terça-feira, 28 de outubro de 2008

A arte da educação segundo Santa Edith Stein

“A arte da educação para Edith Stein é a suprema arte cujo mestre é o Espírito Santo e na qual o homem é o humile colaborador”, disse Eric de Rus, professor associado de filosofia, que acaba de publicar em francês um segundo volume dedicado a esta santa intitulado “A arte da educação segundo Edith Stein. Antropologia, educação e vida espiritual”. (Editora Del Carmelo, Ad-Solem).
Numa entrevista publicada pela edição francesa de Zenit, Eric de Rus explica que a dimensão educativa “é uma dimensão essencial de sua mensagem”.
Edith Stein manifestou sua preocupação pela educação já em sua etapa universitária de Breslavia (1911-1913). “O interesse persiste nos anos posteriores durante seus estudos na Universidade de Göttingen. Depois de sua conversão, e antes de ingressar no Carmelo de Colônia, manterá um duplo compromisso como professora e conferencista”, acrescenta de Rus.
Já carmelita, “destaca a pedagogia da santa reformadora Teresa de Ávila. Seus próprios textos espirituais dão testemunho deste interesse pela educação que aprofunda a importância de revelar a dimensão mística”. A investigação que De Rus está desenvolvendo sobre Edith Stein, mostra, explica o próprio autor, “a unidade do enfoque existencial, filosófico e espiritual desta autora, demonstrando que existe uma relação vital entre a antropologia, a educação e a vida espiritual”.
Assim, “o pensamento sobre a educação” aparece em Edith Stein como “o ponto focal de onde se unificam sua antropologia, a tradição mística e espiritual, de Santo Agostinho a Teresa de Ávila e João da Cruz, e sua experiência pessoal dos caminhos de Deus”.
A filósofa alemã, “desde o momento em que vê a educação como “a formação do ser humano em sua totalidade, em todas as suas fortalezas e capacidades com o fim de que seja o que deve ser”, então implica já uma certa idéia do homem”, explica De Rus.
“Como Edith Stein escreve: Todo o trabalho educativo que se centra em educar os homens vem acompanhado de uma idéia precisa de quem é o homem, seu lugar no mundo e sua missão na vida, assim como das oportunidades práticas oferecidas para formá-lo”.
Edith Stein, explica, “considera o homem como uma unidade de corpo, alma e espírito e demonstra que o homem tem um interior inviolável que é o fundamento de sua dignidade, o espaço sagrado de encontro com Deus e inseparavelmente, o lugar da consciência de que podem elevar-se decisões livres e um verdadeiro diálogo com o mundo”.
“Formar o homem significa ter a coragem para servir a esta interioridade. Edith Stein dá uma formulação muito luminosa deste vínculo entre o interior e a educação quando escreve: É a vida interior o fundamento último: a formulação se leva a cabo desde o interior para o exterior”, acrescenta.
Precisamente, assinala De Rus, a insistência de Bento XVI na educação, como o recente documento da Congregação para Educação Católica intitulado “Educar numa escola católica. Missão compartilhada pelas pessoas consagradas e os leigos” (setembro de 2007) “não é uma coincidência.
“O desafio hoje é realmente um desafio antropológico: Quem é o homem, o que é viver autenticamente no sentido de seu ser? Mas isto nos põe precisamente no coração da missão educativa que serve ao melhor da pessoa”.
“Educar é acompanhar o desapego completo de uma humanidade no cumprimento de sua vocação natural e sobrenatural. Esta é a única forma em que a sede de sentido que caracteriza a pessoa humana pode satisfazer-se”.
Para Edith Stein, explica, a educação “é a suprema arte na qual o Espírito Santo é o mestre e na qual o homem é o humilde colaborador”.
“Edith Stein nos recorda que o homem não se converte em plenamente humano a menos que corra o risco de uma grande aventura: a santidade que é a obra do Espírito Santo. Quem se abandona à ação educativa do Espírito e se deixa configurar a Cristo participa misteriosamente em sua obra de salvação consagrando o mundo a Deus”, conclui.

Quem foi Edith Stein ou Santa Teresa Benedita da Cruz?
Embora Edith Stein perseguisse o caminho da ciência, por onde julgava que iria encontrar as soluções cruciais para as questões de seu tempo, no entanto foram as questões de Fé que mais a comoveram e fizeram mudar de vida. Não a fé tida como algo abstrato e vislumbrada apenas na mente e nas cogitações intelectuais, mas a fé vista como o “fenômeno” marcante da vida interior da alma humana. Seus passos em direção da Fé Católica foram dados aos poucos, paulatinamente, mas sempre seguros e cheios daquela certeza que só Deus pode transmitir aos corações.
Quando trabalhava como enfermeira no hospital militar de epidemias teve o seu primeiro gesto de comoção interior: ao colocar em ordem alguns pertences de um morto viu cair um pequeno bilhete, no qual havia uma oração pedindo que sua vida fosse conservada. A esposa do moribundo fizera-o carregar consigo sempre aquela oração, que deixou Edith Stein profundamente comovida. Apesar do homem haver morrido, mesmo assim ela viu naquele gesto um sentimento interior de fé robusta. O que ela mesma julgava que não possuía.
A partir daquele momento, passou a estudar o “fenômeno” da fé nas pessoas. Se entrava num templo protestante, nada via ali que fosse uma manifestação de fé autêntica, parecendo-lhe mais uma mistura de política e religião nas pregações, sem que nos ouvintes houvesse uma comoção interior para Deus. Da mesma forma era assim que ela via os cultos da religião de sua família, o judaísmo: não encontrava ali a fé verdadeira. Era deprimente para ela ver quanto formalismo vazio havia naquela religião que lhe ensinaram como verdadeira..
As impressões foram se avolumando no interior de sua alma, sempre levando-a a considerar como o fenômeno mais autêntico da Fé a manifestação de Deus no interior das almas, comum naquelas pessoas que eram autenticamente católicas. Não em todas, é claro, mas naquelas em que a Fé se manifestava mais vivamente. Certo dia, entrou numa igreja católica, em Frankfurt, e vê ali uma senhora rezando. Havia no semblante, no recolhimento interior da mulher, no mais profundo recôndito daquela alma, uma manifestação autêntica de uma comunicação com Deus, uma fé viva. Declarou ela em sua autobiografia: “Entramos na catedral por alguns minutos e, enquanto por lá nos demoramos um pouco em respeitoso silêncio, entrou uma mulher com sua cesta de compras e ajoelhou-se em um banco, para uma breve oração. Isto era para mim algo totalmente novo. Nas sinagogas e nas igrejas protestantes que eu visitara, apenas se ia ao culto. Aqui, porém, vinha alguém diretamente de seus afazeres diários, à igreja quase vazia, como se viesse ter uma conversa confidencial. Nunca mais eu poderia esquecer isto”. Nunca vira antes tal estado de espírito, seja nos protestantes, seja nos judeus, cuja crença em Deus era mero formalismo mecânico, sem vivência interior e, até mesmo, (no caso dos judeus) sem oração interior.
Outras provas de fé ela viria a confirmar e admirar. O filósofo Adolf Reinach, católico que ela dizia ser dotado de grande bondade de coração, faleceu no campo de batalha em 1917. Santa Edith Stein ficou encarregada de organizar o “espólio” filosófico do seu amigo, mas ficou perplexa e angustiada diante da possibilidade de seu reencontro com a viúva de Reinach. Esperava encontrar uma mulher desesperada com o destino do marido, cheia de rancor ou de amarguras. Qual não foi a sua surpresa quando, ao querer consolá-la, viu-a cheia de consolações e de uma vigorosa fé católica. Disse ela depois que este foi o seu primeiro encontro com a Cruz, ali via pela primeira vez a Igreja verdadeira nascida de um Cristo Redentor, representada pela vitória sobre a morte.
A conversa com a viúva dissipou-lhe, inclusive, as trevas de seu ceticismo crônico, oriundo de suas crenças judaicas e do cientificismo moderno. Não chegou a se converter ainda, mas entendeu perfeitamente onde se encontrava a verdadeira fé em Deus. Mais um episódio veio a se somar em seu espírito para confirmar em quais corações ela viria encontrar Deus e sua Igreja.
Acostumada a estudar os fenômenos de uma forma mais metódica e não empírica, foi lendo a autobiografia de Santa Teresa D’Ávila que Edith Stein tomou a resolução de tornar-se católica. Durante uma temporada de férias passada na casa do casal amigo Conrad-Martius, em Bergzabern, pegou por acaso um livro na estante, do qual declarou: “Comecei a ler, fiquei imediatamente fascinada e não parei mais até o fim. Quando fechei o livro, disse para mim mesma: aqui está a verdade!”
Não era, porém, nos livros que ela iria encontrar-se com Deus, mas dentro de si mesma, tomando para tanto a difícil resolução de se dirigir a um sacerdote e solicitar o batismo. Antes, porém, procurou entender os dogmas de sua nova fé, adquirindo um Catecismo da Doutrina Cristã e um Missal, onde estudou com mais detalhe os mistérios da Fé Católica. Depois de ler o Missal, entendendo-o perfeitamente já com a alma cheia de ardente fé, foi assistir a Santa Missa e pediu para ser batizada.
No dia 1º. de janeiro de 1922, Edith Stein recebia o batismo cristão, na igreja matriz de Bergzabern, tendo como madrinha a filósofa sua amiga Hedwig Conrad-Martius. Recebeu o nome cristão de Teresa, acrescido depois de Benedita da Cruz ao entrar no Carmelo.

A Fé buscada pelo intelecto
Quando cursava ainda faculdade, Santa Edith Stein procurou sugestões para o tema de sua formatura e todos a advertiram de que tivesse cuidado com o tema, pois a direção da Escola tinha “preconceitos inquisitoriais” para certos temas. Casualmente veio-lhe às mãos uma obra do filósofo Edmund Husserl, “Investigações Lógicas”, notável por sua crítica ao ceticismo tão em moda naquela época. As idéias que predominavam fortemente eram as de Kant, de Auguste Comte, e de dezenas de outros filósofos que colocavam a razão e a ciência como contrários à fé, erigindo como norma suprema a descrença e o ceticismo. Husserl criava um novo método de estudos, denominado por ele mesmo de “fenomenologia”, pelo qual as verdades deveriam ser aceitas conforme elas se manifestassem através dos fenômenos de sua existência. Assim, um milagre, por exemplo, seria verdadeiro não porque a razão e a ciência o comprovassem, mas se sua existência fosse constatada através de sua manifestação ou “fenômeno”. A Fenomenologia procurava descobrir a essência das coisas pelo reconhecimento interno delas, manifestada pelo fatos externos.
Escreveu ela depois: “Todo trabalho da inteligência tende para a contemplação tranqüila da verdade e parte do conhecimento intuitivo dos princípios”. Mas de nada adiantaria contemplar sem mover a vontade na direção daquilo que amamos”. Baseada neste princípio, procurou ela estudar com afinco a Fenomenologia, e estudando-a e vivendo-a, conheceu a Fé verdadeira. Fez disto não só seu trabalho da formatura, mas sua forma de vida. Hedwig Conrad, discípula de Husserl e madrinha de batismo de Edith Stein, declarou que a Fenomenologia “pode conduzir absolutamente à Fé” , como de fato ocorreu. O próprio Husserl (que também era judeu) chegou a admirar e compreender a Fé católica abraçada por Santa Edith Stein, não o fazendo também ele por causa, segundo disse, de seus compromissos com os judeus seus amigos.
Buscando sempre a lógica em seu procedimento, Santa Edith Stein viu na argumentação de Edmund Husserl o nexo que procurava para sua existência, e aí foi a procura do filósofo para pedir sua ajuda na tese de mestrado. E o professor não só aceitou ser seu orientador, mas pediu que ela mesma se tornasse sua secretária para ajudá-lo a aprofundar mais os estudos da Fenomenologia. As conclusões lhe vieram à mente com a realidade prática dos fenômenos que passou a observar. Sabia ela que a inteligência foi posta por Deus no homem para reconhecer o mundo e a Obra divina, mas este reconhecimento se daria pelos fenômenos universais que os seres manifestariam externamente, sempre conforme a essência de cada um. Sabia também que a luz que penetra na alma vem através do intelecto, e este mesmo elabora deduções lógicas das manifestações divinas na Criação.
O filósofo Husserl logo formou uma escola (a “Escola de Göttingen”) e ao seu lado destacaram-se alguns discípulos, como Adolf Reinach, Hans-Theodor Conrad e sua esposa Hedwig Martius (católicos), ao lado de judeus como Edith Stein, Max Scheler (que também veio a se tornar católico) e o próprio Husserl. Tais discípulos, quando convertidos, tornaram-se grandes luminares da filosofia fenomenológica, sobrepondo-se inclusive ao próprio mestre da escola, o qual não conseguia desvencilhar-se de preconceitos e recalques de sua religião.
Aprofundados estudos filosóficos
Santa Edith Stein realizou profundos estudos filosóficos e científicos, publicados a maioria quando ainda vivia. O primeiro e mais debatido foi seu estudo sobre a empatia. Estudou a obra de São Tomás de Aquino, tendo traduzido do latim “Quaestiones disputatae de veritate”. Realizou também estudos sobre a filosofia grega e a Escolástica medieval. Publicou um livro sobre “causalidades psíquica” e um outro sobre o poder estatal com o título de “Investigação sobre o Estado”, exatamente numa época em que o Nazismo crescia sob o princípio da soberania absoluta do poder estatal. As idéias expressas nestas obras já são frutos de seus estudos escolásticos e baseiam-se, em sua maioria, na doutrina tomista. Numa época em que se colocava o poder estatal nas alturas, considerando-o superior a tudo, Santa Edith Stein estabelece os limites de tal poder e confronta os princípios da “estatolatria” com o da doutrina católica.
Vítima expiatória e mártir da Fé
Tornando-se Carmelita, Santa Edith Stein seguia o caminho de Santa Teresa d’Ávila e de São João da Cruz, daí ter adotado-os como seu nome cristão. Quando o nazismo tomou o poder na Alemanha e deflagrou a Segunda grande Guerra, a Santa já estava há alguns anos como irmã professa do Carmelo de Colônia. A perseguição aos judeus e católicos era inclemente, e ela era uma vítima duplamente visada pelos perseguidores. Fez de tudo para escapar das mãos de seus verdugos, tentando fugir: primeiramente foi para a Holanda e de lá preparava-se para fugir para a Suíça quando foi capturada, tirada de detrás das grades da reclusão de Echt para o campo de concentração de Auschwitz. Na noite entre 2 e 3 de agosto de 1942, foi levada à força pelos esbirros nazistas, tendo passado antes pelos campos de Arnerfost e Westerbork, situados numa zona completamente desabitada ao norte da Holanda. No dia 9 de agosto foi executada na câmara de gás.
Por três vezes, Santa Edith Stein havia anteriormente se oferecido como vítima expiatória, tanto pelo seu povo judeu quanto pela Europa e pelos católicos perseguidos. O Papa João Paulo II a proclamou, juntamente com Santa Catarina de Sena e Santa Brígida, como Co-Patrona da Europa.

Um comentário:

Maria Cecilia disse...

Muito bom o texto, especialmente a parte sobre o livro de Éric de Rus, de quem sou amiga e tradutora. Mas, em seguida, vemos uma série de imprecisões: Edmund Husserl era um judeu converso ao protestantismo, pois via no cristianismo uma aformação da dignidade de toda pessoa humana, que ele não encontrara no judaismo. Outra imprecisão: Edith Stein tinha grande admiração pela religião judaica, e quando conheceu Cristo diz sentir-se feliz por saber que o sangue do Salvador, que também era judeu, corria em suas veias. Além dessas duas imprecisões, o texto, muito bem escrito, gera um pouco de confusão ao misturar tempos e fases diferentes de Edith Stein, insinuando que ao encontrar-se com os autores cristãos ela tenha julgado a fenomenologia de Husserl superada. Ao contrário. Tudo isso pode ser visto nas duas obras da Coleção Obras Conpletas de Edith Stein, que saiu pela Paulus. Um, a dos seus escritos autobiográficos, e a outra com seus escritos em que ela coloca em diálogo, de modo profundo e inusitado, a fenomenologia de Edmund Husserl e a escolástica de são Tomás de Aquino (juntamente com Santo Agostinho e outros pensadores católicos). Temos também um site sobre Edith Stein, onde procuramos apresentar os estudos que estão sendo feitos, eapecialmente no Brasil,sobre essa mulher, fil[sofa e santa maravilhosa! edithstein.com.br
Sou a profa de filosofia, Maria Cecilia Isatto Parise.