sábado, 6 de setembro de 2008

Geração “Friki”, o homem do futuro?

Originalmente, a palavra inglesa "freaks" era usada para referir-se às pessoas que se distinguiam por ter alguma malformação ou anomalia física e que eram exibidas em circos. Em 1932 foi rodado um filme com o nome, "Freaks", dirigido por Tod Browning. Ao longo dos anos o termo passou a ser usado para se referir a pessoas extravagantes e que tenham obsessão por algo em que se julgam especialistas. Com a era da cibernética, os "freaks" passaram a se organizar em grupos e formam agora uma mentalidade, um modo de ser, um modelo de vida. Chegou-se até a criar o "dia do orgulho friki", data comemorada em 25 de março de 2005 por causa da estréia do filme "Guerra nas galáxias". O blog “Rádio Cristandad” publicou interessante artigo, de autoria de Rodrigo Agulló, para "El Manifesto".
Julgamos oportuno a análise feita sobre essa mentalidade e modo de ser, pois ela é apenas o sucedâneo de vários exemplos ou modelos de vida que o antecederam ao longo dos anos. As gerações foram se sucedendo em contínuas decadências morais e intelectuais, até chegar aos extremos dos "frikis". Vejam o texto integral, traduzido do espanhol:
Na Espanha são conhecidos como “frikis”, em inglês como “geeks”, em japonês como “otakus”. Talvez tenhamos ante nossos olhos o protótipo do homem do futuro. São os filhos integrais da pós-modernidade, as primeiras gerações inteiramente formadas nos valores do consumo e do mercado. São o produto humano de uma cultura do simulacro e da falta de transcendência. Mas além da curiosidade anedótica e do menosprezo, formam já uma espécie cujos significados convém indagar.
O termo “friki” (do inglês “freak”, estranho) refere-se normalmente a pessoas de aparências e comportamentos extravagantes, obcecadas com um tema ou “hobby” do qual derivam toda uma forma ou estilo de vida. Trata-se de sujeitos introspectivos, com interesses infantis ou imaturos, mentalmente instalados em mundos imaginários e realidades virtuais, e com dificuldades para uma socialização normal fora dos círculos que comportem sua obsessão.
O fenômeno começou como uma espécie de subcultura adolescente de consumidores de “comics manga”, películas e séries de “science-ficcion”, vídeo-jogos, desenhos animados, jogos de lista, fanzines, livros, manequins, produtos derivados e todo gênero de pacotinhos de universos de ficção. Um fenômeno que deu sua arrancada nos anos oitenta e que hoje constitui um mercado colossal extendido em forma “viral” ou de rede a todo o mundo. À primeira vista pode parecer um fenômeno tão grotesco como inócuo, uma moda ou opção a mais dentro da vasta proliferação de produtos lúdicos através dos quais o mercado vai integrando os mais jovens na religião do consumo.
O problema começa ao constatar que muitos dos adeptos do culto “friki” não só não são tão jovens, mas que já mostram cabelos brancos. E ao comprovar que o adolescente que se submerge nesse universo autista tem amplas possibilidades de não terminar nunca de sair dele, ou então não deixar nunca de ser um adolescente. De qualquer forma, nos casos mais extremos o resultado final é uma pessoa “diferente”, uma pessoa cujas faculdades de percepção da realidade estarão distorcidas. É no Japão - esse “laboratório da pós-modernidade”, segundo o sociólogo Michel Maffesoli – onde o fenômeno se manifesta em sua forma mais sinistra: esses adolescentes que fecham o ferrolho de sua habitação, e que se refugiam por toda a vida em seu mundo virtual de vídeo-games e de internet. E é no Japão onde se tem proposto uma definição que recolhe todos os aspectos patológicos do “otaku”: “pessoas cuja percepção visual tem mudado”, ou “nova categoria de indivíduos que se adaptaram à sociedade de alto consumo”.
Porque este é o “quid” da questão: o “friki/otaku” é um indivíduo “normalizado”, um indivíduo plenamente adaptado a uma nova sociedade de consumo. E este é o momento em que o “fenômeno friki” passa a ser uma anedota a converter-se em pasto de análises de sociólogos e filósofos. Na cultura “otaku” – assinala o filósofo japonês Hiroki Azuma – aparecem claramente dois elementos fundamentais da sociedade pós-moderna: a generalização dos simulacros e o declive dos “grandes relatos” .
Dois elemetos que, ao unir-se a fenómenos confinantes tais como o fim de toda idéia de transcendência e a generalização do hiperconsumo, vêm a conformar toda essa nebulosa que virá a chamar-se “pós-modernidade”. Na realidade, todo o essencial de nossa época pós-moderna vem a condensar-se no arquétipo do “friki”..
A essência da pós-modernidade é, como se tem ensinado até à saciedade, o eclipse desses grandes relatos que, a partir de explicações omnicompreensivas (Deus, Pátria, Progresso, Revolução, etc.), conferiam um sentido à vida. Ridicularizados e esvaziados de significado todos os referentes, a pós-modernidade pode definir-se como a época do “eclipse total do sentido”.
De outro modo, o ser humano não pode tolerar o “horror vacui” da ausência de sentido. O ser do homem requer imperativamente um território de pertinência simbólica. Que fazer, uma vez que os pólos de referência tradicionais (a autoridade divina, a autoridade do Pai, o culto à Pátriaou da Idéia) têm desaparecido do horizonte? É aqui onde entra o Mercado. As tribos “frikis” aliviam esse vazio mediante sua imersão num universo de “micro relatos” de ficção subminisitrados pelo Mercado. Uma busca desesperada de sentido, que é também uma fuga da realidade.
O crime perfeito
O universo “friki” é um produto depurado da cultura de massas do capitalismo total. E vem a corroborar uma das intuições mais célebres do guru da pós-modernidade, o filósofo Jean Baudrillard, quando anunciou há décadas o que chamou o “crime perfeito”: “o assassinato da realidade”. Segundo Baudrillard, na cultura pós-moderna a realidade é reimplantada pelos modos de representação culturais que “simulam” a realidade. E na outra volta do parafuso, essas simulações deixam por sua vez de representar a realidade, para passar a remeter-se a elas entre si. Um universo virtual, que se sobrepõe ao universo real por igual que o mapa do conto de Borges consegue cobrir todo o planeta.
Nesta forma de produção cultural, distinção cópia/original perde seu sentido, posto que as cópias já não reenviam a nenhum original, e muito menos à realidade. Tudo esfuma-se em simulacros: derivados, fragmentos e paródias de produtos que por sua vez são derivados, fragmentos e paródias de outros produtos, e assim sucessivamente numa espiral emaranhada na qual já é praticamente impossível distinguir entre cópias e originais, e em que as criações “saltam” de um suporte a outro (do audiovisual ao cômico, dos joguetes a vídeo-jogos ou à “literatura”) seguindo os ditados das tendências de consumo e dos interesses do mercado.
A “cultura friki” é a cultura da imanência absoluta. Toda idéia de transcendência foi eliminada. Mais ainda, é a própria distinção entre imanência e transcendência que desaparece. E em paralelo, o “friki/otaku” experimenta uma especial atração por todo oculto, o misterioso e bizarro: uma pseudo-religião de “bricolage” composta de materiais culturais diversos. Um culto sem fé, ao qual o único que se pede é que proporcione ao adepto satisfações emocionais suficientes como para fazer-lhe sentir que segue vivo. Deus morreu, porém temos Star Trek. Porém, tal como predizia Baudrillard, este eclipse da transcendência não se refere unicamente a Deus ou à metafísica: é a própria realidade que desapareceu ao diluir-se em simulacros, sinais e códigos que perderam todo vínculo com a realidade significada. É um universo auto-referencial que não faz senão clonar-se a si mesmo, auto-engendrar-se e reproduzir-se por metástases. E os frikis ou otakus são os títeres atrelados em todo este processo. O universo “friki” é tribal. Suas tribos se definem de acordo com as pautas do consumo. A mercancia cumpre a função de proporcionar ao consumidor os elementos que expressam sua personalidade e sua identificação tribal. Na terminologia de Baudrillard, as mercancias produzem “sinais” flutuantes, artificiais e desencarnados. E estes sinais sãos que conferem sentido e identidade: a ideologia ou a religião desaparecem, e não fica nada mais que o simulacro. É um universo “pseudo”, no qual só se vive através ds vivências imaginárias de seres imaginários.
Consome e cala
Pode parecer um fenômeno a primeira vista inofensivo, mas naqueles países onde se encontra em seu estado mais avançado – particularmente no Japão – apresenta seu lado mais obscuro em forma de patologias (desequilíbrios emocionais, autismo, dificuldades para distinguir realidade/ficção, depressões) ou síndromes similares à drogodependência, que afetam a um número crescente de pessoas. Talvez falte falar de uma nova “espécie mutante”, uma espécie perdida numa hiper-realidade virtual, alheia aos compromissos e às emoções da vida real. Mas, na realidade, trata-se de “cidadãos modelos” do novo mundo do capitalismo global. São as primeiras gerações de filhos da era do hiper-consumo. Não há perigo de que este cidadão se faça demasiadas perguntas. Bastante terá com consumir e trabalhar, trabalhar e consumir para satisfazer sua obsessão. Animações, tiras, vídeo-jogos, aventuras galáticas, blocos de “lego” ou maquetes de “madelmanes”, qualquer estupidez é reciclável e para o caso é o mesmo. A acumulação de “gadgets” e mesmices conistitui a carapaça protetoroa sob a qual o “friki” constrói sua identidade. Trata-se de uma regressão à infância, o “cocooning” num sucedâneo de ventre materno. Não há consumidores tão compulsivos como os meninos, e a essa lógica respodem as estratégias infantilizadoras do capitalismo, com a conseqüente transformação de nossas sociedades em imensas “ludotecas”. O sistema pode estar tranqüilo com os frikis. Este sujeito, enfeitado como um desenho animado e com a cabeça repleta de batalhas inter-estelares, é o perfeito conformista, o perfeito consumidor.
O que o fenômeno “otaku” vem a representar é uma enorme “regressão”. Regressão desde a maturidade ao infantilismo, da cultura ao embrutecimento, da complexidade das relações humanas ao autismo e à endogamia tribais, da inteligência ao cretinismo. É a inserção num padrão animalizante da conduta, no qual as necessidades emocionais são administradas de forma isolada, a-social, mecânica, de forma silimar a como certos estados de ânimo são tratados com Prozac e demais tranqüilizantes.
Todas as épocas, todas as correntes históricas têm se referido quase sempre a algum arquétipo, a algum modelo de homem, e sempre num sentido de “superação”. O “cavaleiro andante” medieval, o santo do cristianismo, o “homem universal” do Renascimento, o “artista rebelde” das vanguardias, o “soldado” dos fascismos, o “revolucionário” do marxismo. Hoje já conhecemos um modelo de homem plenamente apelidado pelo mercado global: na Espanha se conhece-o como “friki”, em inglês como “geek”, em japonês como “otaku”, e tem pinta de palhaço.

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