O Perigo comunista:
A invasão da Tchecoslováquia em 1968 -
“No momento em que escrevo, ainda permanece obscuro o curso que tomará a crise tchecoslovaca. Ao que parece, a nação em peso está se mobilizando para um imenso movimento de resistência. Movimento não apenas volumoso, mas animado de um sopro heróico, e dirigido por líderes ainda desconhecidos, mas aos quais é preciso reconhecer desde já uma superior inteligência.
À vista dessa possante convulsão, que farão os soviéticos? Procurarão desalentar o povo pelo terror de uma repressão, a qual, para ter eficácia, teria de ser de uma ferocidade sem precedentes? Esta perspectiva é, para o Kremlim, cheia de riscos:
1º) A causa comunista sofreria enormes prejuízos, pois tal repressão colocaria o PC, de quase todos os países, na alternativa de romper com Moscou ou perder toda a popularidade;
2º) No terreno diplomático, a União Soviética, com seu bloco de satélites, ficaria mal vista, isolada, e por assim dizer entregue às feras;
3º) Tudo isto poderia estimular os impulsos de “liberalização” que há algum tempo se vêm sucedendo continuamente na Rússia;
4º) Por fim, o êxito da utilização do rolo compressor, na Tchecoslováquia, é incerto: que acontecerá aos dirigentes de Moscou se a pequena nação se transformar, para eles, no que foi a Espanha para Napoleão? Em tal caso, o agravamento dos três primeiros fatores que enumerei, não poderá conduzir à ruína irremediável o poderio dos atuais déspotas soviéticos? A indignação justíssima da opinião pública, agravada pela brutalidade de eventuais violências, não será aproveitada por Washington ou por Pequim como base psicológica para uma intervenção armada no conflito?
Se este é o quadro visto de Moscou, as perspectivas que se divisam de Praga são mais simples, porém igualmente dramáticas:
1. Uma vez que a União Soviética cometeu o erro político – não falemos da inqualificável falta moral – de invadir a Tchecoslováquia, terá ela a finura suficiente para compreender a necessidade de uma retirada, e gênio político bastante para criar circunstâncias que disfarcem o que essa retirada teria de humilhante?
2. Sendo de recear que lhe faltem uma e outra coisa – finura e gênio – não se atirará a União Soviética, cegamente, à destruição da Tchecoslováquia?
3. Vale a pena, para esta, correr o risco imenso de resistir ao ocupante? Para quem crê em Deus e na imortalidade da alma, como os espanhóis que lutaram contra Napoleão, a resposta só pode ser em favor da resistência a todo transe. Estou certo de que se a Espanha fosse invadida hoje, a sua atitude não seria diversa. Sei que não falta aos tchecos e aos eslovacos uma coragem que a História tornou famosa. Não ignoro que milhões dentre eles não são comunistas, e conservam a Fé herdada dos maiores. Mas Dubcek e os seus auxiliares são comunistas. Como comunistas são, provavelmente, os líderes ainda ignotos, da presente resistência tcheca. Nas perspectivas de um comunista, vale a pena expor assim à destruição – não um homem, pois para ele o indivíduo nada é – mas uma nação inteira?
Tudo isto está sendo, provavelmente, pesado de lado a lado. No que dará?
É cedo para o dizer. Mas é útil consignar aqui os pontos de vista políticos de ambos os lados. O formidável “suspense” em que estamos se tende melhor assim. Como melhor se entenderá o desfecho que talvez já tenha ocorrido quando este artigo sair a lume”
(Folha de São Paulo, 28.08.68). .
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