REVELAÇÕES SOBRE O INFERNO



É muito comum as pessoas repetirem a frase: "Sei lá se o inferno existe: ninguém veio de lá para contar como ele é...". Tal pensamento se coaduna com o que está expresso na Sagrada Escritura: "Disseram, pois, no desvairamento dos pensamentos: O tempo da nossa vida é curto e cheio de tédio, e não há nenhum bem a esperar depois da morte, e também não se conhece ninguém que tenha voltado dos infernos" (Sab. 2, 1). A palavra está escrita no plural, “infernos”, que na linguagem bíblica se refere aos lugares para onde iam as almas depois da morte (isto antes de Nosso Senhor abrir as portas do Céu): o limbo, o purgatório e o inferno propriamente dito. E para provar que tal pensamento é um verdadeiro desvairamento, Deus permitiu que houvesse várias comunicações ou revelações sobre a natureza, composição, forma do inferno (o verdadeiro, o da condenação eterna), etc., algumas delas feitas pelos próprios condenados. Outras, através de sonhos ou visões de pessoas santas.

1. São João Bosco conta uma visita feita ao inferno


(No domingo, 3 de maio de 1869, festa do Patrocínio de São José, Dom Bosco recomeçou a narração de seus últimos sonhos).
"Devo contar-lhes outro, que se pode dizer conseqüência dos narrados às quintas e sextas-feiras à noite, os quais me deixaram tão cansados que dificilmente podia manter-me de pé. Vós chamai-os sonhos ou dai-lhes outro nome... chamai-os como quiseres.
Tenho vos falado de um sapo disforme que na noite do dia 17 de abril ameaçava-me engolir-me, e como, ao desaparecer, ouvi uma voz que me disse:
- Por que não falas?
Voltei-me para o lugar de onde saía a voz e vi junto ao meu leito um personagem distinto. E lhe perguntei:
- E que deverei dizer a nossos rapazes?
- O que tens visto e ouvido nos últimos sonhos. Além disto, o que desejavas saber e que te será revelado na próxima noite.
E desapareceu.
No dia seguinte estive pensando na má noite que haveria de passar. E, chegada a hora, não me decidia a deitar-me. Fiquei lendo, sentado à mesa, até meia-noite. Horrorizava-me a idéia de ter que presenciar novamente espetáculos terríveis. Afinal, fiz-me uma grande violência e deitei-me.


Sonho ou visão?
Para não adormecer de imediato, por temor de que a imaginação me levasse aos costumeiros sonhos, apoiei o travesseiro nos ferros da cama, de modo a permanecer sentado. Porém, estando muito cansado, apoderou-se de mim o sono sem eu me dar conta. Vi subitamente no quarto, junto à minha cama, o homem da noite anterior, que me disse:
- Levanta-te e vem comigo!
- Rogo-te, por favor - respondi - deixa-me tranqüilo, pois estou muito cansado. Olha, há vários dias que a dor de dentes não me deixa em paz! Deixa-me descansar. Tenho tido sonhos espantosos. Estou extenuado.
Dizia isto também porque a aparição deste homem é sempre sinal de grande agitação, de cansaço e de terror.
- Levanta-te! Não há tempo a perder! - respondeu-me.
Levantei-me e o segui. No caminho, lhe perguntei:
- Aonde queres levar-me?
- Vem e verás.
Conduziu-me ele a um lugar onde se estendia uma imensa planície. Olhei em redor, sem ver em parte alguma os confins dela. Era um verdadeiro deserto! Não havia pessoa alguma por aquelas bandas. Não se via nem uma planta nem um rio. A erva seca e amarelada apresentava um espetáculo desolador. Não sabia onde me encontrava nem o que ia fazer. Durante alguns instantes, perdi de vistas o guia. Temi haver-me perdido. Não estava comigo nem Dom Ruas, nem Dom Francesia, nem nenhum outro. Descobri de novo o amigo, que vinha a meu encontro. Respirei aliviado e lhe perguntei:
- Onde estou?
- Vem comigo e verás.
Ele caminhava na frente e eu o seguia em silêncio. Após um longo e triste percurso, Dom Bosco, pensando que devia atravessar aquela imensa planície, dizia consigo mesmo:
- Pobre de meus dentes! Pobre de mim, com as pernas inchadas!...
De repente, sem saber como, chegamos a uma estrada. Rompi então o silêncio, perguntando a meu guia:
- Aonde vamos agora?
- Vem por aqui - respondeu-me.


Estrada larga, espaçosa e bem pavimentada
E nos encaminhamos por aquela estrada. Era formosa, larga, espaçosa e bem pavimentada: ("Via peccatium complanata lapidibus, et in fine illorum inferi, ettenebrae, et poenae". Ecli 21, 11). O caminho dos pecadores é muito bem pavimentado, mas, no fim dele estão o inferno, as trevas e as penas..
Nos lados do caminho, sobre as encostas, havia dois formosíssimos vales verdes, cobertos de flores encantadoras. As rosas, especialmente, surgiam por todas as partes dentre as folhas. À primeira vista, este caminho parecia plano e cômodo, e, sem suspeitar de nada, pus-me a caminhar por ele. Porém, à medida que avançava, notei que ia descendo insensivelmente, e, embora a descida não parecesse muito rápida, eu corria com tal velocidade que parecia estar sendo levado pelo vento. Mais ainda: tão rápida era nossa carreira que me dei conta de estar avançando sem mover os pés. Considerando que voltar atrás por um caminho tão longo me custaria grande trabalho e fadiga, disse a meu amigo:
- E como nos arranjaremos para voltar ao Oratório?
- Não te preocupes - respondeu-me - o Senhor é onipotente e quer que vás. Este que te guia e te ensina a ir adiante, saberá também conduzir-te de volta.


As armadilhas postas pelos demônios
O caminho descia sempre. Seguíamos nossa viagem entre flores e rosas, quando vi todos os meninos do Oratório, com muitíssimos outros companheiros que jamais havia visto, caminhando atrás de mim. Enquanto eu os observava, encontrei-me entre eles e vi que ora caía um, ora caía outro, sendo em seguida arrastados por uma força invisível rumo a um horrível precipício que se divisava ao longe, e depois eram lançados de ponta-cabeça num forno. Perguntei a meu companheiro:
- O que faz caírem esses jovens?
- "Funes extenderunt in laqueum; iuxta iter scandalum posuerunt" (Sl 139, 6). Estenderam cordas em forma de armadilha; junto ao caminho lhe armaram ciladas. Aproxima-te um pouco mais - respondeu-me.
Aproximei-me e vi que os meninos passavam entre muitas armadilhas, algumas colocadas rentes ao chão, outras à altura da cabeça. Estas últimas não eram percebidas. Por conseguinte, muitos jovens, enquanto caminhavam sem dar-se conta do perigo, eram colhidos pelas armadilhas. No momento em que eram apanhados, davam um salto, depois caíam por terra com as pernas para cima, e, levantando-se, empreendiam irrefreável carreira em direção do abismo. Eram presos pela cabeça, pelas mãos, pela cintura, por um braço, por uma perna, pelo pescoço, e arrastados imediatamente. As armadilhas estendidas na terra, quase imperceptíveis, pareciam ser de estopa. Eram semelhantes a fios de aranha e pareciam que não podiam fazer muito mal. Sem embargo, vi que também os jovens colhidos por essas armadilhas caíam todos por terra.
Eu estava espantado. E o guia me disse:
- Sabes o que é isto?
- É somente um pouco de estopa - respondi.
- Menos ainda: isto não é nada. Não é mais que o respeito humano.
Vendo, entretanto, que muitos continuavam enredando-se nessas armadilhas, perguntei:
- Porém, como é que tantos se deixam amarrar por estes fios? Quem os arrasta deste modo?
- Aproxima-te mais, olha e verás.
- Eu nada vejo -disse-lhe depois de haver olhado durante um minuto.
- Olha um pouco melhor - respondeu.
Tomei uma daquelas armadilhas, puxei-a até perto de mim, e descobri que sua ponta extrema não aparecia. Puxei um pouco mais, mas não pude ver aonde ia terminar aquele fio, e percebi que também a mim ele arrastava. Segui então a direção daquele fio e cheguei à boca de uma espantosa caverna. Detive-me, porque não queria entrar. Puxei de novo aquele fio e me dei conta de que em algo ele cedia. Porém, era mais necessário fazer mais força. E eis que, depois de muito puxar, pouco a pouco veio saindo um monstro feio, grande e asqueroso, o qual mantinha fortemente seguras as pontas de todas aquelas armadilhas. Era este que puxava imediatamente para si todo aquele que caía naquela rede.
- É inútil -disse para mim mesmo - enfrentar a força deste monstro feio, porque não o vencerei; é melhor combatê-lo com o sinal-da-cruz e com jaculatórias.
Voltei atrás, para junto de meu guia, e ele me disse:
- Sabes agora quem é?
- Oh, sim! Já sei, é o demônio que estende essas armadilhas para fazer meus jovens caírem no Inferno.
Observei com atenção muitas dessas armadilhas e vi que cada uma levava escrito seu próprio título: "Soberba, desobediência, preguiça, sexto mandamento, roubo, gula, inveja, ira",etc.
Isto feito, afastei-me um pouco para observar qual daquelas armadilhas pegava maior número de jovens. Eram as da desonestidade, desobediência, roubo e soberba. As três primeiras estavam amarradas a esta última. Vi muitas outras armadilhas que causavam grande estrago, mas não tanto como estas. Continuando a observar, vi muitos rapazes que corriam mais desabaladamente que os outros, e perguntei:
- Por que esta velocidade?
- Porque eles são arrastados pelos laços do respeito humano.


Meios com que se livrar das armadilhas
Olhando ainda mais atentamente, vi que entre essas armadilhas havia, espalhadas de um e outro lado, muitas facas que serviam para cortá-las, ali postas por uma mão providencial. A maior delas representava a "meditação",e era a arma contra a armadilha da soberba. Outra muito grande também, mas um pouco menor do que a primeira, significava a "leitura espiritual bem feita".
Além disto, havia duas espadas. Uma delas era a devoção ao Santíssimo Sacramento; a outra a devoção à Virgem Maria. Havia também um martelo: a confissão. Havia outras facas, símbolo de várias devoções: a São José, a São Luís de Gonzaga, etc. etc.
Com essas armas, muitos rapazes arrebentavam suas armadilhas, quando eram agarrados, ou se defendiam para nelas não caírem.
Com efeito, vi diversos jovens que andavam por entre elas de tal maneira que nunca eram apanhados. Ou passavam antes que caísse a armadilha, ou sabiam desviar-se dela quando caía, de modo a não serem aprisionados.
Quando o guia deu-se conta de que eu já havia observado tudo, fez-me continuar pelo caminho margeado de rosas, as quais iam ficando menos numerosas à medida que avançávamos, começavam a aparecer compridos espinhos.
Chegamos a uma altura em que, por mais que eu olhasse, não encontrava mais uma rosa sequer. O roseiral estava todo transformado em espinheiro sem folhas e queimado pelo sol. Além da galharia retorcida e seca, saíam cipós que serpenteavam pelo chão, enchendo-o tanto de espinhos que só com grande dificuldade se podia andar.
Tínhamos chegado a uma depressão do terreno, de onde não podíamos ver as regiões vizinhas. O caminho continuava sempre em declive, cada vez mais horrível, já sem pavimentação, cheio de buracos e pedras. Perdi de vista todos os meus rapazes, muitíssimos dos quais haviam saído daquele caminho insidioso e tomado outro rumo.
Continuei caminhando. Quanto mais avançava, mais áspera e acentuada era a descida, de maneira tal que às vezes eu escorregava e caía por terra, onde permanecia até recobrar as forças... De vez em quando o guia me amparava e ajudava a levantar-me. Parecia-me que a cada novo passo iam desconjuntar-se meus ossos. Com voz entrecortada de cansaço, disse a meu guia:
- Veja, meu amigo, minhas pernas não podem mais me sustentar. Estou tão alquebrado que me é impossível continuar a viagem.
O guia não me respondeu. Deu-me por acenos um pouco de ânimo e prosseguiu seu caminho. Vendo-me cheio de suor e morto de cansaço, conduziu-me a um outeiro que havia ao lado da estrada. Sentei-me, respirei profundamente e parece que descansei um pouco. Entretanto, olhava para trás e via o caminho já percorrido: parecia cortado a pique e cheio de espinhos e afiadas pedras... Olhava depois o caminho que ainda tinha a percorrer, e fechava os olhos, espantado. Por fim, exclamei:
- Por favor, voltemos atrás! Se seguirmos adiante, como faremos para retornar ao Oratório? Para mim, será impossível subir essa rampa.
O guia respondeu-me resolutamente:
- Agora que chegamos a este ponto, queres ficar sozinho?
- Sem ti, como poderei voltar atrás ou prosseguir adiante? - exclamei em tom dolorido, ante essa ameaça.
- Pois bem, segue-me - acrescentou ele.




No fundo do precipício, uma cidade onde moram os condenados
Levantei-me e continuamos descendo. O caminho se tornava cada vez mais espantoso e intransitável, de modo que mal conseguia manter-me de pé.
Eis que no fundo desse precipício, que terminava num vale escuro, surgiu um imenso edifício que ostentava diante de nosso caminho uma porta altíssima e fechada. Chegamos ao fundo do precipício.
Ao redor daquelas muralhas sulcadas por chamas sanguinolentas sentia-se um calor sufocante e elevava-se uma espessa fumaça esverdeada. Levantei os olhos para ver a altura daquelas paredes. Eram mais altas que uma montanha. Perguntei ao guia:
- Onde estamos? O que é isto?
- Lê o que está escrito na porta. Pela inscrição, saberás onde estamos.
- Olhei e vi escrito na porta: " Ubi non est redemptio - Aqui não há redenção". Dei-me conta, então, de que estávamos na porta do Inferno.
O guia levou-me a dar uma volta pelas muralhas daquela horrível cidade. A intervalos regulares, via-se uma porta de bronze como a primeira, aos pés de uma lúgubre rampa, cada qual com uma inscrição diferente das anteriores.
"Diuscedite, maledicti, in ignem aeternum, qui paratus est diabolo et angelis eius... Omnis arbor quae non fecit fructum bonum excidetur et in ignem mittetur" - Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o demônio e seus anjos decaídos... Toda árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada ao fogo".
Peguei o lápis para copiar aquelas inscrições. O guia me disse:
- Que fazes?
- Tomo nota dessas inscrições.
- Não é preciso. Todas estão nas Sagradas Escrituras. Mais ainda, tu mandaste colocar algumas delas nos portais de teu Oratório.


Dom Bosco vê alguns de seus jovens rolar ladeira abaixo
Ante tal espetáculo eu havia desejado voltar atrás e dirigir-me ao Oratório; já havia dado alguns passos, porém meu guia nem se moveu. Percorremos um imenso e profundíssimo barranco e nos encontramos novamente aos pés da ladeira por onde havíamos descido e ante a primeira porta. De repente, o guia volta para trás, e pálido e com o rosto descomposto, me fez sinais para que me retirasse, dizendo:
- Olha!
Assustado, voltei os olhos atrás e vi a uma grande distância, por aquele rapidíssimo caminho, um que vinha ladeira abaixo precipitadamente. Quando ia se aproximando, procurava olhar o rosto, por último reconheci nele um dos meus jovens. Seus cabelos, desordenados em parte e eriçados, e em grande parte deixados para trás pelo efeito do vento; seus braços, estendidos para frente em atitude de um que nada para escapar do naufrágio. Desejava frear-se e não podia. Tropeçava com as pedras do caminho e as mesmas pedras serviam para dar-lhe maior velocidade.
- Corramos, detenhamos-lhe, ajudemos-lhe - dizia eu, enquanto estendia até ele as mãos.
- Não, deixa, é inútil - dizia-me o guia.
- Por que não posso Pará-lo?
- Crês tu que podes deter alguém da ardente ira do Senhor?
Entretanto, aquele jovem, volvendo a vista para trás, olhando com olhos avermelhados para ver se a ira de Deus o seguia, se lançava ao fundo e ia ao encontro da porta de bronze como se em sua fuga não houvesse encontrado melhor refúgio.
- E por que - perguntava eu - aquele jovem olha atrás com tanto espanto?
- Porque a ira de Deus atravessa todas as portas do inferno e vai atormentá-lo no meio do fogo.
Com efeito, ante aquele golpe, retumbando ao abrir-se seus ferrolhos, a porta se abriu. Após ela se abriram ao mesmo tempo, com um estrondo ensurdecedor, duas, cem, centenas, mil mais, empurradas pelo jovem, levado como por um torvelinho invisível, irresistível, velocíssimo. Todas estas portas de bronze, uma em frente a outra, ainda que a grande distância, ficavam abertas por um instante. Vi ao fundo, muito longe, como a boca de um forno, e enquanto o jovem se lançava para ele, se elevavam baforadas de fogo. As portas voltaram a fechar-se com a mesma rapidez com que se haviam aberto. Então tirei minha carteira para escrever o nome e apelido daquele infeliz, porém o guia, pegando-me o braço, me intimou:
- Espere e olhe de novo.
Olhei e vi outro espetáculo. Vi que por aquela ladeira se precipitavam outros três jovens de nossa casa, qual três penhascos rolavam rapidíssimos um atrás do outro. Tinham os braços abertos e gritavam de espanto. Chegaram ao fundo e foram empurrados até um larguíssimo corredor; se ouviu um prolongado rumor infernal, que se afastava mais e mais, e desapareceram, fechando-se as portas. Muitos outros pouco a pouco foram caindo após estes. Vi cair um pobrezinho empurrado por um pérfido companheiro. Uns caíam sós, outros acompanhados, uns presos pelos braços e outros soltos, ainda que bastante juntos uns dos outros. Todos levavam escrito na fronte um pecado. Eu os chamava com grande afã. Porém os jovens não me ouviam; retumbavam as portas infernais ao abrir-se, se fechavam depois e sucedia um silêncio sepulcral.
- Eis aqui a causa de tantas condenações - exclamou o guia -: os livros, os maus companheiros e os perversos hábitos.
Os laços que havia visto antes eram os que arrastavam os jovens ao precipício. Ao ver cair tantos, disse com acento desolado:
- Então é inútil que trabalhemos em nossos colégios, se tantos são os meninos aos quais aguarda este fim. Não há nenhum outro remédio para impedir a perda de tantas almas?
- Este é o estado em que se encontram, e se morressem, cairiam aqui irremissivelmente.
- Neste caso, deixa-me anotar seus nomes para que possa avisá-los e colocá-los no caminho do paraíso.
- E crês tu que alguns, avisados, se corrigiriam? Naquele momento o aviso lhes impressionará, depois o desprezarão dizendo: "é um sonho" - e se farão piores que antes. Outros, vendo-se descobertos, freqüentarão os sacramentos, porém não será espontânea e meritoriamente, porque não o farão bem. Outros se confessarão, porém só pelo temor momentâneo do inferno, sem expulsar do seu coração o afeto ao pecado.
- Então não há remédio para estes desgraçados? Dai-me um remédio para salvá-los.
- Ei-lo aqui: têm superiores, obedeçam-lhes; têm o regulamento, que o observem; têm os sacramentos, freqüentem-lhes.
Neste instante, precipitou-se outro grupo de jovens, e as portas ficaram abertas por um momento.


Dom Bosco é convidado a entrar no inferno
- Vem tu também para dentro - disse-me o guia.
Retrocedi horrorizado. Se me havia metido na cabeça que tinha de voltar ao Oratório para avisar aos jovens e detê-los para que nenhum se perdesse. Porém o guia insistiu:
- Vem, que aprenderás muitas coisas. Porém diz-me antes: queres ir só ou acompanhado?
Disse isto para que eu reconhecesse a insuficiência de minhas forças e ao mesmo tempo a necessidade de sua benévola assistência; eu lhe respondi:
- Só? Para aquele lugar espantoso? Sem ser ajudado por sua bondade? Quem poderá ensinar-me o caminho de volta?
No mesmo instante me senti cheio de valor, dizendo para mim:
- Antes de ir ao inferno é necessário apresentar-se ao juízo, e eu não tenho sido julgado ainda.
Por conseguinte, exclamei resoluto:
- Bem. Entremos!
Entramos naquele estreito e horrível corredor. Corríamos com a velocidade do relâmpago. Sobre cada uma das portas interiores brilhava com tétrica luz uma inscrição ameaçadora. Quando terminamos de percorrê-lo, fomos parar num vasto e sombrio pátio, em cujo fundo se via uma grossa e horrenda porta, como jamais tenho visto outra, sobre a qual estavam escritas estas palavras: "Ibunt impii ignem aeternum" - Os ímpios irão para o fogo eterno. Todas as paredes estavam cheias de inscrições. Pedi permissão a meu guia para lê-las e me respondeu:
- Como queiras.
Tudo o examinei; vi escrito: "Dobo ignem in carnes eorum ut comburantur in sempiternum" - Porei fogo em suas carnes para que se queimem eternamente; "Cruciabuntur die ac nocte in saecula seaculorum"- Serão atormentados dia e noite pelos séculos dos séculos; "Hic universitas malorum per omnia seacula saecolorum" - Aqui está o conjunto dos males pelos séculos dos séculos; "Nullus este hic ordo, sed horror sempiternus inhabitat" - Aqui não existe ordem, senão que mora o horror eterno; "Fumus tormentorum suorum in aeternum ascendit"- Eternamente estará subindo o fumo de seus tormentos; "Non est pax impiis"- Não há paz para os ímpios; "Clamor et stridor dentium" - Clamor e ranger de dentes.
Enquanto eu estava lendo aquelas inscrições, o guia, que havia ficado no meio do pátio, aproximou-se e disse:
- Deste ponto em diante, não poderão ter um companheiro que os sustente, nem um amigo que os ajude, nem um coração que os ame, nem um olhar compassivo, nem uma palavra benévola; temos passado a linha. Tu queres ver e provar?
- Somente quero ver - respondi.
- Vem, pois, comigo - acrescentou o amigo.


Uma imensa caverna perdida nas entranhas da terra
E tomando-me pela mão levou-me ante aquela pequena porta e a abriu. Comunicava-se com um espaço em cujo fundo havia uma grande caverna, fechada só com uma janela de cristal que ia do piso até o teto, e através da qual se podia divisar o interior. Dei um passo atrás e retrocedi até o umbral da porta; fiquei parado, preso de indizível terror. Apareceu ante meus olhos uma espécie de imensa caverna que se perdia nas entranhas da montanha, cheia de fogo, não já como o vemos na terra, senão um fogo tal e tão ardente, que quanto havia em seu redor estava tostado e branco pelo excessivo calor. Paredes, testos, pavimento, ferro, pedras, lenha, carvão, tudo estava branco e incandescente. Seguramente, aquele fogo era de milhões de graus de calor; porém nada reduzia a fagulhas, nada consumia. Eu não posso descrever esta caverna com toda sua espantosa realidade.
"Praeparata est enim ab hero Thopheth, a rege praeparata, profunda, et dilatata. Nutrimentum eius, ignis et ligna multa: flatus Domini sicut terrens sulphuris succedens eam" - Desde muito tempo, Tofet tem sido preparada por seu dono, pelo rei foi preparada, profunda e larga. Seu alimento é o fogo e muita lenha; o sopro do Senhor, como uma torrente de enxofre, a mantém acesa. (Isaías 30, 33).
Enquanto olhava tudo isto atônito, vejo de pronto vir com incoercível fúria a um jovem, que, lançando um grito dilacerador, semelhante ao do que está para cair num lago de bronze derretido, precipita-se no meio do fogo, torna-se incandescente como toda a caverna e fica imóvel, ressoando por uns instantes o eco da sua voz agonizante.
Cheio de horror, fixei os olhos naquele jovem, e me pareceu um do Oratório, um de meus filhos.
- Mas não é este um de meus jovens? - perguntei ao guia -, não é fulano de tal?
- Sim, sim! - respondeu-me.
- E por que - acrescentei - não muda de posição? Como é que está tão incandescente e não se consome?
- Escolhestes ver e, portanto, agora não fales. Olha e verás. Ademais, "omnia enim salietur et omnis sales salietur" (Mc 9, 49) - Todos serão salgados com fogo e toda vítima se condimentará com sal.
Apenas havia voltado os olhos, quando outro jovem, com furor desesperado e grandíssima velocidade, corre e se precipita na mesma caverna. Também era do Oratório. Não bem caiu, já não se moveu mais, e também ele havia lançado um grito dilacerador, e sua voz se havia confundido com o outro eco do grito de seu predecessor. Chegaram outros com as mesmas cambalhotas, seu número aumentava , e todos lançavam os mesmos gritos e ficavam imóveis, incandescentes, como os que os haviam precedido. Observei que o primeiro havia ficado com uma mão no ar e com um pé suspenso também no alto. O segundo havia ficado como dobrado até o chão. Uns tinham os pés no ar, outros a cara contra o chão. Outros como suspensos, sustentando-se com um só pé e uma só mão; os havia sentados ou deitados, apoiados de um lado, em pé ou de joelhos, com as mãos entre os cabelos. Havia, enfim, um grande número de jovens como estátuas, em posições cada vez mais dolorosas. Vieram todavia muitos mais para aquele forno, jovens que eu em parte conhecia e em parte me eram desconhecidos. Lembrei-me então do que está escrito na Bíblia: Como cai a primeira vez no inferno, assim ficará eternamente. "Lignum in quocumque loco ceciderit, ibi erit". A árvore ali onde caia, ficará.
Crescia em mim o espanto e perguntei ao guia:
- Porém estes que correm com tanta velocidade não sabem que vêm para cá?
- Oh, sim! Sabem que vão ao fogo, foram avisados mil vezes, mas correm voluntariamente por causa do pecado, que não detestam e não querem abandonar, porque desprezaram e recusaram a misericórdia de Deus que incessantemente os chamava à penitência, e por isso a divina justiça provocada, os empurra, os insta, os persegue, e não podem parar-se senão quando chegam a este lugar.
- Que desespero tão grande o destes desgraçados, sem a mais leve esperança de sair daqui! - exclamei.
- Queres conhecer a íntima pena e furores de sua alma? Aproxima-te um pouco mais.
Dei alguns passos até á janela, e vi que muitos daqueles miseráveis se golpeavam e feriam uns aos outros e se mordiam como cães raivosos, outros se arranhavam no rosto, se laceravam as mãos, despedaçavam suas carnes e as jogavam pelo ar com desprezo. De repente, o teto da caverna se foi fazendo transparente, como de cristal, e através dele se via um pedaço do céu e as radiantes figuras de seus companheiros salvos para sempre.


Os condenados sofrem com a bem-aventurança dos justos
Aqueles condenados bramiam com feroz inveja, respirando afanosamente, porque os justos haviam sido vistos por eles, em algum tempo, como objetos de escárnio. "Peccator videvit et irascetur; dentibus suis fremet et tabescet"- O pecador verá e se olhará, odiará e rangerá os dentes. (*)
- Diz-me - perguntei a meu guia - como é que não se ouve nenhuma voz?
- Aproxima-te um pouco mais - gritou-me.
Aproximei-me até o cristal da janela, e ouvi que uns rugiam e blasfemavam entre horríveis contorções; outros blasfemavam e imprecavam os santos. Aquilo era um caos de vozes e gritos agudos e desaforados, pelo que perguntei a meu amigo:
- Por que agem desta forma?
- Ao recordar a sorte de seus companheiros bons se vêm obrigados a confessar: "Nos insensati! Vitam illorum aestimabamus insaniam et finem illorum sine honoré" - Nós, insensatos, julgamos sua vida como uma loucura e seu fim sem honra. "Ecce quomodo computati sunt inter filios. Dei et inter sanctos sors illorum est. Ergo erravimus a viis veritatis" - Eis aqui como têm sido contados no número dos filhos de Deus e sua sorte juntamente com a dos santos. Logo nos temos afastado do caminho da verdade.
Por isso gritam: "Lasati sumus in via iniquitatis et perditionis. Erravimus per via difficiles, viam autem Domini ignoravimus" - Temos corrido pelo caminho da iniqüidade e da perdição. Nos perdemos por caminhos difíceis e não conhecemos o caminho do Senhor
"Quid nobis profuit superbia? - De que nos aproveitou nossa soberba?
"Transierunt omnia illa tanquam umbra" - Tudo passou como uma sombra.
Estes são os lúgubres cantos que ali ressoam por toda a eternidade. Porém inúteis gritos, inúteis esforços, inútil pranto. "Omnis dolor irruet super eos!" - Toda a dor cairá sobre eles. Aqui já não há tempo, só há a eternidade.
Enquanto, cheio de horror, contemplava o estado de muitos de meus jovens, assaltou-me de improviso um pensamento.
- Mas como é possível que os que se encontram aqui estejam todos condenados? Estes jovens ontem a tarde estavam vivos no Oratório.
Os que vês aqui - disse-me o guia - todos vivem, porém estão mortos para a graça, e, se morressem agora ou continuassem fazendo como presentemente, se condenariam. Mas não percamos tempo, sigamos adiante.


A pena do remorso
E me afastou daquele lugar, e por um corredor que descia por um profundo subterrâneo conduziu-me a outro em cuja entrada estava escrito:
"Vermis eorum nom moritur, et ignis non extinguitur... Dabit Dominus omnipotens ignem et vermes in carnes eorum, ut urantur et sentiant usque in sempiternum" - Seu verme não morrerá e o fogo não se extinguirá. O Senhor onipotente dará fogo e verme a suas carnes para que ardam e sofram eternamente. (Judite 16, 21)
Aqui se admirava o espetáculo dos terríveis remorsos dos que foram educados em nossas casas.
A lembrança de todos e de cada um de seus pecados não perdoados e sua justa condenação; o de haver tido mil remédios extraordinários para converter-se ao Senhor, para ser perseverante no Bem, para ganhar o paraíso. A lembrança de tantas graças prometidas, oferecidas e dadas por Maria Santíssima e não correspondidas! Poder salvar-se com pouco trabalho e perder-se irremissivelmente para sempre! Recordar-se de tantos bons propósitos feitos e não cumpridos! Ah! bem diz o ditado que o inferno está repleto de boas intenções.
Ali voltei a ver todos os jovens do Oratório que havia visto pouco antes naquele forno (alguns dos quais neste momento estão me ouvindo, outros que têm estado conosco e muitos que eu não conhecia). Aproximei-me e observei que todos estavam cheios de vermes e animais asquerosos, que lhes roíam e consumiam o coração, os olhos, as mãos, pernas, braços, e de uma maneira tão miserável que não é possível explicar. Estavam imóveis, expostos a toda classe de moléstias, e não podiam defender-se de nenhuma maneira. Aproximei-me ainda mais e cheguei perto para que me vissem, esperando poder falar-lhes e que me dissessem algo, mas nenhum falava nem me olhava. Perguntei então ao guia a causa disto, e me foi respondido que no outro mundo não têm liberdade os condenados. Cada um sofre ali o castigo que Deus lhe tem imposto, sem que possa haver mudança de nenhuma forma.
- Agora é necessário - acrescentou - que tu também vás ao meio daquela mansão de fogo que tens visto.
- Não, não - respondi - não quero ir ao inferno!
- Diga-me - observou o amigo - que te parece melhor: ir ao inferno e livrar a teus jovens, ou bem ficar-te fora e deixá-los no meio de tantos tormentos?
Respondi:
-Oh, a meus queridos jovens eu os quero muito, e quero que todos se salvem. Porém não podemos fazer de maneira que nem eles nem eu entremos aí dentro?
- Todavia estás no tempo - respondeu-me o amigo - e também eles o estão, com tal que façam tudo o que possam.
Meu coração se alargou e disse para mim:
- Pouco me importa sofrer e trabalhar, contanto que possa livrar de tantos tormentos a estes queridos filhos.
- Vem, pois, dentro - replicou o amigo. E verás a bondade e a onipotência de Deus, que amorosamente emprega mil meios para chamar à penitência a teus jovens e salvá-los da morte eterna.


A mansão infernal dos vícios capitais
Segurou-me pela mão para me introduzir na caverna. Apenas pus os pés no umbral, encontrei-me transportado a uma magnífica sala com portas de cristal. Sobre estas, e a regular distância, largos véus estavam pendurados, cobrindo outros tantos departamentos que se comunicavam com a caverna.
O guia apontou-me um daqueles véus, sobre o qual estava escrito "Sexto mandamento", e exclamou:
- A transgressão deste é a causa da ruína de muitos jovens.
- Mas não se confessam?
- Sim, confessam-se, mas os pecados contra a bela virtude os confessaram mal ou os calaram por completo. Por exemplo, um que havia cometido quatro ou cinco destes pecados, confessou somente dois ou três. Há quem cometeu um só na meninice e tivera sempre vergonha de confessá-lo ou o tem confessado mal e não tem dito tudo. Outros não tiveram dor nem propósito. Mais ainda: alguns, em vez de examinar sua consciência, estudavam o modo de enganar o confessor. E o que morre com tal resolução está disposto a ser do número dos condenados, e assim será para toda a eternidade. Só os que, arrependidos de todo coração, morrem com a esperança da eterna salvação serão eternamente felizes. E agora queres ver por que a misericórdia de Deus tem te conduzido até aqui?
Levantei o véu e vi um grupo de meninos os quais eu conhecia, condenados por este pecado. Entre eles haviam alguns que, na aparência, têm boa conduta.
- Pelo menos agora me deixarás escrever os nomes destes meninos para poder avisá-los em particular.
- Como queiras - respondeu.
- Que devo dizer-lhes?
- Prega constantemente contra a imodéstia. Basta avisá-los em geral, e não esquece que, ainda que os avise em particular, prometerão, mas nem sempre firmemente. Para conseguir isto se requer a graça de Deus, que, pedida, jamais faltará a teus jovens. Deus manifesta especialmente seu poder em compadecer e perdoar. Oração, pois, e sacrifício por tua parte. Os jovens escutem tuas exortações, perguntem à sua consciência, e ela lhes mostrará quanto devem fazer.
E aqui estivemos falando perto de meia hora sobre as condições necessárias para fazer uma boa confissão. Depois o guia repetiu várias vezes levantando a voz:
- "Avertere!... Avertere!"
- E que significa esta expressão?
- Mudar de vida, mudar de vida!
Aniquilado por aquela revelação, baixei a cabeça e estava para retirar-me quando o guia me chamou e disse-me:
- Todavia não tens visto tudo.
E,dirigindo-se a outra parte, levantou outro véu, sobre o qual estava escrito: "Sétimo mandamento". "Qui volunt divites fieri, incident in tentationem et laquem diaboli". Os que querem fazer-se ricos, caem em tentação e no laço do demônio.
Li e exclamei:
- Isto não ocorre com meus meninos, porque são pobres como eu: não somos ricos, nem pretendemos sê-lo. Nem sequer em pensamento.
Afastou o véu, aparecendo no fundo certo número de meninos, todos conhecidos, que sofriam como os anteriores, e, a mim apontando-os, disse-me:
- Já creio que coincide com teus meninos esta inscrição!
- Explica-me, pois, esse "divites".
- Por exemplo, alguns de teus jovens têm o coração apegado a um objeto material de tal maneira que esse afeto os apartava do amor de Deus, e por isso faltam à caridade, à mansidão e à piedade. Não somente se perverte o coração com o uso das riquezas, senão também com desejá-las, tanto mais se esse desejo ofende a justiça. Teus jovens são pobres, porém adverte que a gula e o ócio são maus conselheiros. Existem alguns que em seus lugarejos se fizeram culpáveis de furtos não insignificantes e, podendo, não pensam restituir. Existe quem estuda a maneira de abrir com chave falsa a despensa, e procura entrar no escritório do prefeito ou do ecônomo, quem vai a averiguar nos baús dos companheiros para roubar-lhes comestíveis, dinheiro ou outros objetos, quem faz coleção de cadernos, livros para seu uso.
De uns e de outros me disse o nome, e continuou:
- Alguns se encontram aqui por haver se apropriado de objetos de vestuário, roupa branca, colchas, lençóis que pertenciam à rouparia do Oratório, para enviá-los à sua casa. Alguns por haver causado voluntariamente pequenos defeitos e não havê-los reparado. Outros, por não devolver as coisas que se lhe haviam emprestado, e alguns por haver retido somas de dinheiro que lhes haviam sido confiadas para que as entregasse ao superior. E terminou dizendo:
- Já que te tenho indicado estes males, avisa-os; diga-lhes que recusem os desejos inúteis e nocivos, que sejam obedientes à lei de Deus e zelosos de sua honra; de outro modo, a avareza os arrastará a piores excessos, que os afundarão nas dores, na morte e na perdição.
- Não podia explicar-me como certas coisas, consideradas tão insignificantes pelos jovens, haviam sido castigadas com penas tão horríveis?
Mas o amigo parou minhas reflexões, dizendo-me:
- Relembra o que se te disse ante o espetáculo dos cachos de uva estragados da videira.


A raiz de todos os males, a desobediência
E levantou outro véu, que ocultava a outros muitos de nossos jovens, aos quais em seguida reconheci, e que no momento estão no Oratório. Sobre o véu está escrito: "Radix omnium malorum". Raiz de todos os males.
Perguntou-me:
- Sabes que significa isto? Sabes qual o pecado indicado por esta epígrafe?
- Parece-me que não seja outro senão a soberba.
- Não - respondeu.
- Sem embargo,eu sempre tenho ouvido dizer que a soberba é a raiz de todo pecado.
- Sim, em geral é a soberba; porém, em concreto, sabes qual foi o que fez cair Adão e Eva no primeiro pecado, pelo qual foram expulsos do paraíso terrestre?
- A desobediência.
- Precisamente, a desobediência é a raiz de todo mal.
- E que tenho a dizer a meus jovens sobre este ponto?
- Fica atento: os jovens que tu vês aqui são os desobedientes, que se vão preparando tão lamentável fim. Esses tais e outros que tu crês que foram descansar, pela noite descem para passear no pátio, e, não fazendo caso das proibições, se vão a lugares perigosos e sobem nos andaimes das novas obras, pondo ainda em perigo sua vida. Alguns, apesar das admoestações, na igreja não estão como devem: em lugar de rezar pensam em outras mil coisas, constroem castelos no ar; outros molestam os demais. Existem alguns que buscam posturas cômodas e dormem durante as sagradas funções; outros, tu crês que vão à igreja e não vão. Ai do que descuida da oração! O que não reza se condena! Têm aqui alguns que, em vez de cantar os cânticos sagrados no ofício da Santíssima Virgem, têm livros que tratam de tudo menos de religião, e alguns, dá vergonha dizê-lo, têm até livros proibidos.
E continuou enumerando outras transgressões que são causa de graves desordens. Quando havia terminado, lhe olhei comovido, ele me olhou, e lhe disse:
- E todas essas coisas poderei contá-las a meus meninos?
- Sim, podes dizer-lhes a todos o que lembrardes.
- E que conselho poderei dar-lhes para que não lhes sucedam tão graves desgraças?
- Insistirás demonstrando como a obediência, ainda nas coisas menores, a Deus, à Igreja, aos pais e aos superiores, os salvará.
- E que mais?
- Dirás a teus jovens que se guardem muito do ódio, porque esta foi a causa do pecado de Davi. Diga-lhes que estejam sempre ocupados, porque assim o demônio não encontrará tempo para assaltá-los.
Inclinei a cabeça e prometi. Não podendo mais pelo cansaço, disse ao amigo:
- Agradeço-te a caridade que tens usado comigo e rogo-te que me faças sair daqui.
- Vem comigo - me disse - e, dando-me ânimo, segurou-me pela mão sujeitando-me, porque estava extenuado de forças. Uma vez que saímos daquela sala, atravessamos num momento aquele horrível pátio e o largo corredor de entrada, antes de abandonar o umbral da última porta de bronze, voltou-se de novo para mim e exclamou:
- Agora que vistes os tormentos dos outros, é necessário que tu também proves um pouco do inferno.
- Não, não! - gritei espantado.
Ele insistia e eu recusava.
- Não temas - me dizia - é só provar, toca esta muralha.
Eu não tinha coragem e queria afastar-me; mas ele dominou-me, dizendo:
- E, sem embargo, é necessário que tu o proves!
E segurou-me resolutamente por um braço e levou-me junto ao muro, dizendo:
- Toca-o rapidamente ao menos, para que possas dizer que tens ido a visitar as muralhas dos eternos suplícios e que as tens tocado; e também para que compreendas como será a última muralha, se a primeira é tão terrível. Vês este muro?
Observei com maior atenção aquele muro, que era de uma grossura colossal. O guia prosseguiu:
- Esta é a milésima parede antes de chegar ao fogo do inferno. Mil muralhas o rodeiam. Cada um tem mil medidas de espessura, e essa é a distância de uma a outra; cada medida é de mil milhas; esta muralha dista um milhão de milhas do verdadeiro fogo do inferno e, portanto, é um pequenino princípio do mesmo inferno.
Dito isto, e vendo os esforços que eu fazia para esquivar-me, agarrou minha mão, e a abriu à força fazendo-me apoiá-la sobre a pedra daquela última muralha. Naquele instante senti uma queimação tão intensa e dolorosa que, saltando para trás e dando um fortíssimo grito, despertei-me.
Encontrei-me sentado na cama, e, parecendo-me que minha mão estava ardendo, a esfregava com a outra para fazer passar aquela sensação. Quando amanheceu observei que a mão estava efetivamente inchada; e a impressão imaginária daquele fogo teve tal força, que pouco depois a pele da mão se desprendeu e caiu.
Tende em conta que eu não vos tenho contado estas coisas com todo seu horror e tal como as vi e com a impressão que me fizeram, para não assustar demasiado. Sabemos que o Senhor nunca falou do inferno senão por figuras, porque, mesmo quando nos fizeram descrito como é, não o haveríamos entendido. Nenhum mortal pode compreender estas coisas. O Senhor as sabe e pode dizê-las a quem quiser.
Várias noites sucessivas tem havido tal turbação que não consigo dormir por causa deste medo. Os tenho contado brevemente o que tenho visto em larguíssimos sonhos: não vos tenho feito mais que um breve resumo. Já farei instruções sobre o respeito humano, sobre o sexto mandamento e o sétimo e sobre a soberba. Não farei mais que explicar estes sonhos; porque em tudo estão conforme a Sagrada Escritura: ainda mais, não são mais que um comentário do que se lê sobre isto na mesma. Nestas noites já os tenho contado algumas coisas, porém sempre que posas vir a falar-lhes os contarei as restantes, dando-vos alguma explicação” .


(*) Os condenados verão parte da glória dos justos no céu, e isto lhes despertará terrível inveja. Uma inveja diferente da que tinham na terra, pois na eternidade lhes açulará o desejo de causar dano aos justos como vingança, mas estarão impossibilitados pelo poder de Deus. É mais um tipo de tormento, pois Deus poderia impedir que tivessem tal inveja - bastaria não deixar que vissem a glória dos justos. Mas a justiça manda que eles vejam o bem que perderam para que possam sofrer as conseqüências de sua recusa de Deus, e o vejam nas outras pessoas que conheceram quando eram vivos na terra. Assim, sofrerão este tipo de inveja sem ter qualquer consolo, o qual consistiria em fazer dano aos justos, pois toda inveja pede ao invejoso que se vingue no invejado.






2. Visão de Santa Faustina Kowalska


Eis como a vidente polonesa, Santa Faustina Kowalska, canonizada recentemente, descreve como viu o inferno:
"Hoje estive nos abismos do inferno, levada por um Anjo. É um lugar de grande castigo, e como é grande a sua extensão! Tipos de tormentos que vi: o primeiro tormento que constitui o inferno é a perda de Deus; segundo - contínuo remorso de consciência; terceiro - esse destino já não mudará nunca; quarto tormento - é o fogo, que atravessará a alma mas não a destruirá; é um tormento terrível, é um fogo puramente espiritual (*), acendido pela ira de Deus; quinto tormento - é a contínua escuridão, um terrível cheiro sufocante, e embora haja escuridão, os demônios e as almas condenas vêem-se mutuamente, e vêem todo o mal dos outros e o seu; o sexto tormento - é a contínua companhia do demônio; sétimo tormento - é o terrível desespero, ódio a Deus, maldições, blasfêmias. São tormentos que todos os condenados sofrem juntos, mas não é o fim dos tormentos; existem tormentos especiais para as almas, os tormentos dos sentidos; cada alma é atormentada com o que pecou, de maneira horrível e indescritível. Existem terríveis prisões subterrâneas, abismos de castigo, onde um tormento distingue-se do outro; eu teria morrido vendo esses terríveis tormentos, se não me sustentasse a onipotência Divina. Que o pecador saiba que será atormentado com o sentido com que pecou, por toda a eternidade; estou escrevendo isso por ordem de Deus, para que nenhuma alma se escuse dizendo que não existe o inferno, ou que ninguém esteve lá e não sabe como é lá.
"Eu, Irmã Faustina, por ordem de Deus estive nos abismos do inferno para falar às almas e testemunhar que o inferno existe. Sobre isso não posso falar agora, tenho ordem de Deus para deixar isso por escrito. Os demônios tinham grande ódio contra mim, mas por ordem de Deus tinham que me obedecer. O que escrevi é uma frágil sombra das coisas que vi. Percebi uma coisa: o maior número de almas das que lá estão é o daquelas que não acreditavam que o inferno existe. Quando voltei a mim, não podia me refazer do terror de ver como as almas sofrem terrivelmente ali, e por isso rezo com mais fervor ainda pela conversão dos pecadores, incessantemente peço a misericórdia de Deus para eles, Ó meu Jesus, prefiro agonizar até o fim do mundo nos maiores suplícios a ter que Vos ofender com o menor pecado...".


(*) - Santa Faustina fala num "fogo puramente espiritual" porque aquelas almas ainda não receberam o corpo ressurrecto, fato que só se dará no Juízo Final. Aí, então, terá efeito a ação nefasta de um fogo também material sobre os corpos malditos dos precitos. É como se lá existisse também uma espécie de "inferno empíreo" em contraposição ao Céu Empíreo.



3. Visão da Bem-aventurada Madre Ana de Santo Agostinho, discípula de Santa Teresa de Jesus e Fundadora


"Foi meu espírito arrebatado, e levado em companhia de nossa Madre Santa Teresa de Jesus, e de outro religioso de nossa Ordem, que sendo provincial havia falecido no Convento de Vila Nova de Jará, que se chamava Frei João Baptista, o qual foi muito santo. Levaram-me os dois por um caminho largo e espaçoso, pelo qual me disseram: Avisa que ponham cuidado em pôr prelados, que com muito zelo façam que se guardem, como em seus princípios, as leis e obrigações da nossa Sagrada Religião, na qual é Nosso Senhor mui servido.


Santa Teresa e Frei João Batista conduzem Madre Ana ao inferno
Havendo passado por aquele caminho largo por onde me levavam nossa Santa Madre e aquele religioso, em pouco espaço de tempo me meteram em outro mui estreito; e nossa santa Madre me fez entrar com muita força, que me fez, e ali se me desapareceram os dois santos, e deixaram a minha alma em grandíssima solidão, e sem amparo, que o não sentia nem do Céu nem da terra. Acudiram logo os demônios com grande tropel e ruído; e com acelerada pressa começaram a cavar, e com muita brevidade abriram uma caverna, ou boca do inferno, e meteram-me nela: onde havia muitas chamas de fogo, e grande quantidade de demônios; e era uma estreitura prolongada, que da pena e, que nela sentia a minha alma, e de estar naquele lugar tão espantoso, não tenho que dizer, pois bem se deixa entender. Mas só irei referindo parte do que vi no inferno, que tudo não será possível; e ainda que o tenho impresso na memória, não o poderei explicar com palavras.
No fim desta profunda estreitura vi no seu remate outro centro mais profundo, que era a infernal morada, cheia de fogo e de demônios, e cercada de confusão espantosa á vista, e temerosíssima para a minha alma. Causava-me grande amargura ver o que ali se passava: e estava atônita e espantada. Com admiração e confusão punha fitos os olhos numas partes e noutras com muita atenção; e tendo a minha alma mui lastimada, olhava aqueles prolongados espaços; os terríveis e infernais lugares e moradas; a grande quantidade e número espantoso de almas e demônios, que se revolviam nas chamas; e os tormentos com que as tais almas eram atormentadas, eram tantos e tão diversos, que nem imaginar se podem, quanto mais dizer com palavras.


Demônios e precitos numa visão de caos, ódio e desventura
E não posso explicar o grande número que havia de condenados. E entre eles vi que andavam os demônios tão espessos, como os argueiros do ar ao sol. E vi-os com diferentes figuras e desproporcionadas, e com tão terríveis visões, que somente imaginá-lo mete horror e espanto. E como cruéis algozes tomavam vingança nas desventuradas almas dos condenados; que como estão privados de outro poder, se abalançam e empregam a raiva nesta presa sua.
Vi que peçonhentos bichos e sevandijas entravam pelos sentidos daquelas almas danadas, como uns formigueiros, tão espessos como fumo, que me turbava a vista. Vi grande multidão de animais, e feras venenosas e ferozes, as quais mui encarniçadas faziam estragos naquelas almas e corpos dos que com eles tinham ido àquele desventurado cárcere, que o é mais em ser perpétuo, e sem que jamais se haja de admitir apelação. Que como a sua sentença se deu naquele supremo Tribunal da Santíssima Trindade, não acham outra relação que os dê por soltos; nem jamais se hão de ver livres daquelas infernais penas. E estas feras com suas unhas e dentes os mordem e despedaçam.
Vi uns ferocíssimos demônios, com umas línguas mui disformes lançadas fora, que causavam grande temor e espanto; e com elas feriam e lastimavam aos danados, e toda aquela maldita canalha fazia uma horrenda música mui confusa. Os danados com grandes gemidos se queixavam e lamentavam sua sorte desventurada, chorando amargamente, não com contrição (que ali não pode haver coisa boa), senão com raivosa desesperação, vendo-se em tão horríveis penas, granjeadas com suas mesmas obras. As feras bramiam, os demônios uivavam, e os sibilos dos dragões e serpentes ajudavam a entoar esta desventurada e triste música.
Vi ali grandes tempestades, grandes ventos, grandes redemoinhos e tormentos, muitos trovões e relâmpagos que despediam espantosos raios, os quais caíam sobre os condenados, e parecia que os esmigalhavam e faziam em pedaços; porem não os consumiam, porque o seu mal não tem fim. Havia temerosos ruídos de muitas águas, e grandes torres de saraiva, e montes de neve, e geadas, e muitos rios, e tanques de lodo e imundície, e muitos lagos de águas encharcadas, e uns penhascos de grande altura de pedra-enxofre, e por eles subia e descia grande quantidade de feias sevandijas.


Os demônios mantêm os condenados em prisões dantescas
Os castelos e fortalezas, e muralhas deste desventurado lugar são de terrível fogo infernal, e neles postos muitos demônios, como em atalaia, que não cessam de dizer: vela, vela! Havia terríveis névoas e escuridão, e um fumo excessivo que me afogava, causando grande tormento e agonia.
Estão as desventuradas almas entregues aos demônios, oprimidíssimas, como aleivosas, em tal cárcere e prisões. Estão consumidas e assombrosas, e com terrível fealdade. Estão totalmente nuas, grandemente envergonhadas e confusas, tendo as bocas abertas e saídas as línguas; e com grande ânsia e cólera, e desesperação estão publicando a gritos, suas maldades, e manifestando às claras seus pecados, que cá no mundo calaram (que as almas dos católicos que ali estão condenadas, é por confissões mal feitas) e agora as miseráveis vêm a publicar sem proveito seus pecados.
Todos se vêem, e se conhecem; e com os que tiveram cá amizade mostram furiosas raivas. O tormento se lhes dobra em lembrar-se de quão brevemente passou o gosto e deleite, que lhes foi causa do mal, que ao presente padecem, tão terrível e sem fim. E assim desconfiados de que o tenham suas penas, rompem com grande cólera em alaridos e suspiros, e mui grandes gemidos, manifestadores da sua condenação; e elas mesmas se confessam malditas, e excomungadas, e estão amaldiçoando o instante e a hora em que foram geradas, e a toda a Santíssima Trindade, e a Nosso Senhor Jesus Cristo, e a sua Santíssima Encarnação, e a porção e a substância de sua Humanidade, e o ventre puríssimo onde andou, e sua Vida, Paixão e Morte, e a seu preciosíssimo sangue, e a todos os Sacramentos, e a todos os Santos, e aos Céus e à Terra, e a todas as coisas criadas. E de tudo o que tenho dito, estão renegando e blasfemando, coisa que me meteu grande desconsolação e pena. Como também ver tantos, que de novo se iam condenando, que em grande número de almas, não cessavam um ponto de cair, baixando àquelas moradas, como a pedra a seu centro, e turbando todo o inferno, este se alvorotava de novo, crescendo mais os gemidos, e aumentando-se as penas, e fazendo alardes e resenhas os condenados; e os demônios misturados uns com os outros costumam fazer recebimento ás desventuradas almas, que de novo vão entrando naquele cativeiro, levando-lhes as insígnias dos tormentos que hão de ter.


Os que tinham cargo de direção sofrem tormentos maiores
Aos privados e grandes deste mundo, reis, príncipes e monarcas, que foram cá estimados, os nomeiam pelos seus nomes, que lhes dava o tratamento das honras humanas; e ali os desprezam com grandes opróbrios e infâmias, e os cospem e têm aperreados, como a escravos vilíssimos; e que maior vileza que escravo de tal senhor? Os pontífices e bispos estão postos em tronos de fogo: e ali estão abatidas e desprezadas todas suas dignidades e privanças; e em lugar de suas mitras, têm postas carochas ; e muito a miúdo os metiam e tiravam em caldeiras fervendo, e em lagos de águas imundas. Também os revolviam em lodo, e os entregavam às feras peçonhentas. E estes tais o seu lugar é mais profundo, porque foram os mais levantados em dignidade. E assim eles, como todos os que foram religiosos, e pessoas que por seu estado eram mais chegados a Nosso Senhor, e por seus pecados se apartaram e se condenaram, estão nesta profundeza. Porque nela vi de todas as religiões , e de todas as mais altas dignidades, que se estão abrasando naquelas chamas. E pelas insígnias que os miseráveis têm, se conhece cada um claramente: e conforme foram seus pecados, assim são seus tormentos; e tanto estes são maiores, quanto um foi mais chegado a Deus.
E assim vi os desobedientes, que estavam sujeitos aos demônios, e diante deles ajoelhavam e lhes davam obediência, forçada e violentamente. Vi os desonestos (que são tantos, que espanta o seu número) que estavam em cadeias de fogo, e que nelas os atormentavam os demônios terrivelmente, despedaçando suas carnes com garfos e unhas de ferro; e mais fortemente com tenazes em brasa despedaçam e arrancam aquelas partes onde foram culpados. E para mais excessivo tormento, se ajuntavam com eles os mesmos demônios, aumentando tormentos conforme os pecados, coisa que lhes é de grande inferno.
Também vi nesta maior profundeza os anacoretas que se não aproveitavam dos ermos e desertos, antes com soberba e hipocrisia atribuíram a si o que só a Deus se há de atribuir, e dar-lhe toda a glória; ganharam estar no mais profundo, como quem tendo mais ocasião e comodidade para se salvar, por suas culpas perderam a Deus e com sua Divina Majestade todos os bens, fazendo-se herdeiros de todos os males.
Vi os proprietários e apóstatas postos com grilhões e cadeias; e os demônios já puxando para trás, já para frente, os maltratavam e açoitavam com grande crueldade, e com algemas nas mãos os metiam em calabouços e cepos. Vi também que os proprietários tinham nos peitos muitas bolsas, e bichos que lhes estavam roendo as entranhas. E outros vi que os demônios lhes tapavam os ouvidos, e pela parte do cérebro lhes tiravam os miolos, e com grande crueldade os lançavam em fornos de fogo. A outros vi que os metiam os demônios em sepulturas estreitas no mais profundo; e a uns cobriam, ou enterravam de todo, a outros até à garganta; e com grandes gemidos davam mostras de onde estavam enterrados, e das penas que ali padeciam.
No mais profundo deste mar profundo do Inferno vi a dois desgraçados (que bem desgraçados foram), um frade e uma freira, que o haviam sido de certa religião; e já o seu pecado e condenação tinham feito inútil, e vã sua religião, e desfeito a sua profissão, a qual não somente lhes não aproveitava, senão que era a causa de seu maior inferno, por justo juízo de Nosso Senhor. E assim estavam em terríveis penas, publicando a gritos os delitos por que haviam sido condenados: que eram desobediência, inveja, e pecados de sensualidade. Estavam nus, e com toda a fealdade e desventura que se pode imaginar, e muito mais. E o frade, por haver sido sacerdote, tinha mais tormentos, e estava mais no fundo. E por havê-los eu conhecido cá em sua vida, e então ali em tão triste lugar e estado, mostraram de me ver grande vergonha, e confusão, e ânsias, com tão grande raiva e fúria, que parecia tinham ânsia de despedaçar-me. E a mim me deu grande aflição e pena vê-los em tão grande desventura.


No fundo do inferno jazem Lúcifer, Judas, homossexuais e outros malditos
Neste profundo vi também a Lúcifer e a Judas, os quais tinham terrível inferno. A Lúcifer vi que estava posto em um infernal trono algum tanto alto, sentado em uma cadeira de fogo; e lhe estão dando obediência as almas dos que desesperam, as quais, em pena e castigo de seus pecados, vi que também faziam ofício de demônios, atormentando a outras almas com grande inferno seu.
Vi os avarentos e os glutões, e pessoas que tinham sido regaladas, que padeciam suma miséria, e que estavam postos em camas e leitos de abrolhos , e sevandijas e víboras, que os estavam picando por todas suas conjunturas e membros. Vi que os estavam rebentando, e saindo os manjares, que tanto haviam cá estimado, deleitando-se com gosto vicioso.
Vi os do pecado nefando com tormentos espantosos, um dos quais era juntarem-se com os demônios e com as feras mais horríveis. Vi que estavam os invejosos despedaçando-se e comendo-se; e parece que de quantos tormentos têm e padecem não se fartam, conservando ali em seu ponto a inveja raivosa.
Vi de todas as nações: e claramente os conhecia, e a idade de cada um e os tormentos que tinha. E maior parte que parecia haver de condenados, era de mui velhos, e mui moços. Têm grande gêneros de tormentos: uns estão pendurados pelos pés, e lhes estão dando terríveis fumaças pelos narizes. A outros os estão pingando, e lardeando cruelmente. A outros vi aspados ; e a outros os enforcavam. A outros arremessavam em masmorras mui escuras, atados de pés e mãos, e com argolas ao pescoço. E todos a vozes publicavam suas maldades: e vendo sua condenação, desesperados estão continuamente lamentando um fim sem fim. E ali tem seu governo a justiça daquele Juiz, cujo ser é de eternidade. Têm bem justificada sua causa, com prova não somente de que não alcançou a conta aos recibos, mas também suas grandes maldades, que ali se vêem pelo claro, especialmente dos que foram religiosos, os quais estão renegando dos votos que fizeram; porque o não os haverem cumpridos, lhes causa mais inferno, como também lho aumenta a sua hipocrisia, e as leis que tiveram, e o seu danado e vão intento. Desgraçada sorte, pois no Inferno não há redenção alguma.
Quanto neste caso tenho dito, tudo me parece nada em comparação do que vi, que me não é possível explicá-lo como o sente a minha alma".


4. Carta do Além - Comunicação de uma condenada


Surgiu um texto sobre as penas do inferno que corria entre religiosos na década de 40. A Cúria diocesana de Treves, na Alemanha, autorizou sua publicação como sumariamente instrutiva. Posteriormente, o Revmo. Padre Bernhardin Krempel, C. P., Doutor em Teologia, publicou-a com algumas notas de pé-de-página, comprovando a sua absoluta concordância com a Doutrina da Igreja Católica sobre o assunto.
Trata-se de uma “carta” que uma condenada teria mandado do inferno. Eis o texto, com subtítulos em negrito que não são do original:


"Eu tinha uma amiga. Isto é, entramos em contato por causa do escritório em..., onde trabalhávamos uma ao lado da outra, em uma firma comercial.
Mais tarde, Anita se casou e eu nunca mais a vi. Afinal, reinava entre nós duas, desde o começo, mais cortesia do que propriamente amizade. Por isso mesmo, pouco senti sua ausência, quando ela, após seu casamento, foi morar em um quarteirão das vilas de..., muito longe de minha casa.


A morte de Anita
Quando no outono de 1937 eu passava minhas férias ás margens do lago de Garda, escreveu-me minha mãe, pelos fins da segunda semana de setembro: "veja, Anita N. morreu! Foi vítima de um acidente de automóvel. Foi sepultada ontem em Waldfriedholf, cemitério do bosque".
Esta notícia me espantou. Sabia que Anita nunca fora muito religiosa. Estava preparada, quando Deus, assim de improviso, a chamou?
Na manhã seguinte, assisti à santa Missa por ela, na capela particular da pensão das freiras, onde estava hospedada, rezei fervorosamente pela paz de sua alma e até ofereci a Comunhão nesta intenção.
Mas, o dia todo senti um certo mal-estar que pela tarde aumentou ainda mais. Adormeci inquieta. Enfim, fui acordada por um violento bater à minha porta. Acendi a luz. O relógio, sobre o criado-mudo, marcava meia-noite e dez. Não vi ninguém. Nenhum barulho se ouvia pela casa. Somente o das ondas do lago de Garda que se quebravam monótonas contra a murada do jardim da pensão. De vento, não se ouvia nem um sopro. E no entanto, ao acordar tinha acreditado perceber, além das batidas à porta, um rumor de vento semelhante àquele que se produzia quando meu chefe de escritório, aborrecido, me passava, de mau jeito, alguma carta.
Refleti por um instante se devia levantar-me. "Tudo histórias... disse resolutamente a mim mesma. - É a tua imaginação excitada depois daquele caso de morte". Virei-me para o outro lado, rezei alguns "pater" pelas almas do purgatório e procurei dormir...
Mas, senti-me irresistivelmente invadida por uma sensibilidade interior que se tornava sempre mais lúcida e nítida, enquanto ao redor de mim a profundidade da noite desvanecia em uma transparência indefinível que dava a mim mesma e a todas as coisas circunstantes, um contorno sem espaço, fora do comum.


Chega a "carta" do além para Clara
Levantei-me alucinada e resolvi, mais depressa do que costumava, descer para a capela da casa, como todas as manhãs. Ao abrir a porta do quarto, tropecei em um maço de folhas soltas de papel de carta. Apanhá-los, reconhecer a caligrafia de Anita e dar um grito foi tudo a mesma coisa.
Tremendo, segurava as folhas na mão. Compreendia que em tal estado de espírito não seria capaz de rezar nem sequer um "Pai Nosso", e, além disso, subiu-me um sufocamento asfixiante.
Não encontrei melhor recurso que sair fora, ao ar livre. Arrumei um pouco o cabelo, joguei a carta na bolsa e saí de casa. Fora subi por um trilho que, além da entrada principal (a famosa Gardesana), vai em direção ao monte, entre oliveiras, jardins de residências e moitas de louros.
A manhã surgiu luminosa. Outras vezes, a cada cem passos eu me extasiava diante do magnífico panorama que dali se abre sobre o lago e sobre a ilha do Garda, bela como de fada.
O insondável azul da água me recreava sempre. Eu contemplava admirada o cinzento monte Baldo, que do outro lado se eleva lentamente, desde sessenta e quatro até 2.200 metros acima do nível do mar. Entretanto, agora não tinha nenhum interesse por nada disso. Após um quarto de hora de caminho, me deixei cair, mecanicamente, sobre um banco que se apóia sobre dois ciprestes, onde, ainda no dia anterior, eu tinha lido com tanto prazer a "Junger Therese", de Federer. Considerei, então, pela primeira vez os ciprestes como árvores dos mortos; isto que, no passado, nas cidades do sul, onde freqüentemente se vêm, não havia jamais suspeitado.
Agarrei a carta. Faltava a assinatura. Mas era, com absoluta certeza, a caligrafia de Anita. Não faltava nem mesmo o grande rabisco ornamental do S e o T à francesa, que ela havia aprendido no escritório para aborrecer o Sr. G.
O estilo não era o dela. Ao menos não falava como de costume, pois ela sabia conversar de maneira extraordinariamente amável e sorrir pelos olhos celestes, com seu belo narizinho amassado. Só quando discutíamos assuntos de religião podia tornar-se venenosa e tomar o tom duro desta carta. (E, julgando-a assim, experimento também a amargura de seu estilo áspero).


"Não reze por mim... estou condenada!"
A sua carta do outro mundo eu a reproduzo aqui, palavra por palavra, como a li, então. Dizia assim:
"Clara - não reze por mim! Estou condenada. Se lho comunico e lho refiro mais longamente, não pense que o faça a título de amizade. Nós aqui não amamos a mais ninguém. Faço-o como que forçada. Faço-o como "parte daquela potência que sempre quer o Mal e faz o Bem".
Na verdade, eu desejaria vê-la também chegar a este estado onde eu já me aportei para sempre.
Não se aborreça com esta intenção. Nós aqui todos pensamos assim. Nossa vontade está petrificada no mal - nisto que vocês, justamente, chamam de "mal". Mesmo quando nós fazemos algo de "bem" como eu agora, abrindo seus olhos sobre o inferno, isto não ocorre com boa intenção.
Lembra-se ainda que há quatro anos nos conhecemos em...? Você tinha, então, 23 anos e estava ali há já meio ano quando eu cheguei. Você me livrou de alguns embaraços. Você me deu, como a principiante, bons conselhos. Mas, que quer dizer "bom"?
Eu louvava então o seu "amor ao próximo". Ridículo! O seu auxílio derivava de pura beatice, como aliás já o suspeitava desde aquele tempo. Nós não conhecemos nada de bom. Em ninguém. O tempo de minha juventude você o conhece. Algumas lacunas eu preencho aqui.


Uma existência falida
Conforme o plano de meus pais, para dizer a verdade, eu não deveria ter existido. "Porém aconteceu-lhes, justamente, uma desgraça". Minhas duas irmãs tinham já 14 e 15 anos quando eu nasci.
Antes não tivesse existido! Pudesse eu agora aniquilar-me e fugir destes tormentos! Nenhuma volúpia igualaria àquela com que deixaria a minha existência, como um vestido de cinzas que se perde no nada. Mas eu devo existir. Devo existir assim como me tornei: com uma existência falida.
Quando papai e mamãe, ainda jovens, se transferiram do campo para a Cidade, ambos haviam perdido o contato com a Igreja. Foi até melhor assim. Simpatizaram-se com pessoas afastadas da Igreja. Conheceram-se em uma sala de bailes e, meio ano depois, "tiveram" que se casar.
Na cerimônia nupcial caiu sobre eles tanta água benta que mamãe se contentava de ir à igreja, para a missa dominical, umas duas vezes por ano. Nunca me ensinou a rezar direito. Esgotava-se nos apertos da vida quotidiana, embora nossa situação não fosse desfavorável. Palavras como: rezar, missa, água benta, igreja, eu as escrevo com uma repugnância sem igual.
Detesto tudo isto como detesto quem freqüenta a igreja e, em geral, todos os homens e todas as coisas. De tudo, com efeito, nos advém tormento. Todo o conhecimento recebido na hora da morte, toda lembrança de coisas vividas ou sabidas é, para nós, uma chama ardente. E todas as lembranças nos mostram aquele aspecto que nelas era Graça. Que nós desprezamos. Que tormento é este! Nós não comemos, não dormimos, não andamos por nossos pés. Espiritualmente acorrentados, olhamos imbecilizados "com urros e ranger de dentes" a nossa vida levada aos montes, odiando e atormentados!


Aquele que, refletindo, contempla Cristo na Cruz, acabará por amá-Lo
Quer saber? Nós aqui bebemos ódio como água. Também uns para com os outros. Sobretudo, odiamos a Deus.
Quero que você o entenda. Os santos no céu, devem amá-Lo, porque eles O vêm sem véu, na sua fulgurosa beleza. Isto os torna de tal maneira felizes que nem se pode descrever. Nós o sabemos, e este conhecimento nos torna furiosos.
Os homens na terra que conhecem a Deus pela criação e pela revelação podem amá-Lo. Mas não estão obrigados a isto.
Aquele que tem fé - escrevo rangendo os dentes - que refletindo, contempla Cristo na Cruz, com os braços abertos, acabará por amá-Lo. Mas, aquele do qual Deus se aproxima só na desgraça, como punidor, como justo vingador, porque foi um dia, por ele repudiado, como acontece conosco - este não pode senão odiá-Lo. Com todo o ímpeto de sua pérfida vontade. Eternamente. Por força da livre resolução de ser separado de Deus: resolução pela qual, morrendo, matamos nossa alma. Resolução que nem mesmo agora retiramos nem teremos, jamais, vontade retirá-la.
Você compreende, agora, por que é que o inferno dura para sempre? Porque nossa obstinação jamais se desligará de nós.
Constrangida - acrescento que Deus é misericordioso até mesmo conosco. Digo "constrangida". Pois que, mesmo escrevendo espontaneamente esta carta, nem assim me é permitido mentir, como quereria, de boa vontade. Muitas coisas escrevo no papel contra a minha vontade. Até mesmo o ímpeto de impropérios que gostaria de vomitar, eu o devo abafar. Deus foi misericordioso conosco não deixando esgotar na terra nossa malvada vontade como estávamos dispostos a fazer. Isto teria aumentado nossas culpas e nossas penas.
Ele nos fez morrer antes do tempo, como eu, ou fez interferir outras circunstâncias atenuantes. Agora, Ele se mostra misericordioso conosco não nos obrigando a aproximar-se dEle mais do que o estamos, neste remoto lugar infernal. Isto suaviza o tormento.
Todo passo que me levasse mais perto de Deus me causaria uma pena maior do que aquela que traria a ti aproximar-se de uma fogueira.
Você se espantou quando eu, certa vez, durante o passeio, lhe contei que meu pai, alguns dias antes de minha primeira comunhão, me havia dito: "Anita, procure merecer um belo vestido, porque o resto é exagero e exibição".
Pelo seu espanto, quase que até me teria envergonhado. Agora, me rio disto.


As graças da Primeira Comunhão
A única coisa razoável naquela exibição era que só se admitia a Comunhão aos doze anos. Eu, naquela época, já me sentia bastante atraída pelos divertimentos do mundo, de modo que sem escrúpulos, punha de lado as coisas religiosas, e, não dei grande importância à primeira comunhão. Que muitos meninos, agora, façam a primeira comunhão aos sete anos, nos causa furor. Fazemos tudo para dar a entender ao povo que deve faltar às crianças uma instrução adequada. Elas devem, antes, cometer alguns pecados mortais. Então a partícula branca não provoca nelas um tão grande dano como quando em seus corações vivem ainda, a fé, a esperança e a caridade. Chi! Esta coisa recebida no batismo. Você se lembra como eu já havia sustentado na terra tal opinião?


Uma família cheia de maus atributos
Fiz referência a meu pai. Ele estava sempre em atrito com mamãe. Fiz alusão a eles com você, apenas algumas vezes, porque me causavam vergonha. Coisa ridícula a vergonha do mal! Para nós aqui, tudo é a mesma coisa.
Meus pais nem sequer dormiam mais no mesmo quarto, mas, eu com mamãe e papai no quarto do lado, onde podia entrar, livremente, a qualquer hora da noite. Bebia muito, e, deste modo, acabava com o nosso patrimônio. Minhas irmãs estavam, ambas, empregadas e necessitavam, conforme diziam, do dinheiro que ganhavam. Mamãe começou a trabalhar para ganhar também alguma coisa.
No último ano de sua vida, papai maltratava muito mamãe quando ela não lhe queria dar alguma coisa. Para comigo foi sempre carinhoso.
Um dia - eu lhe contei e você ficou chocada com meu capricho (mas, como você não ficou chocada em minhas referências?) - um dia, ele teve que levar de volta duas vezes o sapato que comprou para mim, porque a fôrma e os saltos não eram bem modernos.
Na noite em que meu pai foi atacado de apoplexia mortal, aconteceu alguma coisa que eu, por receio de uma interpretação desagradável, nunca conseguiu contar-lhe: foi quando fui assaltada, pela primeira vez, por meu espírito atormentador de agora.
Dormia no quarto de minha mãe. Seus suspiros regulares indicavam um sono profundo. Quando, de repente, escuto chamar-me pelo nome. Uma voz desconhecida me diz: "Que será se papai morrer?"


A morte do pai de Anita, um alcoólatra
Eu não gostava mais de meu pai, desde quando tratava tão mal minha mãe, como, afinal, eu não gostava, desde aquele tempo, absolutamente de ninguém, mas era afeiçoada somente a algumas pessoas que eram boas para mim. Amor sem esperança de recompensa terrena existe somente nas almas em estado de graça. E eu não o possuía. Assim, respondi à misteriosa pergunta,sem ligar de onde viesse: "mas, não morre nunca!"
Após uma breve pausa, novamente a mesma pergunta claramente percebida. "Mas, não morre nunca", me escapou bruscamente da boca.
Pela terceira vez fui interrogada: "Que será se seu pai morrer?"
Apresentou-me à mente, como papai costumava chegar em casa sempre embriagado, como gritava, como maltratava mamãe e como nos havia reduzido a uma condição humilhante diante do povo. Então, gritei aborrecida: "E, para ele é bom".
Então, tudo sossegou. Na manhã seguinte, quando mamãe quis arrumar o quarto do papai, encontrou a porta fechada à chave. Pelo meio-dia resolvemos arrombar a porta. Meu pai, meio vestido, jazia morto sobre a cama. Ao ir buscar a bebida na adega, devia ter-lhe acontecido algum acidente. E, já se encontrava, há muito tempo, adoentado. (Teria Deus ligado à vontade de uma filha, para a qual aquele homem havia sido, de certo modo, bom, a ocasião para converter-se?)
Marta K. e você me induziram a entrar na "Associação das Moças". Realmente, nunca ocultei que achava bastante sintonizadas com o costume paroquial, as instruções das duas presidentes, as senhoras F. e G.
Os jogos eram divertidos, como você sabe, tive logo um lugar na diretoria. Gostava disso.Também os passeios me agradavam. Deixei-me até induzir, algumas vezes, a ir confessar e comungar. Para dizer a verdade, não tinha nada para confessar. Pensamentos e palavras, para mim, não tinham nenhuma importância. Para praticar ações grosseiras, eu não estava ainda bastante corrompida.


Quem não reza certamente se perderá
Uma vez você admoestou: "Ana, se você não reza mais, você se perderá".
Eu, de fato, rezava pouco e além disso de muito má vontade. Agora vejo que, infelizmente, você tinha razão. Todos aqueles que se queimam no inferno é porque não rezam ou não rezaram bastante.
A oração é o primeiro passo para Deus. E continua o passo decisivo. Especialmente a oração daquela que foi a Mãe de Jesus Cristo, cujo nome nós não pronunciamos nunca. A devoção a Ela, arranca ao demônio inúmeras almas que o pecado lhe poria, infalivelmente, nas mãos.
Continuo a narração consumindo-me de raiva, e só porque devo.
Rezar é a coisa mais fácil que o homem pode fazer na terra. É, justamente, a esta coisa facílima é que Deus ligou a salvação de cada um. A quem reza com perseverança ele, pouco a pouco, dá tanta luz e fortifica-o de maneira tal, que no fim, o mesmo pecador mais empedernido pode definitivamente se elevar. Ainda que estivesse mergulhado na lama até o pescoço.
Nos últimos anos de minha vida não rezei mais como devia, e assim fiquei privada das graças sem as quais ninguém pode se salvar.
Aqui não recebemos mais nenhuma graça. Ao contrário, mesmo que as recebêssemos, nós cinicamente as rejeitaríamos. Todas as oscilações da existência terrena terminaram nesta outra vida. Entre vocês, aí na terra, o homem pode subir do estado de pecado ao estado de graça. Da graça cair no pecado. Muitas vezes por fraqueza ou por malícia. Com a morte, este subir e descer acabam porque têm sua raiz na imperfeição do homem livre. Agora já atingimos o estado final. Já com o crescer dos anos as transformações se tornam mais raras.
No entanto, até à morte, se pode sempre converter-se para Deus ou voltar-lhe as costas. E no entanto, o homem, como que arrastado pela corrente,antes do desenlace, com os últimos e fracos restos da vontade, se comporta como estava acostumado em vida. O hábito, bom ou mau, torna-se segunda natureza. Esta o arrasta consigo.
Assim aconteceu também comigo. Há anos eu vivia afastada de Deus. Por isso, na última chamada da graça me decidi contra Deus.
Não o fato de que eu pecasse freqüentemente foi para mim fatal, mas fatal foi que eu não quis mais ressurgir.
Você várias vezes me admoestou para ouvir pregações e ler livros de piedade. "Não tenho tempo" era minha resposta ordinária. Não faltava mais nada para aumentar a minha incerteza interior!
Afinal, devo constatar isto: desde o momento em que a coisa já estava assim adiantada, pouco antes de minha saída da "Associação das Moças", me teria sido imensamente duro tomar uma outra estrada. Eu me sentia insegura e infeliz. Mas, diante da conversão surgia uma muralha. Você não o deve ter percebido e a considerava coisa tão simples que um dia me disse: "Mas, faça uma boa confissão, Ana, e tudo retorna a seu lugar". Eu sabia que teria sido mesmo assim. Mas, o mundo, o demônio e a carne me prendiam já muito fortemente em suas redes.


Para o inferno também vão os que não acreditam nele
Ao influxo do demônio eu nunca dei crédito e agora atesto que ele influi galhardamente nas pessoas que se encontram nas condições em que me encontrava então. Somente muitas orações de outros e mesmo minhas, unidas com sacrifícios e sofrimentos, teriam conseguido arrancar-me dele. E, isto, só aos poucos. Se existem poucos obsessos exteriormente, há uma infinidade de obsessos interiormente. O demônio não pode roubar a vontade livre daqueles que se entregam ao seu influxo. Mas, como castigo de sua, por assim dizer, apostasia metódica de Deus, este permite que o maligno se aninhe neles.
Eu odeio também o demônio. No entanto, ele me agrada porque procura arruinar vocês; ele e os seus satélites, os espíritos caídos com ele no princípio do tempo. Eles existem aos milhões. Vagabundeiam pela terra como um enxame de moscas e vocês nem o percebem.
Não compete a nós, condenados, a missão de ir tentar os homens, mas isto é tarefa dos espíritos decaídos. Verdadeiramente, isto aumenta mais ainda o seu tormento cada vez que eles arrastam cá para o inferno uma alma humana. Mas, o que é que não faz o ódio?
Ainda que eu andasse pelos caminhos afastados de Deus, Deus sempre me seguia. Preparava o caminho para a graça com atos de caridade natural que eu fazia muitas por inclinação do meu temperamento. Algumas vezes, Deus me atraía em alguma igreja. Então, eu sentia, como que, uma saudade.
Quando cuidava de mamãe adoentada, não obstante o trabalho do escritório durante o dia eu de certo modo me sacrificava de verdade, estes engodos de Deus agiam poderosamente. Uma vez, na capela do Hospital, onde você me havia levado, durante o intervalo do meio-dia, senti dentro de mim alguma coisa que teria sido necessário apenas um passo para a minha conversão: e eu chorei!
Mas, ao depois, a alegria do mundo passava de novo, como uma torrente, sobre a graça. A semente se sufocava entre os espinhos.
Com a declaração de que a religião é negócio de sentimento, como sempre se dizia no escritório, atirei à cesta também esta moção da graça, como todas as outras.


"Pouco a pouco eu criei para mim um Deus"
Certe vez, você me chamou a atenção porque em vez de uma genuflexão bem feita, fiz apenas desajeitada inclinação, dobrando o joelho. Você pensou que fosse preguiça. Não parecia que você suspeitasse sequer que eu desde aquele tempo já não acreditava na presença de Cristo na Eucaristia.
Agora acredito, mas só naturalmente, como se acredita em um temporal, do qual decorrem os efeitos. Até então, eu estava instalada, propriamente, em uma religião a meu modo. Sustentava a opinião que entre nós, no escritório, era comum, que a alma após a morte reaparece em um outro ser. E deste modo, continuaria a peregrinar sem fim. Com isto, o angustiante problema do além era posto em seu lugar e ao mesmo tempo se tornava inofensivo para mim.
Porque você não me lembrou a parábola do rico Epulão e do pobre Lázaro, em que o narrador, Cristo, manda, imediatamente, um para o inferno e outro para o céu?
Afinal, o que é que você teria conseguido? Nada, além daquilo que seus outros sermões de carolices!
Pouco a pouco, eu criei para mim mesma um Deus. Bastante afastado de mim, para não ter que manter nenhuma relação com ele. Bastante vago para deixar-se, conforme a necessidade, sem mudar minha religião assemelhar a um deus panteístico do mundo, ou então para deixar-se poetizar como um deus solitário. Este deus não tinha nenhum céu para presentear-me e nenhum inferna para castigar-me. Eu o deixava em paz, e ele também a mim. Nisto consistia minha adoração a ele.
"O que nos agrada a gente acredita de boa vontade". No correr dos anos, me conservei bastante convicta de minha religião. Deste modo podia-se viver. Somente uma coisa me teria quebrado a cabeça: Uma longa e profunda dor. E esta não veio!
Compreendi agora o que significa: "Deus castiga aqueles que ele ama".
Era um domingo de julho, quando a Associação das Moças organizou uma excursão a... O passeio me teria sido bem agradável. Mas, aqueles sermões insípidos... passar por beata.


"Nisto consistiu minha apostasia de Deus: elevar uma criatura à categoria de ídolo para mim"
Uma outra imagem bem diferente daquela de Nossa Senhora de... estava há pouco no altar do meu coração. Max N., o empregado do negócio vizinho. Pouco tempo antes, havíamos algumas vezes brincado juntos. Justamente para aquele domingo, ele me havia convidado para um passeio. Aquela com quem ele costumava passear estava doente no hospital.
Ele havia compreendido que eu estava de olho nele. Casar-nos, eu ainda não pensava naquele tempo. Era realmente possível, mas, ele se comportava demasiadamente delicado com as moças. E, eu até aquela época, desejava um homem que fosse exclusivamente meu. Desejava não só ser mulher, mas mulher única. Um certo traquejo natural, de fato, sempre tive.
(É verdade! Anita, com toda a sua indiferença religiosa, tinha algo de nobre no seu procedimento. Eu me espanto, ao pensar que também pessoas bem educadas podem ir para o inferno, quando são tão mal-educadas a ponto de fugir de Deus).
Naquele passeio, Max se derreteu em gentilezas. E,não houve lugar para conversações padrescas, como entre vocês.
No dia seguinte, no escritório, você me fez reclamações por não ter ido com vocês a..., e eu lhe descrevi meu divertimento naquele domingo. Sua primeira pergunta foi: "você assistiu a Missa?" - "Bobinha! Como podia ir à Missa se a saída já estava marcada para as seis"! Lembra-se ainda como eu, nervosa, acrescentei: "Deus não pensa nestas minúcias como os padrecos de vocês!"
Agora, devo confessar: Deus, não obstante sua infinita bondade, pesa as coisas com maior precisão do que todos eles (os padres).
Depois daquele primeiro passeio com Max, fui ainda uma vez à Associação: pelo Natal para celebrar a festa. Havia uma coisa que convidava a voltar. Mas, internamente, eu me sentia já afastada de vocês.
Cinema, bailes, passeios, se sucedem sem tréguas... Max e eu brigamos, sim, algumas vezes, mas eu soube sempre acorrentá-lo de novo em mim.
Insuportável tornou-se-me a outra amante que, saindo do hospital, procedeu como uma louca. Realmente para sorte minha. Pois, minha nobre calma impressionou tanto o Max que ele acabou decidindo que fosse a preferida. Eu soube enchê-la de ódio falando friamente por fora, positiva, por dentro vomitando veneno.
Tais sentimentos e tal procedimento preparam, excelentemente, para o inferno. São diabólicos no sentido mais estrito da palavra.
Mas, por que lhe conto isto? Para relatar como me afastei definitivamente de Deus.
Não que eu e Max tenhamos, muitas vezes, chegando aos extremos da familiaridade. Eu compreendia que me teria rebaixado aos seus olhos se me tivesse entregue, completamente, antes do tempo. Por isso, soube controlar-me. Mas, em si, toda vez que o julgava útil, eu estava sempre disposta a tudo. Devia conquistar Max. Para isso, nada era caro demais. Além disso, pouco a pouco nos amávamos, possuindo nós dois muitas e preciosas qualidades que nos faziam estimar um ao outro. Eu era hábil, inteligente, de agradável companhia. Assim, segurei Max fortemente na mão e consegui, ao menos nos últimos meses antes do casamento, ser a única a possuí-lo.
Nisto consistiu minha apostasia de Deus: elevar uma criatura à categoria de ídolo para mim. Em nenhuma outra coisa pode acontecer isto, de modo que abranja tudo, como no amor de uma pessoa de outro sexo, quando este amor fica encalhado nas satisfações terrenas. É isto que forma o seu atrativo, o seu estímulo e o seu veneno. A "adoração" que eu tributava a mim mesma,na pessoa de Max, tornou-se para mim religião vivida. Era o tempo em que, no escritório, eu me insurgia, venenosa, contra os igrejeiros, os padres, as indulgências, contra o resmungo dos rosários e outras bobagens.
Você procurou, mais ou menos argutamente, tomar a defesa de tais coisas. Sem desconfiar, aparentemente, que no mais íntimo do meu ser, não se tratava, na verdade, destas coisas.
Eu procurava, mais que tudo, um apoio para minha consciência - eu tinha, então, necessidade de um tal sustento - para justificar, também com a razão, a minha apostasia.,
Afinal de contas, eu me revoltava contra Deus. Você não me compreendeu, considerando-me ainda católica. Queria mesmo ser chamada assim, pagava até as taxas da igreja. Uma certa "contra-garantia", pensava, não devia prejudicar-me.


Mais um pecado: comunhão sacrílega
As suas respostas, pode ser que algumas vezes tenham acertado o alvo. Para mim, nada adiantavam porque você não devia ter razão. Por causa destas relações fictícias entre nós duas, é que foi mínimo o pesar de nossa separação por ocasião de meu casamento. Antes do casamento, confessei-me e comunguei mais uma vez. Era obrigatório. Eu e meu marido, sobre este ponto, pensávamos do mesmo modo.
Por que não deveríamos satisfazer esta formalidade? Cumpramo-la também nós, como qualquer outra formalidade.
Você qualifica de indigna uma tal comunhão. Pois bem, depois daquela comunhão "indigna" eu tive mais calma na consciência. Mas, também, foi a última.
A nossa vida conjugal transcorria, em geral, numa invejável harmonia. Em todos os pontos de vista tínhamos a mesma opinião.Até nisto: que não queríamos arcar com o peso dos filhos. Realmente, meu marido, de boa vontade, teria tido um. Mais de um não, é claro. No fim, eu soube desviá-lo também deste desejo.
Vestidos, móveis de luxo, salões de chá, passeios e viagens de carro e semelhantes distrações me interessavam mais. Foi um ano de prazer na terra aquele que transcorreu entre meu casamento e minha morte repentina.
Todo domingo, saíamos de carro ou íamos visitar os parentes de meu marido (de minha mãe, agora me envergonhava). Estes flutuavam na superfície da existência, nem mais nem menos que nós. Intimamente, é claro, nunca me sentia feliz, embora externamente risse.
Havia, sempre dentro de mim, alguma coisa de indeterminado que me roia. Teria querido que após a morte, a qual, naturalmente devia estar ainda muito longe, tudo acabasse.
Mas, é mesmo como um dia, quando pequena, ouvi dizer na prática: que Deus premia toda obra boa que a gente faz e quanto não a puder recompensar na outra vida, fá-la sobre a terra.
Inesperadamente, recebi uma herança da tia Lotte. Meu marido felizmente conseguiu elevar seus vencimentos a uma notável quantia. Assim, pude organizar a nova residência de maneira atraente.


O gozo da vida prepara a alma para o inferno
A religião não refletia mais, senão de longe, a sua luz pálida fraca e duvidosa. Os bares da cidade, os hotéis em que passávamos durante as viagens, não nos levaram, de certo, para Deus. Todos os que freqüentavam aqueles lugares viviam como nós, de fora para dentro e não de dentro para fora. Se em viagens de férias visitávamos alguma igreja, nós procurávamos deleitar-nos com o conteúdo artístico das obras. O clima religioso que transpiravam, especialmente aquelas da Idade Media, eu sabia neutralizar criticando alguma circunstância secundária: um frade acanhado, ou mal vestido que nos guiava - o escândalo dos monges que queriam passar por santos e vendiam licores - o eterno repique dos sinos para as funções sagradas, só para ganhar dinheiro...
Assim, soube continuamente, espantar de mim a Graça toda vez que ela batia à minha porta. Deixava livre desabafo ao meu mau humor de modo particular sobre certas representações medievais do inferno, nos cemitérios ou em outros lugares em que o demônio assa as almas em brasas vivas e incandescentes, enquanto seus companheiros de longas caudas arrastam para cá novas vítimas. Clara! O inferno pode-se errar ao descrevê-lo, mas não se exagera nunca!
O fogo do inferno, eu sempre o ataquei decisivamente. Você sabe, como durante uma discussão a respeito, lhe coloquei um fósforo diante do nariz e lhe perguntei com sarcasmo: "tem este cheiro?" Você apagou depressa a chama. Aqui ninguém a apaga. E, eu lhe digo: o fogo de que se fala na Bíblia não significa tormento de consciência, não. Fogo é fogo! E deve-se entender literalmente aquilo que disse Ele: "Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno!" Literalmente!
"Como pode o espírito ser atingido pelo fogo material?" Perguntará você.
Como pode sua alma sofrer, na terra, quando você coloca seu dedo no fogo? A alma, de fato, não queima. No entanto, que tormento experimenta o indivíduo todo! De modo análogo, nós não estamos espiritualmente ligados ao fogo, segundo a nossa natureza e segundo as nossas faculdades. Nossa alma está privada do seu natural "bater de asas", nós não podemos pensar aquilo que queremos,nem como queremos.
Não olhe com espanto para estas linhas: este estado, que, para vocês não significa nada, me queima sem consumir. Nosso maior tormento consiste em saber que nós jamais veremos a Deus.
Como pode isto atormentar tanto, uma vez que na terra a gente fica tão indiferente? Enquanto o punhal está sobre a mesa nos deixa indiferentes. Vê-se que está bem afiado, mas não o experimentamos. Enfia este punhal na sua carne e você começará a gritar de dor. Nós agora sentimos a perda de Deus, antes somente pensávamos nela.


Como sofrem os condenados as penas infernais
Nem todas as almas sofrem em igual medida. Com quanto maior maldade e quanto mais sistematicamente uma pessoa pecou, tanto mais grave pesa sobre ela a perda de Deus e tanto mais a sufoca a criatura de que ela abusou.
Os católicos condenados sofrem mais do que os de outras religiões, porque estes, geralmente, receberam e desprezaram mais graças e mais luz.
Quem mais soube, sofre mais duramente do que quem conheceu menos. Quem pecou por malícia sofre mais agudamente do que aquele que cai por fraqueza. Mas, ninguém sofre mais do que mereceu. Oh! Se isso não fosse verdade, de modo que eu tivesse um motivo para odiar!
Você me disse um dia que ninguém vai para o inferno sem o saber e que isto teria sido revelado por uma santa.
Em me rio disto. Mas, depois, me escondi detrás desta declaração: "qual nada, em caso de necessidade, haverá bastante tempo para voltar atrás" me dizia secretamente.
E aquilo é verdade. Realmente, antes do meu inesperado fim, eu não conheci o inferno como ele é. Nenhum mortal o conhece. Mas, eu tinha plena consciência: "se morres, vais, no mundo do além, rápida como uma flecha, contra Deus. Sofrerás as conseqüências”.
Eu não dei um passo sequer para trás, como já disse, porque estava dominada pelo hábito. Impelida por aquela conformidade pela qual os homens, quanto mais envelhecem tanto mais agem em uma mesma direção. Minha morte foi assim.
Há uma semana - falo conforme a conta de vocês, porque com relação à dor, poderia dizer que já fazem dez anos que queimo no inferno - há uma semana, portanto, meu marido e eu fizemos um passeio de domingo, o último para mim.
O dia surgiu radiante. Sentia-me bem como nunca. Invadiu-me um sinistro sentimento de felicidade que serpejou em mim durante todo o dia. Quando, de repente, na volta, meu marido foi ofuscado por um carro que vinha em alta velocidade. Perdeu o controle.
"Jesus", me saiu dos lábios, com um arrepio. Não como oração, só como grito. Uma dor lancinante invadiu-me toda - comparada com a de agora uma coisa à-toa. Logo perdi os sentidos.


A última graça e o juízo particular
Estranho! Naquela manhã surgiu em mim de modo inexplicável este pensamento: "poderias ainda uma vez ir à missa". Insistente como um pedido.
Claro e resoluto o meu "não" partiu o fio dos pensamentos: "com estas coisas é preciso acabar de vez. Arco com todas as conseqüências". Agora as sofro.
Isto que aconteceu após minha morte, você já o saberá. A sorte de meu marido, de minha mãe, tudo o que aconteceu a meu corpo, o desenrolar de meus funerais, são conhecidos por mim em todos os seus pormenores, mediante conhecimentos naturais que nós temos aqui.
O que afinal acontece na terra nós só o sabemos confusamente. Mas aquilo que de alguma maneira nos atinge de perto, nós o conhecemos. Assim, vejo também onde você passa seu tempo.
Eu mesma me acordei, inesperadamente, da escuridão, no instante de minha morte. Vi-me como que inundada por uma luz deslumbrante. Foi no lugar mesmo onde jazia meu corpo. Aconteceu como em um teatro, quando na sala, de repente, se apagam as luzes, o pano de boca se rasga rumorosamente e se abre uma cena inesperada, horrivelmente iluminada. A cena de minha vida. Como em um espelho, minha alma se mostrou a mim mesma. As graças desprezadas da juventude até ao último "não" diante de Deus. Eu me senti como um assassino diante do qual, durante o processo judiciário, é levada sua vítima desfalecida.
- Arrepender-me? Nunca!
- Envergonhar-me? Tampouco!
Eu não podia, porém, nem sequer resistir-me diante dos olhos de Deus por mim rejeitado. Não sobrava senão um recurso: a fuga. Como Caim fugiu do cadáver de Abel, assim, minha alma foi impelida para longe daquela vista de horror. Isto foi o juízo particular. O juiz invisível disse: "afasta-te de mim!" Então minha alma, como uma sombra amarela de enxofre precipitou-se no lugar do eterno tormento".
* * * *
Assim termina a carta de Anita, procedente do Inferno. As últimas palavras eram quase ilegíveis, de tão deformadas que estavam. A própria carta se incinerou nas minhas mãos.
De repente - que acontecia?
Na rude linguagem daquelas linhas que tinha acabado de ler, ressoa um suave toque de sinos.
Acordei de sobressalto. Estava ainda na cama em meu quarto! O clarão vermelho da manhã penetrava pela janela. Da paróquia se ouvia o toque da Ave-Maria. Não sabia capacitar-me do quanto havia acontecido!
Não senti, jamais, o conforto da saudação angélica como após um tal retorno à serenidade da manhã. Recitei, lentamente, as três Ave Marias. Então, tornou-se-me claríssimo: "A Ela te deves manter segura, à bendita Mãe do Senhor, deves honrar filialmente à Maria se não queres ter a sorte de uma alma que não verá jamais a Deus".


5. Fátima: a visão do Inferno

Nas aparições de Nossa Senhora, em Fátima, uma das revelações mais importantes foi sobre a existência do inferno. Assim, no dia 13 de julho de 1917, em sua terceira visita aos pequenos pastores, Lúcia, Jacinta e Francisco, Nossa Senhora não lhes disse que o inferno é um simples estado de espírito, um tormento espiritual e nada mais, como fala certa corrente “progressista”. Ao contrário, Ela procurou mostrar às três crianças, e através delas a todos nós, uma realidade terrível.
De tal forma a visão do inferno deixou as crianças transtornadas que as fotos tiradas logo em seguida mostram seus semblantes cheios de horror.
Foi desta forma que a própria Irmã Lúcia narrou a visão:
"Ao dizer estas últimas palavras abriu de novo as mãos, como nos dois meses passados. O reflexo (dos raios de luz) pareceu penetrar a terra, e vimos como que um mar de fogo: mergulhados nesse fogo os demônios e as almas, como se fossem brasas transparentes e negras, ou bronzeadas, com forma humana, que flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que delas mesmas saíam juntamente com nuvens de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das fagulhas nos grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e desespero que horrorizavam e faziam estremecer de pavor. (Deve ter sido ao deparar com esta vista que dei esse "ai!", que dizem ter-me ouvido). Os demônios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos e desconhecidos, mas transparentes como negros carvões em brasa" .
Em seguida Nossa Senhora disse-lhes: “vistes o inferno para onde vão os pobres pecadores”. Quer dizer, Ela não disse que eles tiveram um sonho ou um pesadelo sem maiores conseqüências, mas que viram realmente o próprio inferno. Em seguida Ela disse que é para lá que vão aqueles que morrem em estado de pecado mortal.
Aquela visão, que mostra esta realidade patente, tinha um objetivo, e Ela o diz: foi para impedir que tantas almas se percam e vão para o inferno que veio pedir que façam penitência e rezem pelos pecadores.
Quer dizer, a mensagem de Fátima é um conjunto de revelações e pedidos de Nossa Senhora: revela a situação do mundo, que do jeito que está vai conduzindo milhões de almas para o inferno; em seguida revela o próprio inferno, para onde vão as almas pecadoras impenitentes; e, finalmente, pede penitência e reparação.


6. Manifestação de um condenado ao inferno

São Bruno de Hartenfaust, nasceu em 1032 na cidade de Colônia, na Alemanha. Sua conversão deveu-se a um caso extraordinário. Encontrava-se em Paris, para onde tinha ido para o enterro de um antigo professor, Raymond Diocres, célebre na Universidade parisiense, quando se deu o fato. O funeral de corpo presente foi soleníssimo devido ao peso de sua autoridade e de seu prestígio.
O fato é desta forma narrado pelo escritor Jacques Lefévre em sua obra "Les Ames du Purgatoire dans la vie des Saints", extraído da Vida daquele Santo:
"Com efeito, morreu em Paris, em 1082, o reputado professor da Sorbonne, Raymond Diocres. As cerimônias se realizaram na Catedral de Notre-Dame, e dela tomaram parte, além dos fiéis e de numerosos professores, também alunos do defunto, entre os quais São Bruno.
O caixão estava colocado no meio da nave central, recoberto, segundo o costume, de uma simples mortalha. Durante a cerimônia, quando o padre pronunciou as palavras rituais do salmo: "Respondei-me de quantos pecados e de quantas iniqüidades não estou eu culpado...", uma voz sepulcral fez-se ouvir, debaixo da mortalha, dizendo: "Por um justo julgamento de Deus, eu fui acusado".
Foi imediatamente levantada a mortalha, mas o defunto permanecia imóvel e frio. A cerimônia, por um momento interrompida, foi retomada, em meio a certa inquietação... Quando se chegou novamente ao versículo mencionado anteriormente, o cadáver levantou-se diante de todo o mundo, e gritou com uma voz ainda mais forte: "Por um justo julgamento de Deus, eu fui julgado".
O pavor dos assistentes foi enorme. Alguns médicos aproximaram-se do defunto, recaído em sua imobilidade, e constataram que ele estava verdadeiramente morto. Contudo, não se teve a coragem de continuar a cerimônia neste dia, ela foi adiada para o dia seguinte.
Neste ínterim, as autoridades eclesiásticas não sabiam que medidas tomar para sair de tal impasse. Alguns diziam: "Nós não temos provas suficientes para concluir que Diocres esteja condenado. Ele apenas disse que havia sido acusado e julgado". O próprio bispo compartilhou esta hipótese e, no dia seguinte, o ofício funeral foi retornado.
Mas no mesmo versículo, "Respondei-me...", de novo o cadáver levantou-se do caixão e gritou: "Não tenho necessidade de orações, pois, por um justo julgamento de Deus, fui condenado ao inferno, para sempre".
Diante de tão terrível declaração a cerimônia foi suspensa e decidiu-se enterrar o cadáver em cemitério comum".
São Bruno, aterrado e impressionado em saber que seu antigo professor havia sido condenado ao inferno, mudou completamente de vida e se tornou num grande santo, tendo fundado depois a famosa Cartuxa.


7. Santa Francisca Romama e o que ela viu no inferno

A propósito das visões que Santa Francisca Romana teve sobre o inferno, escreveu Ernest Hello em sua obra “Physionomie des sants” (Perrin e Cia., Libraires –Éditeurs, Paris, 1900, págs. 93 a 97), um relato resumido mas conciso:
“Inúmeros suplícios, tão variados quanto os crimes, foram mostrados à Santa em seus detalhes. Por exemplo, viu ela o ouro e a prata serem derretidos e derramados na boca dos avarentos. A hierarquia dos demônios, suas funções, seus tormentos, os diversos crimes aos quais presidem foram-lhes apresentados. Viu Lúcifer, chefe e general dos orgulhosos, rei de todos os demônios e precitos. Rei muito mais infeliz do que seus súditos o são.
“O inferno é dividido em três partes, o inferno superior, o do meio e o inferior. Lúcifer encontra-se no fundo do inferno inferior. A Lúcifer, chefe universal, subordinam-se três outros demônios, os quais exercem um império sobre os demais:
“Asmodeu, que preside aos pecados da carne, era antes da queda um Querubim. Mamon, que preside aos pecados da avareza, era um Trono. O dinheiro fornece, ele sozinho, uma das três grandes categorias. Belzebu preside aos pecados da idolatria. Todo crime que tem algo a ver com a magia, o espiritismo, é inspirado por Belzebu. Ele é, de um modo especial, o príncipe das trevas. E mediante as trevas ele é atormentado e atormenta suas vítimas.
“Uma parte dos demônios permanece no inferno, outra reside no ar, e uma terceira atua entre os homens, procurando desviá-los do reto caminho. Os que ficam no inferno dão ordens e enviam seus embaixadores; os que residem no ar agem fisicamente sobre as mudanças atmosféricas e telúricas, lançando por toda parte suas más influências, empestando o ar, física e moralmente. Seu objetivo é debilitar a alma. Quando os demônios encarregados da Terra vêm uma alma enfraquecida pela influência dos demônios do ar, eles a atacam no seu ponto fraco para vencê-la mais facilmente. É o momento em que a alma não confia na Providência. Essa falta de confiança, inspirada pelos demônios do ar, prepara a alma para a queda solicitada pelos demônios da Terra. Assim, enfraquecida pela desconfiança, os demônios inspiram na alma o orgulho, em que ela cai tanto mais facilmente quanto mais fraca esteja. Quando o orgulho aumentou sua fraqueza, vêm os demônios da carne, que atacam seu espírito; quando os demônios da carne enfraqueceram mais ainda a alma, vêm os demônios que insuflam os crimes do dinheiro; e, quando estes diminuíram ainda mais os recursos de sua resistência, chegam os demônios da idolatria, os quais completam e concluem o que os outros começara. Todos se articulam para o mal, sendo esta a lei da queda: todo pecado cometido, e do qual a alma não se arrependeu, prepara-a para outro pecado. Assim, a idolatria, a magia, o espiritismo esperam no fundo do abismo aqueles que foram escorregando de precipício em precipício.
“Todas as coisas da hierarquia celeste são parodiadas na hierarquia infernal. Nenhum demônio pode tentar uma alma sem a permissão de Lúcifer.
“Os demônios que estão no inferno sofrem a pena do fogo. Os que estão no ar ou na terra não sofrem atualmente tal pena, mas padecem outros suplícios terríveis, e, particularmente, a visão do bem que praticam os Santos. O homem que faz o bem inflige aos demônios um tormento indescritível. Quando Santa Francisca Romana era tentada, sabia pela natureza e violência da tentação de que altura tinha caído o anjo tentador e a que hierarquia pertencera.
“Quando uma alma cai no inferno, seu demônio tentador é felicitado pelos demais. Mas quando a alma se salva, o demônio tentador recebe insultos dos outros que o levam a Lúcifer, o qual lhe inflige um castigo a mais, além das torturas que já padece. Este demônio entra ás vezes no corpo de animais ou de homens. Ele finge então ser a alma de um morto...
“Quando um demônio consegue perder certa alma, após a condenação desta transforma-se em tentador de outro homem; mas torna-se mais hábil do que o foi na primeira vez. Aproveita-se da experiência que a vitória lhe deu, tornando-se mais forte para perder o homem.
“Santa Francisca Romana observava um demônio sobre alguém que estivesse em estado de pecado mortal; confessado o pecado, via ela tal demônio não mais em cima, mas ao lado da pessoa. Após uma excelente confissão, o anjo mau ficava enfraquecido e a tentação não tinha mais o mesmo grau de energia.
“Ao ser pronunciado santamente o nome de Jesus, Santa Francisca via os demônios do ar, da terra e dos infernos inclinarem-se com sofrimentos espantosos, tanto maiores quanto mais santamente pronunciados. Se o nome de Deus é proferido em meio a blasfêmias, os demônios ainda assim são obrigados a se inclinar, mas um certo prazer é misturado à dor causada pela homenagem que são obrigados a render.
“Se o nome de Deus é blasfemado por um homem, os anjos do Céu inclinam-se também, testemunhando um respeito imenso. Assim, os lábios humanos, que se movem tão facilmente e pronunciam tão levianamente o nome terrível, produzem em todos os mundos efeitos extraordinários e reflexos, que o homem não é capaz de compreender nem a intensidade nem a grandeza”.





8. Relato de uma pecadora que escapou do inferno pela misericórdia divina


Um exame de consciência sobre os Dez Mandamentos


Extraído de uma das entrevistas feitas pela Dra. Gloria Polo na Rádio Maria (Colômbia).


Irmãos! Realmente é muito lindo poder estar aqui compartilhando esse maravilhoso presente que o Senhor me deu há mais de 10 anos. Isso aconteceu em 8 de maio de 1995 na Universidade Nacional de Bogotá. Eu e um sobrinho estávamos nos especializando em odontologia e tínhamos que buscar uns livros na Faculdade de Odontologia numa sexta-feira à tarde. Meu esposo estava conosco. Estava chovendo muito forte, eu e meu sobrinho estávamos debaixo de um pequeno guarda-chuva e meu esposo tinha sua jaqueta impermeável e se aproximou da parede da Biblioteca Geral, e nós, enquanto saltávamos as poças d’água, sem perceber nos aproximamos de umas árvores. Quando fomos saltar uma grande poça, caiu um raio sobre nós. Nos deixou carbonizados e meu sobrinho faleceu ali. Ele era um rapaz, apesar da pouca idade, muito entregue ao Senhor e era muito devoto do Menino Jesus. Ele usava uma medalhinha do Menino Jesus no peito, dentro de uma moldura de cristal. Segundo o laudo, o raio entrou através da medalha e atingiu-lhe o coração, queimando-o por dentro e saindo pelo pé, mas por fora ele não se carbonizou, nem se queimou. Por outro lado, o raio entrou em mim pelo braço, me queimou de forma espantosa todo o meu corpo, por fora e por dentro. Isso que estão vendo aqui, este corpo reconstituído, é misericórdia de Nosso Senhor. Fui carbonizada, fiquei sem seios, praticamente me desapareceu toda minha carne e minhas costelas, o ventre, as pernas... o raio saiu pelo meu pé direito, me carbonizou o fígado, se queimaram os rins, os pulmões... Eu usava DIU, de maneira que o T de cobre, bom condutor elétrico, me carbonizou, me pulverizou os ovários, tive uma parada cardíaca, fiquei ali, sem vida, meu corpo pulava por causa da eletricidade que ficou por todo este local.


Antes da presença de Deus e do juízo particular
Mas vejam, esta é só a parte física. A parte mais bonita, a parte mais linda, é que enquanto meu corpo estava ali carbonizado, eu, neste instante, me encontrava dentro de um lindo túnel branco, era uma delícia, uma paz, uma felicidade que não há palavras humanas para descrever a grandeza deste momento, era um êxtase imenso, eu ia muito feliz, nada me pesava dentro deste túnel, olhei ao fundo desse túnel e havia como um sol, uma luz lindíssima. Eu digo que é branco para colocar uma cor, mas nenhuma das cores é comparável humanamente a essa luz maravilhosa. Eu sentia a fonte de todo esse Amor, dessa paz...
Quando eu vou subindo, digo... “Quarta-feira! Eu morri!” E nesse instante penso nos meus filhos e digo: “Ai meu Deus, meus filhos! O que vai ser deles? Essa mãe tão ocupada, nunca teve tempo para eles.” Aí me dou conta da minha realidade de vida e me sinto triste. Saí de minha casa para transformar o mundo e meu lar, meus filhos, pareciam demais para mim.
Neste instante de vazio pelos meus filhos, dou uma olhada e vejo algo belo... Meu corpo já não estava nas medidas de tempo nem de espaço daqui da Terra, e vi todas as pessoas num mesmo instante, num mesmo momento, todas as pessoas, as vivas e as mortas e abracei os meus bisavós. Abracei meus pais que já haviam falecido, abracei a todos e foi um momento pleno e maravilhoso. Aí me dei conta de que havia caído por terra a teoria da reencarnação e eu via meu avô, meu bisavô, eles me abraçaram por um momento e encontrei com todas as pessoas que tiveram a ver comigo em minha vida, em todo lugar, ao mesmo instante. Só minha filha de 9 anos (que estava viva) que se assustou quando a abracei, ela sim sentiu meu abraço. Não havia passado nada de tempo nesse momento tão lindo, e que maravilha estar sem o corpo! Já não via as coisas como antes, quando só olhava se alguém era gordo, ou magro, ou feio, ou negro, sempre olhando com critérios. Não era assim quando não tinha meu corpo humano. Eu podia ver o interior das pessoas, como é lindo poder ver o interior das pessoas! Ver nelas seus pensamentos, seus sentimentos. Abracei a todos em um instante e, no entanto, eu continuava subindo e subindo, cheia de alegria. Quando senti que ia desfrutar de uma vista fantástica onde havia no fundo um lago belíssimo, neste mesmo instante, ouço a voz do meu esposo, ele chora e com um grito profundo e cheio de sentimento me grita: “O que aconteceu? Gloria! Por favor, não se vá! Volte, Gloria! As crianças, Gloria! Não seja covarde!” Neste instante, dou uma olhada como que global e o vejo chorando, com muita dor e então o Senhor me concede regressar. Eu não queria vir, de tanta alegria, paz e felicidade. Então, comecei a descer devagar, buscando meu corpo e me encontrei sem vida. Meu corpo estava na maca da enfermaria da Universidade Nacional de Enfermagem, via como os médicos davam choques elétricos em meu coração para me salvar da parada cardíaca. Durante duas horas e meia fiquei ali jogada, porque não podiam nos levar dali porque “lhes passávamos corrente” a todo mundo, até que finalmente deixamos de “passar corrente” e puderam nos atender. Começaram a me reanimar. Eu cheguei e pus os meus pés aqui no topo de minha cabeça e com violência uma faísca entrou em mim. Eu entrei no meu corpo, me doeu muito entrar e senti que saíam faíscas por todos os lados. Eu sentia encapsular-me nisto “tão pequenininho”. E a dor que sentia, minha carne queimava, como me doía! Saía fumaça e vapor. E a dor mais terrível, a dor de minha vaidade. Eu tinha critérios para tudo, era uma mulher executiva, era a intelectual, a estudante, a escravizada pelo corpo, escrava da beleza e da moda: 4 horas diárias de exercícios aeróbicos. Escravizada para ter um corpo bonito. Massagens, dietas, bem... de tudo o que possam imaginar, essa era minha vida. Uma rotina de escravidão por um belo corpo. E eu dizia: Bem...se tenho seios bonitos é para mostrar, assim como minhas pernas, porque sentia que tinha pernas esculturais, assim como os seios, e num instante via tudo com horror. Toda uma vida cuidando do corpo. Isso era o centro da minha vida, o amor ao meu corpo. E já não havia corpo. Nem seios. Havia uns buracos impressionantes em todo o seio esquerdo, estava praticamente desaparecido, e minhas pernas, era o mais terrível, havia pedaços vazios e sem carne, tudo preto, carbonizado...




O Juízo de Deus após a morte
Dali me levaram ao Seguro Social, rapidamente me operaram e começaram a raspar todos os meus tecidos queimados. Quando estou anestesiada, volto a sair do meu corpo. Estava olhando o que faziam os médicos com o meu corpo. Estava preocupada com minhas pernas. De repente aconteceu algo terrivelmente horroroso. Porque conto a vocês, irmãos, eu fui uma “Católica Dietética” durante toda a minha vida. Minha relação com o Senhor era uma eucaristia aos domingos, em missas de 25 minutos, onde o padre falasse menos, porque que desespero e que angústia! Essa era minha relação com Deus. E como essa era a relação que eu tinha com Deus, todas as correntes do mundo me arrastavam como um cata-vento, a ponto de que quando já estava me especializando nos estudos, o mundo me dizia que o inferno não existia, que os diabos não existiam. Medo? Quem disse? Mas vergonhosamente confesso que a única coisa que me mantinha na igreja era o medo do diabo. Quando me diziam que não existe, que luta! E eu dizia: “Bem...Todos vamos para o Céu, não importa como somos.” Então, isso terminou afastando-me de uma vez do Senhor. O pecado não ficou só em mim e começo a piorar ainda mais minha relação com o Senhor. Começo a dizer a todo mundo que os demônios não existem, que são invenção dos padres, que são manipulações. Com meus companheiros da Nacional, comecei a acreditar no conto de que Deus não existia e que éramos produto da evolução. Vejam, quando me vejo neste instante, que susto terrível! Vejo uns demônios que vêm buscar seu pagamento: Eu! Nesse instante, começo a ver como da parede do centro cirúrgico começam a brotar muitíssimas pessoas. Aparentemente pessoas comuns, mas com um olhar de ódio tão grande, um olhar espantoso, e me dou conta que neste instante que em meu corpo há uma sabedoria especial e percebo que devo algo a todos eles, que o pecado não foi grátis e que a principal infâmia e mentira do demônio foi dizer que não existia, e vejo que vêm ao meu encontro e começam a me rodear e querem me levar. Vocês façam idéia do susto, do terror que senti. Essa mente científica e intelectual já não me servia de nada. Eu caía ao chão, tentava voltar para dentro do meu corpo, mas minha carne não me recebia. Neste susto tão terrível, saí correndo e não sei em que instante atravessei a parede do centro cirúrgico. Eu pretendia me esconder pelos corredores do hospital, mas quando passei pela parede do centro cirúrgico... “zas”, dei um salto no vazio...


Primeiros sinais de uma condenação que se aproxima
Entrei por uma quantidade de túneis que vão para baixo. No princípio tinham luz e eram luzes como colméias de abelhas, onde havia muitíssima gente. Mas eu vou descendo e a luz vai se perdendo e começo a andar nos túneis de trevas espantosas e quando chego a umas trevas, essas não se comparam com as trevas que conhecemos. Imagine que o mais escuro do escuro que conhecemos se parece à luz de meio-dia comparado a essas trevas que vi. Não se pode comparar. Elas mesmas ocasionam dor, horror, vergonha e cheiram mal. E eu termino essa descida por entre todos os túneis e chego desesperada a uma parte plana... Essa vontade de ferro que eu dizia que tinha, onde me sentia capaz de tudo, já não me servia de nada. Eu queria subir, mas não podia, e estava ali. Vejo como nesse piso se abre uma boca enorme e sinto um vazio impressionante em meu corpo, um abismo ao fundo inenarrável, porque o mais espantoso desse oco era que não se sentia nem um pouco o Amor de Deus, nem uma gota de esperança e esse oco tem algo que me suga para dentro e eu grito aterrorizada. Eu sabia que se entrasse aí, minha alma estaria morta. Esse horror era tão grande e quando estou entrando, algo me sustenta pelos pés. Meu corpo entrou neste oco, mas meus pés estavam sustentados para cima. Foi um momento muito doloroso e terrível. Vejam só... Meu ateísmo ficou pelo caminho e comecei a gritar: “Almas do purgatório! Por favor, me tirem daqui!” Quando eu estava gritando, foi um momento de uma dor imensa, porque me dou conta de que aí se encontram milhares e milhares de pessoas neste oco, sobretudo jovens, e com dor me dou conta que começo a escutar ranger de dentes, com uns gritos e lamentações que me estremeciam. Muitos anos me custaram para assimilar isso, porque eu me punha a chorar cada vez que me lembrava do sofrimento destas pessoas, e percebo que ali estavam todas as pessoas que em um segundo de desespero se haviam suicidado e estavam nestes tormentos com todas as coisas que ai se encontravam, mas o mais terrível destes tormentos é a ausência de Deus. Não se sentia o Senhor. Nessa dor, começo a gritar: “Quem se equivocou? Olhem como sou santa! Jamais roubei, eu nunca matei, eu fazia compras para os pobres, eu extraía dentes de graça ajudando os que necessitavam. O que faço aqui? Eu ia à Missa aos domingos, apesar de que me considerasse atéia, nunca faltei, se faltei cinco vezes à Missa em toda a minha vida foi muito. Eu era alma que sempre ia à Missa. E o que faço aqui? Eu sou católica, por favor, eu sou católica, tirem-me daqui!” Quando estou gritando que sou católica, vejo uma pequena luz. Entendam que uma luz nestas trevas é o maior presente que alguém poderia receber. Vejo umas escadas por cima deste oco, vejo meu pai, que havia falecido cinco anos atrás, ele estava quase atrás do oco, tinha um pouquinho de luz e quatro degraus mais acima vejo minha mãe, com muito mais luz e numa posição de oração. Quando os vi me deu uma alegria tão grande e comecei a gritar: “Paizinho, mãezinha, por favor, me tirem daqui, eu suplico, me tirem daqui!” Quando eles baixaram a vista e meu pai me viu ali... se houvessem visto que dor tão grande eles sentiram; neste lugar podemos sentir os sentimentos dos outros, podemos ‘ver’ essa parte e ‘vi’ essa dor tão grande. Meu pai começou a chorar e colocava as mãos na cabeça e tremia: “Minha filha, minha filha!” E minha mãe orava, então percebo que eles não podem me tirar dali e a dor que me inundava era sentir a dor que eles sentiam e estavam compartilhando essa dor comigo. Começo a gritar de novo: “Por favor, vejam, me tirem daqui, eu sou católica! Quem se enganou? Por favor, me tirem daqui!”


Começa o juízo divino – o primeiro mandamento
E quando estou gritando pela segunda vez, se escuta uma voz, é uma voz doce, é uma voz que quando a escuto, se estremece toda a minha alma, e tudo se inundou de amor e de paz, e todas estas criaturas saíram apavoradas, porque elas não resistem ao Amor, nem à paz e eu sinto essa paz, e essa voz me diz: “Muito bem, se você é católica, diga-me os dez mandamentos da lei de Deus.”
E que golpe tão horrível! Ouviram? Eu sabia que eram dez, mas daí em diante, nada! “Quarta-feira! O que vou fazer aqui?” Minha mãe sempre me falava do primeiro mandamento de Amor. Finalmente me serviu para alguma coisa. Vamos ver como me sairei dessa, pensava... Tomara que não se lembrem dos demais mandamentos. Pensava em manipular a situação, como sempre costumava fazer por aqui, eu sempre tinha resposta para tudo, tinha a desculpa perfeita, e sempre me justificava e me defendia de tal maneira que ninguém perceberia o que eu não sabia. Então começo a dizer: “O primeiro: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”... “Muito bem” – e me dizem: “Você O tem amado?” E eu digo: “Sim, eu sim, eu sim!” E é quando me dizem: “Não!” Vejam, quando me disseram “não!”, aí sim senti a corrente elétrica daquele raio, porque eu não percebi em que parte me havia caído o raio, não sentia nada, e me dizem: “Não! Você não tem amado ao seu Senhor sobre todas as coisas, e muitíssimo menos ao seu próximo como a você mesma. Você fez um deus e o acomodou à sua vida só nos momentos de necessidade! Você se prostrava diante dEle quando era pobre, quando sua família era humilde, quando queria se tornar uma profissional! Aí sim todos os dias você rezava, e se prostrava tempos inteiros, horas inteiras suplicando ao seu Senhor! Orando e pedindo para que Ele a tirasse dessa pobreza e permitisse que fosse uma profissional , que fosse alguém! Quando tinha necessidade, ou queria dinheiro, então rezava um Rosário ao Senhor. Essa era a relação que você tinha com o Senhor!” Eu via ao meu Senhor de verdade com tristeza. Comento que minha relação com Deus era de ‘caixa automático’. Rezava um Rosário e tinha que aparecer dinheiro, essa era minha relação com Ele. E me mostram, tão logo o Senhor me permitiu que tivesse uma profissão, que começo a ter um nome e começava a ganhar dinheiro, então o Senhor já me parecia “pequenininho”, e já comecei a ficar orgulhosa, nem sequer expressava uma mínima relação de amor com o Senhor. Ser agradecida? Jamais! Nem sequer abria os olhos dizendo... ‘Senhor, obrigada por este dia, obrigada por minha saúde, pela vida dos meus filhos, pela minha casa, coitadinhos dos que não tem casa, nem comida, Senhor!’ Nada. Era muito mal agradecida. E a voz seguia dizendo... “Fora isso, você pôs o Senhor num nível tão baixo, que acreditava mais em Mercúrio e Vênus para ter sorte, andava cegada pela astrologia, dizendo que os astros conduziam a sua vida. Começou a andar em todas as doutrinas que o mundo oferecia. Começou a acreditar que simplesmente você morria e voltava para recomeçar. Você se esqueceu da ‘Graça!’, que havia custado um preço de sangue ao seu Senhor.”


Segundo Mandamento
Me fazem um exame dos Dez Mandamentos. Mostram-me que eu dizia que adorava, que amava a Deus com minhas palavras, mas na verdade eu adorava a Satanás. Porque em meu consultório chegava uma senhora que fazia ‘mandingas’, e eu dizia... ‘Eu não acredito nisso, mas pode fazer, porque se não fizer bem, mal tampouco fará.’ E ela começava a fazer suas ‘mandingas’ para dar boa sorte. Ela havia posto num canto onde não se podia ver uma penca de aloés com uma ferradura para afastar as más energias.
Olhem tudo isso, que vergonhoso! Fazem uma análise da minha vida sobre os dez mandamentos, me mostram como atuei com o próximo, como dizia a Deus que o amava quando ainda não havia me afastado dEle, quando ainda não havia começado a andar no ateísmo eu dizia: “Meu Deus, eu te amo!” Mas com essa mesma língua que eu louvava o Senhor, com essa mesma língua eu falava mal de todo mundo, criticava, apontava com o dedo, sempre a ‘santa Gloria’, e me mostravam que eu dizia que amava a Deus, mas era uma invejosa, mal agradecida, jamais reconheci todo o esforço e o amor, a entrega de meus pais para me dar uma profissão, para me levantar. “Tão rápido você alcançou uma profissão, mas até seus pais já não tinham importância, a ponto de chegar a se envergonhar de sua mãe, pela humildade e pela pobreza dela.”
E me mostram como esposa...Quem era? Passava todo o dia renegando, desde que me levantava. Meu esposo me dizia: “Bom dia!” E eu respondia: “Que bom dia? Não vê que está chovendo?” Eu o renegava o tempo todo. E com meus filhos? Mostram-me que nunca, jamais tive compaixão para com o próximo, por meus irmãos de fora. E o Senhor me dizia: “Você nunca pensou: coitadinhos dos doentes, Senhor! Dá-me a graça de poder acompanhá-los em sua solidão. As crianças que não tem mãe, os órfãos, quantas crianças sofrendo, Senhor!” ...Meu coração era de pedra...no exame dos dez mandamentos não passei nem meio. Terrível! Espantoso! Vivia um verdadeiro caos. Como que eu não havia matado e assassinado tanta gente? Por exemplo, eu fiz muitas compras de supermercado para as pessoas que necessitavam, mas não dava por amor, dava pela imagem, porque como eu era muito rica eu queria ‘fazer bonito’ diante dos outros e assim eu manipulava as pessoas.
E então eu dizia: “Toma, lhe dou essa compra, mas você me faz o favor e vá à reunião do colégio dos meus filhos, porque eu não tenho tempo de ir a essas reuniões.” E assim eu dava coisas a todo mundo, mas eu os manipulava, além disso eu adorava que houvesse um montão de gente atrás me mim me dizendo que eu era bondosa, que eu era uma santa. Eu me criei uma imagem! E me dizem: “É que você tinha um deus e esse deus era o dinheiro! Por ele você se condenou! Por ele você afundou no abismo e se afastou do Senhor.” Nós havíamos tido muito dinheiro, mas estávamos quebrados, endividadíssimos, havia acabado nosso dinheiro, então, quando me dizem do ‘deus dinheiro’ eu gritei: “Mas que dinheiro se deixei muitas dívidas lá na terra?”
Quando me falaram, por exemplo, do segundo mandamento, via que eu, pequenina, infelizmente aprendi que para evitar os castigos da minha mãe que eram bastante severos, aprendi que as mentiras eram excelentes e comecei a caminhar com o pai da mentira (Satanás), e comecei a ficar mentirosa e à medida que meus pecados iam crescendo, as mentiras iam aumentando. Percebia que minha mãe respeitava muito o Senhor e para ela o nome do Senhor era santíssimo, então eu pensei e disse: “Aqui tenho a arma perfeita.” E comecei a jurar em vão, e lhe dizia: “Mãe, eu juro por Deus!” e assim evitava os castigos. Imaginem, quando mentia eu colocava o Santíssimo nome do Senhor nas minhas porcarias, na minha imundície, porque eu estava tão cheia de sujeira e de tanto pecado...
E vejam, irmãos, aprendi que as palavras não se perdem ao vento. Quando minha mãe ficava irredutível eu lhe dizia: “Mãe, que me parta um raio se estou mentindo!”, e a palavra vagou pelo tempo e vejam que por misericórdia de Deus eu estou aqui, porque na realidade o raio entrou em mim e me partiu praticamente ao meio e me queimou.
Mostravam-me como eu, que me dizia católica, era uma pessoa que não tinha palavra e sempre me antepunha ao Santo nome do Senhor.
Fiquei impressionada ao ver como o Senhor mostrava a todas as criaturas estas coisas espantosas e se prostravam ao chão, numa adoração impressionante. Vi a Santíssima Virgem prostrada aos pés do Senhor, orando por mim, numa extrema adoração, e eu, pecadora, desde minha imundície, cara a cara com o Senhor. Como fui ‘tão boa’, renegando e maldizendo o Senhor...


Terceiro e Quarto Mandamentos
Sobre o santificar as festas, foi espantoso. Senti uma imensa dor. A voz me dizia que eu dedicava de quatro a cinco horas ao meu corpo e nem sequer dez minutos diários de profundo amor ao Senhor, de agradecimento ou de uma oração. Começava a rezar o Rosário com tamanha velocidade e eu dizia: “Nos comerciais da novela consigo terminar o Rosário”. Mostravam como nunca fui agradecida ao Senhor, e também me mostravam o que eu dizia quando me dava preguiça de ir à Missa: “Mas mãe, se Deus está em todo lugar, que necessidade tenho de ir à Missa?” Claro que era muito cômodo dizer isso; e a voz me repetia que eu tinha ao Senhor por vinte e quatro horas ao dia disponível para mim, e eu não rezava nem um pouquinho, nem agradecia no domingo. Dediquei-me a cuidar do meu corpo, me tornei escrava, e me esqueci de um detalhe, que tinha uma alma e que jamais cuidei dela, nunca a alimentei com a Palavra de Deus porque eu, muito comodamente, dizia que quem lia a Palavra de Deus ficava louco.
Quanto aos sacramentos, nada! Como que eu poderia me confessar com ‘esse velhos que eram piores que eu’? Para mim era muito cômodo não ir confessar, o maligno me tirou da confissão e assim foi como me afastou da cura e limpeza da minha alma, porque cada vez que eu cometia um pecado, não era grátis, Satanás punha dentro da brancura de minha alma a sua marca, uma marca de trevas. Jamais, só em minha primeira comunhão fiz uma boa confissão, daí por diante, nunca mais, e recebia o Senhor indignamente. Chegou a tal ponto a blasfêmia, a incoerência da minha vida, que cheguei a dizer: “Que Santíssimo? Deus está vivo num pedaço de pão? Estes sacerdotes deveriam comê-lo com um pouco de doce de leite, quem sabe ficaria mais saboroso”...até este ponto chegou a degradação da minha relação com Deus.
Jamais alimentei minha alma, e para completar, só sabia criticar os sacerdotes. Se tivessem visto como foi terrível isso, na minha família, desde muito pequenos, criticávamos os sacerdotes, começando pelo meu pai...diziam que são mulherengos e que têm mais dinheiro do que nós e repetíamos estas coisas. E nosso Senhor me dizia: “Quem você pensava que era para se fazer passar por Deus e julgar meus ungidos?”, me dizia: “Eles são de carne, e é a comunidade que faz a santidade de um sacerdote, rezando, amando e apoiando quando um sacerdote cai em pecado.” O Senhor me mostrava que cada vez que eu criticava um sacerdote, me tomavam uns demônios. Fora isso, quanto mal eu fiz quando acusei um sacerdote de homossexual e toda a comunidade se inteirou, não imaginam quanto dano causei.
Do quarto mandamento: honrar pai e mãe. O Senhor me mostrava como já lhes comentei, como fui mal agradecida com meus pais, como os amaldiçoava e os renegava porque não podiam me dar tudo o que minhas amigas tinham. Como fui uma filha que não valorizava o que tinha, cheguei a ponto de dizer que aquela não era a minha mãe, porque parecia muito pouco para mim.
Foi espantoso ver o resumo de uma mulher sem Deus e como uma mulher sem Deus destrói tudo o que lhe rodeia, e ainda por cima, o pior de tudo é que eu achava que era boa e santa! O Senhor também me mostrou como eu achava que me sairia bem neste mandamento, só pelo fato de haver pago as consultas médicas e os remédios dos meus pais quando ficaram doentes, também como eu analisava tudo através do dinheiro e como eu os manipulei quando tinha dinheiro. Até me aproveitei deles, o dinheiro me endeusou e eu os pisoteei. Sabem o que me doeu? Ver meu pai chorando com tristeza, apesar de tudo ele havia sido um bom pai, que me havia ensinado a ser trabalhadora, empreendedora, e que devia ser honesta, porque só aquele que trabalha pode progredir. Mas ele se esqueceu de um detalhe, que eu tinha uma alma e que ele era um evangelizador com seu testemunho e como toda a minha vida começou a afundar por causa de tudo isso. Via o meu pai com dor quando era mulherengo, ele era feliz dizendo à minha mãe e a todo mundo que ele era ‘muito macho’ porque tinha muitas mulheres e que podia com todas, e que ademais fumava e bebia. Estes vícios o faziam sentir-se orgulhoso, pois ele não pensava que eram vícios, mas sim virtudes. Comecei a ver como minha mãe se cobria de lágrimas quando meu pai começava a falar das outras mulheres. Comecei a me encher de raiva, de ressentimento e começo a ver como o ressentimento leva à morte espiritual, sentia uma raiva espantosa de ver como meu pai humilhava minha mãe diante de todo mundo. Fiquei rebelde e disse á minha mãe: "Eu nunca serei como você, por isso nós mulheres não valemos nada, por culpa de mulheres como você, sem dignidade, sem orgulho, que se deixam pisotear pelos homens.” Quando já estava maior eu dizia ao meu pai: “Preste atenção pai, jamais vou permitir que um homem me humilhe como você humilha a minha mãe, se um homem chegar a ser infiel comigo, eu me separo.” Meu pai me bateu e me disse: “Como se atreve?” Meu pai era muito machista e eu lhe disse: “Então me bata e me mate se eu chegar a me casar e tiver um marido infiel. Eu me separo, para que os homens entendam como sofre uma mulher quando um homem a pisoteia.” Esse ressentimento e essa raiva tomaram conta de mim, e quando já tinha algum dinheiro, comecei a dizer à minha mãe: “Sabe de uma coisa? Separe-se do meu pai. Eu gosto muito dele, mas é impossível que você agüente um homem assim, seja digna, você tem que se dar valor, mãe.” Imaginem! Eu queria divorciar meus pais. Minha mãe me dizia: “Não filha, não é que não me doa, sim me dói muito, mas eu me sacrifico porque vocês são sete filhos e eu sou só uma. Eu me sacrifico porque afinal seu pai é um bom pai, e eu seria incapaz de ir e deixá-los sem pai, ademais, se eu me separo, quem vai orar para que seu pai se salve? Sou eu quem pode orar para que seu pai encontre a salvação, porque a dor e o sofrimento que ele me ocasiona eu uno às dores da cruz, e todos os dias digo ao Senhor; ‘esta dor não é nada unida à tua cruz, me permita que meu esposo se salve, assim como meus filhos.’ Eu não entendia isso. E sabem do que mais? Me deu tanta raiva... e isso fez com que minha vida mudasse e fiquei muito rebelde e comecei a me empenhar para defender os direitos da mulher. Comecei a defender o aborto, a eutanásia, o divórcio e a defender a lei de Talião, aquela que diz ‘olho por olho, dente por dente’. Nunca fui infiel fisicamente, mas prejudiquei muita gente com meus conselhos.


Quinto Mandamento
Quando chegamos ao quinto mandamento, o Senhor me mostrava que eu era uma assassina espantosa e que cometi o que é pior e mais abominável diante dos olhos de Deus, o aborto. O poder que me deu o dinheiro me serviu para financiar vários abortos, porque eu dizia: “A mulher tem direito a escolher quando quer ficar grávida ou não.” Olhei o Livro da Vida e me doeu tanto quando vi uma menina de catorze anos abortando. Eu a havia ensinado, porque sabem que quando uma pessoa está envenenada, nada fica bom e tudo o que está ao redor dela se envenena. Umas meninas, três sobrinhas minhas e a namorada do meu sobrinho abortaram. Deixavam-nas ir à minha casa porque eu tinha dinheiro. Eu as convidava, falava de moda, de glamour, de como exibir o corpo. Minha irmã as mandava aí. Olhem como eu as prostituí, prostituí menores, que foi outro pecado espantoso depois do aborto, porque eu lhes dizia: “Não sejam bobinhas minhas filhas, suas mães lhes falam de virgindade e de castidade, mas estão fora de moda, elas falam de uma Bíblia que foi escrita há mais de dois mil anos, e os sacerdotes não quiseram se modernizar, elas falam o que dizia o Papa, mas esse Papa está fora de moda.”
Imaginem meu veneno e eu ensinei a estas meninas que tinham que aproveitar, desfrutar do corpo, mas que tinham que se prevenir. Ensinei-lhes os métodos de planificação. “Mulher perfeita”, e essa menina de catorze anos, namorada do meu sobrinho chega um dia ao meu consultório chorando (eu vi no Livro da Vida) e me diz: “Gloria! Ainda sou criança e estou grávida!”, e eu lhe disse: “Tonta! Eu não lhe ensinei a se prevenir?” E então ela me disse: “Sim, mas não funcionou”. Então olhei, e o Senhor me colocava essa menina diante de mim para que não se afundasse no abismo, para que não fosse abortar, porque o aborto é uma corrente que pesa tanto, que arrasta e pisoteia, é uma dor que nunca se acaba, é o vazio de haver sido um assassino. E o que foi pior para essa menina, foi que em vez de falar-lhe do Senhor, lhe dei dinheiro para que fosse abortar num lugar muito bom para que não a prejudicassem. Assim como este aborto financiei vários outros. Cada vez que o sangue de um bebê se derrama, é como um holocausto a Satanás, é um holocausto, ao Senhor lhe dói muito e se estremece cada vez que se mata um bebê, porque no Livro da Vida, vi como nossa alma se apodera de nosso corpo tão somente quando se tocam o óvulo e o espermatozóide, surgindo como uma faísca linda de luz colhida do Sol de Deus Pai. O ventre de uma mãe, tão somente é fecundado e já se ilumina com o brilho dessa alma e quando se aborta, essa alma grita e geme de dor, ainda que não tenha olhos, nem um corpo formado, se escuta este grito quando lhe estão assassinando e o Céu se estremece e no inferno se escuta outro grito, mas de júbilo, e imediatamente do inferno, se abrem uns tipos de selos de onde saem umas larvas para seguir assediando a humanidade, e seguir fazendo-a escrava da carne e de todas estas coisas que existem e que estarão cada dia pior. Quantos bebês são mortos por dia? Isso é um triunfo para Satanás. Esse preço de sangue forma mais um demônio, então me lavam neste sangue e minha alma branca começou a ficar absolutamente escura. Depois dos abortos, perdi a convicção do pecado, para mim estava tudo bem. Foi triste ver como que neste compromisso com o maligno, pude ver todos os bebês que eu havia matado também, e sabem por que? Eu planificava com o uso do DIU (T de cobre) e foi doloroso ver quantos bebês haviam sido fecundados, e se haviam brilhado essas faíscas do Sol de Deus Pai, mas estes bebês, gritando, se desgarraram das mãos de Deus Pai. Era a razão que explicava meu constante mau humor, caras feias, vivia frustrada com todos e com muita depressão. Claro! Eu havia me tornado uma máquina de matar bebês. E isso me afundou mais no abismo... e pensava: “Como que não havia matado?” E o que dizer de cada pessoa que eu odiava, que eu detestava? Continuava sendo uma assassina, porque não é só com um disparo que se mata uma pessoa, basta odiá-la, fazer-lhe o mal, ter inveja dela, como isso já se pode matá-la.


Sexto e Sétimo, Nono e Décimo Mandamentos
Quanto ao sexto mandamento, de não pecar contra a castidade, eu disse: “Aqui não vão me falar de nenhum amante, porque por toda a vida só tive um homem que é meu esposo”. Quando me mostram que cada vez que eu estava com meus seios a mostra e meu corpo com minhas roupas insinuantes, estava incitando os homens a que me olhassem e tivessem maus pensamentos, e eu os fazia pecar e assim foi como entrei no adultério. Eu aconselhava as mulheres a serem infiéis com seus esposos e lhes dizia: “Não sejam bobas, divorciem-se, não os perdoem.” Já com isso estava cometendo um abominável adultério. E me dei conta que os pecados da carne são espantosos e são condenatórios, mas o mundo nos incita a atuarmos como animais. Infelizmente me soltei da mão do Senhor, porque os pecados estão nos pensamentos, na alma e na ação de cada pessoa. Foi tão doloroso ver todo esse pecado, por exemplo, esse pecado do adultério do meu pai, que causou dano e desgarrou seus filhos. A mim me causou ressentimento contra os homens, e meus irmãos se transformaram em três fiéis fotocópias do meu pai, felizes por serem ‘muito machos’, mulherengos e alcoólatras... Eles não percebiam como prejudicavam seus filhos. Por isso meu pai chorava, com tanta dor, vendo como seu pecado havia sido herdado por eles, por mim, prejudicando assim toda a obra de Deus.
O sétimo mandamento, o de não roubar, eu me considerava honesta, e o Senhor me mostrava como desperdiçávamos comida em minha casa. O mundo padecia de tanta fome, e Ele me dizia: “Eu tinha fome, e veja o que você fazia com o que eu te dava, desperdiçava tudo, eu tinha frio e olhe o que você fazia, escravizada pela moda, vivendo de aparências, gastando muito dinheiro em injeções para estar mais magra, escravizada pelo corpo. Em poucas palavras, você fez do seu corpo um deus.” O Senhor me mostrava que eu era culpada pela miséria do meu país e que sim, eu tinha a ver com isso. Também me mostrava que cada vez que eu falava mal de alguém, eu lhe roubava a honra e era difícil devolvê-la. Que era mais fácil reparar o roubo de um dinheiro, porque poderia devolver o valor roubado, do que restaurar o bom nome de uma pessoa. Eu me arrependia por não ter sido uma mãe carinhosa com meus filhos, por não haver ficado mais com eles em casa, por tê-los deixado tanto com a ‘mamãe televisão’, ‘o papai computador’, ou com os videogames e para acalmar minha consciência, lhes comprava roupas de marca. Mas me horrorizou ver minha mãe que se questionava, - e minha mãe foi uma santa mãe, que nos corrigia e nos amava, assim como meu pai -, e pude ver quando ela disse: “O que será de mim que nunca consegui dar nada para os meus filhos?” Que espanto, que dor tão grande...
Senti muita vergonha, porque no Livro da Vida a pessoa vê tudo como num filme, e meus filhos diziam: “Tomara que a mamãe demore, que tenham muito trânsito, porque ela é muito chata e só vive reclamando.” Que tristeza um menino de três anos e uma menina um pouco maior dizendo estas coisas...eu lhes roubei a sua mãe, lhes roubei a paz que eu daria à minha casa e não lhes deixei conhecer a Deus através de mim, e não lhes ensinei a amar o próximo. Se eu não amo ao meu próximo, eu não tenho nada a ver com o Senhor, se não tenho misericórdia, não tenho laços com o Senhor. Porque Deus é Amor...


Oitavo Mandamento
Vou lhes falar sobre levantar falsos testemunhos. Eu sabia mentir muito bem e Satanás se tornou meu pai. Se Deus é Amor e eu odeio, então, quem é meu pai? Não era difícil de adivinhar e se Deus me fala do perdão e de amar meus inimigos eu dizia, “quem me prejudica, me paga!” Então, quem era meu pai? Se Deus é a verdade e Satanás é a mentira, quem era meu pai? Não há mentira rosa, nem amarela, nem verde, todas as mentiras são mentiras, e Satanás é o pai de todas elas. Tão terríveis foram os pecados da minha língua. Eu vi quanto dano causei com a minha língua. Eu fofocava, quando falava mal dos outros, causava complexos de inferioridade às pessoas gordinhas pondo-lhes apelidos pejorativos. Uma palavra mal dirigida sempre termina numa ação e causa dano. Quando me fazem o exame dos dez mandamentos, pude ver a cobiça que tomava conta de mim. Eu pensava que seria feliz tendo muito dinheiro e passei a ter uma obsessão por ficar rica. Que tristeza. Quando tive muito dinheiro, foi o pior momento que viveu minha alma, a ponto de querer me suicidar. Tinha tanto dinheiro e me sentia sozinha, vazia, amargurada e frustrada. A cobiça de desejar ter muito dinheiro foi o caminho que me levou pela mão e me extraviei, me soltei da mão do Senhor. Depois desse exame dos dez mandamentos, me mostram o Livro da Vida, lindo, eu queria ter palavras para descrever “O Livro da Vida”. Começou desde a concepção, assim que se uniram o par de células dos meus pais. De imediato houve um ‘zas’, uma faísca, uma linda explosão e se formou minha alma, colhida da mão de Deus Pai, encontrei um Deus Pai tão lindo, que me cuidava 24 horas por dia e o que eu via como um castigo, nada mais era que Amor, porque Ele consegue ver minha alma e percebia como eu ia me afastando da Salvação. Para terminar, vou lhes dar um exemplo de como é maravilhoso o “Livro da Vida”. Eu era muito hipócrita e eu dizia a alguém: “Nossa! Como você está linda, que vestido lindo!” Mas por dentro, em meus pensamentos eu dizia: “Que mulher mais asquerosa, e ainda se acha uma rainha!” Nesse livro se podia ver exatamente como eu pensava, se podia ver o interior de minha alma. Todas as minhas mentiras ficaram à vista, vivas, todo mundo se deu conta. Quantas vezes eu menti para minha mãe porque ela não me deixava sair a lugar nenhum, então dizia que tinha que fazer um trabalho em grupo na biblioteca, mas saía para ver algum filme pornográfico ou ia a algum bar tomar cerveja com minhas amigas. E lá estava minha mãe, vendo minha vida, nada escapou.
Meus pais me davam banana para levar de lanche na escola. Meus pais eram pobres e só podiam me dar banana, leite e algum petisco para colocar na lancheira. Eu comia a banana e jogava a casca pelo caminho. Nunca tive a consciência de que alguém poderia se ferir ou escorregar na casca de banana que eu costumava jogar no chão, e o Senhor me mostrou as pessoas que poderiam ter se matado por causa dessas quedas causadas por minha imprudência e falta de misericórdia. Também pude ver como só uma vez fiz uma boa confissão, bem feita. Foi quando uma senhora me deu 4.500 pesos a mais de troco num supermercado em Bogotá. E meu pai nos havia ensinado a sermos honestos e nunca tocar em nenhum centavo de ninguém. Então me dei conta quando já estava no carro. Estava a caminho do meu consultório e pensei... “Ai, essa velha distraída, essa tonta me deu 4.500 pesos a mais e agora tenho que voltar para devolver” e logo vi um engarrafamento gigante e disse: “Quer saber? Não vou devolver nada, quem mandou ela ser tão distraída?” Mas fiquei com a dor de ter feito isso, porque me pai me ensinou a ser honesta, então me confessei no domingo e disse: “Padre, eu roubei 4.500 pesos porque não os devolvi a uma senhora que se equivocou no troco.” Nem prestei atenção no que o padre me disse. O maligno não pode me acusar de ladra, mas sabem o que me disse o Senhor? Ele me disse: “Essa falta de caridade sua, quando não devolveu o dinheiro para aquela senhora não reparando o pecado cometido, 4.500 pesos para você não eram nada, mas para aquela mulher que ganhava um salário mínimo, significava a alimentação de três dias.” O mais triste foi quando me mostrou como sofreu, agüentando a fome um par de dias. Por minha culpa, passou fome com seus dois filhos pequenos, porque assim me mostra o Senhor, me mostra quando eu faço algo, quem sofreu, quem atua e como atua.


Prestação de contas dos talentos recebidos
O Senhor me perguntou: “Que tesouros espirituais você me trouxe?” Minhas mãos iam vazias, não levava nada, minhas mãos iam absolutamente desocupadas. Foi então que me disse: “De que te servem os dois apartamentos que você tinha, as casas e consultórios? Você não se considerava uma profissional de muitíssimo êxito? Acaso pode trazer o pó de um tijolo até aqui? O que fez com os talentos que Eu te dei?” Talentos? Eu tinha uma missão. A missão de defender o reino de Amor. O reino de Deus. Eu me havia esquecido que tinha uma alma, e muito menos que tinha talentos, muito menos que o bem que deixei de fazer doeu muito ao Senhor. Sabem o que sempre me perguntava o Senhor? Sempre me perguntava sobre o Amor. Citava a falta de caridade pelo próximo. Ele me dizia que eu estava morta espiritualmente. Estava viva, porém morta. Se pudessem ver o que é a ‘morte espiritual’, como é uma alma que odeia...Como é uma alma espantosamente terrível de amargurada e fastidiosa, que faz mal a todo mundo... Quando uma pessoa está cheia de pecados, por fora tudo parece ser bonito e cheirar bem, com boas roupas, mas minha alma cheirava muito mal e vivia nos abismos. Isso justifica tanta depressão e amargura. Então o Senhor me disse: “É que sua morte espiritual começou quando você deixou de sentir dor pelos seus irmãos. Quando você via o sofrimento dos seus irmãos, era um alerta. Quando via nos meios de comunicação, dizendo que os mataram, que os seqüestraram, que os desalojaram, você dizia ‘da boca para fora’: ‘Coitadinhos! Que pecado!’ Mas isso não te doía por dentro. Você não sentia nada no coração, era uma pedra, o pecado te petrificou.
Quando se fecha o meu Livro, imaginem como era grande a minha tristeza. Quanta dor! Fora isso, por ter me comportado assim com Deus Pai, porque apesar de todos os meus pecados, apesar de toda a minha imundície e de toda a minha indiferença e de todos os sentimentos horríveis, o Senhor, sempre, até o último instante me buscou, sempre me enviava instrumentos, pessoas, me falava, me gritava, me tirava coisas para me buscar, ele me buscou até o último instante. Eu costumava dizer: “O Senhor me condenou”. Claro que não! No meu livre arbítrio eu escolhi quem seria o meu pai, e não foi Deus Pai. Escolhi Satanás, esse foi o meu pai, e quando esse Livro se fechou, vi em minha mente que estava de ponta-cabeça, porque começava a cair naquele buraco e depois deste oco ia se abrir uma porta. Então começo a ir, e começo a gritar a todos os santos, para que me salvassem. Vocês não têm idéia da quantidade de santos que eu vi, eu não tinha idéia de que havia tantos santos, eu era tão má católica. Pensava que dava na mesma que me salvasse São Isidro ou São Francisco de Assis, e quando acabaram todos os santos, veio o silêncio. Sentia um vazio, uma dor tão grande. E eu pensava: “Todos estão lá na terra dizendo: ‘como era santa!’”, esperando que eu morresse para me pedir um milagre. E olhem para onde vou! Levanto os olhos e vejo os olhos de minha mãe. Com muita dor eu lhe grito: “Mãezinha! Que vergonha! Me condenei, mãe, aonde vou? Nunca mais vou te ver...” E nesse momento lhe concederam a ela uma graça muito grande. Estava imóvel e lhe permitem mover seus dois dedos para cima e ela dá um sinal e saltam dos meus dois olhos duas crostas espantosamente dolorosas, era minha cegueira espiritual. Então, vejo um momento lindo, quando uma paciente me havia dito: “Olhe doutora, a senhora é muito materialista e um dia vai precisar Dele. Quando estiver em ambiente de perigo, qualquer que seja, peça a Jesus Cristo que a cubra com o Seu sangue, Ele nunca irá abandoná-la, porque Ele pagou um preço se sangue pela senhora.” E com essa vergonha tão grande e essa dor, comecei a gritar: “Jesus Cristo! Senhor, tenha compaixão de mim! Perdoe-me! Por favor, me dê uma segunda oportunidade!” E este foi o momento mais belo, não tenho palavras para descrever este momento. Ele baixa e me tira daquele oco. Quando Ele me recolhe, todas estas coisas caíram ao chão. Ele me levanta e me leva a uma parte plana, e me diz com todo esse Amor: “Vamos voltar, você vai ter uma segunda oportunidade” (...), e me diz que não é pela oração da minha família. Porque “é normal que eles orem e clamem por você, mas foi pela intercessão de todas as pessoas alheias ao seu sangue, que não te conhecem e choraram, oraram e elevaram seu coração com muitíssimo amor por você.” E começo a ver como se acendem uma porção de luzinhas que são como chaminhas brancas cheias de amor. Eu vejo as pessoas que estão rezando por mim! Mas havia uma chama grande, era a luz que mais brilhava. A que mais amor dava. Eu olhava quem era essa pessoa que me amava tanto. E o Senhor me diz: “Essa pessoa que você vê ali, é uma pessoa que te ama tanto, tanto, e nem sequer te conhece.” E me mostrava que essa pessoa havia visto a folha de jornal do dia anterior. Era um camponês de um povoado, bem pobre, que vivia ao pé da Serra Nevada de Santa Marta. O pobre homem comprou uma panela e a embrulharam numa folha do jornal “Espectador” do dia anterior. Minha fotografia onde eu aparecia toda queimada estava aí, ilustrando a matéria que falava sobre o acidente. Quando este homem viu a notícia, se pôs a chorar com um amor tão grande, e disse: “Pai, Senhor, tem compaixão desta minha irmãzinha. Senhor, salve-a! Se o Senhor salvá-la, prometo que irei ao ‘Santuário de Buga’ e cumpro a promessa, mas salve-a!” Imaginem um homem pobrezinho, não estava revoltado nem amaldiçoando porque passava fome, com essa capacidade de amor para se oferecer a atravessar todo o país por alguém que não conhecia. E o Senhor me disse: “Isso é Amor ao Próximo” (...) e logo me disse: “Você vai voltar, mas não vai contar o que viu 1000 vezes, mas sim 1000 vezes 1000. E ai daqueles que ouvindo, não decidam mudar de vida. Porque eles serão julgados com mais severidade. Assim como você será em seu segundo regresso. Que prestem atenção os ungidos, que são seus sacerdotes, ou qualquer um deles, porque não há pior surdo que aquele que não quer ouvir, nem pior cego que aquele que não quer ver.” E isto, meus queridos irmãos, não é uma ameaça, O Senhor não necessita nos ameaçar, esta é a segunda oportunidade que vocês têm, e graças a Deus que vivi o que vivi! Porque quando lhes abram o Livro da Vida a cada um de vocês, quando cada um de vocês morra, vamos ver este momento, de igual maneira, e vamos nos ver tal como estamos, vamos ver nossos pensamentos e nossos sentimentos na presença de Deus, e o mais bonito é que cada pessoa verá o Senhor em frente de cada um de nós, outra vez perguntando o que lhe temos a oferecer.
Que o Senhor abençoe a todos grandemente.
Glória a Deus! Glória a Nosso Senhor Jesus Cristo!




Meditações


1a. – Negar a existência do inferno é o mesmo que se preparar para cair nele
Muitas pessoas negam que o inferno existe, mas vivem como se estivessem sempre se preparando para ele: sem temor de Deus, com impiedade, sem amor e caridade, com desespero e sem paz de espírito, fazendo de sua vida terrena uma ante-sala do inferno.
1. Negação – Motivo: julgam que a Bondade de Deus O impede de infligir castigo tão terrível, e que a Bondade é incompatível com tal forma de castigar, assim eterna, sem fim. Quem assim pensa é porque perdeu o Santo Temor de Deus, pelo qual todos nós devemos evitar os pecados por causa da Justiça divina. Sem temor, o passo seguinte é a impiedade.
2. Impiedade. Já que para estas pessoas o inferno não existe, não há por que temer a condenação eterna. Assim, nada as impede de viver em completa indiferença para com Deus, não praticando Seus Mandamentos e até O ofendendo com os mais horríveis pecados. Sem o Temor de Deus a pessoa cai, então, na impiedade, que consiste em levar uma vida sem fé, pois a fé exige que se respeite as leis divinas e as cumpra. Que falta para encher-se de ódio?
3. Ódio. Sem temer a justiça divina o ímpio apega-se aos seus vícios, como a ambição, o orgulho, a presunção, a sensualidade, etc. Nada neste mundo o faz abandoná-los. Para tanto seria necessário voltar a ter o Santo Temor de Deus. Tudo aquilo que vem a contrariar seus vícios, ou mesmo sua vontade ou seus caprichos, passa a ser detestado. O ímpio odeia particularmente as pessoas que praticam as virtudes contrárias a seus vícios: os puros, os castos, os humildes, etc., porque tais virtudes lhe incomodam na sua presença, fá-lo ver algo do reflexo de Deus. Sem temor de Deus, com impiedade e cheia de ódio, a alma logo chega ao desespero.
4. Desespero. Motivo: sem temor, com impiedade e cheia de ódio, a alma não consegue amar, confiar, esperar, ter paz interior, a todos despreza, até a si mesma, só encontrando resposta para seu destino no desespero. Existem várias formas de desespero: desde a louca entrega aos males materiais até a entrega total da alma aos vícios que lhe inculcam as tentações diabólicas. O último grau de desespero é a completa falta de esperança na sua própria salvação.
4. Danação – Do desespero à danação só há um passo. Conclusão: negar o inferno é o mesmo que caminhar paulatinamente para ele, até à danação da alma, que é a perca completa de todos os bens que ela recebeu de Deus. É a condenação eterna, com a morte. É o momento em que ocorre o último juízo de Deus, conforme diz São Boaventura:
“O sexto juízo de Deus é o juízo da desesperação, isto é, quando o Senhor tira ao homem a esperança e crê o homem que está privado da glória eterna. Dos tais se diz: “Não tendo nenhuma esperança, se abandonam à dissolução, para mergulhar-se com um ardor insaciável em toda sorte de impurezas”.(Ef 4, 19). Este juízo é horribilíssimo. Neste juízo caiu Judas; e é este o juízo máximo, de maneira que não se pode dar na vida presente outro maior. – O sétimo juízo é na morte, a saber, o juízo da condenação. Quando morre o homem em pecado mortal, é separado para sempre da glória eterna, e sua alma é condenada ao fogo eterno até o fim do mundo, e então será castigado também o corpo. Por onde diz o Apóstolo: “Horrenda é a expectação do juízo”. Esse juízo é o que temeu Habcuc, mas David temia todos os juízos de Deus, por isso dizia: “Pois teus juízos me fazem cheio de espanto”.

2a. – Meditação de São Francisco de Sales


Preparação
1. Põe-te na presença de Deus.
2. Pede a Deus humildemente a Sua graça.
3. Imagina uma cidade envolta em trevas, toda ardendo em chamas de enxofre e pez, que levantam uma fumaça horrível, e toda cheia de habitantes desesperados, que dela não podem sair nem morrer.


Consideração


1. Os condenados estão no abismo do inferno, como desventurados habitantes dessa cidade de horrores. Padecem dores incalculáveis em todos os seus sentidos e em todo o corpo; pois, assim como empregaram todo o seu ser para pecar, sofrerão também em todo ele as penas devidas ao pecado. Deste modo, sofrerão os olhos por seus olhares pecaminosos, vendo perto de si os demônios em mil figuras hediondas e contemplando o inferno inteiro. Aí só se ouvirão lamentos, desesperos, blasfêmias, palavras diabólicas, para punir por estes tormentos os pecados cometidos por meio dos ouvidos. E de modo análogo acontecerá aos demais sentidos.
2. Além destes tormentos, existe ainda um outro muito maior. É a privação e a perda da glória de Deus, que jamais verão. Por mais ditosa que fosse a vida de Absalão em Jerusalém, ele não deixava de protestar que a infelicidade de não ver por dois anos seu pai querido lhe era mais insuportável que o tinham sido as penas do exílio. Ó meu Deus, que sofrimento será, pois, e que pesar imenso ser privado eternamente de Vos ver e amar.
3. Considera sobretudo a eternidade, a qual por si só faz o inferno insuportável., Ah! Se o calor de uma febrezinha torna uma breve noite comprida e enfadonha, que horrenda não será a noite do inferno, onde a eternidade se ajunta à abundância dos tormentos? É desta eternidade que procedem a desesperação eterna, as blasfêmias execráveis e os rancores sem fim.


Afetos e resoluções
1. Procura incutir temor em tua alma, dirigindo-lhe as palavras do Profeta Isaías: “Ó minha alma, poderás habitar com o fogo devorador? Habitarás com os ardores sempiternos?” Queres deixar teu Deus para sempre?
2. Confessa que tens merecido esses horríveis castigos; e quantas vezes? Ah! Desde este instante melhorarei de vida, seguirei um caminho diferente do que tenho seguido até agora. Para que me precipitar neste abismo de misérias?


Conclusão


Agradece a Deus que te deu tempo e meios de pôr-te em segurança pelo exercício da penitência.
Oferece-Lhe teu coração, para fazer dignos frutos de penitência.
Pede-Lhe a graça necessária para isto.
Pai Nosso. Ave Maria.




3ª. – Meditação de Santo Afonso Maria de Ligório

Da eternidade do inferno

(Et ibunt hi in supplicium aeternum – E eles irão par o suplício eterno – Mt 25, 46)


PONTO I


Se o inferno não fosse eterno, não seria inferno. A pena que dura pouco, não é grande pena. Se a um doente se rompe um abscesso ou queima uma ferida, não deixará de sentir dor vivíssima; como, porém, esta dor passa em breve, não se pode considerá-la como tormento grave. Seria, porém, grande suplício, se a intervenção cirúrgica perdurasse semanas ou meses. Quando a dor é intensa, ainda que seja breve, torna-se insuportável. E não apenas as dores, até os prazeres e as diversões, prolongando-se em demasia, um teatro, um concerto, continuando, sem interrupção, durante muitas horas, causaria tédio insofrível. E se durassem um mês, um ano? Que será, pois, no inferno, onde não é música, nem teatro que sempre se ouve, nem leve dor que se padece, nem ligeira ferida ou superficial queimadura de ferro candente que atormenta, mas o conjunto de todos os males, de todas as dores, não em tempo limitado mas por toda a eternidade? (Apoc 20, 10).
Esta eternidade é de fé; não é simples opinião, mas sim verdade revelada por Deus em muitos lugares da Sagrada Escritura. “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno. – E irão estes ao suplício eterno. – Pagarão a pena de eterna perdição. Todos serão assolados pelo fogo” (Mt 25, 41-46; 2 Tess 1, 8; Mc 9, 48). Assim como o sal conserva o alimento, o fogo do inferno não só atormenta os condenados, mas, ao mesmo tempo, tem a propriedade do sal, conservando-lhes a vida. “Ali o fogo consome de tal modo – disse São Bernardo – que conserva sempre”.
Insensato seria aquele que, para desfrutar um dia de divertimentos, quisesse condenar-se a uma prisão de vinte ou trinta anos num calabouço! Se o inferno durasse, não cem anos, mas apenas dois ou três, já seria loucura incompreensível que por um instante de prazer nos condenássemos a esses dois ou três anos de tormento gravíssimo. Mas não se trata de trinta nem de cem, nem de mil, nem de cem mil anos, trata-se de sofrer para sempre penas terríveis, dores sem fim, males incalculáveis sem alívio algum. Portanto, os santos gemiam e tremiam com razão, enquanto subsistia, com a vida neste mundo, o perigo de se condenarem. O Bem-aventurado Isaías, posto que passasse os dias no deserto entre jejuns e penitências, exclamava: “Infeliz de mim, que ainda não estou livre das chamas infernais”.


AFETOS E SÚPLICAS
Se me tivésseis lançado no inferno, meu Deus, como tantas vezes mereci, e depois me tirásseis de lá em virtude da vossa grande misericórdia, quanto vos seria agradecido e que vida santa procuraria eu levar!... E agora que, com clemência ainda maior, me tendes preservado da condenação eterna, que direi, Senhor? Tornarei a vos ofender e provocar a vossa ira a fim de que me condeneis àquele cárcere dos réprobos, onde tantos ardem por culpas menores que as minhas? Ah, meu Redentor, é o que fiz na vida passada! Em vez de empregar o tempo que me destes para chorar meus pecados, abusei dele para vos ofender. Agradeço à vossa infinita bondade o ter-me aturado tanto tempo. Se não fosse infinita, como houvera tolerado meus delitos? Agradecido, por me terdes esperado com tanta paciência até agora; agradecido, pela luz com que me iluminais, a fim de que eu reconheça minha demência e o mal que cometi, ofendendo-vos com meus pecados. Detesto-os, meu Jesus, e de todo o coração me arrependo. Perdoai-me, pela vossa sagrada paixão e morte; assisti-me com vossa graça para que jamais torne a ofender-vos. Devo temer, com razão, que, em caso de cometer novo pecado mortal, me abandonareis. Senhor, ponde diante de meus olhos esse temor justo sempre que o demônio me provocar a ofender-vos. Amo-vos, meu Deus, e não quero perder-vos. Ajudai-me com vossa divina graça. Auxiliai-me também, Virgem Santíssima; fazei que sempre me valha de vós nas minhas tentações, a fim de que nunca mais perca o meu Deus. Ó Maria, vós sois a minha esperança.


PONTO II
Aquele que entrar uma vez no inferno jamais sairá de lá. A este pensamento o rei David exclamava trêmulo: “Não me trague o abismo, nem o poço feche sobre mim a sua boca” (Sl 68, 16). Apenas um réprobo cai naquele poço de tormentos, fecha-se sobre ele a entrada para nunca mais se abrir. No inferno só há porta para entrar e não para sair, disse Eusébio Emeseno; e explicando as palavras do salmista escreve: “O poço não fecha a sua boca, porque se fechará a abertura em cima e se abrirá em baixo para devorar os réprobos”. Enquanto vivo, o pecador pode ter alguma esperança, mas, se a morte o surpreender em pecado, perderá toda a esperança (Prov 11, 7). Se os condenados pudessem ao menos embalar-se em alguma enganosa ilusão que aliviasse o seu desespero horrível!... O pobre enfermo, ferido e prostrado em seu leito, desenganado dos médicos, talvez se iluda a respeito de seu estado, pensando que encontre algum médico ou remédio novo que o possa curar. O infeliz delinqüente, condenado à prisão perpétua, também procura alívio em seu pesar na esperança remota de evadir-se e desta maneira obter a liberdade... Conseguisse sequer o condenado iludir-se assim, pensando que algum dia poderia sair da sua prisão!... Mas não; no inferno não há esperança, nem certa nem provável; não há até um “quem sabe?” consolador (Sl 49, 21). O desgraçado réprobo verá sempre diante de si a sentença que o obriga a gemer perpetuamente nesse cárcere de sofrimentos. “Uns para a vida eterna, e outros para o opróbrio que terão sempre diante dos olhos” (Dan 12, 2). O réprobo não sofre somente a pena de cada instante, mas a cada instante a pena da eternidade. “O que agora sofro, dirá, hei de sofrê-lo sempre”. “Gemem os condenados, diz Tertuliano, sob o peso da eternidade”.
Dirijamos, pois, ao Senhor a súplica que lhe fazia Santo Agostinho: “Queimai, cortai e não nos poupeis aqui, para que sejamos perdoados na eternidade”. Os castigos da vida presente são transitórios: “As tuas setas passam. A voz do teu trovão rolou” (Sl 76, 19). Mas os castigos da outra vida nunca têm fim. Temamo-los, pois. Temamos a voz do trovão com que o Supremo Juiz pronunciará, no dia do juízo, sua sentença contra os réprobos. “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno”. Diz a Escritura “in rota”, porque é a roda é o símbolo da eternidade, que não tem fim. Grande é o castigo do inferno, porém o que mais nos deve assustar é ser irrevogável (Ez 21, 5).
Dirá, porém, o incrédulo: Onde está a justiça de Deus ao castigar com pena eterna um pecado que dura um instante?... E como, responderemos, como se atreve o pecador, por um prazer momentâneo, a ofender um Deus de majestade infinita? “Até a justiça humana, disse São Tomás, mede a pena não pela duração, mas pela qualidade do crime. Não é porque o homicídio se cometa em um momento que se há de castigar também com pena momentânea”. Para o pecado mortal, um inferno é pouco. A ofensa feita à majestade infinita deve merecer castigo infinito, diz São Bernardino de Sena. Mas como a criatura, escreve o Doutor Angélico, não é capaz da pena infinita em intensidade, é com justiça que Deus torna a pena infinita em duração.
Além disso, a pena deve ser necessariamente eterna, porque o réprobo jamais poderá prestar satisfação por sua culpa. Nesta vida, o pecador penitente pode satisfazer pela aplicação dos merecimentos de Jesus Cristo; mas o condenado não participa desses méritos, e, portanto, não podendo por si satisfazer a Deus, sendo eterno o pecado, eterno também deve ser o castigo (sl 48, 8-9). “Ali a culpa – disse Belluacense - poderá ser castigada, mas jamais expiada” (Lib 2,3 p.), porque, segundo Santo Agostinho, “ali o pecador é incapaz de arrependimento”. O Senhor, portanto, estará sempre irado contra ele (Mal 1,4). E ainda que Deus quisesse perdoar ao réprobo, este não aceitaria a reconciliação, porque sua vontade obstinada e rebelde está confirmada no ódio contra Deus. Disse Inocêncio III: “Os condenados não se humilharão; pelo contrário, crescerá neles a perseverança do ódio”. São Jerônimo afirma que “nos réprobos, o desejo de pecar é insaciável” (Prov 27, 20). A ferida de tais desgraçados é incurável; porque eles mesmos recusam a cura (Jer 15, 18).


AFETOS E SÚPLICAS
Se atualmente estivesse condenado, como tantas vezes mereci, encontrar-me-ia obstinado no ódio contra vós, meu Redentor e meu Deus, que destes a vida por mim. Ó Senhor, quão terrível seria o inferno em que deveria aborrecer-vos, a vós que tanto me tendes amado, que sois beleza e infinita bondade, digna de infinito amor! Se estivesse no inferno, ver-me-ia em estado tão triste, que nem quisera o perdão que agora me ofereceis!... Agradeço-vos, meu Jesus, a clemência que comigo tivestes. Já que ainda me é permitido amar-vos e esperar perdão, desejo reconciliar-me convosco e quero amar-vos... Ofereceis-me o perdão, e eu vo-lo peço e espero alcançá-lo pelos vossos merecimentos infinitos. Arrependo-me, Suma Bondade, de todas as ofensas que vos fiz. Perdoai-me, Senhor... Que mal me fizestes para que vos houvesse de aborrecer para sempre como meu inimigo?... Qual o amigo que haja feito e sofrido por mim o que vós, meu Jesus, fizestes e sofrestes?... Não consintais que incorra em vosso desagrado e perca o vosso amor. Antes morrer mil vezes do que cair em tal desgraça!... Ó Maria, abrigai-me com o vosso manto, e não permitais que saia de baixo dele para rebelar-me contra Deus e contra vós!


PONTO III
No inferno, o que mais se deseja é a morte. “Buscarão os homens a morte e não a encontrarão” (Apoc 9, 6). Por isso, exclama São Jerônimo: “Ó morte, quão agradável serias àqueles para quem fostes tão amarga”! Disse David que a morte se apascentará com os réprobos (Sl 48, 15). E explica-o São Bernardo, acrescentando que, assim como, ao pastar, os rebanhos comem apenas as pontas das ervas e deixam a raiz, assim a morte devora os condenados, mata-os a cada instante e conserva-lhes a vida para continuar a atormentá-los com castigo eterno. De sorte que, diz São Gregório, o réprobo morre continuamente sem morrer nunca. Quando um homem sucumbe de dor, todos têm compaixão dele. Mas o condenado não terá quem dele se compadeça. Estará sempre a morrer de angústia e não encontrará comiseração... O imperador Zenão, sepultado vivo numa masmorra, gritava e pedia que, por piedade, o retirassem dali, mas não o atenderam e, depois, o encontraram morto. As mordeduras que a si mesmo havia feito nos braços, patenteavam o horrível desespero que sentira... Os condenados, exclama São Cirilo de Alexandria, gritam no cárcere infernal, mas ninguém acode a libertá-los, ninguém deles se compadecerá jamais.
E quanto tempo durará tão triste estado?... Sempre, sempre. Lê-se nos Exercícios Espirituais do Pe. Ségneri, publicados por Muratori, que, em Roma, se interrogou a um demônio (na pessoa de um possesso), quanto tempo devia ficar no inferno... Respondeu com raiva e desespero: Sempre! Sempre!... Foi tal o terror que se apoderou dos circunstantes, que muitos jovens do Seminário Romano, ali presentes, fizeram confissão geral, e sinceramente mudaram de vida, consternados por esse breve sermão de duas palavras apenas...
Infeliz Judas!... Há mais de mil e novecentos anos que já está no inferno e, não obstante, se diria que seu castigo apenas vai em princípio!... Desgraçado de Caim!... Há cerca de seis mil anos que sofre o suplício infernal e pode-se dizer que ainda se acha no princípio de sua pena! Um demônio a quem perguntaram quanto tempo estava no inferno, respondeu: Desde ontem. E como se replicou que isso não era possível, porque sua condenação já transcorrera há mais de cinco mil anos, exclamou: “Se soubésseis o que é a eternidade, compreenderíeis que, em comparação com ela, cinqüenta séculos nem sequer chegam a ser um instante”.
Se um anjo fosse dizer a um réprobo: “Sairás do inferno quando se tiverem passados tantos séculos quantas gotas houver de água na terra, folhas nas árvores e areia no mar”, o réprobo se regozijaria tanto como um mendigo que recebesse a nova de que ia ser rei. Com efeito, passarão todos esses bilhões de séculos e outros inumeráveis a seguir, e contudo o tempo de duração do inferno estará sempre no seu começo... Os réprobos desejariam propor a Deus que lhes aumentasse quanto quisesse a intensidade das penas e as prolongasse tanto quanto fosse. Esse fim e essa limitação, entretanto, não existem nem existirão. A voz da divina justiça só repete no inferno as palavras “sempre”, “nunca”!
Os demônios, por escárnio, perguntarão aos réprobos: “Vai adiantada a noite?” (Is 21, 11). Quando amanhecerá? Quando acabarão essas vozes, esses prantos, essa infecção, esses tormentos e essas chamas? E os infelizes responderão: Nunca! Nunca!... Mas quanto tempo hão de durar?... Sempre! Sempre!... Ah, Senhor! Iluminai a tantos cegos que, sendo advertidos para tratarem de sua salvação, respondem: “Deixai-nos. Se formos para o inferno, que havemos de fazer?... Paciência!” Meu Deus! Não têm paciência para suportar, às vezes, os incômodos do calor e do frio, nem para sofrer uma leve ofensa, e hão de ter paciência, depois, para serem mergulhados num mar de fogo, suportar tormentos diabólicos e o abandono absoluto de Deus e de todos, durante toda a eternidade?


AFETOS E SÚPLICAS
Pai das misericórdias! Nunca abandonais a quem vos procura. Se na vida tantas vezes me apartei de vós sem que me abandonasse, não me desprezeis agora que vos procuro. Pesa-me, Sumo Bem, de ter feito tão pouco caso de vossa graça, trocando-a por coisas de somenos valor. Contemplai as chagas de vosso Filho, ouvi sua voz que clama perdão para mim. Perdoai-me, pois, Senhor... E vós, meu Redentor, recordai-me sempre os sofrimentos que por mim passastes, o amor que me tendes e a minha ingratidão, que tantas vezes me fez merecer a condenação eterna, a fim de que chore minhas culpas e viva ardendo em vosso amor... Ah, meu Jesus! Como não hei de abrasar-me em vosso amor ao pensar que há muitos anos já devia estar queimando nas chamas infernais durante toda a eternidade, e que vós morrestes para me livrar das mesmas e efetivamente me livrastes com tão grande misericórdia? Se estivesse no inferno, vos aborreceria eternamente. Mas agora vos amo e desejo amar-vos sempre. Espero, pelos merecimentos do vosso precioso sangue, que assim mo concedereis... Vós, Senhor, me amais e eu vos amo também: amar-me-eis sempre, se de vós não me apartar. Livrai-me, meu Salvador, da grande desdita de separar-me de vós e fazei o que vos aprouver... Mereço todos os castigos, e os aceito voluntariamente, contanto que não me priveis do vosso amor... Ó Maria Santíssima, amparo e refúgio meu, quantas vezes me condenei por mim próprio ao inferno e dele me tendes livrado!... Livrai-me, no futuro, de todo pecado, causa única que me pode privar da graça de Deus e lançar-me ao inferno.





Casos para se meditar sobre o inferno




1. Extraídos do livro “Tesouro de Exemplos”, do padre Francisco Alves, C.SS.R., (editora Vozes, 1958) –


Morto e condenado



“O conde Orloff e um general russo, ambos incrédulos, juraram por zombaria que o primeiro deles que morresse apareceria ao outro, para comunicar-lhe se há inferno.
Poucos meses mais tarde, teve o general de seguir para a guerra, pois as tropas do imperador francês Napoleão haviam invadido a Rússia.
Eis que um dia, ao amanhecer, estando o conde Orloff em seu leito, mas bem acordado, abrem-se de par em par as cortinas do aposento e aparece o general, em pé, com o rosto muito pálido e as mãos sobre o peito.
Espantou-se não pouco o conde; maior, porém, foi o seu espanto, quando ouviu estas palavras:
“Existe o inferno e eu estou nele!” – E a visão desapareceu.
Poucos dias depois recebia o conde uma carta em que se lhe comunicava a morte do general. Precisamente no dia e hora, em que aparecera ao conde, recebera uma bala no peito e falecera.
O inferno existe. É uma verdade de fé. Foi Deus que o revelou”.
(pág. 188).



Destino de uma alma


“Um comerciante que se enriquecera muito cometendo toda a sorte de fraudes, à hora da morte chamou um tabelião e ordenou-lhe que ao seu testamento acrescentasse o seguinte:
“Quero que, depois de morto, o meu corpo seja devolvido à terra de onde saiu, e minha alma ao demônio ao qual pertence”.
As pessoas presentes ficaram aterrorizadas, e esforçaram-se por dissuadi-lo; mas ele insistiu com energia, dizendo: “Não me retrato. Quero que minha alma seja entregue ao demônio, junto com a de minha esposa e de meus filhos. A minha, porque me enriqueci a custa de furtos e fraudes; a de minha esposa, porque ela me induziu a tais pecados com seu luxo desmedido; as de meus filhos, porque, levado pelo amor que lhes tenho, nunca me decidi a restituir o que não é meu”.
Ditas essas palavras, expirou o infeliz sem poder reparar o mal que fizera”.
(pág. 223).