quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

TRATADO DA VERDADEIRA DEVOÇÃO FEZ 3 SÉCULOS

No decorrer deste ano o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem completou 3 séculos em que foi escrito.  Foram dirigidas petições ao Vaticano para que este ano fosse proclamado como Ano de Maria por causa destas comemorações, mas não houve tempo para que a Igreja aprovasse tal medida. Vejamos o que diz o padre F. W. Faber no prefácio que fez para uma das edições desta obra:

“Poucos homens, no século XVIII, trazem em si mais fortemente gravados os sinais do homem da Providência, do que esse novo Elias, missionário do Espírito Santo e de Maria Santíssima. Toda a sua vida foi uma tal manifestação da santa loucura da cruz, que os seus biógrafos são concordes em classificá-lo como São Simeão Salus e São Felipe Neri. Clemente XI fê-lo missionário apostólico em França, para que ele empregasse a vida em combater o jansenismo, tão cheio de perigo para a salvação das almas. Será difícil achar, depois das epístolas dos apóstolos, palavras tão ardentes como as doze páginas da sua “Prece” pelos missionários de sua Companhia. Recomendo-a a todos os que encontram dificuldade em conservar, no meio de numerosas provações, o fogo primitivo do amor pela salvação das almas.

Grignion de Montfort era ao mesmo tempo perseguido e venerado em toda parte.  A soma de seus trabalhos é, como a de Santo Antonio de Pádua, verdadeiramente incrível e inexplicável. Escreveu alguns trabalhos espirituais, que embora conhecidos há pouco tempo, já têm exercido influência notável na Igreja, e estão chamados a influência muito maior no futuro. Suas prédicas, seus escritos, sua conversação eram impregnados de profecias e de visões antecipadas das últimas eras da Igreja.

Novo São Vicente Ferrer, adianta-se, como se estivesse nos dias precursores do juízo final, e proclama-se portador, da parte de Deus, de uma mensagem autêntica: mais honra, conhecimento mais vasto, amor mais ardente a Maria Santíssima, e anuncia a união íntima que Ela terá com o segundo advento de seu Filho.

Fundou duas Congregações religiosas, uma de homens, outra se mulheres, ambas muito prósperas. E, entretanto, morreu com 43 anos, em 1716, tendo apenas dezesseis anos de sacerdócio.

A 12 de maio de 1853, foi promulgado, em Roma, o decreto que declara os seus escritos isentos de todo erro que pudesse servir de obstáculo à sua canonização. Neste trabalho sobre a verdadeira devoção à Santíssima Virgem, escreveu ele estas palavras proféticas: “Vejo claramente no futuro animais frementes que se precipitam com furor para estraçalhar com os dentes diabólicos este pequeno escrito e aquele de quem se serviu o Espírito Santo para escrevê-lo; ou para sepultá-lo, ao menos, no silêncio de um armário, a fim de que não seja a luz”.

Apesar disso, prediz, ao mesmo tempo, a aparição e o sucesso do livro. Cumpriu-se tudo à risca. O autor morreu em 1716, e só em 1832 foi descoberto, como por acaso, este tratado por um dos sacerdotes de sua Congregação, em Saint-Laurent-sur-Sèvre. O superior de então pôde atestar que o manuscrito era do venerável fundador e o autógrafo foi enviado a Roma, a fim de ser examinado no processo de canonização.[1]

Com certeza, os que vão ler este livro já amam a Deus e desejariam amá-lo ainda mais; todos desejam alguma coisa para a sua glória: a propagação de uma boa obra, a vinda de melhores tempos, o sucesso de uma devoção; um empregou durante anos todos os esforços para vencer um defeito particular e não o conseguiu; outro tem pedido com lágrimas a conversão de seus pais e amigos, e está admirado de que, apesar de suas lágrimas, tão poucos dentre eles se tenham convertido à fé; este se entristece por não ter bastante devoção; e aquele se aflige por ter que carregar uma cruz que lhe parece muito pesada para a sua fraqueza, enquanto outro encontra no seio da família perturbações e infelicidades domésticas que lhe parecem incompatíveis com a obra de sua salvação; e para todas essas tristezas a oração parece trazer tão pouco alívio! Qual é, pois, o remédio que lhes falta? Qual o remédio indicado pelo próprio Deus? É, segundo as revelações dos santos, uma dilatação imensa da devoção à Santíssima Virgem; mas, reflitamos bem, o imenso não admite restrições nem limites.

Aqui, na Inglaterra, Nossa Senhora não é bastante pregada e conhecida. A devoção que lhe consagram é fraca, escassa, mesquinha, transviada pelos escárnios da heresia. Dominada pelo respeito humano e pela prudência carnal, desejaria fazer da verdadeira Maria uma Maria tão pequena que os protestantes se pudessem sentir á vontade junto d’Ela. Sua ignorância da teologia tira a Maria toda a vida e dignidade; ela não é, como deve ser, o caráter saliente de nossa religião; não tem fé em si mesma. E é por esta razão que Jesus não é amado, que os hereges não são convertidos, que a Igreja não é exaltada; almas que poderiam ser santas, desfalecem  e degeneram; os sacramentos não são frequentados como o deveriam ser;. As almas não são evangelizadas com o entusiasmo do zelo apostólico; Jesus não é conhecido, porque Maria é deixada no esquecimento; perecem milhares de almas, porque Maria delas está distante. É esta sombra indigna e miserável, à qual ousamos dar o nome de devoção à Santíssima Virgem, que é a causa de todas estas misérias, de todos estes males, de todas estas omissões, de toda esta tibieza. Entretanto, segundo as revelações dos santos, quer Deus “expressamente” uma devoção mais vasta, mais extensa, mais sólida, uma devoção muito diferente da atual, para com sua Mãe Santíssima. Sou de opinião que  não há obra mais excelente, mais eficaz para se conseguir este fim, do que a simples propagação desta devoção particular do venerável Grignion de Montfort.

Basta apenas que uma pessoa experimente para si esta devoção; em breve, a surpresa que lhe causarão as graças que ela traz consigo, assim como as transformações que produzirá em sua alma, convencê-la-ão de sua eficácia, quase incrível aliás, como meio para conseguir a salvação das almas e a vinda do reino de Jesus Cristo! Oh! Se Maria fosse ao menos conhecida,  não haveria frieza para Jesus! Oh! Se Maria fosse ao menos conhecida, quão mais admirável seria nossa fé, como seriam diferentes as nossas comunhões!Oh! Se Maria fosse ao menos conhecida, quanto mais felizes, mais santos, menos mundanos seríamos, como nos tornaríamos imagens vivas de Nosso Senhor e Salvador, seu diletíssimo e diviníssimo Filho!

 
Eu mesmo traduzi o tratado todo, o que me deu muito trabalho; e fui escrupulosamente fiel. Tomo ao mesmo tempo a liberdade de avisar o leitor de que com uma só leitura do livro não o poderá compreender a fundo. Acha-se neste livro, se assim ouso dizer, o sentimento de um não se quê de inspirado e sobrenatural, que vai sempre em aumento, à medida que nos aprofundamos em seu estudo. Além disto, não se pode deixar de experimentar, depois de lê-lo repetidas vezes, que nele a novidade parece nunca envelhecer, a plenitude nunca diminuir, o fresco perfume e o fogo sensível da unção nunca se dissipar ou enfraquecer.

Digne-se o Espírito Santo, o divino Zelador de Jesus e de Maria, conceder uma nova bênção a esta obra na Inglaterra; queira ele consolar-nos dentro em breve com a canonização desse novo apóstolo e ardente missionário de sua Esposa diletíssima e imaculada, e mais ainda pelo pronto despontar dessa gloriosa era da Igreja que dever a gloriosa era de Maria”.

 

F. W. Faber [2]

(Sacerdote do Oratório. No dia da apresentação de Nossa Senhora. 1862).[3]




 
[1] São Luís de Maria Grignion de Montfort foi canonizado em 27 de julho de 1947, por Pio XII.
[2] Famoso teólogo, convertido do anglicanismo para o Catolicismo e entrou na Congregação Oratório, de São Felipe Neri, viveu grande parte do século XIX, falecido no ano de 1863.
[3] O texto acima foi extraído do “Prefácio”  da edição brasileira do “Tratado”, Editora Vozes, págs. 9/16.

sábado, 22 de dezembro de 2012

O verdadeiro espírito do Natal

Fala-se muito em “espírito do Natal”.




 
De modo geral essa expressão tem um lugar-comum: representa um modo de ser bondoso e tolerante com tudo, de modo que o convívio humano fique o mais amaciado e pacífico possível. Quando chega essa época, se alguém se mostra um tanto raivoso ou intolerante, ou mesmo demonstra insatisfação de alguma coisa com cara feia, vem logo alguém que lhe diz: “e cadê o espírito de Natal?” Vamos analisar um pouco no que consiste o verdadeiro espírito natalino. Alguns até o desvirtuam completamente com mensagens como esta:



Para se chegar ao espírito natalino é necessário analisar a mensagem que o Natal nos traz e o que representa para nós Aquele que festejamos nessa data.



Comecemos pelo segundo tópico. O que representa Jesus Cristo para nós? Portanto, que representa Seu nascimento?
Não pretendo analisar aqui a pessoa de Cristo como Deus, portanto, com caráter sobrenatural e dependendo, para quem analisa, ter Fé cristã para aquilatar o Seu valor real para todos nós, que transcente a vida terrena e nos leva à Eternidade. Vamos ver, de algum modo, o que Ele representa no plano meramente natural e humano, embora se possa ser obrigado a mesclar isso com o aspecto sobrenatural também. De tal sorte o nascimento de Cristo foi importante para a humanidade, que dividiu a História em duas partes: o tempo é contado entre Antes e Depois de Cristo, como se sabe. Apesar de contrariar uma quantidade enorme de historiadores ateus ou agnósticos, esta divisão permaneceu e ninguém consegue aboli-la. Depois disso, qual fundador de uma religião morreu ao criá-la e com sua morte lhe deu mais força ainda? E qual ressuscitou depois? Que religião existe no mundo em que seu fundador tem sua data de nascimento comemorada de tal forma como o fazemos no Natal? O fundador do budismo quase ninguém nem sequer sabe em que data nasceu; o do islamismo sabe, é verdade, mas sua comemoração é pífia e não tem tão grande valor como a do nosso Natal. O mesmo diga-se de todas as outras religiões. Se os judeus consideram São Moisés como fundador da religião deles, mesmo sendo ele um grande santo e profeta que precedeu a Jesus Cristo, não se sabe sequer a data de seu nascimento ou de sua morte, pois os dados da Sagrada Escritura são omissos.


Do ponto de vista natural, pois, o nascimento de Cristo não tem igual entre os homens, fazendo, inclusive com que o Natal seja também comemorado (embora com certo sentido comercial) até em países pagãos como China e Japão.



De outro lado, Cristo deixou Seu representante na terra, que é o Santo Padre, o Papa, cuja importância é tal que não há figura mais respeitável no mundo. Para ilustrar isso, basta dizer que o Papa é mais visitado do que qualquer dirigente político ou religioso. Nem sequer o presidente americano, a nação mais rica e importante da terra, recebe mais visitas do que o Papa. Além disso, suas palavras são pesadas e medidas por todos os habitantes do planeta, quer sejam católicos ou não, tendo um grande peso na condução dos problemas da humanidade. Se não é seguido de imediato é porque o orgulho dos governantes não os permite vê a importância dos ensinamentos da Igreja. Sua importância capital não se refere ao mando político e nem as decisões legais dos povos, mas no que diz respeito aos ensinamentos, á doutrina, etc. Quando chega o Natal, todos voltam seus olhos para o Vaticano e aguardam que tipo de pronunciamento vem de lá, cujas cerimônias natalinas são apreciadas por maior parte dos países. Não há nada no mundo que atraia tanta importância como a inauguração da árvore de Natal do Vaticano e as cerimônias natalinas que lá se realizam. Se os povos dão importância a tudo isso é porque sentem que trata-se do Representante de Cristo que vai falar e sob o qual vão ocorrer os rituais e festas. É Cristo que é o centro de tudo.

A mensagem Natalina


Visto isso, veremos agora o que representa a mensagem do Natal. Embora as pessoas, de modo geral, falem dessa mensagem como sendo “mensagem de paz”, quase ninguém penetra a fundo no que consiste a paz pregada nela. Os Santos Anjos anunciaram com suas trombetas no primeiro Natal da História: “paz na terra aos homens de boa vontade”, e isto se deu logo após o “glória a Deus no mais alto dos céus”.


Enquanto estamos na terra, todos nós precisamos daquela paz anunciada naquele grandioso dia. Lembremo-nos, porém, de que esta paz é exclusiva aos homens de boa vontade. Por que a paz é exclusivamente dada aos “homens de boa vontade?” Por que os homens de má vontade não a possuirão? Porque estes são aqueles, que, estando contra a vontade divina, estão em estado de revolta contra Deus. São aqueles chamados também de ímpios e, segundo o Profeta Isaías, “não há paz para os ímpios”. O que quer dizer “homens de boa vontade”? Quer dizer aqueles homens cujas vontades estejam em completa consonância com a vontade de Deus, aqueles que digam “seja feita a vossa vontade” não só na hora de rezar o Pai-Nosso, mas em todos os atos de sua vida presente, fazendo com que a vontade de Deus seja feita “aqui na terra como no céu”.


Ó homens de boa vontade! Contemplai o Menino Jesus, nascido abandonado num mísero presépio, e fazei-O nascer também em vosso coração! Bem sabeis que vosso coração é tão pobre ou mais do que aquela gruta; tão sujo ou mais do que aquela manjedoura; tão árido e esquecido quanto aquele ermo onde a Sagrada Família procurou abrigo. Mas ao introduzir nele o Menino Jesus o tornai o lugar mais rico, mais asseado e limpo, mais concorrido do mundo. E assim estareis realizando o terceiro advento de Jesus Cristo: o primeiro deu-se naquele primeiro Natal; o segundo dar-se-á no fim do mundo; e o terceiro estará ocorrendo enquanto viveres e acolhê-Lo em teu interior.
E como acolher Jesus Cristo em teu interior? Olhai bem e pensai: é necessário antes de tudo fazer a vontade d’Ele aqui na terra, da mesma forma como os Santos Anjos a fazem no céu, para que possamos estar possuídos de uma boa vontade e obtenhamos a Sua Paz. Fazendo-O nosso Hóspede, acolhendo-O em nosso coração, transformamos nosso interior em sua morada.
Como poderá o cristão fazer uma morada para Deus em seu interior? Fazendo com que nele reine a vontade de Deus. Lembrem-se disso: toda vez que acolhemos bem em nossa casa um parente, um amigo ou simplesmente um visitante, dando-lhe toda a atenção, todo o conforto de que carece, fazemos de nossa casa a sua morada. Assim também, toda vez que recebemos com afeto nosso irmão, mesmo que ele seja defeituoso, seja incômodo ou chato, ou até mesmo mal cheiroso, não está sendo ele nosso irmão apenas pelo sangue ou pela fé, mas muitas vezes porque tem os mesmos defeitos que nós também carregamos. E, neste caso, a sua morada não será apenas a nossa casa, com tudo o que possamos lhe oferecer de conforto, mas o nosso próprio coração, também com tudo o que podemos oferecer de bom para ele. Podemos ir mais longe: toda vez que perdoamos as ofensas que nos são dirigidas, mesmo que os ofensores não se humilhem e nos peçam perdão, estamos fazendo o papel de Deus que a tudo é capaz de perdoar por nosso amor. Esta atitude, refletindo o desejo de Deus para o bom convívio dos cristãos, revela o império de sua vontade em nós.
Agindo assim, irmãos, fazemos também o papel de anjos que são os mensageiros e intercessores de Deus perante os homens. Por que? Porque os Santos Anjos não são donos dos dons que vêm de Deus para nós e nem daqueles que levam até Deus provenientes de nossas boas obras. Mas mesmo assim eles levam e trazem tais dons sem desfrutá-los. Da mesma forma, quando agimos com paciência suportando e perdoando os defeitos dos semelhantes; quando levamos conforto ou consolo a um necessitado; quando procuramos espelhar em nossas almas as boas virtudes para que os outros as copiem – não é o nosso perdão que levamos ao nosso semelhante, nem é nossa a fortaleza que lhe damos ao consolá-lo e confortá-lo, nem tampouco são nossas aquelas virtudes que espelhamos como exemplo de vida, mas tudo provém de Deus em benefício dos homens. Assim como os Santos Anjos, somos apenas intercessores daqueles dons.
Eis aqui uma receita para sermos bons cristãos: exercitar a nossa boa vontade, unindo-a à de Deus, consolando, confortando, perdoando, suportando incômodos e defeitos, pois foi assim que Jesus Cristo fez ao Se submeter à vontade do Pai celeste desde o nascimento até àquela morte tão cruel. Sempre trazendo esperança aos homens, sempre confortando, consolando, perdoando, mesmo às custas de tanto sofrimento. Somente vivendo assim, agindo assim, teremos aquela paz cantada pelos Santos Anjos no nascimento de Jesus, que é fruto da glória de Deus, mas é também ela mesma parte daquela glória.

A morada de Deus dentro de nós é construída principalmente pela Sua vontade: comecemos a cumpri-La neste Natal, pedindo ao Menino Jesus que tome conta de nosso coração!


Igreja Católica - A maior obra caritativa do planeta!


segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

A mentalidade que prepara massacres como o da escola Sandy Hook







O ex-governador do Arkansas, Mike Huckabee, declarou que a causa do masscre na escola de Newtown é o fato do Estado haver sistematicamente removido Deus das escolas públicas. As opiniões divergem, mas a maioria dos órgãos da mídia aponta como causa a fácil proliferação de armas naquele país. O que, também, não é verdade.

Mike Huckabbe erra porque Deus não foi removido somente das escolas, mas de toda a sociedade. A começar pelas próprias famílias, onde Deus foi banido da grande maioria dos lares.

Vejamos um pequeno exemplo dessa ausência de Deus: o presidente americano, em discurso, diz que a primeira coisa a fazer quando chegar em casa será... abraçar os filhos, quando todos esperavam que ele dissesse: rezar com os filhos. Se é ateu e não reza deveria pelo menos pedir aos cristãos que rezassem pelas vítimas. Deu, portanto, mau exemplo, pois muitos de seus concidadãos estavam naquele instante rezando.
 
Mas, finalmente, que mentalidade é essa que produz tais monstros, capazes de matar tantos inocentes e, depois, suicidar-se? Monstro é o termo usado pela mídia, e não surpreende que o seja. Mas, dizem, trata-se de um monstro cujo comportamento era padrão, tratando-se (o criminoso) de um rapaz calmo, estudioso e “bem comportado”. Que mentalidade foi gerada nesse rapaz, tão jovem e “pacato”, para, de repente, explodir em ódio catastrófico?

Aliás, não é o primeiro caso. Vários outros massacres foram produzidos por jovens, em geral “bem educados” e de cuja vida não pode se dizer que sofriam carências materiais. Todos eram de classe média e boa situação financeira. Pussíam em sua casa de todos os recursos modernos para uma vida feliz, televisão, computadores, celulares de última geração e, sobretudo, armas modernas, caras e eficientes para matar. Uns usavam luvas, outros câmaras de flmar, e a maioria, calmamente, sabia mais apertar o gatilho certeiro do que folhear, por exemplo, um livro qualquer sobre moral ou religião.

Vamos analisar essas mentalidades. Em primeira lugar, é óbvio, são pessoas sem Deus e sem religião. Em seu interior tais jovens alimentaram durante anos uma vida inteiramente virtual, cheia de ídolos, de fantasias e de futilidades, vida essa que a educação pela imagem faz brotar e crescer nas pessoas de hoje. Sem manifestar publicamente em seu dia a dia, alimentam ódios pelo mundo real e exterior, o qual representa tudo o que se opõe ao seu mundo virtual e interior. A par disso tais jovens geralmente posuíam tudo o que desejavam possuir, seus pais lhes deram boas escolas, roupas caras, boa habitação para morar, mas, especialmente isso, nunca lhes causaram dissabores, nunca disseram “não” a seus caprichos. Alguns pais até achavam bonito e riam quando o filho, desde pequeno, fazia malcriações ou diziam palavrões, chutavam outras crianças, etc. É certo que a maioria não era violenta, pareciam pacatos dentro de casa e no convívio com os colegas. Mas, era como um vulcão que parecia morto e que de repente explode. E nem seus pais, nem seus professores, nem seus amigos e vizinhos viam que ali ardia uma fornalha de ódio.

Por que não sabiam? Porque vivendo sem religião não aprenderam a prescrutar o interior, a alma dos filhos, alunos e amigos. Num mundo virtual e superficial, as pessoas de hoje não conseguem ver o que há no interior da alma de cada um. Acostumados a ver tudo cor de rosa, a ver o mundo como uma maravilha destinada ao gozo dos prazeres, não sabem distinguir onde está a maldade. Especialmente, não percebem onde entra a ação preternatural, do demônio e seus asseclas, e muito menos a ação dos Anjos bons.

Agora, para encobrir mais ainda a realidade interior de que falamos, a mídia começa a dar como causa do massacre a proliferação de armas entre os americanos. Sim, não se pode negar que esta pode ser uma das causas, mas não a única nem a principal. A principal causa é a falta de religiosidade e de princípios morais que campeia em nossa sociedade, e não somente entre tais jovens assassinos, mas entre seus familiares e conterrâneos.

Falou-se acima em “monstros”. Outros criminosos são assim denominados “monstros” pela nossa sociedade. Por exemplo, aqueles que cometem o abominável crime de pedofilia. A alcunha de “monstro” procura esconder onde essa monstruosidade foi gerada. Dentre os pedófilos, por exemplo, a principal causa é a pornografia desenfreada que grassa em nossa sociedade. No dia em que se fechar para sempre a edição de revistas pornográficas e de mulheres nuas, os moteis e os ambientes de perdição sexual, talvez tais crimes sejam menos frequentes, pois as causas, aquilo que vem gerando estas monstuosas taras terão desaparecido.

Do mesmo modo, a causa da monstruosidade praticada em tais massacres não pode estar nas armas, nem em outros instrumentos usados pelos criminosos, mas na vida atéia e sem Deus que se leva, sem levar em consideração que somos assediados cotidianamente por anjos, tanto do mau quanto do bem, com vantagens para os primeiros por causa de vida material e puramente agnóstica.

Na década de 60 houve um outro massacre que estarreceu os Estados Unidos: a chacina comandada por Charles Manson numa rica mansão, onde foi morta, mesmo grávida, a atriz Sharon Tate. O assassino confesso, hoje em prisão perpétua, parecia um pacato cidadão, mas foi capaz de efetuar um monstruoso crime juntamente com alguns amigos. Na época não havia ainda a prática de suicídio do criminoso após tais crimes, mas foi ela a primeira a inspirar outros casos.

Que esta chacina de Newtown não sirva de exemplo para outras que os espíritos malignos esperam vir futuramente, com semelhantes traços de frieza, maldade, crueldade e desesperança. É o que tais casos procura incutir nas pessoas: desesperança; ao contrário do que ensina nossa Fé Católica, onde a Esperança é uma das principais virtudes que nos leva a caminhar em busca da vida eterna.
 
 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Peregrinação a Nossa Senhora da Conceição do "Carvalho"


(Onde foram sepultadas as vítimas de Canudos?)

A frase de Euclides da Cunha em sua obra “Os Sertões” continua tão atual quanto na época da guerra de Canudos. Ele afirmou: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. E quem é forte, o é porque possui a virtude da Fortaleza.

Forte é aquele povo porque resistiu bravamente aos assédios da Revolução, seja na vida cotidiana, seja nos lances trágicos da sangrenta guerra. E demonstrou grande fortaleza quando não dobrou nem sequer um joelho aos desígnios e imposições que os maus queriam lhes impor. Destroçados, esmagados por uma força descomunal, de que era dotado o poder então governante, nem por isso se entregaram mesmo com a ameaça de serem desumanamente aniquilados, como o foram: no final, jaziam junto aos escombros das construções em ruínas mais de 20 mil católicos (há quem calcule em 30 mil o total de habitantes de Canudos), martirizados em prol da Fé. Dizem que nem na capital, Salvador, havia tamanha população. Não há sepultos para eles, nem cemitérios, nem qualquer homenagem ou reverência que normalmente deve ser dada a todo cristão. Seus corpos foram consumidos junto com as ruínas e não deixaram qualquer vestígio de suas existências. Apesar de Antonio Conselheiro ter sido famoso pelo fato de construir cemitérios e igrejas, para ele e seus heróis não foi permitido desfrutar deles no momento da morte.

Quando o conflito acabou, os corifeus da Revolução determinaram que não ficassem sequer sinais da existência daquele povo. E assim mandaram que fossem sumariamente degolados todos os prisioneiros de guerra: era necessário que não houvesse sobreviventes para contar a história. Mas a Providência dispôs de forma diferente, e não só restaram vários sobreviventes espalhados pelas matas acaatingadas da região, mas alguns homens sensatos que acompanharam a expedição do exército resolveram revelar os fatos para a posteridade. Um deles foi o médico César Zama, que acompanhou o exército por ser militar, o qual, tão logo retornou do confronto fez séria denúncia sobre a execução sumária dos prisioneiros de guerra. Tanto que por causa de sua denúncia foi perseguido e perdeu e emprego nas forças armadas. Outro que deixou registros dos fatos foi o fotógrafo que acompanhou os militares: tirou vários fotos e somente as revelou futuramente, as quais servem como denúncia grave do genocídio praticado.

Por ser forte, o povo de Canudos resolveu reconstruir a cidade. E dentro de poucos anos outra Canudos já existia ao lado da cidade velha. Não era este os planos da velha república, embora não houvesse qualquer resquício de monarquistas pela região. Aliás, nunca foi comprovado que o conflito foi para salvar a República, mas pura perseguição religiosa. Não podiam mandar destruir a nova cidade porque não havia clima propício para isso, mas determinaram que a mesma fosse submersa pela barragem do Rio Vaza Barris(1), chamada de Cocorobó. Era este o nome que pretendiam dar à nova localidade, mas por insistência da população, e para reverenciar os heróis morto na guerra, permaneceu o de Canudos. Cocorobó ou Canudos, os desígnios dos revolucionários era que nada mais restasse do local e que a cidade ficasse para sempre submersa nas águas do rio. A Providência se encarregou desta última empreitada contra os desígnios revolucionários, e as águas do rio vivem constantemente com baixo volume, mostrando a todos as ruínas que estavam submersas. De longe se vê a torre da igreja, coisa que é mais lamentada por todos que a visitam.

Hoje, Canudos não somente sobreviveu ao extermínio, mas continua na lembrança de todos os moradores da região. E o que continua mais vivo nesta população é aquela fé herdada de seus antepassados, fé intrépida e também forte, visível a todos que visitam a região.

E um exemplo primoroso desta Fé pujante fomos encontrar no lugarejo denominado de “Carvalho”. Aliás, não se pode dizer que seja um lugarejo, nem isso é, porque lá só existe uma casa e uma capelinha. Preservados pelo tempo e pela Providência, o “Carvalho” com sua capelinha festeja Nossa Senhora da Conceição há tantos anos que os moradores não sabem dizer quando se iniciou. O certo é que alguns deles contam histórias da guerra, ocorrida em 1896, cujos fatos foram narrados pelos sobreviventes aos avós, ou dentre estes mesmos avós contam-se alguns que participaram de tais feitos. Como em diversos outros lugares, a tradição manda que o primeiro monumento do lugar é uma cruz, e a mesma está lá para demonstrar a Fé daquele povo.

E hoje, tantos anos após aquela era de grande fé e coragem, vemos chegar ao “Carvalho” para a festa, gente que vem de diversas partes do Brasil. Tem gente que veio de São Paulo, outra família veio de Juazeiro da Bahia, outros de Salvador, e a variedade e a distância dos lugares servem para nos demonstrar que a semente da fé plantada ali foi sólida e ainda hoje produz frutos. As cerimônias são singelas como todas as coisas do sertanejo. Consiste em receber com benemerência os visitantes, aos quais é oferecida boa comida e hospitalidade, com a animação de um conjunto folclórico de pífaros e zabumbas, instrumentos rudes e simples, mas alegres. No final da tarde todos se reúnem na capela para rezar o último dia da novena de Nossa Senhora da Conceição, após o que se realiza uma procissão, numa subida em direção a um cruzeiro que está acima de uma ladeira. É feita uma parada na principal casa do “Carvalho”, onde a população faz uma singela homenagem a Nossa Senhora, com vivas e foguetório, e em seguida se dirige a procissão para a capelinha. Lá é celebrada a Santa Missa.

A noite termina com um concorrido leilão, onde são vendidos frutos e animais, além de outros objetos, cujo objetivo é arrecadar fundos para o melhoramento da capela de Nossa Senhora. Graças a tais leilões a capelinha sofreu várias reformas e encontra-se em bom estado de conservação.

Mesmo sem provocá-los com perguntas alusivas ao tema, vários moradores se referiam à guerra de Canudos como um grande feito da população da região e uma terrível traição movida pelo governo republicano. A questão política monarquia-repúlica nunca é mencionada como principal motivo da guerra. Na realidade, está patente para todos que a questão foi religiosa. Para um deles, mais instruído, houve uma trama de grande envergadura para envolver os “conselheiristas” e, provocando a guerra, exterminar o arraial com seus moradores. Uma outra pessoa comentou que se Canudos não tivesse sofrido aquela destruição hoje seria um grande centro, talvez a sede de uma próspera civilização. Já naquela época tinha uma população igual ou superior à da capital, em torno de 30 mil habitantes. E, apesar de estar numa região pobre, todos tinham trabalho e a cidade progredia. Assim como o Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, Antonio Conselheiro procurava instruir e ensinar artes manuais aos moradores, cujo resultado era encontrar-se lá muitos artífices ou artesãos.

Mantendo viva sua Fé ao longo dos anos, os moradores de Canudos e adjacências dão provas de quanto a Providência divina ampara o povo brasileiro, mesmo em situações como estas, deixando um belo legado de heroísmo, de bravura, de martírio em prol da fé cristã.

Nota: (1) O Rio Vaza Barris é o mesmo onde foram mortos e comidos pelos índios o primeiro bispo do Brasil, Dom Pero Fernando Sardinha, juntamente com seus fiéis que escaparam de um naufrágio.

Nota (2) A imagem cuja foto estampamos acima é centenária, e acompanha os devotos desde remotos tempos, tendo presenciado muitos episódios da guerra. Foi restaurada recentemente por um especialista, o qual procurou manter nela os traços originais.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

A VIOLÊNCIA URBANA E O ESPÍRITO DE VINGANÇA



A propósito do clima de violência urbana que avança sobre  toda a terra, especialmente  sobre o Brasil, vamos tecer alguns comentários sobre a relação direta que há entre tal violência e o chamado “espírito de vingança”.
Basta dá uma olhada, mesmo superficial, para vermos que o clima de mata-mata avança inexoravelmente sobre nossa sociedade.  E a mídia (especialmente a TV) tem sido a principal estimuladora deste clima de violência.  De uma forma inescrupulosa a TV vem dando destaque exagerado às notícias sobre violência. Há uma verdadeira competição entre os canais de TV sobre qual divulga o fato mais clamoroso de cada dia. Num dia é  veiculada a cena de um criminoso assassinando outro dentro de uma prisão (como foi filmada e qual razão do vídeo haver caído nas mãos deles, nada se diz), num outro dia um canal veicula a cena de um homem assassinando sua própria esposa a facadas, dentro de seu próprio lar: cena chocante e bárbara ocorrida num estado do Norte e veiculada em São Paulo. Enfim, rivalizam-se os programas de violência, cada canal de TV com um programa nas capitais e grandes cidades.
De outro lado, dão grande destaque a noticias sobre o fracasso da polícia ou sobre operações erradas e ilegais da mesma, mesmo que a notícia tenha ocorrido na fronteira com a Colômbia, bem  longe dos grandes centros, pois o importante é desacreditar a policia perante a população.
Ao lado disso, é constante o açulamento que os repórteres fazem para que as vítimas reclamem por justiça.  Mas, muitas vezes, tal clamor por justiça não deixa de esconder um mero desejo de vingança. No fundo, é esse desejo desenfreado de vingança que a mídia está disseminando em nossa sociedade.  Não se ouve ninguém perdoar, não se ouve mais nenhuma vítima, por bárbaro que seja o crime, fazer como outrora e perdoar o criminoso. Por quê? Porque se a mesma falou alguma coisa não é divulgada, pois o destaque é dado para os que “pedem justiça”, isto é, que o crime seja vingado.

O Espírito de vingança, fruto da vida pagã
E tal espírito de vingança vai paulatinamente crescendo e se tornando dominante em nossa sociedade por causa do crescimento do paganismo e do ateísmo. Estamos nos aproximando do mesmo espírito de vingança que dominava os nossos índios, especialmente na forma como os descobridores os encontraram em nosso país no século XVI.
Toda sociedade humana, toda cultura, tem como objetivo primordial a procura de uma certa felicidade.  Mas nossos indígenas não procuravam essa felicidade nos prazeres, a plena satisfação entre eles, certo gozo prazenteiro que os fazia muito felizes, não era nem sequer o prazer sexual, mas a satisfação do orgulho e na vingança perante os inimigos.
A este respeito, assim se expressou o padre Claude d’Abbeville:
“Essa vida que julgam boa não é aferida pelo bem, nem pela virtude, porém pela crueldade e desumanidade. Julgam-se tanto mais honestos quanto maior número de prisioneiros massacram; e consideram uma vida boa a que se gasta na guerra, na exibição da valentia e na hostilidade encarniçada contra o inimigo; e acham covardes e efeminados os que não têm ânimo para isso”

Guerras e espírito de vingança
O espírito guerreiro pode ser um atributo altamente nobre num povo, mas quando destinado a fins mais elevados como a defesa da honra, da Pátria, de valores morais, etc. Não era assim movido o espírito guerreiro dos índios, mas sim o da vingança ou de alguma futilidade qualquer. Muitas vezes as guerras destinavam-se à simples captura de inimigos para serem comidos em seus festins antropofágicos ou escravidão de mulheres para possuírem em seus haréns.
O padre Thevet informa que os índios faziam guerra uns contra os outros por motivos fúteis, ou o simples desejo de vingança: “Move-os apenas o mero apetite de vingança, e nada mais, tal e qual se fossem animais ferozes”.
O padre francês Claude d”Abbebille, afirma:
“...haverá maior barbaridade do que se mostrar hostil contra os vizinhos, a ponto não somente de lhes  fazer sem trégua uma sangrenta guerra, mas ainda, para exterminar-lhes a raça, comer-lhes a carne até vomitar? Crueldade bárbara, barbaridade cruel! No entanto, disso é que se vangloriam os tupinambás, julgando-se tanto mais gloriosos quanto o número de homens que mataram na guerra e de inimigos que comeram”.  “(...) é  preciso que se saiba que não fazem a guerra para conservar ou estender os limites de seu país, nem para enriquecer-se com os despojos de seus inimigos, mas unicamente pela honra e pela vingança. Sempre que julgam ter sido ofendidos pelas nações vizinhas ou não, sempre que se recordam de seus antepassados ou amigos aprisionados e comidos pelos inimigos, excitam-se mutuamente à guerra, a fim, dizem, de tirar desforra, de vingar a morte de seus semelhantes”
Diversos outros historiadores ou cronistas manifestam o mesmo ponto de vista de Claude d’Abbeville, até mesmo Jean de Léry, que  nem católico era, o qual afirmou:
“Os selvagens se guerreiam não para conquistar países e terras uns aos outros, porquanto sobejam terras para todos; não pretendem tampouco enriquecer-se com os despojos dos vencidos ou o  resgate dos prisioneiros. Nada disso os move. Confessam eles próprios serem impelidos por outro motivo: o de vingar pais e amigos presos e comidos, no passado... ...o ódio entre eles é tão inveterado que se conservam perpetuamente irreconciliáveis”
Um historiador mais recente, Varnhagen, também confirma o que se disse acima, acrescentando que havia também guerras feitas apenas para escravizar inimigos ou para a conquista brutal de mais mulheres para seus haréns. Causava, além disso, o enfraquecimento e até extermínio das tribos: “...as guerras de extermínio, que mantinham entre si, eram causa de que as tribos ou cabildas se debilitassem cada vez mais em número, em vez de crescerem. Além de que, essas mesmas cabildas  pequenas que existiam, mantinham-se por laços sociais tão frouxos, que tendiam a fracionar-se cada vez mais e a guerrear-se, ficando inimigos acérrimos os que  antes combatiam juntos...”   O cronista português Gabriel Soares de Sousa acrescenta que a população indígena só fazia diminuir por causa das guerras. Como exemplo diz ele que a nação dos Tupinaês estava sendo dizimada pelos Tupis da costa do Brasil, sendo expulsos para o sertão.

Espírito de vingança
Pode-se imaginar que a busca e o desfrute do prazer traz tranqüilidade ao homem, haja vista que produz comodidade material e conforto. Ora, a busca e o desfrute do prazer gera como conseqüência natural a fuga da dor, fazendo com que qualquer aborrecimento ou contrariedade se tornem insuportáveis. Um exemplo: as pessoas mais irritadiças de nosso tempo são as que usam os mais modernos e confortáveis objetos e utensílios, ou mesmo veículos e outros recursos da vida moderna. Há motivo para tanta irritação e tanto nervosismo no trânsito de nossas grandes cidades se as pessoas estão confortavelmente instaladas em luxuosos automóveis?  Há mais razão ainda para tanto nervosismo entre passageiros dos modernos aviões, equipados com o que há de melhor em questão de conforto e prazer?  Não há outra explicação para o fenômeno: a busca e o gozo do prazer não traz paz de espírito, mas grande inquietação.
Isto é o que explica e está na raiz do espírito de vingança, tanto o que há entre os índios como o de nossa moderna sociedade. O padre Manuel da Nóbrega afirma que os índios eram tão sujeitos à ira que se acaso encontrassem no caminho alguém adverso logo brigavam à pedra ou às dentadas, fazendo o mesmo até contra as pulgas e piolhos, tentando vingar-se daqueles insetos dos males que lhes causavam. Contam os cronistas que era comum as catadoras de piolho morderem raivosamente o bichinho após tê-lo colhido da cabeça de outra pessoa. Mas, o pior era quando este espírito de vingança perpassava por toda a tribo e se voltava contra os de uma outra. Contemplar o espetáculo de uma luta entre selvagens não era um agradável passatempo: um punhado de homens engalfinhados, agarrando-se e mordendo-se uns aos outros, quando não dispunham dos tacapes ou das flechas para fazer com que a carnificina fosse mais terrível. E isto ocorria com muita freqüência. Quando, no dia-a-dia, um selvagem fica irritado ou tem alguma contrariedade ou rixa contra outro, logo procurava o pajé para que providenciasse o envenenamento e a morte de seu desafeto. Costumavam administrar tais venenos às próprias mulheres com quem conviviam, quando tinham uma grande raiva delas ou por qualquer outro motivo, ou então ocorria o contrário, eram elas que envenenavam os homens.
Com sinceridade,  não é comum nos dias de hoje haver fatos semelhantes entre os que se dizem civilizados, mas que vivem num mundo repleto de ódio e de espírito de vingança? Qual o motivo principal das chacinas das gangues se as pessoas matam simplesmente por ódio e vingança? Querem um relato de tais crimes? Basta ler qualquer jornal de qualquer dia da semana:  estará recheado de crimes de tal natureza.
Este espírito de vingança é um sentimento que se transmite de pai para filho. E o costume se difunde em vários aspectos da vida social. No caso dos índios, por exemplo, quando matavam os inimigos guardavam consigo vários pedaços do corpo do defunto e assim poderem renovar sua ira quando bem lhes aprouver.  Informa o cronista português Gandavo:
“...algum braço ou perna, ou outro qualquer pedaço de carne costumam assar ao fumo, e tê-lo guardado alguns meses, para depois quando o quiserem comer, fazerem novas festas, e com as mesmas cerimônias tornarem a renovar outra vez o gosto da vingança, como no dia em que o mataram, e depois que assim chegam a comer a carne de seus contrários, ficam os ódios confirmados perpetuamente, porque sentem muito esta injúria, e por isso andam sempre a vingar-se uns dos outros...”
E claro que ainda estamos longe de presenciar casos semelhantes entre nós, mas não demora muito, a continuar o clima de violência atual, que tal possa ocorrer na atualidade.  Já houve casos de gente que mata e esquarteja a vítima, alguns até com propósitos de selvageria, como ocorreu recentemente na Alemanha; e outros que cometeram a antropofagia.
Já o naturalista Carl von Martius achava que inimizade do índio estava ligada ao seu “nacionalismo”, isto é, apego a uma certa tradição tribal ou regional. Quando se pedia a um selvagem o nome de sua tribo, ele quase sempre e sem disso ser interpelado, dava o nome da tribo contrária de que é inimigo mortal. Um Mundrucu entendia como perfeitamente natural, até como sagrado dever para com seu povo, perseguir por toda a parte os da tribo contrária Parentintim, e se possível cortar-lhes as cabeças e mumificá-las, carregando-as na cintura como troféus.  Já estamos vendo coisa parecida no mundo de hoje, embora não da mesma forma, pois é assim que as quadrilhas se tratam em suas guerras de extermínio. Um dos costumes que o homem moderno já copia integralmente dos índios é a tatuagem, sendo que os selvagens mandavam fazer figuras disformes ou símbolos estranhos, mas com significados que marcavam bem esse espírito de vingança. As tatuagens de hoje servem até para “marcar” que o indivíduo pertence a certa gangue e, assim, nunca possa passar para a inimiga, pois tem um símbolo em seu próprio corpo que o condena no convívio do inimigo.


No caso dos antigos índios era uma coisa mais disseminada, não era restrita apenas a grupos como as gangues de hoje. Ardiloso e taciturno, o índio dissimulava durante vários anos sua raiva, que era manifestada repentinamente numa vingança brutal e sangrenta, matando o inimigo covardemente, às vezes sob os mais pavorosos sofrimentos. Geralmente, o vingador procurava praticar na sua vítima as mesmas feridas que esta dera em membros de sua tribo. O padre Thevet conta o caso de um índio que foi levado para a França quando tinha apenas 14 anos de idade, onde casou-se e tornou-se civilizado. Aos 22 anos de idade resolveu voltar ao Brasil num dos navios franceses que por aqui traficavam madeira. Aqui chegando, algumas pessoas revelaram a identidade de sua tribo aos de outra, inimiga, os quais logo tomaram o navio de assalto como cães famintos e raivosos: encontrando o rapaz ainda no navio, despedaçaram-no sem piedade.
Vários são os exemplos deste famigerado espírito de vingança entre os índios. Gandavo conta outro caso: em determinada aldeia de São Vicente foi morto o filho do chefe de uma tribo, e passados 3 ou 4 anos o referido chefe invadiu a tribo inimiga, foi direto ao matador de seu filho, matou-o, cortou-lhe a cabeça e a levou consigo como troféu. Chegando à sua tribo, assim falou o chefe aos seus:
“...agora, companheiros e amigos meus, que eu tenho vingado a morte de meu filho, e trazido a cabeça do que o matou perante vossos olhos, vos dou licença que os choreis muito embora, que dantes com mais razão me podereis a mim chorar, em quanto vos parecia que por algum descuido dilatava esta vingança” .

Qual o prazer de comer carne humana?
Não há ser humano capaz de estar defronte a um cadáver que não sinta, primeiramente, um sentimento de respeito, seja ele quem for. Mas, depois, vem sempre uma certa repugnância sensitiva se, por exemplo, tiver que lhe trocar a roupa ou arrumar melhor o corpo para o enterro. Desta forma, era necessário que os índios fizessem a todo instante grande violência a seus instintos naturais para superar tal repugnância e desejar a qualquer custo comer carne humana. Somente o ódio implacável seria capaz de fazer com que um ser humano chegasse a tanto. Portanto, não é possível que sentissem prazer sensitivo de degustação ao comer os cadáveres, mas um prazer orgulhoso, um sentimento de ódio causado pelo desejo de vingança. Claude d’Abbeville diz que não é prazer propriamente que os faz comer carne humana, nem tampouco o apetite sensual, haja vista que ouvira de muitos dizer que, depois de comer tal carne, vomitavam. Mas, mesmo após o vômito, faziam violência a si mesmo e voltavam a comê-la...

O jugo da lei predispôs os indígenas às graças divinas e aos benefícios da Civilização
Era opinião desposada pelos jesuítas, como consta no “Diálogo Sobre a Conversão dos Gentios” do Padre Manuel da Nóbrega, de que era urgente impor aos índios o jugo da Lei, pois somente assim ficariam dóceis à atividade missionária dos padres e passíveis de serem civilizados. E quem poderia fazê-lo senão o Governador?  Era uma exigência primordial de amparo ao trabalho apostólico dos missionários jesuítas. E foi assim que Mem de Sá, de início, para poder jungir esses rudes selvagens ao jugo da lei e moldá-los pela doutrina de Cristo, ordena que deixados recôncavos, campos, florestas, acorressem de todas as partes a um mesmo local e aí construíssem suas casas, erguessem novas aldeias e começassem a deixar os antigos costumes de feras; deixassem de vaguear daqui e dali, como tigres, pelos cerrados.
Mem de Sá começa por acabar com o nomadismo dos índios, ordenando que viessem morar em aldeias fixas. Somente a partir daí se poderia aplicar as leis. Tal medida era necessária e urgente.
Como conseqüência, os índios começaram a acorrer para serem doutrinados de forma mais ordenada, sem os perigos da dispersão e do nomadismo, afirmando um dos jesuítas, o Padre Pires,  que “agora posso com razão escrever que são ligeiros para irem acorrer à igreja, e se suas gargantas eram “sepulchrum patens” para matarem e comerem vivos, agora estão abertas para louvarem a Cristo...”
Mas, a vida em comum numa cidade não era bastante, deveriam conhecer o império da lei.  E para que os índios conhecessem bem o que é a lei e a justiça, o governador determinou que fosse colocado no meio de todas as aldeias um local destinado a castigar os que desobedecessem a lei. Em seguida fez um pregão, mandou publicar em todas as aldeias as normas da convivência social, a fim de que soubessem que seriam passíveis de punição os que matassem o seu semelhante ou mesmo comessem as carnes daqueles já mortos.  Para desafiar o governador um cacique mandou dizer que iria fazer um festim antropofágico, avisando o dia, e que queria ver quem o iria impedir.  Mem de Sá ordena a invasão da aldeia, determinando que o cacique seja preso e seja trazido vivo.  Mandou prendê-lo e espalhou o aviso aos demais: caso alguém tentasse fazer o mesmo seria também preso. Se o governador decretasse pena de morte para tal delito não teria o mesmo efeito, pois o índio não teme a própria morte, mas não suporta uma prisão. Com pouco tempo de prisão o cacique se arrepende de tudo, é recebido pelo governador que o perdoa e o manda soltar. Todos sabem do corrido e o caso serviu de exemplo aos demais. A antropofagia estava prestes a acabar entre os índios.
A respeito da disposição do governador de fazer cumprir a lei e a justiça, assim comenta um outro jesuíta,  o padre Ruy Pereira : “(...) ajudou grandemente a esta conversão cair o senhor Governador na conta, e assentar que sem temor não se podia fazer tudo...  ...ordenou que houvesse em cada povoação destas um dos mesmos índios, que tivesse carrego de  prender em um tronco os que fizessem cousa que pudessem estorvar a conversão...  ...E hão tanto medo a estes troncos, que, depois de Deus, são eles causa de andarem no caminho e costumes que lhes pomos...”
Outro jesuíta, o Padre Antonio Pires, afirma que os próprios índios pedem para a disseminação destes “troncos”, espécie de meirinhos, “para terem cuidado de prenderem os ruins”.

Inicia-se a verdadeira conversão dos índios
Antes da chegada de Mem de Sá e a aplicação de tais métodos, alguns índios se convertiam, é verdade, eram batizados e prometiam mudar de vida. Mas não perseveravam, mudavam de propósito rapidamente, influenciados, principalmente, pelos feiticeiros que viviam arredios. Num dia convertiam-se mil e já no outro dia os mesmos mil fugiam para outro local em seu nomadismo e recomeçavam sua antiga vida pagã. A intervenção do Governador Mem de Sá foi verdadeiramente milagrosa, segundo o Beato Padre Anchieta:
“Foi por vosso ministério que tão grandes milagres se realizaram. Vós, mais velozes que os ventos, a nossas plagas trazeis em revoadas contínuas as paternas disposições da Providência divina.  Dizei vós as leis e a ordem que o ilustre e piedoso governador implantou entre povos tão feros, para afinal ser honrado nestas paragens incultas o nome vitorioso, forte e imortal de Jesus!”
Assim, foi o Governador Mem de Sá que solidificou a cristianização de nossos selvagens.  Os jesuítas são unânimes em afirmar que o Governador, com seu zelo por Cristo Nosso Senhor, castigava os delinqüentes com muita prudência e temperança, de forma que o castigo edificasse e não destruísse a obra da catequese. Isto também serviu para solidificar a amizade dos índios com os padres e os bons cristãos, levando-os a abandonar com gosto seus antigos costumes bárbaros por outros cristãos. Dentre estes costumes estava o terrível  vício capital do espírito de vingança pela vingança.
Os primeiros aldeamentos feitos na forma determinada por Mem de Sá, isto é, em lugares fixos, foram fundados na Bahia a partir de 1558, com as aldeias já com denominações cristãs: São Paulo, São João, Espírito Santo e Santiago. Em Piratininga havia apenas a de São Paulo, fundada 4 anos antes pelo Beato Anchieta.

Temor e sujeição: condição para civilizar o índio, que pode ser útil também hoje em dia
O Padre Manuel da Nóbrega foi um dos propugnadores da tese de que somente através do temor e sujeição se poderia civilizar duravelmente os nossos índios. Tais princípios estão enunciados numa carta que o mesmo dirigiu ao Rei de Portugal:
 “Este gentio é de qualidade que não se quer por bem se não por temor e sujeição, como se tem experimentado, e por isso, se S. A. os quer ver todos convertidos, mande os sujeitar e deve fazer estender os cristãos pela terra adentro e repartir-lhes os serviços dos índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhorear como se faz em outras partes de terras novas, e não sei como sofre a geração portuguesa, que entre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo” 

Espírito católico do Governador Mem de Sá
Esta plêiade insigne de homens tinha o Governador como exemplo maior de virtudes, de espírito cristão, de catolicidade. Mem de Sá era não só o administrador político da terra, mas o amansador dos índios, o guerreiro, o católico praticante e amigo dos padres, o padrinho dos neófitos e dos noivos, distribuindo justiça e bondade a todos. Consumiu sua vida toda no Brasil, onde veio a falecer. Numa só cerimônia de batismo, Mem de Sá foi padrinho de 84 crianças, o que fazia sempre com alegria e acolhimento dos pequeninos.

E HOJE, COMO ESTÁ O ESPÍRITO DE VINGANÇA NA SOCIEDADE MODERNA?
A violência urbana é uma consequência das guerrilhas comunistas que enfrentavam os militares no período da ditadura. Foram eles os pioneiros de assaltos a bancos e outros crimes de quadrilhas, cometidos pelo famoso Comando Vermelho, criado por uma facção da esquerda. Depois deste bando, vários outros se espalharam por nossas grandes cidades, alguns até com ramificações em outros estados. Muitos são associados a grupos internacionais ligados a Fidel Castro e Hugo Chávez.
Assim, a criação de um organismo governamental denominado de “Comissão da Verdade” (sob a capa de punir o Estado) nada mais é do que reflexo desse espírito de vingança. Como temos no poder uma ex guerrilheira, que se diz perseguida pela ditadura, o fato da mesma (ou do governo anterior, tanto faz, pois fazia parte do mesmo grupo) criar uma comissão especialmente encarregada de pesquisar sobre possíveis abusos dos militares e sua punição é, realmente, uma tentativa de revanche.  Como a própria presidente não é exemplo de pessoa pacífica, pois pegou em armas, ela mesma serve de modelo para o aumento da violência urbana.  Assim como o ex presidente Lula, que representava o exemplo de esperteza, está sendo copiado por grupos de corrupção e esperteza política. Assim, poderemos dizer que os escândalos oriundos da esperteza foram deixados por Lula após seu governo, enquanto que a violência urbana está sendo o legado da atual presidente.
Neste sentido, nosso regime político deve ser repensado para ser reformulado: será que a própria existência de partidos políticos não está alimentando a formação de quadrilhas? Sim, porque é de dentro das agremiações ou partidos políticos que saem todas as quadrilhas de golpes fraudulentos e espertezas políticas dos últimos tempos.
Os nossos dirigentes vão continuar se reunindo, vão continuar criando forças-tarefas para combater a violência urbana, a polícia vai continuar se equipando cada vez mais, mas, a violência não vai deixar de crescer enquanto não procurarem combater seus fundamentos, que está na formação moral e religiosa de nosso povo, a única capaz, inclusive, de fazer acabar este terrível espírito de vingança que hoje toma conta de toda a nossa sociedade. Precisamos de alguns governadores, em cada Estado, e um presidente da república também, que possam repetir nos dias atuais o mesmo estratagema do governador Mem de Sá.  E a par disso se faça uma reforma no Clero para que saibam pregar à população o verdadeiro espírito cristão, que sempre perdoa e nunca dá lugar à vingança.

sábado, 24 de novembro de 2012

A FESTA DE CRISTO REI E OS MÁRTIRES MEXICANOS



No último dia 23 celebrou-se a festa do Beato Miguel Agustin Pró, assassinado pelos comunistas mexicanos pouco tempo depois da promulgação da Encíclica de Pio XI que instituiu a Festa de Cristo Rei. Esta encíclica foi publicada em março de 1925, no mesmo período em que os católicos eram perseguidos no México pela revolução comunista, tendo despertado neles uma grande devoção a Cristo Rei. Pouco mais de 2 anos depois, em novembro de 1927, o padre Pró morre mártir proclamando bem alto o título de Cristo Rei perante seus verdugos. Com o exemplo do Beato Padre Pró diversos outros católicos morreram mártires proclamando também a Cristo Rei do Universo. Vários deles foram beatificados alguns até já canonizados.


A partir de 2009 começou a se realizar na Cidade do México uma solene procissão em homenagem ao  Beato Padre Pro. O cortejo parte do local onde o jesuíta foi executado, percorre algumas grandes ruas e termina na igreja da Sagrada Família e faz uma parada na Paróquia de Guadalupe, Rainha da Paz, onde o sacerdote exercia sua ação pastoral. Na igreja da Sagrada Família é, onde encontra-se hoje os restos mortais do beato. Os fiéis passam todo o tempo da procissão proclamando brados e entoando o  hino em honra de Cristo Rei.

 


Na frente segue um relicário contendo o fragmento de um osso do beato.

 
VIVA CRISTO REI! (ouça o hino)




 Assistam a o vídeo com a vida do Padre Pró (em espanhol)

 

A respeito da Festa de Cristo Rei,  reproduzimos abaixo artigo publicado pela revista “Arautos do Evangelho”, de novembro de 2004:

 

Cristo, Rei do Universo

Evangelho:

35 O povo estava a observar. Os príncipes dos sacerdotes com o povo O escarneciam dizendo: "Salvou os outros, salve-Se a Si mesmo, se é o Cristo, o escolhido de Deus!" 36 Também o insultavam os soldados que, aproximando-se dele e oferecendo-lhe vinagre, 37 diziam: "Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo!" 38 Estava também por cima de sua cabeça uma inscrição: "Este é o Rei dos judeus". 39 Um daqueles ladrões que estavam suspensos da cruz, blasfemava contra ele, dizendo: "Se és o Cristo, salva-Te a Ti mesmo e a nós" 40 O outro, porém, tomando a palavra, repreendia-o dizendo: "Nem tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? 41 Quanto a nós se fez justiça, porque recebemos o castigo que mereciam nossas ações, mas Este não fez nenhum mal." 42 E dizia a Jesus: "Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no teu Reino!" 43 Jesus disse-lhe: "Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso." (Lc 23, 35-43).

Por direito de herança e de conquista, Cristo reina com autoridade absoluta sobre todas as criaturas. Entretanto, não governa segundo os métodos do mundo.

 
                                                       Mons. João Clá Dias, EP


I - REI NO TEMPO E NA ETERNIDADE

Ao ouvirmos este Evangelho da Paixão, de imediato surge em nosso interior uma certa perplexidade: por que a Liturgia, para celebrar uma festa tão grandiosa como a de Cristo Rei, terá escolhido um texto todo ele feito de humilhação, blasfêmia e dor?

Tanto mais que, em extremo contraste com esse trecho de São Lucas, a segunda leitura de hoje nos apresenta Jesus Cristo como sendo "a imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda a criação (...) porque foi do agrado do Pai que residisse n'Ele toda a plenitude" (Col 1, 15 e 19). Como conciliar esses dois textos, à primeira vista, tão contraditórios?


Para melhor compreendermos esse paradoxo, devemos distinguir entre o Reinado de Cristo nesta terra e o exercido por Ele na eternidade. No Céu, seu reino é de glória e soberania. Aqui, no tempo, ele é misterioso, humilde e pouco aparente, pelo fato de Jesus não querer fazer uso ostensivo do poder absoluto que tem sobre todas as coisas: "Foi-me dado todo o poder no Céu e na terra" (Mt 28, 18).

Apesar de as exterioridades nos causarem uma impressão enganosa, Ele é o Senhor Supremo dos mares e dos desertos, das plantas, dos animais, dos homens, dos anjos, de todos os seres criados e até dos criáveis. Porém, diante de Pilatos, assevera: "O meu Reino não é deste mundo" (Jo 18, 36), porque não quer manifestar seu império em todas as suas proporções, a não ser por ocasião do Juízo Final.

Assim, enquanto o Evangelho nos fala de seu Reinado terreno, a Epístola proclama o triunfo de sua glória eterna. No tempo, vemo-Lo exangue, pregado na Cruz entre dois ladrões, sendo escarnecido pelos príncipes dos sacerdotes e pelo povo, insultado pelos soldados e objeto das blasfêmias do mau ladrão. A Liturgia exige de nós um esforço de fé para, indo além do fracasso e da humilhação, crermos na grandiosidade do Reino de Jesus.

Por outro lado, errôneo seria imaginar que Ele não deve reinar aqui na terra. Para compreender bem o quanto Cristo é Rei, é preciso diferenciar seu modo de governar daquele empregado pelo mundo.

O governo humano, quando ateu, encontra sua força nas armas, no dinheiro e nos homens. Tem por finalidade as grandes conquistas territoriais, perdurar longamente e alcançar a felicidade terrena. Porém, o tempo sempre demonstra o quanto esses objetivos são ilusórios e até mentirosos. As armas em certo momento caem ao solo, ou se voltam contra o próprio governante; o dinheiro é por vezes um bom vassalo mas sempre um mau senhor; os homens, quando não assistidos pela graça, neles não se pode confiar.

Napoleão Bonaparte é um bom exemplo do vazio enganador no qual se fundamentam os Impérios neste mundo. Basta imaginá-lo proclamando seu fracasso do alto de um penhasco na ilha Santa Helena, durante o penoso exílio ao qual ficara reduzido. Em síntese, a plenitude da felicidade de um governador terreno é um sonho irrealizável. E ainda que ela fosse atingível, a nós caberia a frase do Evangelho: "Que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?" (Mc 8, 36).

II - A REALEZA ABSOLUTA DE CRISTO

A Realeza de Cristo é bem outra. Ele de fato é Rei do Universo e, de maneira muito especial, de nossos corações. Ele possui uma autoridade absoluta sobre todas as criaturas e já muito antes de sua Encarnação, quando se encontrava no seio do Padre Eterno, ouviu estas palavras:

"Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Pede- me; dar-te-ei por herança todas as nações; tu possuirás os confins do mundo, tu governarás com cetro de ferro" (Sl 2, 7-9).

Rei por direito de herança

Ele é o unigênito Filho de Deus e por Este foi constituído como herdeiro universal, recebendo o poder sobre toda a criação, no mesmo dia em que foi engendrado (1).

Rei por ser Homem-Deus

Por outro lado, Jesus Cristo é Deus e, assim sendo, tudo foi feito por ele, o Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis. Senhor absoluto de toda existência, do Céu, da terra, do sol, das estrelas, das tempestades, das bonanças. Seu poder é capaz de acalmar as mais terríveis ferocidades dos animais bravios e as procelas dos mares encapelados. Os acontecimentos, as forças físicas e morais, a guerra e a paz, a pobreza e a fartura, a humilhação e a glória, o revés e o sucesso, as pestes, os flagelos, a doença e a saúde, a morte e a vida, estão todos ao dispor de um simples ato de sua vontade. Aí está um Governo incomparável, superior a qualquer imaginação, e do qual ninguém ou nada poderá se subtrair.

O título de Rei Lhe cabe mais apropriadamente do que às outras duas Pessoas da Trindade Santíssima, por ser o Homem-Deus, conforme comenta Santo Agostinho: "Apesar de que o Filho é Deus e o Pai é Deus e não são mais que um só Deus, e se o perguntássemos ao Espírito Santo, Ele nos responderia que também o é...; entretanto, as Sagradas Escrituras costumam chamar de rei, ao Filho" (2).

De fato, o título de Rei, quando aplicado ao Pai, é usado de forma alegórica para indicar seu domínio supremo. E se quisermos atribuí-lo ao Espírito Santo, faltará exatidão jurídica, por tratar-se Ele de Deus não-encarnado, pois, para ser Rei dos homens é indispensável ser Homem. Deus não encarnado é Senhor, Deus feito homem é o Rei.

Rei por direito de conquista

Jesus Cristo é nosso Rei também por direito de conquista, por nos ter resgatado da escravidão a Satanás.

Ao adquirirmos um objeto às custas de nosso dinheiro, ele nos pertence por direito. Mais ainda se o obtivermos através de duras penas, pelos esforços de nosso trabalho, e muito mais, se for conseguido pelo alto preço de nosso sangue. E não fomos nós comprados pelo trabalho, sofrimentos e pela própria morte de Nosso Senhor Jesus Cristo? É São Paulo quem nos assevera: "Porque fostes comprados por um grande preço!" (I Cor 6, 20).

Rei por aclamação

Cristo é nosso Rei por aclamação. Antes mesmo das purificadoras águas do Batismo serem derramadas sobre nossa cabeça, nós O elegemos para ser o regente de nossos corações e de nossas almas, através dos lábios de nossos padrinhos. Por ocasião do Crisma e a cada Páscoa, de viva voz nós renovamos essa eleição, sempre de um modo solene.

Rei do interior dos homens e de todas as exterioridades

Não houve, nem jamais haverá um só monarca dotado da capacidade de governar o interior dos homens, além de bem conduzi-los na harmonia de suas relações sociais, seus empreendimentos, etc. O único Rei pleníssimo de todos os poderes é Cristo Jesus.

Exteriormente, pelo seu insuperável e arrebatador exemplo - além de suas máximas, revelações e conselhos - Ele governa os povos de todos os tempos, tendo marcado profundamente a História com sua Vida, Paixão, Morte e Ressurreição. Por meio do Evangelho e sobretudo ao erigir a Santa Igreja, Mestra infalível da verdade teológica e moral, Jesus perpetua até o fim dos tempos o imorredouro tesouro doutrinário da fé. Através dessa magna instituição Ele orienta, ampara e santifica todos os que nela ingressam, e vai em busca das ovelhas desgarradas.

Aqui precisamente se encontra o principal de seu governo neste mundo: o Reino Sobrenatural que é realizado, na sua essência, através da graça e da santidade.

Nosso Senhor Jesus Cristo enquanto a "videira verdadeira" é a causa da vitalidade dos ramos. A seiva que por eles circula, alimentando flores e frutos, tem sua origem n'Aquele Unigênito do Pai (Jo 15, 1-8). Ele é a Luz do Mundo (Jo 1, 9; 3, 19; 8, 12; 9, 5) para auxiliar e dar vida aos que dela quiserem se servir para evitar as trevas eternas. Jesus - segundo a leitura de hoje - é "a cabeça do corpo que é a Igreja, é o Princípio, o Primogênito entre os mortos, de maneira que tem a primazia em todas as coisas, porque foi do agrado do Pai que residisse n'Ele toda a plenitude e que por Ele fossem reconciliadas consigo todas as coisas, pacificando pelo Sangue da sua Cruz, tanto as coisas da terra, como as do Céu" (Col 1, 18-20).

O Reinado de Cristo, em nosso interior, se estabelece pela participação na vida de Jesus Cristo. Só no Homem- Deus se encontra a plenitude da graça, enquanto essência, virtude, excelência e extensão de todos os seus efeitos. Os outros membros do Corpo Místico participam das graças que têm sua origem em Jesus, a cabeça que vivifica todo o organismo. Quem de maneira privilegiadíssima tem parte em grau de plenitude nessa mesma graça, é a Santíssima Virgem.

Dada a desordem estabelecida em nós após o pecado original, acrescida pelas nossas faltas atuais, nossa natureza necessita do auxílio sobrenatural para atingir a perfeição. Sem o sopro da graça, é impossível aceitar a Lei, obedecer aos preceitos morais, não elaborar razões falsas para justificar nossas más inclinações e conhecer, amar e praticar a boa doutrina de forma estável e progressiva. Ela refreia nossas paixões e as equilibra nos gonzos da santidade, orienta nosso espírito, modera nossa língua, tempera nosso apetite, purifica nosso olhar, gestos e costumes. É através da graça que nossa alma se transforma num verdadeiro trono e, ao mesmo tempo, cetro de Nosso Senhor Jesus Cristo. E é nessa paz e harmonia que se encontra nossa autêntica felicidade, e esse é o Reino de Cristo em nosso interior.

E qual o principal adversário contra esse Reino de Cristo sobre as almas? O pecado! Por isso mesmo, se alguém tem a desgraça de o cometer, nada fará de melhor do que procurar um confessionário e com arrependimento ali declará-lo a fim de ver-se livre da inimizade de Deus. É impossível gozar de alegria com a consciência atravessada pelo aguilhão de uma culpa. Nessa consciência não reinará Cristo; e se ela não se reconciliar com Deus, aqui na terra, tampouco reinará com Ele na glória eterna.

III - A IGREJA, MANIFESTAÇÃO SUPREMA DO REINADO DE CRISTO

O júbilo e às vezes até mesmo a emoção, penetram nossos corações ao contemplarmos estas inflamadas palavras de São Paulo: "Cristo amou a Igreja e Se entregou a Si mesmo por ela, para a santificar, purificando-a no batismo da água pela Palavra, para apresentar a Si mesmo esta Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada" (Ef 5, 25-27).

Porém, ao analisarmos a Igreja militante, na qual hoje vivemos, com muita dor encontramos imperfeições - ou pior ainda, faltas veniais - nos mais justos, conferindo opacidade a essa glória mencionada por São Paulo. Entre as ardentes chamas do Purgatório, está a Igreja padecente, purificando-se de suas manchas. Até mesmo a triunfante possui suas lacunas, pois, exceção feita da Santíssima Virgem, as almas dos bem-aventurados foram para o Céu deixando seus corpos em estado de corrupção nesta terra, onde aguardam o grande dia da Ressurreição.

Portanto, a "Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada" , manifestação suprema da Realeza de Cristo, ainda não atingiu sua plenitude.

E quando definitivamente triunfará Cristo Rei? Só mesmo depois de derrotado seu último inimigo, ou seja, a morte! Pela desobediência de Adão, introduziram-se no mundo o pecado e a morte. Pelo seu Preciosíssimo Sangue Redentor, Cristo infunde nas almas sua graça divina e aí já se dá o triunfo sobre o pecado. Mas a morte será rendida com a Ressurreição no fim do mundo, conforme o próprio São Paulo nos ensina:

"Porque é necessário que Ele reine, ‘até que ponha todos os inimigos debaixo de seus pés'. Ora, o último inimigo a ser destruído será a morte; porque Deus ‘todas as coisas sujeitou debaixo de seus pés' " (I Cor 15, 25- 26).

Cristo Rei, por força da Ressurreição que por Ele será operada, arrancará das garras da morte a humanidade inteira, como também iluminará os que purgam nas regiões sombrias. Ao retomarem seus respectivos corpos, as almas bem-aventuradas farão com que eles possuam sua glória; e assim, serão também os eleitos outros reis cheios de amor e gratidão ao Grande Rei. Apresentarse- á o Filho do Homem em pompa e majestade ao Pai, acompanhado de um numeroso séqüito de reis e rainhas, tendo escrito em seu manto: "Rei dos reis e Senhor dos senhores" (Apoc 19, 16)

IV - SE CRISTO É REI, MARIA É RAINHA

Se Cristo é Rei por ser Homem-Deus e recebeu o poder sobre toda a Criação no momento em que foi engendrado, daí se deduz ter sido realizada no puríssimo claustro maternal de Maria Virgem a excelsa cerimônia da unção régia que elevou Cristo ao trono de Rei natural de toda a humanidade. O Verbo assumiu de Maria Santíssima nossa humanidade, e assim adquiriu a condição jurídica necessária para ser chamado Rei, com toda a propriedade. Foi também nesse mesmo ato que Nossa Senhora passou a ser Rainha. Uma só solenidade nos trouxe um Rei e uma Rainha.

V - CONCLUSÃO

Agora sim, estamos aptos a entender e amar a fundo o significado do Evangelho de hoje. A resposta ao povo e aos príncipes dos sacerdotes que escarneciam contra Jesus: "Salvou os outros, salve-Se a Si mesmo, se é o Cristo, o escolhido de Deus" (v. 35), como também aos próprios soldados romanos em seus insultos: "Se és o Cristo, salva-Te a Ti mesmo" (v. 37), transparece claramente nas premissas até aqui expostas.

Eles eram homens sem fé e desprovidos do amor a Deus, julgando os acontecimentos em função de seu egoísmo e por isso levados a se esquecerem de sua contingência. Cegos de Deus, já há muito afastados de sua inocência primeva, perderam a capacidade de discernir a verdadeira realidade existente por trás e por cima das aparências de derrota que revestiam o Rei eterno transpassado de dor sobre o madeiro, desprezado até pelas blasfêmias de um mau ladrão. Não mais se lembram dos portentosos milagres por Ele operados, nem sequer de suas palavras: "Julgas porventura que Eu não posso rogar a meu Pai e que poria já ao meu dispor mais de doze legiões de anjos?" (Mt 26, 53). Sim, se fosse de sua vontade, numa fração de segundo poderia reverter gloriosamente aquela situação e manifestar a onipotência de sua realeza, mas não o quis, como o fez em outras ocasiões: "Jesus, sabendo que O viriam arrebatar para O fazerem rei, retirou-se de novo, Ele só, para o monte" (Jo 6, 15).

Quem discerniu em sua substância a Realeza de Cristo foi o bom ladrão, por se ter deixado penetrar pela graça. Arrependido em extremo, aceitou compungido as penas que lhe eram infligidas, e reconhecendo a Inocência de Jesus no mais fundo de seu coração, proclamou os segredos de sua consciência para defendê-La das blasfêmias de todos: "Nem tu temes a Deus, estando no mesmo suplício? Quanto a nós se fez justiça, porque recebemos o castigo que mereciam nossas ações, mas Este não fez nenhum mal" (vv. 40-41). Eis a verdadeira retidão. Primeiro, humildemente ter dor dos pecados cometidos; em seguida, com resignação abraçar o castigo respectivo; por fim, vencendo o respeito humano, ostentar bem alto a bandeira de Cristo Rei e aí suplicar- Lhe: "Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no teu Reino!" (v. 42)

Tenhamos sempre bem presente que só pelos méritos infinitos da Paixão de Cristo e auxiliados pela poderosa mediação da Santíssima Virgem nos tornaremos dignos de entrar no Reino.

Seguindo os passos da conversão final do bom ladrão, poderemos esperar com confiança ouvir um dia a voz de Cristo Rei dizendo também a nós: "Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso" (v. 43).

1 ) cf. Hb 1, 2-5.
2 ) Enarrat. in Ps. 5 n. 3: PL 37, 83

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Eis uma solução eficaz para todas as crises atuais: a celebração solene da festa de Cristo Rei
Assim se exprime o Papa Pio XI a esse respeito:

Cristo, fonte da verdadeira Paz

Se soubessem os homens resolver-se a reconhecer a autoridade de Cristo em sua vida particular e pública, deste ato para logo dimanariam em toda a humanidade incomparáveis benefícios: uma justa liberdade, a ordem e o sossego, a concórdia e a paz (...).

Se os príncipes e governos legitimamente constituídos tivessem a persuasão de que regem menos no próprio nome do que em nome e lugar do Rei Divino, é manifesto que usariam do seu poder com toda a prudência, com toda a sabedoria possíveis Em legislar e na aplicação das leis, como haveriam de atender ao bem comum e à dignidade humana de seus súditos! Então floresceria a ordem, então veríamos difundirem- se e firmarem-se a tranqüilidade e a paz (...).

Oh! que ventura não pudéramos gozar, se os indivíduos, se as famílias, se a sociedade se deixasse reger por Cristo! "Então finalmente - para citarmos as palavras que, há 25 anos, o Nosso Predecessor Leão XIII dirigia aos bispos do mundo inteiro - fora possível sanar tantas feridas; o direito recobraria seu antigo viço, seu prestígio de outras eras; tornaria a paz com todos os seus encantos. e cairiam das mãos armas e espadas, quando todos de bom grado aceitassem o império de Cristo, Lhe obedecessem, e toda língua proclamasse que Nosso Senhor Jesus Cristo está na glória de Deus Padre" (Enc Annum Sacrum) (...).

As festividades, mais eficazes que os documentos

A fim de que a sociedade cristã goze largamente de tão preciosas vantagens, e para sempre as conserve, é mister que se divulgue quanto possível o.conhecimento da dignidade real de Nosso Salvador Ora, nada pode, pelo que nos parece, conseguir melhor este resultado, do que a instituição de uma festa própria e especial em honra de Cristo Rei.

Com efeito, para instruir o povo nas verdades da fé e levá-lo assim às alegrias da vida eterna, mais eficazes que os documentos do Magistério eclesiástico são as festividades anuais dos sagrados mistérios. Os documentos do Magistério, de fato, apenas alcançam. um restrito número de espíritos mais cultos, ao passo que as festas atingem e instruem a universalidade dos fiéis Os primeiros, por assim dizer, falam uma vez só, as segundas falam sem intermitência de ano para ano; os primeiros dirigem-se, sobretudo, ao entendimento; as segundas influem não só na inteligência, mas também no coração, quer dizer, no homem todo Composto de corpo e alma, precisa o homem dos incitamentos exteriores das festividades, para que, através da variedade e beleza dos sagrados ritos, recolha no ânimo a divina doutrina, e, transformando- em substância e sangue, tire dela novos progressos em sua vida espiritual.

Além disso, ensina-nos a própria História, que estas festividades litúrgicas foram introduzidas no decorrer dos séculos, umas após outras, para. responder a necessidades ou vantagens espirituais do povo cristão. Foram-se constituindo para fortalecer os ânimos em presença de algum inimigo comum, para premunir os espíritos contra os ardis da heresia, para mover e inflamar os corações a celebrar com a mais ardente piedade algum mistério de nossa fé ou algum benefício da divina graça (...) Assim se deu com a festa de Corpus Christi, instituída quando se esfriava a reverência e o culto para com o Santíssimo Sacramento.

Instituição da festa

A festa, doravante anual, de "Cristo-Rei" dá-nos a mais viva esperança de acelerarmos a tão desejada volta da humanidade a seu Salvador amantíssimo (...) Uma festa, anualmente celebrada por todos os povos em homenagem a Cristo-Rei, será sobremaneira eficaz para condenar e ressarcir, de algum modo, esta apostasia pública (...).

Portanto, em virtude de Nossa autoridade apostólica, instituímos a festa de "Nosso Senhor Jesus Cristo Rei", mandando que seja celebrada cada ano, no mundo inteiro, no último domingo de outubro (...) porque ele, em certo modo, encerra o ciclo do ano litúrgico. Destarte, os mistérios da vida de Jesus Cristo, comemorados no decorrer do ano que finda, terão na solenidade de "Cristo-Rei" seu como termo e coroa.

(Revista Arautos do Evangelho, Nov/2004)