LEMBRANDO A LINGUAGEM DOS ANTIGOS PROFETAS
Na introdução de seu livro "Em Defesa da Ação Católica", publicado em 1943, Dr. Plínio nos remete aos documentos pontifícios que já denunciavam profeticamente os rumos da humanidade, a catástrofe social que já se avolumava desde então até hoje:
“Lendo com atenção os documentos pontifícios publicados de duzentos anos a esta parte, notaremos que eles se referem insistentemente, servindo-se por vezes de uma linguagem que faz lembrar os antigos profetas, a uma desagregação social catastrófica, que implicaria na desarticulação e destruição de todos os valores de nossa civilização.
a) a desorganização dos Estados liberais
A Revolução Francesa foi a primeira confirmação destas previsões, e introduziu no terreno político uma agitação devoradora e progressiva, que abalou as mais sólidas instituições até então existentes, e impediu que elas fossem substituídas por outras igualmente duráveis. O contágio deste incêndio político passou da esfera constitucional para o terreno econômico e social, e teorias audaciosas, apoiadas por organizações de âmbito universal, solaparam completamente todo o sentimento de segurança, na Europa convulsionada. Eram tais as nuvens que se acumularam nos horizontes, que Pio XI dizia já ser tempo de se perguntar se esta aflição universal não pressagiava a vinda do Filho da Iniqüidade, profetizado para os últimos dias da humanidade: “Este espetáculo (das desgraças contemporâneas) é de tal maneira aflitivo, que se poderia ver nele a aurora deste início de dores, que trará o homem do pecado, elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe a honra de um culto. Não se pode verdadeiramente deixar de pensar que estão próximos os tempos preditos por Nosso Senhor”: “e por causa dos progressos crescentes da iniqüidade, a caridade de um grande número de homens se esfriará” (Pio XI, Encl. “Miserentissimus Redmptor”, de 8 de Maio de 1928).
b) o pânico universal
Com efeito, a conflagração mundial dissipara os últimos resquícios de otimismo da era vitoriana, e pusera a nu as chagas hediondas que, como uma lepra, de alto a baixo cobriam a civilização contemporânea. Os espíritos que, enganados pela aparência falaciosa e brilhante da sociedade de “avant-guerre”, ainda dormiam despreocupadamente sobre suas ilusões liberais, despertaram bruscamente, e a todos se patenteou a necessidade de medidas de salvação ingentes e drásticas, que evitassem a ruína iminente.
c) as ditaduras
Surgiram então os grandes condutores de massas humanas e começaram a arrastar atrás de si as multidões postas em delírio pelo terror, a lhes prometer os remédios fáceis das mais variadas reformas legislativas.
d) a suprema catástrofe
Estava precisamente aí a tragédia do século XX. Os Papas haviam proclamado reiteradamente que só o retorno à Igreja salvaria a humanidade. Entretanto, procurou-se a solução fora da Igreja. Em vez de promover a reintegração do homem no Corpo Místico de Cristo, e implicitamente sua regeneração moral, procurou-se “defender a cidade sem o auxílio de Deus”, tarefa vã, cujo insucesso nos arrastou aos transes mortais da presente conflagração. Esta procura frenética, desordenada, alucinante, de uma solução qualquer, sempre aceita, por mais dura que fosse, desde que não fosse a solução que é Cristo, foi a última catástrofe desta cadeia de erros que, de elo em elo, nos conduziu das primeiras negações de Lutero até a amargura dos dias de hoje. Será difícil fazer previsões sobre o futuro, e não é este o objetivo do presente livro. Da exposição até aqui feita, retenhamos apenas esta noção: a procura ansiosa e alucinada de uma solução radical e imediata foi a grande preocupação, que, consciente ou inconscientemente, a todos nos empolgou, nas duas últimas décadas deste terrível século XX. Como náufragos, os homens procuram agarrar-se até à palha que flutua sobre as ondas, supondo nela virtudes salvadoras.
O delírio do naufrágio não tem por único efeito suscitar nos náufragos a ilusão de se salvarem agarrados à palha. Quando lhe são oferecidos meios de salvação adequados, precipitam-se loucamente sobre eles, utilizam-nos mal, destroem-nos por vezes com sua imperícia e soçobram finalmente entre os destroços dos barcos, em que se poderiam ter salvo.
(Plínio Corrêa de Oliveira – “Em Defesa da Ação Católica” – Edição em fac-simile da Artpress, 1983, págs. 9/10)
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