sábado, 22 de março de 2008

AMOR AO PAPADO E A PERFEITA ALEGRIA


Respondendo a uma missiva, assim se posicionou Dr. Plínio sobre o papel do Papa:



"Se bem que eu me sinta tentado a entrar em matéria apontando alguns erros de estilo, de pensamento e de História (presente e passada) do meu missivista, prefiro ir ao cerne do assunto, no pouco espaço que seu longo texto me deixa. E este cerne consiste – em se tratando de um interlocutor de formação protestante – em mostrar como se deveria portar um católico que estivesse, não precisamente nas condições em que me encontro, mas nas condições em que ele imagina que estou.
O sr. Jeroboão se engana. Não é com meu entusiasmo dos tempos de jovem, que eu me coloco hoje perante a Santa Sé. É com um entusiasmo ainda maior, e muito maior. Pois à medida que vou vivendo, pensando e ganhando experiência, vou compreendendo e amando mais o Papa e o Papado. E isto seria precisamente assim, ainda que eu me encontrasse – repito – exatamente nas circunstâncias que o sr. Cândido Guerreiro pinta.
Lembro-me ainda das aulas de catecismo em que me explicaram o Papado, sua instituição divina, seus poderes, sua missão. Meu coração de menino (eu tinha então 9 anos) se encheu de admiração, de enlevo, de entusiasmo: eu encontrara o ideal a que me dedicaria por toda a vida. De lá para cá, o amor a esse ideal não tem senão crescido. E peço aqui a Nossa Senhora que o faça crescer mais e mais em mim, até o meu último alento. Quero que o derradeiro ato de meu intelecto seja um ato de Fé no Papado. Que meu último ato de amor seja um ato de amor ao Papado. Pois assim morrerei na paz dos eleitos, bem unido a Maria minha Mãe, e por Ela a Jesus, meu Deus, meu Rei e meu Redentor boníssimo.
E este amor ao Papado, sr. Jeroboão, não é em mim um amor abstrato. Ele inclui um amor especial à pessoa sacrossanta do Papa, seja ele o de ontem, como o de hoje ou o de amanhã. Amor de veneração. Amor de obediência.
Sim, insisto: de obediência. Quero dar a cada ensinamento deste Papa, como de seus antecessores e sucessores toda aquela medida de adesão que a doutrina da Igreja me prescreve, tendo por infalível o que ele manda ter por infalível, e por falível o que ele ensina que é falível. Quero obedecer às ordens deste ou de qualquer outro Papa em toda a medida em que a Igreja manda que sejam obedecidos. Isto é, não lhes sobrepondo jamais minha vontade pessoal, nem a força de qualquer poder terreno, e só, absolutamente só recusando obediência à ordem do Papa que importasse eventualmente em pecado. Pois neste caso extremo, como ensinam – repetindo o Apóstolo São Paulo – todos os moralistas católicos, é preciso colocar acima de tudo a vontade de Deus.
Foi o que me ensinaram nas aulas de catecismo. Foi o que li nos tratados que estudei. Assim penso, assim sinto, assim sou. E de coração inteiro.
Como já disse, haveria de cá e de lá algumas precisões ou retificações a fazer aos fatos que o senhor narra. Imagino entretanto – para argumentar – que fossem tais que o senhor os pinta. E que as portas do Vaticano me tenham sido batidas, ou venham a ser-me batidas no rosto. Eu em nada alteraria minha atitude de fé, entusiasmo e obediência. E, além disto, me sentiria em perfeita felicidade.
Sabe o senhor o que nos ensina São Francisco sobre a perfeita felicidade? Para refrigério e gáudio de sua alma, eu o transcrevo dos “Fioretti”, embora resumidamente:
“Vindo uma vez S. Francisco de Perusa para S. Maria dos Anjos com frei Leão, em tempo de inverno, e o grandíssimo frio fortemente o atormentasse, (...) frei Leão perguntou-lhe: Pai, peço-te, da parte de Deus, que me digas onde está a perfeita alegria. E S. Francisco assim lhe respondeu: Quando chegarmos a S. Maria dos Anjos, inteiramente molhados pela chuva e transidos de frio, cheios de lama e aflitos de fome, e batermos à porta do convento, e o porteiro chegar irritado e disser: Quem são vocês? E nós dissermos: Somos dois dos vossos irmãos, e ele disser: Não dizem a verdade; são dois vagabundos que andam enganando o mundo e roubando as esmolas dos pobres; fora daqui; e não nos abrir e deixar-nos estar no tempo, à neve e à chuva com frio e com fome até à noite: então, se suportarmos tal injúria e tal crueldade, tantos maus tratos, prazenteiramente, sem nos perturbarmos e sem murmurarmos contra ele (...) escreve que nisso está a perfeita alegria. E se ainda, constrangidos pela fome e pelo frio e pela noite, batermos mais e chamarmos e pedirmos pelo amor de Deus com muitas lágrimas que nos abra a porta e nos deixe entrar, e se ele mais escandalizado disse: Vagabundos, importunos, pagar-lhes-ei como merecem: e sair com um bastão nodoso e nos agarrar pelo capuz e nos atirar ao chão e nos arrastar pela neve e nos bater com o pau de nó em nó: se nós suportarmos todas estas coisas pacientemente e com alegria, pensando nos sofrimentos de Cristo bendito, as quais devemos suportar por seu amor: ó irmão Leão, escreve que aí e nisso está a perfeita alegria, e ouve, pois, a conclusão, irmão Leão. Acima de todas as graças e de todos os dons do Espírito Santo, os quais Cristo concede aos amigos, está o de vencer-se a si mesmo, e voluntariamente pelo amor suportar trabalhos, injúrias, opróbrios e desprezos (...)”



("A perfeita alegria" – Folha de São Paulo, 12.07.70).

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