Recentemente, o STF tomou uma medida inusitada e mesmo demagógica: com uma só penada suprimiu o que a mídia vem chamando de “entulho autoritário” da ditadura, isto é, a chamada “lei de imprensa”. A razão? Muito simples: a liberdade de expressão. Agora, baseado neste princípio universal, neste dogma democrático da opinião pública, qualquer jornalista brasileiro pode publicar o que bem entender, escrever tudo o que lhe vier na telha sem que tenha receio de sofrer qualquer sanção, qualquer penalidade, pois, acima de tudo, o que vale é a “liberdade de expressão”, o direito que todo cidadão tem de falar e escrever o que pensa. Mesmo que, no exercício deste direito, ele venha a ferir outros direitos fundamentais, como o da privacidade, o da honorabilidade e o do respeito públicos. A única dúvida foi levantada pela própria mídia: o tão falado “direito de resposta”. Como se este fosse o principal problema criado pelos erros da imprensa. Eles assim transmitiam ao pública a seguinte mensagem: eu tenho o direito de publicar o que quiser a seu respeito, e você tem o direito de reclamar que eu publique sua resposta (desde que um juiz o ordene, é claro!).
Por que não se discutiu, por exemplo, que o Estado tem o dever de tutelar os direitos fundamentais de todo cidadão, e que nenhuma organização ou grupo pode assumir um poder que se arrogue inclusive acima do próprio Estado? Nós sabemos que o poder de influenciar e dominar a opinião pública é exercido pela mídia, pela imprensa. Este poder deve ficar incólume apenas para se respeitar a liberdade de expressão, mesmo que isto possa ser prejudicial a outros direitos? Mas, a liberdade de expressão pertence só à imprensa ou a todo e qualquer cidadão?
Sabemos de outro lado, pelos fatos constatados no dia-a-dia, que a mídia tem abusado do poder sobre a opinião pública. Abuso exercido de forma até ilícita e criminosa. Mesmo assim, impune. Tudo em nome da imprensa independente.
Existe imprensa independente? Veja abaixo as declarações de John Swinton, ex-redator chefe do New York Times, por ocasião de um banquete oferecido em sua despedida do jornalismo a seus colegas, respondendo a um “toast” (um brinde, oferecido por ocasião sua aposentadoria, após 40 anos de trabalho) à imprensa independente:
“Que loucura oferecer um “toast” à imprensa independente! Cada um, aqui presente esta noite, sabe que a imprensa independente não existe. Vós sabeis o que eu sei. Não há nenhum entre vós que ousaria publicar suas verdadeiras opiniões, e, se o fizesse, vós sabeis de antemão que elas jamais seriam impressas. Eu recebo 250 dólares por semana para manter minhas verdadeiras opiniões fora do jornal para o qual trabalho. Outros entre vós recebem a mesma quantia por um serviço semelhante. Se eu autorizasse a publicação de uma boa opinião em um único número do meu jornal, eu perderia o meu emprego em menos de 24 horas, como Othelo. Este homem suficientemente louco para publicar a boa opinião se encontraria logo na rua, à procura de um novo emprego.
A função de um jornalista (de Nova York) é destruir a Verdade, de mentir radicalmente, de perverter, de aviltar, de subir até os pés de Mamon e de se vender a si próprio, vender seu país e sua raça, em troca do pão cotidiano, ou o que é o mesmo: seu ordenado.
Vós sabeis isto que eu o sei; que loucura, pois, de fazer um “toast” à imprensa independente. Nós somos os instrumentos e os vassalos de homens ricos que comandam por trás do cenário. Nós somos as marionetes; eles puxam os fios e nós dançamos. Nosso tempo, nossos talentos, nossas possibilidades e nossas vidas são a propriedade desses homens. Nós somos prostituídos intelectuais”.
(Citação do pe. Denis Fahey, em sua obra “The Mystical Body of Christ in the Modern World”, pág. 14).
(V. também: Labor's Untold Story, by Richard O. Boyer and Herbert M. Morais, published by United Electrical, Radio & Machine Workers of America, NY, 1955/1979.)
Mídia foi o melhor aliado de Bin Laden
A respeito da onda de simpatias que se criou em torno do terrorista Bin Laden, resumimos abaixo a reportagem publicada pela “Folha de São Paulo”, de 02.12.2001, onde consta as principais teses do ensaísta Umberto Eco. O título da reportagem é: “Mídia foi o melhor aliado de Bin Laden”, seguido de um subtítulo “Artigo – Ao repetir imagens do atentado, jornais e TV fazem propaganda do terrorismo, diz ensaísta”. No início, o articulista faz uma pergunta: “De que maneira, ao se divulgar notícias, é possível promover campanhas de propaganda política de terroristas ou até mesmo contribuir para a difusão de mensagens em código transmitidas por eles?”.
Dando prosseguimento à sua argumentação, Umberto Eco conclui: “Cada ato de terrorismo (e essa é uma história já conhecida) tem como objetivo divulgar uma mensagem. Mensagem que, mais especificamente, espalha o terror, ou, no mínimo, a intranqüilidade ou a desestabilização” Quando os alvos terroristas são mais importantes, a mensagem atinge mais em cheio seus objetivos. Cita o exemplo das “Brigadas Vermelhas”, na Itália, quando deixaram de lado as pessoas de menor importância e passaram a visar autoridades, chegando ao seqüestro seguido de assassinato do primeiro-ministro Aldo Moro.
Com relação aos atentados de 11 de setembro nos EUA, o articulista comenta: “Assim, dado que o objetivo de Bin Laden era criar uma impressão na opinião pública global com essa imagem, o que aconteceu? Os meios de comunicação de massa foram obrigados a difundir as notícias, e isso é óbvio. Do mesmo modo, foram obrigados a divulgar as notícias sobre o que aconteceu após os ataques – os trabalhos de resgate, os trabalhos de recuperação, o horizonte mutilado de Manhattan”.
“Mas será que a mídia era obrigada a repetir esses relatos diariamente e por mais de um mês a fio, com fotos, imagens em vídeo e os intermináveis relatos de testemunhas oculares, todos fazendo as pessoas reviverem e relembrarem os ataques?” ... “É fato que, dessa maneira, a mídia deu a Bin Laden publicidade gratuita no valor de bilhões de dólares. Dia após dia mostrou as imagens que ele criara – e o mundo viu as imagens, com as quais quem vive no Ocidente tentou justificar sua confusão e os seguidores de Bin Laden tentaram justificar seu orgulho”. O articulista não chegou até às nossas conclusões: mas é óbvio que tanto destaque criou uma aura em torno de Bin Laden, tornando-o simpático e fascinante a um número incontável de pessoas no Ocidente: teve ele a coragem de desfiar o poder americano, tem uma mensagem contra o capitalismo e a favor de uma religião “nova” (pelo menos para nós, do Ocidente) e poderá ser um “mártir” de tais idéias se for perseguido e morto pelas tropas inimigas. Tornar-se-á ele um novo Guevara do Islamismo? Prestemos atenção que a figura dele apresentada na mídia será a sempre a mesma, a de um aspecto meio abobalhado e maltrapilho, mas desafiando a maior poder do mundo.
Quando a guerra do Iraque acabou, estourou um escândalo na mídia americana. O jornalista Jayson Blair é acusado de enviar reportagens para o "New York Times", cujos teores eram plágios e invenções. Em abril de 2003, o editor do "Times", Jonathan Landman, pede a demissão de Blair por causa dos excesso de erros e comportamento antiprofissional, mas o jornalista recebe apenas uma advertência. Após o jornalista pedir demissão do cargo, o jornal publica quatro páginas para desmentir informações falsas e plágios publicados por Blair em suas reportagens.
Que tipo de plágios e invenções Blair havia praticado? Num artigo sobre soldados feridos no Iraque, ele descreve cenas de um hospital da marinha sem nunca ter estado lá. Em outra reportagem veicula informações falsas sobre o depoimento de um réu num caso de franco-atiradores que causaram pavor em Washington. Publicou também uma reportagem sobre a recruta Jesica Lynch, capturada pelos iraquianos e depois resgatada, onde o jornalista simula uma viagem da mesma à sua terra natal, West Virginia. Dentre 73 histórias escritas pelo jornalista, 36 continham declarações e personagens fabricados, material plagiado de outros jornais e relatos nos quais ele simulava estar em locais onde jamais esteve.
O caso provocou grande comoção nos meios jornalísticos americanos e no restante do mundo, pois o "Times" sempre foi tido como um jornal de grande credibilidade. A pergunta fica no ar: este caso foi denunciado e vindo a público, mas quantos outros existem que não sabemos até hoje, e talvez nunca saberemos, em que tais jornalistas inventam, criam, plagiam, apenas para satisfazer a si ou a alguma ordem para mostrar as coisas diferentes de como ocorrem? (v. "Folha de S. Paulo", reportagem "Fome pela notícia" põe em xeque o "NYT", de 18.05.2003).
Muitos outros casos de exercício arbitrário deste poder sobre a opinião pública podem ser citados, tanto no exterior quanto no Brasil. Aqui a ação de repórteres de TV nos casos policiais mais escandalosos chega a ser ridícula, insultuosa, clamorosamente espalhafatosa. Foi assim em vários casos de seqüestros, alguns dos quais prejudicando até o trabalho da polícia. Mas, ninguém pode dizer nada e nem impedir que eles penetrem lá, filmem, tirem fotos, entrevistem, etc., porque se alguém interferir estará prejudicando a imprensa e indo contra a “liberdade de expressão”. E para “informar” a população, tudo vale. Na Bahia, por exemplo, um sujeito filmou um preso sendo assassinado dentro da cela por outros detentos, e depois mostrou a cena bárbara a todos os telespectadores. Via-se os presos dando repetidas cutiladas no miserável, já dominado, o sangue correndo, etc. Tornou-se comum nestes canais a apresentação de programas violentos, com único fim de conquistar audiência. Mais uma vez a surrada tese: liberdade de expressão, a santa e imaculada liberdade, usada livremente para fins tão escusos.
Aquela liberdade que é um paradigma das constituições dos novos estados democráticos, a de expressão, torna-se, na prática, de uso exclusivo dos órgãos de imprensa e não do comum dos cidadãos.
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