segunda-feira, 7 de julho de 2025

GRAVES ERROS DE ALGUNS PAPAS QUE NÃO ENVOLVERAM A INFALIBILIDADE PONTIFÍCIA

 



 


O Papa sofre influência direta do Espírito Santo, que guia a Igreja através de inspirações a seu Corpo Místico e ao Vigário de Cristo na terra. No entanto, há influência externas de outras naturezas, como as do mundo, dos próprios fieis, dos bispos e cardeais, etc., as quais podem induzir o Pontífice a corrigir falhas ou até a cometer erros. Mosenhor Henri Delassus, em sua obra “La Conjuration Antichrétienne”, publicada em 1910, relata episódios em que a vidente Catharina de Emmerich visitava misticamente o Papa de seu tempo trazendo-lhe orientações sobre como proceder em casos duvidosos. Houve outros casos em que simples fieis davam orientação aos Papas através de visões místicas, como, por exemplo, o fez Santa Catarina de Siena no caso do cisma do Ocidente.

Há casos, porém, em que surgem outras influências más, oriundas de pessoas do mundo, mas que são próximas ao Papa. Nunca, porém, nenhum Papa cometeu erro de doutrina, de moral, de fé, fazendo prevalecer sempre o dogma da infalibilidade pontifícia nessas matérias.

E o Papa pode errar?

Transcrevemos parte do texto divulgado pela Gaudium Press, de autoria de Luís Toniolo, onde conclui desta forma:

“Posto o ensinamento sobre a Infalibilidade na Pastor Aeternus, cabe levantar algumas perguntas frequentes sobre esta autoridade papal.

O Papa erra?

Sim. A Pastor Aeternus deixa bem claro que este carisma de indefectibilidade se estende somente em matéria de Fé e moral. Isso quer dizer que o Papa pode errar em outras matérias que não tenham ligação diretamente com a Fé. Por exemplo, o Romano Pontífice pode errar em matéria de ciência, política e arte. Seus gostos estéticos podem ser lamentáveis, entretanto, em nada sua infalibilidade estará maculada.

O Papa pode pecar?

Sim. Infelizmente – dói dizer – nem todos os Papas foram santos. Entretanto, seus ensinamentos, ao menos aqueles que proferiram, com os lábios ou por escrito, não contêm erros contra a Fé. Se suas obras, como a dos fariseus no tempo de Jesus, não condizem com sua doutrina, ainda neste caso permanece intacta a infalibilidade.

É preciso rezar pelo Papa?

Em tempos de crise, a busca da verdade se torna mais intensa, pois quando as nuvens toldam os céus do mundo, o homem procura uma estrela, um farol, algo que possa guiar-lhe nas incertezas e nas dúvidas, na escuridão do erro e do pecado.

Nestas horas, falsas luzes podem levar ao naufrágio a barca de Pedro.

É papel do Papa, faz parte de seu ministério, é sua missão, dizer ao mundo onde está a Verdade.

Rezemos pelo Papa. Por Luis Toniolo”.[1]



[1] Texto publicado por ocasião do 150º aniversário da promulgação do dogma da infalibilidade pontifícia em julho de 2020-   Pastor Aeternus: o Papa não erra (I) | Gaudium Press   -  Pastor Aeternus: o Papa não erra (II) | Gaudium Press

 

Um pontificado cheio de erros foi o do cardeal Roderic Llançol i de Borja, o famoso Alexandre VI (1492-1503). Mas, erros mais na linha moral, dos costumes e administrativos. Seu pontificado foi tido como um paradigma de corrupção moral, inclusive causando escândalos contra a castidade, tendo filhos através de relacionamentos pecaminosos com algumas damas. Provocou uma verdadeira invasão secular dentro da Igreja e muito nepotismo: nomeou dezenas de parentes para altos cargos na Igreja. Foi acusado até de cometer o pecado de simonia. No entanto,  Alexandre VI protegeu as ordens religiosas, aprovando Congregações recém-fundadas e a evangelização do Novo Mundo e da Groenlândia.  Não exarou nenhum documento público com erros de fé e de moral.

Com relação a assuntos de outras naturezas, como, por exemplo, de problemas políticos, de administração interna ou de ordem disciplinar, houve diversos casos de erros cometidos pelos Papas. A começar pelo próprio São Pedro, o qual foi advertido por São Paulo por acatar os erros dos que exigiam que os novos cristãos não hebreus fossem circundados juntamente com o batismo, conforme narra os Atos dos Apóstolos.

Tendo o primeiro Papa, São Pedro, tomado medidas disciplinares referentes à permanência no culto católico de práticas remanescentes da antiga sinagoga, São Paulo viu nisto um grave fator de confusão doutrinária e de prejuízo para os fiéis. Levantou-se então e "resistiu em face" a São Pedro (Gal. II, 11). Este não viu, no lance fogoso e inesperado do Apóstolo das Gentes, um ato de rebeldia, mas de união e amor fraterno. E, sabendo bem no que era infalível e no que não era, cedeu ante os argumentos de São Paulo.

São Paulo dizia que apenas se exigisse que fossem batizados na religião cristã. São Pedro era de opinião contrária, seguido por outros apóstolos que desejavam ser fiéis à tradição mosaica. A questão causou controvérsias, havendo intervenção divina do Espírito Santo, como o caso do centurião Cornélio (At 10, 34-48), e outros citados nos Atos (At  11, 1-9 e 10, 11-16). Quer dizer, o divino Espírito Santo assiste a Igreja como um todo, inspirando não somente os pastores mas também os fieis e apóstolos que formam o Corpo Místico de Cristo.

Mesmo após os sonhos ou visões de São Pedro a questão ainda não ficou completamente resolvida, conforme relata o próprio São Paulo em sua Epístola aos Gálatas (2, 11-14), pois São Pedro e outros apóstolos tinham receio de aparecer publicamente com os gentios convertidos e não circundados. Na oportunidade, São Paulo chamou de hipócritas àqueles que procediam diferente a respeito do tema da convivência com os gentios convertidos, batizados, mas não circundados.

Vejamos dois casos de erros graves, mas que assim mesmo não tiveram nenhum efeito sobre a  infalibilidade pontifícia. O que poderia fazer com que um Papa, por exemplo, ordene o fechamento de ordens religiosas tão benéficas e úteis à Igreja como foi o caso dos Templários e da Companhia de Jesus? Isso pode ter sido causado pela forte influência do mundo, representado pela sociedade em que vivia, e seus assessores, os bispos e cardeais da cúria romana, os quais também sofrem influência do mundo. É como se um guerreiro envolvido numa luta primordial quisesse amputar dois órgãos de seu corpo para enfrentar assim o inimigo no combate.

 

SUPRESSÃO DA ORDEM DOS TEMPLÁRIOS, FIM DA IDADE MÉDIA

De um modo natural o mundo influencia primordialmente os monarcas. O direito romano convenceu alguns reis a usar o poder estatal como se fosse uma forma suprema de soberania, impondo inclusive o seu poder absoluto sobre o resto da sociedade (chamaram-nos então de “reis absolutistas”), sem excluir um suposto direito de ser superior à própria Igreja. São os antecessores dos socialistas e comunistas modernos. Assim, Filipe IV, chamado “Filipe o Belo”, rei de França (de 1285 a 1314), neto do grande São Luís IX, tomou algumas atitudes ditatoriais para impor o poder estatal. Numa delas mandou esbofetear o Papa Bonifácio VIII em praça pública a fim de deixar patente a todos sua soberania até sobre o Papado. Em seu reinado houve o famoso cisma do Ocidente (em Avignon) e o início da “guerra dos cem anos” entre Inglaterra e França. Pode ter tido origem também ao apelido de “déspotas esclarecidos” dado a alguns monarcas, em virtude de pautar seus procedimentos com base nas ideias dos filósofos que então surgiam na época.

Naquele tempo a Ordem dos Templários era um dos sustentáculos da ação apostólica da Igreja, detendo não somente poder de influência religiosa mas também financeira. Com graves problemas de dívidas e tendo de recorrer a empréstimos, Filipe “o Belo” julgou que poderia se apoderar da suposta riqueza daquela Ordem para suprir suas necessidades, e assim urdiu um plano. Não conseguindo junto dos Templários recursos para financiar seus negócios reais,  usou a sua influência sobre o Papa Clemente V para acabar com a Ordem e confiscar todos os seus bens. Para isso, colocou em prática uma estratégia de descrédito, acusando os Templários de heresia, imoralidade, sodomia e diversos outros crimes. Com base nisso pediu e conseguiu criar uma inquisição contra eles. Uma  ordem de prisão foi redigida em 14 de setembro de 1307 (no dia da Exaltação da Santa Cruz), e no dia 13 de outubro de 1307 (uma sexta-feira), todos os cavaleiros que estavam em território francês foram presos. Foi a partir daí que surgiu a superstição de se dizer que a sexta feira quando cai no dia 13 dá azar.

Entre 19 de outubro e 24 de novembro de 1307, 138 prisioneiros Templários foram interrogados em Paris sob torturas, a fim de conseguir confissões que comprometessem a Ordem. Numa carta do papa Clemente V ao rei, datada de 27 de outubro de 1307, deixa a entender os protestos do Pontífice para com os meios pelos quais os cavaleiros eram interrogados e as confissões lhe eram arrancadas.

Mas, o Papa não resiste e começa a ceder. Alguns dias depois, em 22 de novembro de 1307, pela bula Pastoralis præminentiæ o próprio Papa recomenda a prisão dos Templários em outros países da Europa, dando a entender que estava cedendo completamente aos desejos do rei ou de alguma sociedade secreta à qual o mesmo pertencia.

A partir de 1310, a Igreja institui sua própria investigação sobre a Ordem, na qual chegaram a depor 573 cavaleiros. Todos em defesa da Ordem e afirmando que as confissões foram arrancadas no tribunal inquisitorial francês por meios de tortura. Em 16 de outubro de 1311, o papa Clemente V abre o Concílio de Vienne, no qual se concluiu que, com base nos inquéritos eclesiásticos, bem como também nos civis, não havia fatos palpáveis de culpabilidade.

Mesmo assim, a Ordem dos Templários é suspensa em 22 de março de 1312, pela bula 'Vox in Excelso". Em seguida, o papa Clemente V, através bula "Ad providam" de 2 de maio de 1312, transfere todos os bens dos Templários para a Ordem dos Hospitalários, exceto os de Portugal, de Castela, de Aragão e de Maiorca, os quais ficariam na posse interina dos monarcas, até o Conselho decidir qual o seu destino. Essa transferência visava proteger temporariamente os bens da Ordem que o rei tencionava desapropriar como se fossem do reino.

No adro da Igreja de Notre-Dame, em Paris, instalaram um cadafalso, para no dia 18 de março de 1314 anunciar a sentença de prisão perpétua aos cavaleiros Tiago de Molay, Hughes de Pairaud, Geoffroy de Charnay e Geoffroy de Gonneville. Em meio ao anúncio da sentença, De Molay e Geoffroy de Charnay levantaram-se bradando sua inocência e a de todos os Templários, que todos os crimes e heresias a eles atribuídos foram inventados. No mesmo dia, armou-se uma fogueira próxima ao jardim do palácio onde foram queimados Tiago de Molay e Geoffroy de Charnay. Registra-se no episódio uma das ações que mancham o bom nome das inquisições que se faziam contra hereges e cismáticos, desta vez usada contra bons religiosos e comprometendo o próprio Papado e o nome da Igreja. O mesmo tipo de “inquisição” foi usado também, um século depois, contra Santa Joana D’Arc, época também em que findou a famosa “guerra dos cem anos”.

O chamado "Pergaminho de Chinon" ao declarar que Clemente V pretendia absolver a ordem das acusações de heresia, e que poderia ter dado eventualmente a absolvição ao último grão-mestre, Jacques de Molay, e aos demais cavaleiros, suscitou a reação da monarquia francesa, de tal forma que obrigou o papa Clemente V a uma decisão covarde, sancionada em 1312, durante o Concílio de Vienne, através da bula "Vox in excelso", a qual declarava que o processo não havia comprovado a acusação de heresia, mas, mesmo assim afirma que, “pelo bem da Igreja”, a Ordem deveria ser suprimida.

Séculos depois, após a descoberta nos arquivos do Vaticano da ata de Chinon, assinada por quatro cardeais, declarando a vontade de dar a inocência dos Templários, o rumoroso processo foi recordado em uma cerimônia realizada no Vaticano, a 25 de outubro de 2007, na Sala Vecchia do Sínodo, na presença do monsenhor Raffaele Farina, arquivista bibliotecário da Santa Igreja Romana, de monsenhor Sergio Pagano, prefeito do Arquivo Secreto do Vaticano, de Marco Maiorino, oficial do arquivo, de Franco Cardini, medievalista, de Valerio Manfred, arqueólogo e escritor, e da escritora Barbara Frale, descobridora do pergaminho e autora do livro "Os Templários".

Os cavaleiros Templários, enquanto ordem simultaneamente militar e monástica, ativa e contemplativa, tinham como missão original levar a Terra Santa ao controle cristão.

 

Supressão da Companhia de Jesus

O clima criado pelo Humanismo e o Iluminismo, no século XVIII, era de completo ceticismo com relação à Religião e de apego ao racionalismo e à soberania do poder estatal. Tais correntes conseguiram juntar filosofia à politica. Era o clima que havia se iniciado já no tempo de Filipe “o Belo” e continuava a imperar entre os reinos europeus. A Revolução Francesa de 1789 foi um exemplo de explosão de uma elite burguesa contra a ordem sacral que provinha da Idade Média, deixando reflexos profundos em toda a Europa. Em Portugal não conseguiram usar o mesmo sistema utilizado na França, mas, perante uma monarquia eivada dos erros imperantes em toda a Europa, levaram a efeito a perseguição aos padres Jesuítas, prejudicando assim toda a Igreja: o principal ministro do rei, Marquês de Pombal, foi usado como o principal e ardoroso perseguidor da Ordem Religiosa que seguia mais a ortodoxia católica. Sob pretextos diversos, como um suposto regicídio e a guerra contra os povos das Missões no Brasil, acusou os Jesuítas de traição à pátria, levando muitos a serem sumariamente executados e outros para o desterro. Estava ali sendo iniciado um longo processo de perseguição à Companhia de Jesus que culminaria mais tarde com sua total supressão.

Vejamos, a seguir, como foi que o mundo conseguiu influenciar até mesmo a decisão de um Papa. O Marquês de Pombal teve tanto apoio de certo clero decadente que conseguiu que fosse nomeado seu irmão para dirigir uma inquisição formada para julgar o missionário jesuíta Padre Malagrida, o qual foi condenado e executado num processo espúrio e injusto. Tinha ocorrido um terremoto em Lisboa e o padre Malagrida fez uma homilia dizendo que tinha sido castigo por causa dos pecados cometidos, especialmente pelo famoso Marquês de Pombal. Essa homilia foi impressa e distribuída pelos católicos pela cidade, causando uma má impressão pública do governante. Este, irritado contra o que disse o padre armou esta falsa inquisição, a qual terminou por mandar executá-lo com torniquetes. O inquisidor, irmão do próprio Marquês de Pombal, havia recebido tal poder diretamente de Roma.

Havia sido alimentado também dentro da própria Igreja um clima de ciúmes e invejas contra os Jesuítas, já que a Ordem tinha grande supremacia religiosa, intelectual e moral. Eles mantinham elementos da fina flor da sociedade em suas fileiras, além de posições invejáveis nas cortes com professores, pregadores e confessores,  assim como destaque por certo predomínio científico. E, acima de tudo, suas missões perante os aborígenes obtinham sucesso enorme ainda naqueles tempos. De outro lado, os padres da Companhia vinham realizando uma bem-sucedida luta contra erros e desvios doutrinários, como o jansenismo, encontrando forte oposição em alguns setores religiosos.

Tal era esse clima dentro da Igreja que, ao serem presos os jesuítas da Ilha dos Açores, religiosos de outras ordens aplaudiram a medida publicamente, conforme relata Eckart: “Nos Açores deu-se ainda uma vergonhosa particularidade: É que houve Religiosos de diversas Ordens que, ao ver os Jesuítas levados cativos a desfilar pelas ruas a caminho do cárcere, aplaudiram radiantes com graçolas sarcásticas e dísticos satíricos. Houve mesmo quem do púlpito desse graças, e explodisse em manifestações de regozijo pela desgraça dos Jesuítas”.

Assim, neste ambiente adverso até dentro da própria Igreja o Papa Clemente XIV resolve suprimir a Ordem em 1773, colocando o Superior Geral, Lorenzo Ricci, em prisão no Castelo de Sant’Angelo e exigindo que os demais deixassem a Ordem. Não havia clima para se repetir o que fizeram com a Ordem dos Templários, inquisições falsas e mortes, mas algumas prisões e deportações, causando um dano irreparável em toda a Igreja, principalmente por prejudicar as inúmeras missões jesuíticas espalhadas pelo mundo.

Na época havia 39 Províncias, 669 colégios, 237 casas de formação, 335 residências missionárias, 273 missões e mais de 22 mil membros, entre irmãos leigos, seminaristas e sacerdotes. Por exemplo, havia no Brasil um seminário jesuíta que continha cerca de 500 internos: ficava no lugar chamado Belém de Cachoeira, na Bahia, onde hoje só há ruínas. Estudou nele um Santo brasileiro, Santo Antonio de Santana Galvão, e foi lá que o Padre Bartolomeu de Gusmão fez suas primeiras experiências com o balão, levando-o depois para Lisboa. Apesar de um ato injusto nem por isso os sacerdotes se revoltaram, mas simplesmente cumpriram todas as determinações emanadas do Papa.

O Padre Lorenzo Ricci, antes de falecer, deixou a seguinte declaração:

“Na certeza de que em breve Deus me vai chamar a Si, dada a minha avançada idade e os longos trabalhos por que passei, muito superiores à minha fraqueza, entendo que devo preventivamente cumprir um dever que me pesa, pois pode facilmente acontecer que a doença me venha a impedir de o fazer “in articulo mortis”.

“Considerando-me, portanto, prestes a comparecer perante o tribunal da Justiça e Verdade infalível, que é o tribunal de Deus, depois de longa e madura consideração, e depois de ter suplicado humildemente ao meu misericordiosíssimo Redentor e terrível Juiz não permita que eu, num dos últimos atos da minha vida, me deixe levar da paixão ou ressentimento da alma para um fim menos ordenado,  mas só pelo sentimento do dever, para fazer justiça á verdade e á inocência:

“I. Declaro e protesto que a extinta Companhia de Jesus não deu motivo algum para a sua supressão. Declaro-o e protesto com aquela certeza moral que pode ter um Superior bem informado acerca das coisas de sua Ordem.

“II. Declaro e protesto que eu não dei motivo algum, nem sequer leve, para a minha prisão. Declaro-o com aquela plena certeza que cada um tem das próprias ações. Faço este protesto somente porque ele é necessário à reputação da extinta Companhia de Jesus, da qual fui Prepósito Geral.”

 

Restauração

No entanto, ao contrário dos Templários, a Companhia de Jesus foi restaurada em 1814 através da Encíclica “Solicitudo omnium ecclesiarum” do  Papa Pio VII. Antes disso, a partir de 1782, a Igreja já permitira que a Ordem permanecesse apenas na Rússia e na Polônia.

 

 

 


quinta-feira, 26 de junho de 2025

O TREM DA REVOLUÇÃO SEGUNDO O BEATO FRANCISCO PALAU

 



No livro de Plínio Corrêa de Oliveira, “Revolução e Contra-Revolução” está contido todo o desenvolvimento da luta dos filhos das trevas contra a Igreja e a Civilização Cristã nos últimos 5 séculos. Um dos santos que mais entendeu esta temática foi o Beato Palau, descrevendo, denunciando e combatendo a Revolução em toda a sua essência, inclusive manifestando que um dos principais fatores de propulsão da Revolução são o orgulho e a sensualidade.

A Revolução pretende a destruição da Ordem por excelência: “Assim, o que tem sido destruído, do século XV para cá, aquilo cuja destruição já está quase inteiramente consumada em nossos dias, é a disposição dos homens e das coisas segundo a doutrina da Igreja, Mestra da Revelação e da Lei Natural. Esta disposição é a ordem por excelência. O que se quer implantar é, per diametrum, o contrário disso. Portanto, a Revolução por execelência”.[1]

No exemplo a seguir vemos um trem indo em direção de uma catástrofe sem que ninguém o perceba, assim como a Revolução guia os povos modernos, os quais, por castigo, não sentem a presença do perigo. Então, quem guia o mundo moderno não é o maquinista do trem, simbolizando os chefes das nações, mas o próprio Satanás, o qual preparou antecipadamente o desastre, que será o caos e o desespero das populações.

Segundo o Beato Francisco Palau Y Quer, essa Revolução é a que realiza os anúncios das Sagradas Escrituras relativos à apostasia dos últimos tempos. A análise racional, tranquila e vigorosa dos acontecimentos sociopolíticos contemporâneos o confirmava nesta sua convicção. A Revolução leva a uma catástrofe que o Beato Palau queria evitar. No século XIX a humanidade imergia de modo displicente e veloz na anarquia, impelida pelas tendências desordenadas que alimentam a Revolução, especialmente o orgulho e a sensualidade. Por isso, o Beato Palau concluiu que a dinâmica revolucionária impulsiona o mundo de modo implacável ao caos e ao desaparecimento da ordem social. Um exemplo patente de como se caminha para este caos podemos ver como algumas nações são dirigidas hoje em dia, como o Brasil e a Venezuela.

O beato usava como exemplo um acidente ferroviário que abalou seus contemporâneos. Um temporal derribara uma ponte na Catalunha, e um trem expresso – naquela época símbolo embriagador do progresso industrial – sem saber do acontecido, precipitou-se no abismo durante a noite. Ele viu no acidente uma parábola do mundo superficial e despreocupado, portador de restos de cultura e religião, sendo conduzido pela Revolução rumo a uma catástrofe que o bem-aventurado desejava evitar, mas que ninguém queria ouvir falar:

“Uma horrorosa catástrofe anunciada pelos profetas, por Cristo, pelos Apóstolos e por todos os porta-vozes mais autorizados do catolicismo. A sociedade atual, conduzida em massa pelo poder das trevas e pelo poder político, subiu num trem. Mas os maquinistas a levam para os infernos. A estação de onde saiu chama-se Revolução, a próxima estação chama-se Catástrofe Social.”

“Agora o trem circula entre uma estação e outra. Os passageiros não pensam, o Ermitão dá berros fortíssimos: ‘Parem, voltem atrás!’.”

“Mas essa voz, que é a própria voz do catolicismo, é sufocada pelo ruído do trem. (...) A tempestade levou a ponte. Era noite e o trem que partiu de Gerona ia em frente. Os viajantes não sabiam do perigo, mas a ponte não estava ali. As trevas escondiam o risco, até chegar ao abismo. A locomotora deu um pulo e não tinha asas, faltavam os trilhos, só havia o precipício. Ela caiu, arrastando consigo os carros e os passageiros. E as águas os engoliram.”

“Eles não acreditaram no perigo, mas ele existia, era verdadeiro, e a incredulidade não os salvou, mas os perdeu.”

“Os maquinistas e condutores do trem para onde vai a sociedade atual estão ébrios, perderam o juízo. Não vedes que não acertam uma?”

“Descei enquanto puderdes, e jogai-vos nos braços da Igreja, vossa Mãe, e assim vos salvareis.”

 

("Catástrofe social", El Ermitaño, Nº 40, 5-8-1869)

 

 

 



[1] Parte I – Cap. VII, E - de “Revolução e Contra-Revolução”, Ed. Chevalerie Artes Gráficas Ltda - pág. 55

terça-feira, 17 de junho de 2025

O CARÁTER PROFÉTICO DE DR. PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA

 



 

O profetismo voltou a ser um tema muito debatido nos últimos tempos. É preciso, pois, esclarecer alguns pontos que a opinião geral não entende bem sobre vocação tão grandiosa.  De modo geral, pensa-se que tal vocação só existiu no Antigo Testamento, quando os profetas profetizaram sobre a vinda do Messias e, alguns deles, sobre o povo eleito e o futuro da humanidade. A missão principal de um profeta é conduzir seu povo. Com a vinda do Messias tal vocação ficou presente apenas na Igreja, a condutora do povo de Deus para o Reino de Cristo, mas é através de seus membros, o Corpo Místico de Cristo, que ela cumpre tal missão.  

 

O Profetismo é inerente à vida consagrada

O Profetismo em nossos dias é estimulado pela Igreja como uma grande graça divina para a condução dos destinos d’Ela própria. Na Exortação Apostólica Pós-Sinodal de João Paulo II, sobre a Vida Consagrada dos Institutos Seculares, publicada em 25 de março de 1996, há o seguinte texto sobre o Profetismo:

"O profetismo da vida consagrada

84. O caráter profético da vida consagrada foi posto em grande relevo pelos Padres sinodais. Apresenta-se como uma forma especial de participação na função profética de Cristo, comunicada pelo Espírito a todo o Povo de Deus. De fato, o profetismo é inerente à vida consagrada enquanto tal, devido ao radicalismo do seguimento de Cristo e da consequente dedicação à missão que o caracteriza. A função de sinal, que o Concílio Vaticano II atribui à vida consagrada, exprime-se no testemunho profético da primazia que Deus e os valores do Evangelho têm na vida cristã. Em virtude desta primazia, nada pode ser preferido ao amor pessoal por Cristo e pelos pobres, nos quais Ele vive. A tradição patrística viu um modelo da vida religiosa monástica em Elias, profeta audaz e amigo de Deus. Vivia na sua presença e contemplava no silêncio a sua passagem, intercedia pelo povo e proclamava com coragem a sua vontade, defendia os direitos de Deus e levantava-se em defesa dos pobres contra os poderosos do mundo (cf. 1 Rs 18-19; 21). Na história da Igreja, juntamente com outros cristãos, não faltaram homens e mulheres consagrados a Deus que exerceram, por dom particular do Espírito, um autêntico ministério profético, falando em nome de Deus a todos, também aos Pastores da Igreja. A verdadeira profecia nasce de Deus, da amizade com Ele, da escuta diligente da sua Palavra nas diversas circunstâncias da história. O profeta sente arder no coração a paixão pela santidade de Deus e, depois de ter acolhido a palavra no diálogo da oração, proclama-a com a vida, com os lábios e com os gestos, fazendo-se porta-voz de Deus contra o mal e o pecado. O testemunho profético requer a busca constante e apaixonada da vontade de Deus, uma comunhão eclesial generosa e imprescindível, o exercício do discernimento espiritual, o amor pela verdade. O referido testemunho exprime-se ainda mediante a denúncia do que é contrário à vontade divina e a busca de novos caminhos para atuar o Evangelho na história, na perspectiva do Reino de Deus.

 

A sua importância para o mundo contemporâneo

85. No nosso mundo, onde frequentemente parecem ter-se perdido os vestígios de Deus, torna-se urgente um vigoroso testemunho profético por parte das pessoas consagradas. Tal testemunho versará, primariamente, sobre a afirmação da primazia de Deus e dos bens futuros, como transparece do seguimento e imitação de Cristo casto, pobre e obediente, votado completamente à glória do Pai e ao amor dos irmãos e irmãs. A própria vida fraterna é já profecia em ato, numa sociedade que, às vezes sem se dar conta, anela profundamente por uma fraternidade sem fronteiras. Às pessoas consagradas é pedido que ofereçam o seu testemunho, com a ousadia do profeta que não tem medo de arriscar a própria vida.

Uma íntima força persuasiva da profecia vem-lhe da coerência entre o anúncio e a vida. As pessoas consagradas serão fiéis à sua missão na Igreja e no mundo, se forem capazes de se reverem continuamente a si próprias à luz da Palavra de Deus. Poderão assim enriquecer os outros fiéis com os dons carismáticos recebidos, deixando-se por sua vez interpelar pelas provocações proféticas vindas dos outros elementos eclesiais. Nesta permuta de dons, garantida por uma plena sintonia com o Magistério e a disciplina da Igreja, resplandecerá a Ação do Espírito, que « conduz [a Igreja] à verdade total e unifica-a na comunhão e no ministério, enriquece-a e guia-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos”.

Há outros pontos a destacar no documento acima, mas julgamos importante apenas o que destacamos acima a fim de realçar o papel do profetismo em nossos dias.

 

O profetismo de Dr. Plínio Corrêa de Oliveira

Vejamos o que diz sobre o profetismo pliniano Monsenhor João S. Clá Dias, EP:

“Contudo, podemos afirmar que Plínio foi um profeta? Terá sido ele, de fato, galardoado pela Divina Providência com os predicados do profetismo? Já na infância vislumbrava diante de si uma missão excelsa, como atestam suas palavras: “Eu sentia muitíssimo, desde menino, a predestinação para uma grandiosa vocação”. [1] Entretanto, a noção de profetismo ainda não se apresentava ao seu espírito, uma vez que, segundo suas jovens impressões, profeta deveria ser chamado aquele homem que executasse ações portentosas e terríveis, dividindo as águas do mar ao levantar o braço ou, então, a cujas ordens baixasse fogo do céu. “Eu não tinha a ideia de ser profeta, pois para mim profeta era, por exemplo, Elias fazendo milagres”.[2]

“Assim, antes de responder de modo categórico à pergunta acima formulada, torna-se indispensável lançar um olhar sobre alguns dons de intuição que Plínio manifestou possuir desde o amanhecer da razão. Dentre eles, dignas de especial atenção são as inusitadas visões desse menino pelas quais chegava a contemplar cenas de episódios ocorridos fora do alcance de sua vista, a pequena ou grande distância, bem como a predizer acontecimentos que se passariam num futuro próximo. Plínio lembraria alguns desses fatos até o fim de sua existência, enquanto outros, por ele olvidados, seriam transmitidos a diversos familiares ou amigos por Da. Lucília. Além desses, quantos ter-se-ão dado, talvez na ausência dela e, por isso, perderam-se para a História?”[3]

Os dons e carismas próprios do profetismo foram se manifestando no decorrer da vida de Plínio Corrêa de Oliveira, sendo fartamente comentados e divulgados por seus discípulos, especialmente Monsenhor João Clá na obra que ora citamos. Dentre tais carismas o mais comum era o do discernimento dos espíritos, o que fazia com que ele analizasse com incrível acerto o interior das almas muitas vezes pelo simples olhado dado à pessoa. Tudo isso ficou comprovado em várias ocasiões e testemunhado por vários de seus seguidores ao longo dos anos.

 

Prenúncios do profetismo

O profetismo de Dr. Plínio já se manifestou através de tal discernimento desde sua infância ou pré-adolescência, conforme narra Monsenhor João S. Clá Dias, EP:

“Estaria relacionada com esse dom inicial a aptidão de que ele se utilizou aos doze anos, ainda nos bancos do Colégio São Luís?

Em algumas aulas o professor nomeava dois alunos para realizarem um torneio de perguntas e respostas sobre a matéria lecionada. Chamado para esse exercício, denominado desafio, Plinio era quase sempre confrontado a um menino de excelente memória e muito sucesso nos estudos, Francisco Antonio de Queirós Teles Neto, o qual lhe apresentava difíceis questões. Então, vendo-se apertado pela necessidade, Plínio lançava mão de um recurso especial: olhava com atenção a fisionomia do antagonista e tentava adivinhar sua próxima pergunta, obtendo resultado imediato: “Coisa curiosa! À força de olhar, com frequência descobria o que ele ia me perguntar. Assim, lia o necessário, preparava-se com antecedência e, quando ele terminava, dava-lhe imediatamente a resposta. Olhando-o eu não via somente a pergunta que iria me fazer, mas também o que ele não sabia. E, chegada a minha hora, fazia-lhe perguntas inesperadas, que ele respondia apenas em parte. Com isso, eu ganhava facilmente os desafios”[4]

Numa das suas reuniões a seus discípulos, Dr. Plínio comentou sobre um fato que demonstra a aplicação de tal carisma em seu apostolado:

“Eu me lembro que uma vez, quando a TFP era novinha, funcionava na Rua Vieira de Carvalho, fizemos uma semana de estudos onde vieram pessoas de vários estados, de várias origens, para participar, mas um bom número deles era novato que nunca tinha estado conosco. Havia uma sala lá que servia de biblioteca e na qual eu atendia aqueles que queriam falar comigo em particular.

Entrou um, do qual eu me lembro até agora. Mas bem magro, uma altura entre estatura média e pequena, muito moreno, os cabelos mais bem escassos, mas que ele encheu de brilhantina ou de qualquer desses cosméticos, ele estava um espelho reluzente dessa história. Colarinho sujo, se eu me lembro bem unhas sujas também e ele todo pouco banhado. Olhar espertíssimo, olhos pequenos, pretos e que se deslocavam de um lado para outro sem ele mover a cabeça, percebendo tudo o que ele queria perceber.

 

 

A falta do jeitinho

Ele sentou-se e me disse pouco mais ou menos isto:

- O senhor quereria me dizer o que é que tem a dizer a meu respeito?

- Você diga o que você quer dizer.

- Não, eu preferia que o senhor dissesse.

Era a primeira vez que eu estava vendo o palmípede e não sabia bem como resolver o caso dele.

Olhei para ele e disse:

- Olhe, você tem tais qualidades e tais defeitos.

Eu julguei que o meu homem ficasse satisfeito, pois estava me pedindo para eu falar com ele sobre ele.

Mas eu verifiquei que ele, de fato, não queria que eu dissesse a verdade sobre ele, ele esperava de minha parte um diagnóstico errado que desse a ele a alegria de que ele me tinha driblado.

Como ele viu que eu disse exatamente o que era, ele não fez outra coisa senão levantar-se, me estender a mão e dizer:

- Dr. Plinio, até logo.

- Ué? Você não continua essa conversa?

- Não, senhor. Eu não vou entrar na TFP.

- Mas, por quê?

- Porque não tem propósito o senhor me dizer o que disse.

- Por quê, eu errei?

- Não, porque o senhor acertou. Se o senhor é capaz de ver tão bem o que se passa em mim, eu prefiro não ter trato com o senhor.

É um horror, mas é um certo gênero de coisa e que o jeitinho está ausente.

Os jeitinhos como são há tantos, a todo o momento, a toda hora que a gente observa jeitinhos, e depois tantas aplicações diferentes, que eu nem sei o que dizer.”[5]

 

Guia da sociedade para os dias futuros

Além dos carismas acima citados, o profetismo também possui o dom de preparar e guiar a sociedade para os dias futuros, não somente dando segura orientação religiosa, mas, principalmente formando um grupo de seguidores que serão os construtores de uma nova sociedade. Nessa formação, a orientação dada por Dr. Plínio não se atinha somente ao âmbito religioso, mas incluía sociabilidade, educação cívica, artística, etc., dando aos jovens um novo conceito de sua própria vida. Ocorreu o mesmo com os antigos profetas, como Santo Elias, o qual tinha centenas de seguidores que também eram chamados de profetas.

Nesse sentido, os Arautos do Evangelho revelam exímia arte nessa construção, pois, além de dar segura orientação doutrinária a seus seguidores e amigos, vai, ao mesmo tempo, erigindo templos e castelos para recolhimentos de religiosos (brevemente, até cidades) onde se manifesta de forma exuberante a beleza e sacralidade de tais obras. Tudo isso foi preparado e orientado por Dr. Plínio enquanto vivia, pois dava ele os princípios de como será uma sociedade sacral no Reino de Maria. Hoje temos entre os Arautos do Evangelho excelentes artistas, tanto da arte escultural e construtiva quanto da música, da pintura, etc, anônimos para que se saiba que o importante é o reino que constroem e não suas famas. Nesse sentido, o profetismo dele não se atinha ao fato de prever e denunciar, mas também de construir já uma sociedade que tornar-se-á o Reino de Maria.

Assim se expressou ele sobre tal aspecto:

“A Contra-Revolução é um movimento que não visa apenas frear a Revolução, mas derrota-la, extermina-la e implantar o Reino de Maria, quer dizer, a instauração, nesta terra, de uma ordem temporal e, mais, de uma cultura, de uma civilização, de um estado espiritual que sejam marcados predominantemente pelos princípios que a Revolução tentou eliminar, de tal maneira que estes sejam levados até as suas últimas consequências, até o seu maior brilho e até o seu apogeu, e que da noite profunda da Revolução, pelos esforços da Contra-Revolução, saia a maior luz, o maior esplendor da Civilização Cristã, o estado mais radioso da Santa Igreja Católica Apostólica Romana”[6]

 

A RCR é a base do profetismo pliniano

O texto a seguir foi extraído da Carta Circular Pe. Anchieta, n. 49, de 14 de novembro de 1995, a partir da página 5. Colocamos os comentários do Sr. João Clá apenas no início:

“Alguém dirá: “Espere um pouco. Isso foi o que Nosso Senhor Jesus Cristo disse aos Apóstolos. Mas o que nosso Pai e Fundador terá dito a nosso respeito, o que ele diz que nós somos? Depois, me explique: como e que nós vamos continuar, se ele não está orientando? Se não é ele que está vivo aqui, dizendo: Façam isto, façam aquilo. Como é que isto vai acontecer?

Não há dúvida. Vamos às palavras deles. Em meados da década de 60 – portanto, há trinta anos atrás – ele já definia o que é que nós somos e o que é que vai acontecer conosco. É um simpósio sobre o que nós somos propriamente. Depois de explicar como nasceu o termo “profetismo” naquela conversa com o Bispo, o Sr. Dr. Plínio diz:

“Quando o Prof. Furquim fez uma saudação aos que partiam para o Concílio em 1962, ele teve esta expressão que me pareceu muito feliz. Ele disse: “Bastaria que o Concílio tomasse a RCR como centro das cogitações a partir das quais ele vai doutrinar e legislar para a situação do mundo estar salva”.

[...] Mas se esse caráter profético é da RCR, seria difícil negar que ele é também de quem fez a RCR. E seria difícil negar que ele é por participação daqueles para quem a RCR foi feita e a quem incumbe sob a direção de homem da RCR fazer a Contra-Revolução contra a Revolução.  Portanto, o profetismo assim visto é um carisma que, é evidente, continuou na Igreja e não foi apenas privilégio da Sinagoga.

Ao longo de minha vida, ao longo da pré-história do Grupo, apesar de parecer que a Providência nos tinha abandonado várias vezes, apesar de parecer que Ela não nos dava importância, que Ela não nos endossava, Ela nos ia dando uma porção de dados, de elementos, que foram constituindo para nós as possibilidades de ser o Grupo dotado de carismas numa determinada hora. É só questão de refazer a história do Grupo.

Depois, Ela permitiu que longamente houvesse uma prova. Uma prova de desinteresse pessoal e de confiança levada aos maiores sacrifícios, ao verdadeiro absurdo, que é o que caracteriza o verdadeiro profeta. O profeta tem que dar prova de confiança na Providência. A ação dele tem que ser absurda, salvo um auxílio d’Ela, do contrário não é profeta. Ele tem de ser desinteressado, ele tem de ser mártir de sua própria missão, senão não é profeta. Essa prova foi de algum modo o pior dos martírios. Mas foi uma espera que Deus quis que eu tivesse, como quis que Noé tivesse, que Abraão tivesse, que Nosso Senhor Jesus Cristo tivesse – poder-se-ia montar uma teologia a respeito disso – para afinal chegar a um determinado momento em que inexplicavelmente aquilo que a gente pensava que não frutificava começa a frutificar... na última hora.

Houve algo para dizer ao mundo sobre seu pecado, que os santos não previram, que a Igreja não previu por nenhum documento Pontifício, que Fátima não previu, mas cuja plenitude deveria ser predita por nós.

E isto corresponde completamente à nossa doutrina do Profetismo.

[...] As harmonias da história pedem que Deus tenha instituído profetas, ao menos em determinado momento, para serem os profetas da Causa da fidelidade. O combate à Revolução pela Contra-Revolução nunca teria atingido toda a radicalização necessária enquanto não fosse um combate de Profeta contra profetas.

 

Não são qualidades exclusivas minhas

Pelo que ficou atrás torna-se evidente que o Grupo tem uma concentração magnífica de carismas. Que esses carismas se transmitem basta examinar um pouco mais de perto o seguinte fato. Eu tenho uma tal ou qual facilidade para perceber a psicologia das pessoas através da fisionomia[7]. Essa facilidade nós podemos dizer que tem qualquer coisa de carismático. Agora, é uma qualidade exclusivamente minha ou não?

Chama-se muito atenção que isto, sem ser nestes termos, com essa precisão, porque o Grupo recebe isto bem, porque gosta que isto seja assim, porque acredita nisso, porque faz uso disto, o Grupo de algum modo participa da coisa, no seguinte sentido que os grupos não me dão trabalho praticamente nenhum no selecionar os seus próprios membros. É muito raro, é muito excepcional eu ter que intervir para conseguir que algum grupo expulse alguma pessoa que já não está prestando. É muito raro.

Na quase totalidade dos casos, os grupos pensam exatamente como eu a respeito das pessoas até sem me consultar, e, de um modo geral, quando eu tenho que intervir é apenas para determinar uma moção, um movimento que já estava a pique de se pronunciar naquele sentido. Não que haja pessoas no Grupo com tanta facilidade para discernir os espíritos, mas há, em todo caso, uma espécie de transmissão por onde, na medida em que são unidos a mim, os grupos de fato evitam coisas dessas. Qual seja a importância prática disso, é simplesmente indizível, porque se o Grupo admitisse abacaxis, ou se o Grupo não quisesse expulsar abacaxis, o Grupo se intoxicava, se dividia e deixava de existir. Uma das condições de existência do Grupo é essa espécie de discernimento dos espíritos que se apresenta em mim de um modo mais agudo, mas que por participação existe de um modo difuso no Grupo.

Por que é que o Senhor diz que isso é uma comunicação que o Senhor tem? Não poderia ser uma coisa nossa obtida sem a comunicação com o Senhor?

É só imaginar um membro do Grupo ande mal e eu garanto que ele começa a ratear nesse ponto. Quer dizer, é realmente uma comunicação. As pessoas que entram no Grupo não têm isso, mas na atmosfera de seus grupos locais essa coisa vai se acentuando e ao se acentuar há uma espécie de transfusão de alguma coisa que estava em mim – vamos dizer do discernimento dos espíritos, que é um carisma, há outros – de alguma coisa que estava em mim e que de um modo mais difuso passa para o Grupo inteiro.

 

O exemplo de Elias com Eliseu

Mas não existem apenas os carismas. Existe também uma coisa que se chama espírito do Grupo e que se apresenta como uma coisa misteriosa de Nossa Senhora. Eu pergunto se não é verdade que isto que tem uma espécie de elemento meio misterioso e interno da devoção a Nossa Senhora – que é o ponto de partida de tudo – se isto não tem alguma relação com o mistério da transmissão do espírito de Santo Elias?

O espírito de Santo Elias podia ser uma coisa diferente desta? Evidentemente não podia. Podia ser uma coisa mais rudimentar, assim mesmo eu duvido, dada a incomparável grandeza do personagem.  Mas, enfim, digamos, uma coisa rudimentar poderia ser, mas era o mesmo espírito.

Nós vemos que esse espírito, que tem qualquer coisa de manifestamente carismático pelo modo de a Escritura se referir a ele, foi objeto de uma transmissão misteriosa por meio de um manto, como condição para o cumprimento de uma missão. Não se daria que isto que é o espírito do Grupo é, então, uma graça que nasceu como Santo Elias, que Santo Elias no fim dos tempos fará brilhar de um modo incomparável?

Se Santo Elias é a antítese do anticristo, se é verdade, como dizem todos os teólogos, que o anticristo teve prefiguras, Santo Elias não teria também prefiguras? Não é normal que tenha, não é uma conjectura, não é uma coisa inteiramente judiciosa? Post-figuras e prefiguras? Post em relação a ele como fundador, “pré” em relação à volta dele? E destas pré e post-figuras, uma delas não teria sido o Grupo?[8] É uma coisa que a gente pode se perguntar, mas pode perguntar com importantes avisos de admitir que seja verdade, pois se quem fizesse para o mal aquilo que nós fazemos para o bem, seria uma verdadeira figura do anticristo, então é lógico, apesar de nossa vacuidade, apesar de tudo, é lógico admitir que haja em nós uma prefigura de Santo Elias. Aí está, em toda a sua enorme grandeza, a vocação que nós temos”.[9]

A partir de agora, Monsenhor João deixa de ler o restante dessa reunião e passa a comentar sobre o panorama deixado pelo Sr. Dr. Plínio após sua morte e a missão de seus seguidores a fim de cumprir suas palavras e exemplos. Ficou bem claro que somos a prefigura de Santo Elias, inclusive portador de seus carismas, dentre eles o da profecia, completamente atuante em sua plenitude no Sr..Dr. Plínio.

Será necessário um levantamento circunstanciado e trabalhoso para enumerar toda a obra realizada pelos seguidores de Dr. Plínio, após seu falecimento e seguindo rigorosamente todos os princípios de orientação deixados por ele em seu Grupo, hoje constante de várias organizações, dentre as quais destaca-se os Arautos do Evangelho, existente em quase 80 países. Surge, assim, os alicerces de uma nova Civilização que vai delinear o futuro da humanidade implantando o Reino de Maria na terra. Este é um dos aspectos mais salientes de seu profetismo: construir a Cidade de Deus.

 

Como eram as revelações divinas no profetismo pliniano

Supõe-se que todo profeta tem que receber revelações divinas para exercer sua missão. De modo geral, admite-se que tais revelações ocorram através de visões, sonhos ou locuções verbais ou interiores. Segundo Santa Teresa de Jesus[10], em sua obra “Castelos Interiores”, as revelações divinas mais perfeitas não são as feitas través de visões ou sonhos, mas as chamadas “locuções interiores”, pois Deus usa como recurso unicamente a alma da pessoa, sem necessidade dos sentidos naturais que possuímos. Um exemplo foi aquela revelação feita a São Pedro, que reconheceu Nosso Senhor Jesus Cristo como o Messias, feita não pela carne ou pelo sangue (quer dizer pelos sentidos ou por alguém) mas diretamente pelo Pai.

Doutor Plínio Corrêa de Oliveira chegou a declarar publicamente que nunca teve nenhuma revelação através de sonho ou visões. No entanto, percebe-se que pela virtude da sabedoria e do discernimento dos espíritos houve em seu interior todo um universo de revelações divinas, feitas para que ele pudesse cumprir sua missão profética. Um exemplo foi a inspiração para escrever o livro “Revolução e Contra-Revolução”, além de muitos outros.

A esse respeito, escreveu Monsenhor João Scognamíglio Clá Dias: “Em Dr. Plínio existia um dom do Espírito Santo pelo qual tudo quanto lhe era mostrado em seu interior ia além da acuidade da mera inteligência humana, com uma abrangência surpreendente e sem interrupção. Essa contemplação equivale, de certo modo, a participar do próprio conhecimento de Deus a respeito de toda a criação, pois é ver um fato, uma circunstância, um personagem ou um quadro histórico como espelhado n’Ele! Em Deus, isso existe de uma forma determinada e passava a ser experimentado por Dr. Plínio! É um dom que ele possuía de “voar” até Deus e, dentro dos olhos d’Ele, analisar os acontecimentos”[11]

A forma mais perfeita com que Deus faz suas revelações é, portanto, através das locuções verbais, pois inspira na alma um amor mais perfeito às coisas celestes, já que elas nascem e como que “brilham” dentro do coração do homem. No entanto, Deus poderá usar de outros recursos para “falar” ao interior do homem. Santa Teresa fala de uma maneira intelectual, que, no entanto, pode ser interpretada também como um tipo de locução verbal. Quanto à certeza de ser coisas divinas e não satânicas se saberá depois, “com as operações que produz e mesma visão”, pois, segundo o Evangelho, é pelos frutos que se conhece a árvore.

 

Também através de conselhos, a Providência faz revelações interiores

Estas revelações interiores podem ser feitas de vária formas, e uma delas é através de conselhos, especialmente destinadas a orientar principalmente que tipo de ação tomar, segundo explica Dr. Plínio ao falar de Nossa Senhora do Bom Conselho:

 

Como são os conselhos d’Ela?

“Ora, Nossa Senhora é a intermediária de todas as graças; é Ela quem leva a Deus Nosso Senhor os nossos pedidos e é Ela quem traz para nós a graça do bom conselho, aquilo que Espírito Santo comunica a Ela e que nós devemos saber para nossa orientação.

Como Nossa Senhora aconselha o íntimo de nossas almas? Ela o faz pela voz da graça, por meio de uma iluminação interior, de um discernimento especial, de uma palavra que vem de um bom amigo ou de um bom diretor, enfim, de um livro que encontramos. Foi, por  exemplo, o que aconteceu comigo com O Livro da Confiança do Abbé Saint-Laurent, que tanto me ajudou nas vias da confiança. Eu o comprei apenas para agradar a um vigário amigo e gentil que me tinha convidado para ir a uma feira de livros.

De um modo ou de outro, Nossa Senhora nos faz chegar o conselho que nós queríamos.

Em todas as ocasiões é sumamente importante a invocação de Nossa Senhora enquanto Conselheira, enquanto Padroeira que pede a Deus que os montes se movam e os rios alterem o seu curso para que a axiologia do coração de seus filhos se desenvolva de um modo reto e satisfatório.

 

Conselhos vindos pela união de almas

Os bons conselhos aparecem na alma sobretudo pela voz da vocação. Sempre que ouvirmos algo em nosso interior ou fora de nós que está na linha da vocação; sempre que sentimos um movimento que nos dá, de repente, apetência de algum bem; sempre que a graça inspire dentro de nós apreensão diante de algum mal; sempre que recebamos uma influência que nos santifica, devemos tomar isso como um bom conselho.

O modo pelo qual nós recebemos de Nossa Senhora, permanentemente, bons conselhos, é nos unindo àqueles que devem ser os planetas em torno dos quais nós devemos gravitar como satélites. O satélite não sai da órbita porque ele gira em torno de seu planeta. Assim também nós não saímos da órbita se estamos unidos interiormente com os que devem nos aconselhar.

Não se trata apenas de pedir um conselho, mas de ter uma tal união de almas, que, por assim dizer, ambos tenham o mesmo espírito, a mesma mentalidade, a mesma vontade; seguir o que o planeta deseja, antes mesmo de o ter manifestado.[12]

  [1] Conversa de Sábado à Noite, 12/3/1994.

[2] Idem.

[3] “O DOM DA SABEDORIA NA MENTE, VIDA E OBRA DE PLINIO CORREA DE OLIVEIRA” – de Mons. João Scognamíglio Clá Dias, EP – Librerie Edtrice Vaticana – pág. 198/199

[4] “CORREA DE OLIVEIRA, Plínio. Notas Autobiográficas – São Paulo, Retornarei, 2012 v. III, p. 408

[5] Extraído da Carta-Circular Pe. Anchieta, n. 24, de 27 de outubro de 1994 – páginas 11/12 – Santo do Dia de 19/10/1994

[6] PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Um profeta para nossos dias – Mons. João Scognamíglio Clá Dias, EP – Instituto Lumen Sapientiae e Arautos do Evangelho – 2017 – pág. 158

[7] Todos os que conviveram com o Dr. Plínio são testemunhas de que essa qualidade, esse carisma, ele possuía em grau elevado: era costume ele ver a psicologia das pessoas analisando suas fisionomias, muitas vezes através de fotos. Houve casos dessa análise ter sido feita simplesmente ao ouvir a voz da pessoa.

[8] Por humildade, Dr. Plínio não diz ser ele mesmo essa prefigura, afirmando ser o Grupo. Em outras oportunidades, quando ele vai falar de uma qualidade excepcional também diz ser da TFP e não dele. São assim os santos, não gostam de falar de si mesmos.

[9] Poderia ter dito: “a vocação que eu tenho”, etc.

[10] V. Obras Completas – Santa Teresa de Jesus – Carmelo do Coração Imaculado de Maria – Porto – pág. 650 em diante

[11] “PLÍNIO CORRÊA DE OLIVEIRA – Um Profeta para os nossos dias” – Mons. João Scognamíglio Clá Dias, EP, pág. 223

[12] Extraído da revista “Dr. Plínio”, n. 326, maio de 2025, págs. 20/24