Artigo "Cumprimentos à senhora e seu bom esposo" – Folha de São Paulo, 17.5.70:
“1. Para que uma corrente ideológica, seja ela qual for, chegue a impor-se a um país de 90 milhões de habitantes, tem de ser numerosa, ainda que minoritária. Pois com quatro gatos pingados ardendo de febre ideológica, não se consegue dominar 90 milhões de homens.
2. Essa corrente minoritária precisa ser convicta e coesa, senão se dispersará e se dividirá, antes mesmo de alcançar o poder.
3. Alcançado o poder, essa corrente não se manterá nele se não obtiver o apoio mais ou menos definido de uma parcela bem maior (se bem que sempre minoritária) da população.
4. Em conseqüência, a força material não é tudo. Ela tem seu papel – um papel por vezes imenso, sempre indispensável, jamais suficiente só por si – para as grandes revoluções sociais ou políticas. Além da força material – insisto – é indispensável a persuasão. Esta é que reúne os homens para manusearem as armas, esta é que os mantém dedicados e coesos. Esta é que os torna estáveis no leme.
Negar tudo isto, minha amável e espirituosa leitora, é negar a própria evidência dos fatos.
Agora, permita que eu entre com outra seqüência de teses:
1. Se o comunismo não vence sem recrutar e unir, e não recruta nem une sem persuasão, quem se empenha em impedir que ele persuada, muito faz para tornar impossível que ele vença.
2. Persuadir é obra eminentemente ideológica. Pois é fazer aceitar suas próprias idéias por outrem.
3. Isto não se consegue sem uma ação ideológica. Logo o terreno ideológico em que a TFP se situa é de alta importância na luta anticomunista.
Também isto, minha leitora, é evidente, não acha?
Suporte, por fim, mais uma seqüência de teses e espero então tê-la persuadido inteiramente:
1. Em um país com a maioria de 95% de católicos, em cada 100 homens que a propaganda comunista aborde, ela encontrará 95 católicos. Que enorme obstáculo para uma seita irreversivelmente materialista e atéia, como é a de Marx?
2. Mestra em toda sorte de manejos, a alta direção do comunismo não pode deixar de tentar amolecer e putrefazer tão formidável obstáculo, de preferência, a atacá-lo de frente.
3. Amolecer o obstáculo é amolecer o espírito religioso da população, o que se pode conseguir impregnando o ambiente nacional de indiferentismo religioso, de laicismo e de sensualidade. Bastará que a senhora veja, em torno de si, quantas revistas, quantos jornais, quantas emissoras, quantas cátedras, quantas casas de modas e de diversão se entregam a este mister: a senhora compreenderá, então, a imensidade do proveito que o comunismo aufere com este esforço de penetração velada, implícita, omnipresente, infatigável, que nos atinge a todo momento.
4. Putrefazer o obstáculo é putrefazer a própria Religião. Isto se consegue formando padres e leigos que sonham com uma “Igreja-Nova”, na qual se odeie o princípio da autoridade, e qualquer forma de hierarquia. Deus, sim. Mas um Deus-títere, que não impõe mandamentos, não premeia nem castiga: o contrário seria atentatório da dignidade humana. Papa, sim. Mas um Papa-livre, sujeito a um congresso mundial de bispos, padres e leigos eleitos pelo povo. Bispos e párocos, sim. Mas bispos-títeres e párocos-títeres, governados por congressinhos eleitos locais. Pois o Papa, monarca espiritual, tanto quanto o bispo ou pároco, que governe por um poder vindo de Deus, sem delegação humana, atenta contra a dignidade humana.
5. E por que atenta? Porque – segundo os progressistas – para o homem moderno toda e qualquer submissão a toda e qualquer autoridade é sentida como um ultraje.
6. Se esse princípio se toma a sério, também a submissão política, econômica, social e familiar é ultrajante para o homem. De onde, todo progressista sério é necessariamente partidário da sociedade anárquica sonhada por Marx.
7. Se o maior obstáculo ao comunismo é a religião, a melhor auxiliar do comunismo é a seita que tenta levar os católicos a destruir a religião. Esta seita é o progressismo. Portanto, lutando contra o progressismo, a TFP presta um serviço grave e absolutamente indispensável no combate ao comunismo.
“Indispensável” não quer dizer “suficiente só por si”. Pois – e nisto tem a senhora toda a razão – sem a força usada segundo a moral e a lei, é quimérico pensar que o comunismo possa ser vencido.
Mais. Não há emprego mais sagrado e mais sublime da força legítima, do que a luta anticomunista.
Isto dito, minha leitora, resta-me só enviar meus cumprimentos à senhora e seu bom esposo...”
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