítas, que foram educadores de Voltaire, impressionados com a inteligência do menino, costumavam dizer que ele seria ou um Santo, ou um demônio.
Luís XIV era uma dessas almas privilegiadas que Deus chama a grandes realizações, e que, por isso mesmo, estão na eminência de descambar pelos mais profundos abismos, caso não correspondam à própria vocação. Se ele tivesse querido ser um novo São Luís, é provável que a Revolução Francesa não tivesse explodido, que a pseudo-reforma protestante tivesse sofrido desastres irreparáveis, e que o curso da História, em lugar de correr pelos precipícios por onde vai, tivesse assumido orientação inteiramente diversa.
Mas Luís XIV não quis ser um novo São Luís. Sensual, ávido de prazeres, ambicioso e vaidoso em extremo, sacrificou à sua lascívia e ao que ele supunha ser sua glória, tempo, recursos e prestígio que Deus lhe havia dado para fim inteiramente diverso. Depravando o Reino por seu mau exemplo, provocando guerras com o único intuito de dilatar seus Estados, desunindo entre si as potências católicas então ameaçadas pelo alastramento do protestantismo, e aliando-se com os próprios muçulmanos contra o Santo Império, faltou ele a seus mais elementares deveres de Rei, e mereceu a censura, em seu tempo, de todos os franceses verdadeiramente católicos mesmo entre aqueles que lhe eram mais fielmente devotados.
Manda, entretanto, a justiça que se acrescente que a vida do grande Rei teve altos e baixos, e que, se em certo sentido ele faltou gravemente a seus deveres para com a Igreja, em outro sentido, lhe prestou assinalados serviços, entre os quais figura com destaque a sapientíssima revogação do Edito de Nantes (...).
Não obstante tudo isto, o certo é que o Rei não desempenhava aquela missão providencial à qual, evidentemente, fora chamado por Deus.
* * *
Intervém aí a humilde Visitandina. Em revelação o Divino Redentor mandou-lhe dizer ao Rei que se consagrasse, e bem como o Reino, ao Sagrado Coração. A comunicação foi feita em tom imperativo, e deixava ver claramente que a recusa do monarca acarretaria para ele e para a França os mais severos sofrimentos.
Evidentemente, o Sagrado Coração de Jesus não desejava de Luís XIV apenas uma consagração “pro forma”, mas uma consagração real, que implicasse na renúncia a todos os pecados e todos os erros do Rei.
Por meio de uma pessoa da nobreza, com quem tinha relações, Santa Margarida Maria fez chegar a comunicação a Luís XIV, que, entretanto, não lhe deu importância, e a consagração não foi efetuada.
Recusada assim essa providencial fonte de graças, o Reino foi descambando cada vez mais pelos abismos da impiedade e da libertinagem, até que o extravasamento destes males, isto é a Revolução Francesa, veio lançar por terra o trono dos Bourbons, e atear pelo mundo inteiro o facho diabólico e incendiário do espírito de rebeldia.
Entretanto, não se sabe se a recordação do recado de Santa Margarida Maria perdurou na família de Bourbon, ou se o fato que passamos a narrar foi devido a um mero movimento de piedade espontânea de Luís XVI. O que, de qualquer modo, é certo, é que, entre os papéis do Rei, encontrados em sua miserável prisão do Templo, se achou uma nota em que o desditoso soberano prometia a Deus que se consagraria, e a toda a França, solenemente, ao Coração de Jesus, o que desde logo, em forma privada, ele fazia no cárcere. Assim, dizia ele, seria de esperar que o Coração de Jesus arrancasse a França aos horrores da Revolução.
O piedoso e infeliz monarca fez, pois, no cárcere, o ato de piedade que seu poderoso antecessor se recusara a fazer nos esplendores de Versailles. Mas ao que parece a hora da misericórdia já tinha passado, e já era tarde para deter o curso da justiça divina.
Luiz XVI, pessoalmente, teve sua recompensa com a graça de morrer de modo edificante, chegando alguns a afirmar que foi mártir. Conta-se que, ao subir ao patíbulo, o carrasco quis amarrar suas mãos com cordas, ao que o Rei se recusou terminantemente, originando-se daí um ligeiro início de luta física entre ambos. O Rei voltou-se, então, para seu confessor, perguntando-lhe o que dizia a isto. A resposta do sacerdote foi pronta: “Se Vossa Majestade se deixar amarrar, sua morte terá mais um traço de analogia com a do Salvador”. Imediatamente, a resistência da vítima cessou. Daí a pouco, sua cabeça tombava sob a lâmina da guilhotina, e o Sacerdote que o acompanhava exclamava: “Filho de São Luiz, subi ao Céu”.
* * *
É possível, realmente, que a hora da misericórdia tivesse passado. Não porém, de modo definitivo. A França tem tido por demais Santos, de lá para cá, para que se afirme que a hora da misericórdia de Deus passou para ela. Hoje mesmo, quando a França está imersa em luto profundo, e uma metade de seus filhos já não reconhece a outra, na desolação do panorama contemporâneo, se pode afirmar entretanto que há Santos. Santos verdadeiros. Santos autênticos, vivendo na penumbra em território francês, e preparando por suas penitências, por suas orações, por seu trabalho, a grande França de amanhã, que não será nem a França liberal de ontem, nem a França totalitária de Vichy, mas a França católica, de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Enquanto na Europa os legisladores reformam (?) as instituições, os militares reformam (?) as fronteiras, os banqueiros reformam (?) a economia ao sabor das heresias de hoje, na penumbra os Santos reformam as almas e, pela reforma autêntica das almas, destruirão a falsa reforma das instituições e da economia.
Não é outro o sentido da obra dessa grande e santa Thereza Neumann, que a Providência plantou como uma flor de esperança e de consolação, na tristeza acabrunhadora que cobre com seu manto pardacento a Alemanha de hoje. São as almas como Thereza Neumann, as grandes vencedoras de homens como Hitler. Certamente, Thereza Neumann não é a única na própria Alemanha, e não faltam na França almas como a dela...
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sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O SACROSSANTO OLHAR DE JESUS CRISTO





O Dr. Plínio Corrêa de Oliveira, ao longo de sua vida pública, teceu alguns  comentários sobre o olhar de Nosso Senhor. Em uma famosa Via Sacra, por exemplo:  “Vós, Senhor,  o fitaste (Pilatos) por longo tempo com aquele olhar que em um segundo operou a salvação de Pedro. Era um olhar em que transparecia vossa suprema perfeição moral, vossa infinita inocência, e, entretanto, ele Vos condenou”.
A Beata Anna Catharina Emmerich narra em detalhes o tocante episódio em que os olhares de Nosso Senhor e São Pedro se encontraram naquele momento. Segundo ela, após haver negado Nosso Senhor pela primeira vez, São Pedro encontrou-se por acaso com Seu Mestre, o qual lançou-lhe terrível olhar de repreensão: “O Senhor lançou a Pedro um olhar sério de repreensão. Pedro ficou como que esmagado pela dor. Mas, lutando com o medo e ouvindo alguns dos circunstantes dizerem: ‘Quem é esse sujeito?’, saiu novamente para o pátio, tão abatido e tão confuso pelo medo, que andava cambaleando a passos lentos. Vendo-se, porém, observado, entrou de novo no átrio, aproximou-se da fogueira, ficando ali bastante tempo sentado, até que diversas pessoas, que fora lhe tinham notado a confusão, entraram, começando de novo a provocá-lo, falando mal de Jesus e de suas obras. Um deles, chamado Cássio e mais tarde Longino, disse então: ‘É verdade, também és daquela gente; és Galileu, tua linguagem prova-o’. Como Pedro quisesse sair com um pretexto, impediu-o um irmão de Malcho, dizendo: ‘O que? Não te vi com eles no horto das oliveiras? Não feriste a orelha de meu irmão?’  Tornou-se Pedro então como insensato, pelo pavor que o dominou e livrando-se deles, começou a praguejar (tinha um gênio violento) e jurar que absolutamente não conhecia esse homem e correu do átrio para o pátio interior. Foi à hora em que o galo cantou de novo; os soldados conduziram Jesus, nesse mesmo momento, da sala circular, pelo pátio para o cárcere que ficava sob a sala. Virou-se, porém, o Senhor e olhou para Pedro com grande dor e tristeza; lembrou-se Pedro então da palavra de Jesus: ‘Antes do galo cantar duas vezes, negar-me-ás três vezes’, e essa lembrança pesou-lhe com terrível violência sobre o coração. Fatigado pela angústia e o medo, tinha-se esquecido da promessa presunçosa de querer antes morrer do que O negar e do aviso profético de Jesus;  mas à vista do Mestre, esmagou-o a lembrança do crime que acabara de cometer. Tinha pecado, pecado contra o Salvador, tão cruelmente tratado, condenado, inocente, sofrendo tão resignado toda a horrível tortura. Como desvairado de contrição, saiu apressadamente pelo pátio exterior, a cabeça velada e chorando amargamente; não temia mais ser interrogado; teria então dito a todos quem era e que pecado lhe pesava na consciência” .(Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus” – Mir Editora – São Paulo, 1999 – págs. 189/190)

O OLHAR DE JESUS FULGURA COMO O SOL
Nas palavras do Dr. Plínio Corrêa de Oliveira fomos colher um precioso comentário sobre o olhar de Jesus:
“Em Jesus, o semblante, as expressões da face e até o timbre da voz não são senão comentários ao que mais O exprime, isto é, seu olhar. Este é sumamente ordenado e feito de gradualidades. Quando fulgura, é como um sol. Quando não, mostra-se sempre de um certo modo, semelhante ao que representa o barítono para a música vocal: nem muito alto nem muito baixo.
“Não é um olhar que sai de si para penetrar nos outros, a não ser raramente. Antes, convida que se entre nele, para entabular elevados colóquios conosco.
“Olhar muito sereno, aveludado quase... No fundo, porém, revelando uma sabedoria, retidão, firmeza e força que nos enchem ao mesmo tempo de encanto e de confiança.
“A meu ver, todas as perfeições existentes na ordem do Universo – a das estrelas como as de uma Gruta de Capri, ou as de qualquer outra maravilha – estão contidas no olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo, e os estados de alma d’Ele correspondem a todas as belezas do mundo. Por isso, ao apreciarmos algum esplendor da criação, seria bastante proveitoso meditarmos na excelência do olhar d’Ele que se acha espelhada naquela grandeza criada.
“Por exemplo, quando estou sozinho e contemplo o céu todo estrelado acima de mim, experimento a curiosa impressão de que sou visto, e de que aquele firmamento todo converge sobre mim. Esta é a sensação que se tem quando Nosso Senhor nos olha. É todo um céu que se debruça sobre nós. Mas quando somos nós que nos pomos a fitá-Lo e colhemos o fundo de seu olhar, nos sentimos melhor do que ao sermos olhados por Ele.
“Pois ali, no conjunto dos olhares d’Ele, a ordem do Universo se reflete inteiramente, as regras da estética se resumem de modo perfeito, os princípios da lógica se articulam de maneira admirável. Numa palavra, o “pulchrum” e o significado interno de tudo quanto existe estão contidos no olhar de Nosso Senhor.
“De sorte que, por exemplo, ao conversar com Lázaro, com Marta ou com Maria Madalena, a fisionomia, a voz e o olhar de Jesus – sem indiscrição alguma – iam muito naturalmente mudando, e em sua expressão se podia compreender um número incontável de coisas.
Olhar que acompanha a História

“Por isso mesmo, considero o olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo como se fosse quase outro Evangelho, e uma prodigiosa “leçon des choses”.
“De fato, Jesus é Rei do Universo e, portanto, Rei da História. Não o é apenas da história das nações, mas também da existência individual de cada um de nós. E os desígnios d’Ele vão se fixando e se traçando na medida em que a nossa trajetória neste mundo se desenvolve. Ele vai olhando para nós, e se pudéssemos vê-Lo em cada momento, teríamos o sentido daquilo que estamos vivendo a cada passo.
“Imaginemos Nosso Senhor por ocasião da multiplicação dos pães, considerando o povo reunido em torno d’Ele: “Tenho piedade desta multidão” (Mt 15, 32). É concebível que Ele tenha proferido essa frase com os olhos fechados? Não pode ser.
“Se os olhos de Jesus não estivessem abertos enquanto Ele falava ou caminhava, teria atraído aquela multidão? Claro está que, se assim o quisesse, Nosso Senhor tocaria aquelas almas mesmo sem lhes dirigir o olhar. Porém, não procedeu dessa forma, e foi o olhar d’Ele que as atraiu.
“Outra passagem do Evangelho na qual me parece que o divino olhar do Salvador se reveste de maior expressividade é o momento em que Jesus, flagelado e coroado de espinhos, foi apresentado ao povo por Pilatos. Para mim, excetuando o instante em que Nosso Senhor fita o Apóstolo Pedro que acabara de negá-Lo, não há episódio no Evangelho onde o papel do olhar se manifesta tão evidente como no “Ecce Homo”. Tanto mais quanto, naquela circunstância, o Redentor não proferiu qualquer palavra, permanecendo num majestoso silêncio.
“Cumpre ressaltar, aliás, o fato impressionante de que os algozes de Nosso Senhor, quando O esbofetearam durante a Paixão, não suportaram o divino olhar que os fitava. Para consumar as suas atrocidades contra Jesus, tiveram de Lhe vendar os olhos..
Devoção ao Sacrossanto olhar

“Essas considerações nos fazem compreender bem que noite tremenda se fez para o mundo quando o olhar d’Ele se extinguiu! Noite na qual se teria vontade de pedir a Deus que nos levasse desta Terra. Pois uma vez que alguém se habituou ao convívio daquele olhar, tendo este se apagado, nenhum sentido restaria para se continuar a viver no mundo. Para fazer o quê? Turismo em alguma linda cidade européia? Visitar Paris, conhecer Viena? Como estas nos parecem pobres e insípidas, em comparação com a graça de ver aquele divino olhar! As maravilhosas jóias da casa d’Áustria, a extraordinária coroa do Sacro-Império, nada seriam para o homem sobre quem pousaram os olhos misericordiosos do Salvador.
“Muito embora a devoção ao Sagrado Coração de Jesus me fale tanto à alma, na realidade toca-me ainda mais a devoção ao olhar d’Ele. Talvez, pela razão mesma de ser o olhar a melhor expressão do coração. E esta seria, caso não o impugnasse a Teologia, a “devoção ao Sacrossanto Olhar...”.
“A partir dessa idéia, poder-se-ia introduzir no “Anima Christi” outras invocações como: olhar padecente, olhar misericordioso, olhar de divino Juiz... penetrai em mim e fazei-me entrar em vós. Poder-se-ia, igualmente, compor uma “Ladainha dos olhares de Jesus”, a qual reluziria de uma beleza arrebatadora.
“Concluo, fazendo notar que, quando se analisa assim o Evangelho, encontram-se nele profundidades insuspeitadas. Suas páginas constituem um tesouro repleto de “nova et vetera” – coisas antigas e recentes.
“Tudo quanto acima foi dito nos revelou algo imensamente valioso, mas é natural que se procurem também outras gemas preciosas nesse tesouro. As jóias que acabamos de admirar, a nós nos regalam, porque são as meditações que se acrescentam ao cântico antigo, em função de nossa vida, nossas batalhas e nossos sofrimentos nesta terra de exílio”
Em outras oportunidades Dr. Plínio teceu comentários sobre o olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo, conforme relatamos adiante:
“Se nós pudéssemos fazer uma coleção dos timbres de voz de Jesus ensinando como Mestre!... Ninguém foi Mestre como Ele, que é o Divino Mestre! Explicando com clareza, com sabedoria, com profundidade, horizontes extraordinários, mas com uma simplicidade de desconcertar. Seu ensino é tão simples e, ao mesmo tempo, tão profundo! Santo Agostinho dizia que o ensinamento d’Ele era como um rio no qual um elefante se afogaria e um cordeiro passaria sem molhar senão os pés.
“Como nós gostaríamos também de, por exemplo, colecionar os seus sucessivos olhares! Para falar senão em dois: o olhar para São Pedro, que o converteu e o fez chorar a vida inteira, e um olhar para Nossa Senhora. Escolham o momento. Talvez o momento do último olhar nesta vida. Com certeza, antes de morrer, Eles trocaram um olhar em que transpareciam o carinho e adoração da parte d’Ela, e o amor indizível, o apreço extraordinário e o carinho da parte d’Ele, ao se separarem.
“Como seria a história de todos os seus olhares? E como seria o olhar d’Ele expulsando os vendilhões do Templo? Para Pilatos, desprezando toda a covardia do Procurador romano? E o olhar de repreensão aguda e severa para Anás e Caifás?
(Extraído da revista “Dr. Plínio”, janeiro de 2004, págs. 18/20)


segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O QUE SERÁ DO BRASIL?





Pela primeira vez o PT consegue eleger alguém para um cargo de grande importância em 1988, quando Erundina foi eleita prefeita de São Paulo. Todos sabem no desastre que se deu, mas mesmo assim Lula conseguiu, após 3 tentativas (89, 92 e 96), ser eleito presidente sem nunca ter sido prefeito ou governador.
O fenômeno foi antevisto e é mais ou menos explicado por Dr. Plínio nos artigos que escrevia na “Folha de São Paulo”, dentre os quais um deles falava do que ele chamava fator “F”. A expressão bem representa o espírito do nosso povo: “deixa ficar para ver como vai ser”, ou coisa semelhante. Então o fator “f” é uma tentação de se acomodar e deixar como está para ver como é que fica.
Logo ao ser eleita, Erundina fez uma declaração dirigida à FIESP, com intuito de acalmar aqueles que imaginavam que ela iria aplicar um programa violento contra a propriedade privada. Eis o que ela disse:
"Garanto que podem ficar tranqüilos. Não vamos revolucionar a administração municipal. Não estamos propondo uma solução socialista para a cidade. Queremos governar com competência e transparência, e isso interessa ao empresariado" ("Jornal da Tarde", 18/11/88).
Quando Lula foi eleito tentou também acalmar os empresários e o mercado e não falou em aplicar os programas radicais da esquerda socialista. Era necessário deixar primeiro o povo adormecer no fator “F” para depois investir contra o direito de propriedade a a livre iniciativa.
Como vimos, o PT veio e “ficou” no poder durante tanto tempo, 13 anos (sem contar o tempo de seu vice que ainda perdura). Durante esse período fez várias tentativas de aplicar seu programa socialista, mas encontrou sérios obstáculos na opinião pública mais sadia de nosso povo, e somente o aplicou em parte. E continuaria “ficando” no poder se não fosse despertada a opinião pública contrária a tal adormecimento.
Vejam o que Dr. Plínio comentava sobre o início do poder petista em 1988, num artigo publicado na “Folha de São Paulo” intitulado “O que será do Brasil”?:
“Este pendor a ficar não se pode confundir com um conservantismo ideológico, pois é essencialmente temperamental.
Ora, por uma curiosa, por uma trágica contradição da história, precisamente este fator "F" foi, ao meu ver, uma das causas mais profundas da situação em que nos deixou a Constituinte de 88. Isto é, um Brasil desfigurado por uma transformação socialista espantosa, profunda e quase geral.
Do fator "F", ou de algo análogo, qua
se não se fala hoje, nos comentários políticos. Mas foi precisamente ele que levou, de modo subconsciente, a grande maioria dos componentes das classes às quais cabe a missão natural de preservar o regime da livre iniciativa e da propriedade privada – industriais, comerciantes, agricultores, proprietários de imóveis urbanos, titulares de cargos públicos ou privados altamente remunerados – às inércias profundas, às imprevidências cegas, aos votos dados às apalpadelas nas eleições para a Constituinte. E, depois, às esperanças fátuas, às previsões de um otimismo infantil, as quais prognosticavam vitórias que não viriam. Tudo para desfechar em cambalachos de bastidores, os quais privaram as ditas classes conservadoras, de qualquer eficiência séria na Constituinte. Por fim, contaram elas quase como favores, e até como êxitos, entregas de terreno, de alcance insondável.
Pensei em tudo isso, lendo nos jornais que a nova prefeita de São Paulo, sobrevoando de helicóptero a capital de nosso Estado, julgou de bom alvitre enviar uma mensagem à Federação das Indústrias, cujo vistoso prédio ela divisava no momento. O texto dessa comunicação tinha um significado intencional amável e pacificante. Ei-lo: "Garanto que podem ficar tranqüilos. Não vamos revolucionar a administração municipal. Não estamos propondo uma solução socialista para a cidade. Queremos governar com competência e transparência, e isso interessa ao empresariado" ("Jornal da Tarde", 18/11/88).
Mas essa mensagem tinha também um segundo sentido óbvio, com o qual a missivista não atinou: "Não tenham medo de mim, porque tenho a intenção de ser-lhes boazinha". O que leva o leitor a pensar: "No dia em que ela se zangue, ai da Fiesp".
Qual o prefeito da Monarquia ou da República que imaginara ter cabimento uma tal mensagem dirigida à maior potência econômica do país?
Não pense o leitor que eu vá deduzir daí que Da. Erundina fez um disparate. Ela apenas deixou transparecer uma verdade. É que na presente República, nova em folha, a iniciativa privada é pouco mais do que um camundongo nas mãos do Estado.
E isto porque os proprietários de empresas ou de imóveis rurais ou urbanos, adormecidos pelo fator "F", deixaram que as coisas descambassem para uma situação em que "ficou" nada, ou pouco mais do que nada.
Involuntariamente, o fator "F" se suicidou.
No que dará este Brasil em que nada mais tem possibilidades sérias de ficar?
Nada, não! Fica o Brasil! E é na esperança de que este não se deixe contagiar indefinidamente pelo efeito letal desse suicídio do fator "F", que aqui consigno estas reflexões.

(Plinio Corrêa de Oliveira – “Folha de São Paulo”, 28 de novembro de 1988).