Porque o cérebro é tratado como órgão que comanda os impulsos neurológicos de todo o corpo humano. Afirma-se que sem ele não se pode viver. E sem o coração? A propósito de nossa postagem anterior "A vida está no cérebro ou no coração?", está despertando uma polêmica que poderá influir futuramente na solução da questão.
É mais do que evidente que as principais questões da humanidade são do domínio da Igreja. Assim, quando Ela se pronuncia sobre um assunto candente sua palavra ressoa em todo o universo. Isto se pode dizer tanto com os pronunciamentos pontifícios, onde se faz ouvir sua voz oficial e (às vezes) infalível, quanto com os de seus filhos espalhados pelo mundo, como bispos, sacerdotes, teólogos e docentes. Foi o que ocorreu agora com o artigo de Lucetta Scaraffia, estampado no L’Ossevartore Romano a 2 de setembro último, e que trata sobre os “sinais da morte”, segundo ela. O assunto voltou a ser ventilado porque está se comemorando os quarenta anos da “declaração de Harvard” , a qual modificou os critérios de definição de morte em vários países.
Scaraffia é professora de História Contemporânea da Universidade “La Sapienza”, em Roma, aquela mesma onde uma minoria de professores e alunos recusou obstinadamente a presença do Papa no início deste ano. Escritora, jornalista de prestígio internacional, colabora também nos jornais “Il Riformista”, “Avvenire”, “Il Foglio” e “Corriere della Sera”, sendo também vice-presidente da “Associazione Scienza & Vita” e membro do Comitê Nacional de Bioética da Itália. Escreveu uma obra polêmica em 2005, juntamete com uma não-católica, Eugenia Roccella, denominada “Contra o Cristianismo. A União Européia como nova ideologia”. Segundo o vaticanista Sandro Magister, as autoras colocaram em evidência a natureza ferozmente anti-natalista da ONU e da Unão Européia, o que faz com que aquelas organizações tratem a Igreja como inimigo número um.
Após o artigo que Lucetta Scaraffia publicou no último dia 2, “I Segni della morte”, viu-se espalhar pela mídia internacional um grande trovejar de invectivas e de mal entendidos de seu conteúdo. Manchetes, tipo “Jornal do Vaticano diz que vida não acaba com morte cerebral”, e muitas notas de imprensa tendenciosas, distorceram ao extremo as palavras da articulista. O diretor do Centro Italiano de Transplantes, Alessandro Nanni Costa, chegou a declarar: “O critério de morte cerebral para determinar a morte de uma pessoa é o único cientificamente válido. A comunidade científica mundial aprova os critérios do relatório Harvard. As críticas são baseadas em considerações não científicas, vindas de grupos minoritários”. Foi necessário a intervenção do diretor de imprensa do Vaticano, padre Federico Lombardi, SJ, dizendo que o critério para declarar a morte com certeza, “o cessar completo e irreversível de toda atividade cerebral”, deve ser “aplicado corretamente”. Informou, em seguida, que o artigo de Lucetta Scaraffia não pode ser considerado a posição do Magistério da Igreja sobre o assunto, a qual foi expressa em 29 de agosto de 2000 por João Paulo II por ocasião do XVIII Congresso Internacional da Sociedade de Transplantes. Naquela oportunidade, o Papa afirmou que “se pode afirmar que o recente critério de certificação da morte antes mencionado, ou seja, o cessar total e irreversível de toda atividade cerebral, se for aplicado escrupulosamente, não parece estar em conflito com os elementos essenciais de uma correta concepção antropológica”. Nos casos mais práticos, disse o Papa que “o agente de saúde que tiver a responsabilidade profissional dessa certificação pode basear-se nesse critério para chegar, em cada caso, àquele grau de segurança no juízo ético que a doutrina moral qualifica com o termo de “certeza moral”. Esta certeza é necessária e suficiente para poder atuar de maneira eticamente correta”. Vejamos bem, o Papa falou em “certeza moral” e não “certeza científica”, pois embora esta última seja importante para embasar a decisão do médico, sua decisão final procede de uma “certeza moral”, é, portanto, um problema mais de ética e de moral.
Estas explicações do padre Lombardi parecem dizer que as vozes discordantes não pensem que Lucetta Scaraffia está expressando o pensamento oficial da Igreja, embora tenha escrito no jornal oficial do Vaticano. No entanto, ela levanta uma questão de bioética que deve ser revista, embora a celeuma causada pela mídia prejudique um debate imparcial da questão. Isto porque ela tocou num ponto crucial da questão. Senão, vejamos. Scaraffia diz que a Igreja aceita esta definição de morte, a cerebral, embora com reservas. Inclusive, ela não é aceita pelo Estado do Vaticano. Ela citou o filósofo de Direito Paolo Bacchi, para o qual a definição de morte cerebral foi aceita como exigência ou justificação científica para os transplantes. Então ficou comprovado que a definição de morte cerebral surgiu mais como interesse em facilitar os transplantes de órgãos, sem levar em consideração fatores éticos e morais. Depois ela cita opinião entre neurologistas, jurisitas e filósofos, tanto europeus quanto americanos, que afirmam que a morte cerebral não é a morte do ser humano, mas de um corpo humano. Sim, o “ser humano” é muito mais do que o corpo humano. “O risco de confundir isso com o coma (morte cortical) dado como morte cerebral é sempre possível”, escreveu ela, acrescentando: “E esta preocupação vem expressa no consistório extraordiário de 1991 do cardeal Razainger em seu relatório sobre problemas de ameaças à vida humana: “Futuramente, quando uma doença ou um acidente provocar um coma irreversível, será freqüente que essa morte seja exigida para suprir demanda de transplantes de órgãos ou servirão para experimentos
médicos”. Por fim, a articulista fala sobre o problema que se discute no Brasil: o da anencefalia, a qual, de modo geral, não pode caracterizar uma morte porque esta deficiência não significa morte ou paralisia do cérebre mas apenas uma deficiência.
No nosso caso, vejamos como o Conselho Federal de Medicina consider o que seja a morte em sua resolução n. 1480, de 8 de agosto de 1997:
Definições de Morte - Morte pode ser definida como sendo o cessar irreversível de:
1. do funcionamento de todas as células, tecidos e órgãos;
2. do fluxo espontâneo de todos os fluídos, incluindo o ar (“último suspiro”) e o sangue;
3. do funcionamento do coração e pulmões;
4. do funcionamento espontâneo de coração e pulmões;
5. do funcionamento espontâneo de todo o cérebro, incluindo o tronco cerebral (morte encefálica);
6. do funcionamento completo das porções superiores do cérebro (neocórtex);
7. do funcionamento quase completo do neocórtex;
8. da capacidade corporal da consciência.
Quer dizer, são oito requisitos. O médico deve considerar, então, não apenas o de número 5, morte cerebral, mas o conjunto dos órgãos e células do indivíduo. Como considerar, então, anencefalia como uma "morte" cerebral, isto é, considerar como se o feto estivesse "morto" antes de nascer?
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