terça-feira, 20 de dezembro de 2022

EXEMPLOS DE CASTIGOS CONTRA A IMPUREZA (I)

 





A seguir, seguem vários casos de castigos contra a luxúria, iniciando com o relato de Santo Afonso Maria de Ligório:

A história do bispo Udo

“Trazem este caso os seguintes autores em suas obras: Trithemio, Nauclero, Bautista, Fulgosio, Canesio no seu Marial, Alosa no Céu Estrelado, João Maior no Espelho de Exemplos, Aringo no "Mortes peccatorum pessimae", e outros muitos, e sucedeu pelos anos do Senhor de 985, imperando Otão III, na forma que agora diremos.

Caso admirável e horrendíssimo acerca da castidade

Na cidade de Magdeburgo, que é Metropolitana no Ducado da Saxônia, cursava as escolas um estudante por nome Udo, de tão curta capacidade para as letras, a que suposto aplicava da sua parte o trabalho e diligência, não tirava daqui mais fruto que mofa e zombaria dos condiscípulos, enfado dos mestres e aflição do próprio espírito. Um dia que esta o perturbou mais, entrou na Sé daquela cidade, que é dedicada a Deus em honra do ínclito capitão São Maurício Mártir,  e de toda a sua Legião Tebana, e ali prostrado em oração fervente, rogou à Virgem Senhora Nossa, e ao mesmo São Maurício, lhe alcançassem de Deus luz no entendimento para os estudos. Adormeceu, e ali em sonhos lhe apareceu a mesma Senhora e lhe disse: Ouvi tua oração, e não só te concedo meu bendito filho o talento das letras, senão que por elas subirás a ser bispo desta igreja por morte do que agora governa.  Se acudires fielmente às obrigações deste ofício, será grande o teu prêmio; porém se fores negligente, será grande o teu castigo.

Desapareceu a visão; acordou Udo, e desde aquela hora não achou dificuldade em coisa alguma que estudasse. Foi o dia seguinte à escola, e começou a dar tão boa conta de si, que seus condiscípulos admirados diziam: Não é este Udo, de quem há pouco ríamos? Como tão brevemente se fez tão excelente filósofo? Na mesma admiração está o mestre, ponderando a capacidade rara com que compreendia as matérias, a agudeza com que penetrava as dificuldades, a destreza, a facilidade com que as soltava, e a retentiva com que tudo o que lia e ouvia lhe ficava como gravado na memória. Finalmente, ganhou nome tão famoso em poucos anos, que vagando aquele arcebispado foi eleito nele por comum aplauso do povo.

Udo usa do cargo para saciar o apetite da luxúria

Colocado, pois na cadeira arcebispal, procedeu louvavelmente aos princípios. Porém como os ofícios grandes costumam os procedimentos da pessoa que não está fundada em sólidas virtudes, foi pouco a pouco esquecendo-se de suas obrigações, e entregando-se a vícios de tal sorte, que mais parecia lobo que entrava no aprisco a degolar o rebanho de Cristo do que pastor para o apascentar e defender. Deu-se particularmente ao vício da sensualidade, tão sem freio do temor de Deus e do escândalo do povo, que não havia mulher casada nem donzela segura de sua insaciável torpeza. E como era rico e poderoso, e com muitos dependentes da sua mão, ninguém se atrevia a impedi-lo nem a repreendê-lo. Fez com isto mais profundo o seu pecado: e desmandou-se a solicitar religiosas; e tirou de um mosteiro a abadessa, com a qual publicamente vivia amancebado. Quem esperava tal desatino de um homem letrado, tal desenvoltura de um prelado eclesiástico, tal ingratidão de um sujeito tão obrigado à Virgem? Porém o vício da carne cega muito a luz do espírito: também Salomão era sábio; também como devedor do benefício da sabedoria devia honrar e servir a Deus que lha concedera.

Quis o Senhor piedosíssimo justificar mais a sua causa, antes que descarregasse o golpe: e assim lhe fez três como admoestações canônicas. Estando Udo uma noite com aquela concubina à ilharga, ouviu uma voz que dizia: Cessa de tudo, quia lusisti satis Udo; cessa teu poder Udo, porque tens julgado muito. Fez o miserável pouco caso disto: e ficou jazendo no seu pecado. Na noite seguinte teve na mesma forma o mesmo aviso, e também o desprezou; porque o demônio que estava muito encastelado na sua alma com posse pacífica, logo lhe divertiu o pensamento; e com fazer-lhe repetir o pecado, se iam obscurecendo mais as suas trevas interiores.  Começou a temer e a ansiar-se; porém brevemente se tornou a aquietar na falsa paz de sua cauterizada consciência. Converteu, pois Deus a sua justiça em Juízo: e dirigiu este na forma seguinte:

Um cônego daquela Sé, varão de muita oração e virtudes (que sem aquela mal poderia ter estas) ficou na igreja uma noite depois de Matinas, encomendando a Deus Nosso Senhor este negócio; e Lhe pediu com vivas lágrimas e gemidos que, ou Sua Majestade abrandasse o empedernido coração de Udo, ou quando ele não se quisesse converter, lhe tirasse a vida e o castigasse para cessarem os escândalos, que cada dia eram maiores. Neste tempo entrou na igreja um grande pé de vento que apagou todas as lâmpadas. Temeu o cônego e se lhe arrepiaram os cabelos; mas voltando-se para Deus, e pedindo-Lhe ânimo, se recobrou e viu este admirável espetáculo.

Preparativos solenes para o julgamento de Udo

Entraram na igreja emparelhados dois mancebos de estremada galhardia, com tochas acesas nas mãos, de claridade superior à que costuma haver na terra; e fazendo profunda reverência ao Altar-Mor, se puseram em pé, um a um lado e outro a outro. Entraram logo outros quatro: dois deles com alcatifas preciosíssimas, que estenderam no pavimento da capela, e dois com cadeiras de ouro, que colocaram em cima uma ao lado da outra. Vieram depois doze veneráveis personagens, de tão respeitoso aspecto que cada qual parecia imperador do mundo; porém no meio deles vinha outro Senhor incomparavelmente mais majestoso, com coroa de ouro na cabeça e cetro na mão: era Cristo Salvador Nosso e aqueles seus sagrados Apóstolos; os quais  dividindo-se a uma e outra parte Lhe fizeram suma reverência: e o Senhor se assentou em uma das cadeiras. Entrou logo a Rainha do Céu, Maria Santíssima, Senhora Nossa, com numerosa comitiva de virgens e mártires, e feita a reverência ao Senhor tomou a outra cadeira.

O cônego, lá desde o seu cantinho, estava embebido em admirações, mas desperto, esperando que ação se representaria digna de tão aparatoso teatro. Quando se vê entra São Maurício, patrão daquele templo com toda a triunfante legião dos mártires, seus companheiros (que dizem foram 6.666) todos coroados de luz e ornados de decoro e majestade e, feita a adoração ao Rei, e outra à Rainha das Alturas, se dispuseram por todo aquele âmbito em bem organizadas fileiras.  Eis que entra outro formosíssimo mancebo de galharda estatura, armado de ponto em branco com espada nua na mão, como pintam a Justiça, e depois de feita a semelhante adoração  com os joelhos em terra, se pôs no meio e levantando a voz lançou este pregão:

"Todos os santos cujas relíquias aqui se conservam, levantai-vos e vinde a este juízo".

Julgamento na presença da corte celeste: a sentença do Juiz

Imediatamente apareceu ali uma grande multidão de santos, mártires e virgens, confessores e doutores, que postos também por sua ordem enobreceram mais aquele ilustríssimo conclave.

Saiu então o capitão São Maurício, dando-se por autor daquela causa;  e proclamou dizendo:

- Retíssimo Juiz, tempo é de que vossa soberana Majestade faça justiça.

Mandou então o Senhor que Lhe trouxessem ali a Udo; voaram logo uns anjos e tirando-o da ilharga da concubina, com quem estava abraçado, o puseram na presença de Cristo, no meio de todo aquele concurso, com tal confusão do miserável que não é possível explicar-se.  E São Maurício começou a por-lhe os cargos, dizendo:

- Este, Soberano Senhor, é aquele Udo, a quem vossa Mãe Santíssima, que presente está, fez tão particulares benefícios; a quem por Sua intercessão destes o talento da sabedoria; a quem encomendastes o cuidado desta igreja; e ele em vez de apascentar as vossas ovelhas, as tem empestado com o contágio de seus vícios, gastando neles o patrimônio da mesma igreja. Este é o que teve o atrevimento de violar as Vossas esposas consagradas e de persistir na sua maldade contra o seu próprio voto, contra o seu ofício, contra as suas leis humanas e divinas, contra os remorsos da sua consciência, e contra um e outro avisos do Céu que lhe enviou Vossa paciência e piedade.

Ouvia o Supremo Juiz os graves artigos daquele processo; e voltando o rosto para aqueles santos que Lhe assistiam, disse:

- Como vos parece que nos portemos com este homem?

Aqui, levantando a voz o mancebo da espada nua, disse em nome de todos aqueles assessores:

- Digno é de morte!

E o Senhor pronunciou a sentença nesta forma:

- Execute-se; e pois não soube ser cabeça da Igreja, que lhe encomendaram, cortem-lhe a cabeça!

No mesmo ponto aproximou-se o mancebo e mandou a Udo que lhe inclinasse a cabeça para o degolar. Levantada a espada, vai descarregar o golpe quando um dos quatro anjos acode dizendo:

- Detém-te, que esse homem mau celebrou ontem e comungou em pecado mortal, e por vontade de Deus se conservam ainda em seu corpo as espécies sacramentais: é necessário tirarmos com decência a Hóstia Consagrada.

Em seguida, levantou-se da cadeira a Virgem Santíssima, Senhora Nossa, e acompanhada de anjos e santos chegou com um cálice de ouro na mão, no qual outro anjo, dando nas costas de Udo uma pancada, lhe fez lançar fora a Sagrada forma. E a Senhora purificou com sua mão, colocando o cálice sobre a pedra de Ara com toda a decência e acompanhamento de anjos e santos. Isto feito, o valoroso mancebo descarregou o golpe e destroncou aquele miserável corpo, saltando a cabeça para a outra parte e ficando as lajes daquele lugar manchadas com seu torpe sangue. Executada a sentença, desapareceu toda aquela nobre companhia, deixando o templo às escuras como estava antes.

Como os demônios levaram a alma de Udo

Atônito aquele virtuoso sacerdote com a representação de caso tão estupendo, não sabia o que fizesse nem em que se determinasse;  e dizia para si: Que é isto que vi? Sonho meu, ou ilusão do demônio, ou revelação de Deus?  Sonho não o parece, que sempre estive desperto, e fiz disto mesmo atos reflexos; mas quero certificar-me se está aqui o corpo do desventurado arcebispo. Animou-se, pois e foi buscar luz (por ventura a sua casa ou a alguma capela mais retirada no claustro, onde houvesse lâmpada), acendeu as da igreja, chegou ao lugar onde vira o suplício, e, com efeito, viu o corpo destroncado e a cabeça lançada à outra parte, e as pedras banhadas no sangue fresco; subiu ao altar e viu nele o cálice de ouro com a Forma consagrada dentro. Não foi logo sonho (disse então novamente admirado), mas demonstração pública da divina justiça, pois a ofensa também era pública. E fechadas as portas da igreja foi, antes que amanhecesse, notificar aos capitulares e outras pessoas principais do povo todo o sucedido. Divulgou-se o caso: abriram-se as portas da igreja, entrou inumerável gente, e todos foram testemunhas daquele tão raro como formidável espetáculo; e louvaram os juízos de Deus, que sendo umas vezes ocultos e outras manifestos sempre são retos e justificados por si mesmos.

Até aqui revelara Deus Nosso Senhor a condenação de Udo quanto à morte temporal: segue-se outro caso em que revelou a outro sacerdote a sua condenação quanto à morte eterna. Era este capelão do mesmo arcebispo nos tratos de sua torpeza, e ele o havia mandado fora da cidade a negócios de importância; e se vinha neste mesmo tempo recolhendo, mandadas já adiante as cargas. Vindo, pois caminhando por um escampado, o carregou um sono tão pesado que não podendo resistir-lhe desmontou, e atando as rédeas do cavalo ao braço se lançou a dormir ao pé de uma árvore. Apenas adormecido, viu em sonhos uma numerosa tropa de demônios fazendo grande ruído, armados todos de diversas amas com lanças, piques e alabardas nas mãos e que faziam alto naquele campo. Vinha entre eles um que no agigantado da estatura, no disforme do aspecto, e no soberbo das ações mostrava ser o Príncipe das trevas. Levantaram-lhe logo ali um tribunal, em que tomou assento e todos lhe fizeram reverência. Assomou neste tempo por outra parte outra caterva de demônios, que vinham dando descompostas risadas e fazendo grande algazarra, porque traziam alguma rica presa ou despojo com que se mostravam contentes. Era esta a miserável alma de Udo em figura corporal, para que pudesse ser vista por semelhantes espécies. Vinha amarrada com cadeias de fogo e sobre todo encarecimento feia, triste e desconsolada; e quando já chegava perto do Príncipe Demonarca, alguns daqueles infernais ministros correram diante, mais ligeiros que abutres a dar-lhe a nova e diziam: Praça, praça, que vem uma pessoa principal; façam lugar que vem um sujeito muito benemérito do nosso reino.

Chegando o miserável Udo, pôs nele Lúcifer os afogueados olhos e lhe disse mofando:

- Seja vossa senhoria muito bem vindo; que tem sido a sua vinda aqui muito suspirada em meu palácio e corte; e desejamos todos pagar-lhe tantos e tão assinalados serviços com que tem aumentado a nossa coroa; olá, vassalos meus, é motivo que regalemos o novo hóspede, dai-lhe alguma coisa que coma.

Chegaram logo uns demônios com pratos negros e asquerosos, cheios de sapos, víboras e serpentes vivas; e abrindo-lhe a boca o obrigaram a comer. Entraram outros com grandes vasos de fel de dragões e enxofre derretido, e o obrigaram e beber, esgotando até as fezes. Disse, então, Lúcifer

- Agora que sua senhoria comeu e bebeu, é bom que goze também da suavidade de nossos banhos.

Dito e feito: afastou um demônio uma grande laje que servia de tampa a um poço que existia ali perto, do qual rebentaram tantas e tão impetuosas labaredas, que pareciam querer escalar o céu, e desafogando-se por aquele campo, tornaram em cinzas não só as árvores, mas as mesmas pedras, e até uma fonte que por ali corria a deixaram seca sem gota. Agarraram logo outros daqueles desventurados e o embocaram pelo poço adentro; onde, havendo estado longo tempo, o tiraram da cor de um ferro que esteve na fornalha feito brasa viva, e o tornaram à presença de Lúcifer, que escarnecendo lhe disse:

- Que lhe parece a vossa senhoria dos nossos banhos? Não são suaves e regalados? Pois isto não é mais que uma prova, ou ensaio, da grande praga que temos preparado para os assinalados serviços e merecimentos de vossa senhoria.

A tudo isto tinha estado em silêncio o desventurado Udo; e vendo-se já condenado a uma duração interminável de tormentos e que se seus olhos  se ausentara para nunca mais tornar a esperança de remédio, levantou a temerosa voz e com prolixos e altíssimos gemidos dizia:

- Ai de mim! Ai de mim, desgraçado! Oh, que caros me custaram meus deleites! Oh, que breves foram, e momentâneos, sendo a pena deles eterna! Maldito seja o dia em que fui gerado, maldita a hora em que nasci no mundo; malditos os pais que me deram o ser; malditos todos os que me ajudaram a pecar; maldito... (aqui começou a blasfemar de Deus e da Virgem e de todos os Santos).

E os demônios, ouvindo-o se fecharam em risadas e diziam:

- Oh que bem sabe já o nosso ofício! Que lindamente canta!  Necessário é que fique em nossa casa e cante no nosso coro. Pois levai-o logo - disse Lúcifer - e dai-lhe com unhas e dentes.

Se sumiram pela boca do poço, com ruidoso estrondo, que parecia virem  abaixo as abóbadas do firmamento e que os montes se arrancavam de seus assentos.

Todavia o demonarca com outros espíritos malignos, que lhe faziam corte, puseram os olhos espantosos e terríveis, que pareciam carvões acesos, no clérigo que estava dormindo:

- Aquele que ali está dormindo não é o capelão de Udo e seu alcoviteiro? Razão é que o acompanhe nas penas, pois lhe ministrou nas culpas. Trazei-o aqui logo!

Correram a ele os demônios para o agarrar. E neste passo o clérigo com a força do susto acordou daquele formidável sonho. E como se levantou se estrebuchando e espavorido, espantou-se o cavalo que estava atado a seu braço e quebrou a cana dele. Porém como Deus queria dar-lhe lugar de penitência e que fosse testemunha do que vira, parou enfim o bruto e se amansou de sorte que o clérigo pôde outra vez montar, ainda que com grande dor e trabalho. Chegando à cidade viu que em nenhuma coisa se falava mais que na infeliz e repentina morte de seu amo;  e conferindo o que tinha passado no castigo do corpo com o que vira no da alma, ficou a verdade de uma e outra visão mais confirmada.

A ira divina manifesta-se até no cadáver

Porém como as obras de Deus em qualquer gênero são perfeitas, faltava ainda alguma demonstração da ira divina acerca daquele miserável cadáver que na igreja ficara degolado. Esta foi que não quiseram os da cidade dar-lhe sepultura em sagrado. Lançaram-no em uma lagoa: porém logo saíram dos bosques, brenhas e bosques, diversas feras que ali tinham seus esconderijos; e entrando na lagoa tiraram fora o corpo e o levaram arrastando pelos campos, sem nenhum lhe dar dentada, como que abominavam coisa tão maldita. E os pastores e rústicos que com isto padeciam não pequeno assombro e dano, se viram obrigados a queimar aquele corpo. Lançaram as cinzas dele no rio Alba; e no mesmo ponto (coisa maravilhosa) todos os peixes dele fugiram para o mar, e não apareceu ali pesca alguma pelos dez anos seguintes até que os naturais aplacaram a ira de Deus com procissões, penitências e ladainhas e então os peixes começaram a voltar para o rio.

Dura a memória deste espantoso caso naquela Província até o presente dia; e ainda que os saxônios o quisessem negar, as mesmas pedras o publicam, porque em uma dita da igreja se mostra claramente o sangue daquele justiçado, cuja nódoa não pôde apagar-se por estar incorporada com a mesma pedra, que parece embebeu em si. Está coberta com um tapete e quando há nova promoção de arcebispo a descobrem e lhe mostram, dizendo: Que veja bem como castiga Deus a quem não administra como deve aquela dignidade que lhe encomenda.

Até aqui a relação do caso. No qual se ofereciam muitas coisas dignas de ponderação: o perigo das letras, quando se não acompanham de virtudes; o fácil abuso das riquezas e dignidade para a depravação dos costumes; a gravidade do escândalo; a dureza do coração humano resistindo às vozes divinas e despencando-se de um pecado em outro mais profundo; a eficácia da oração  dos justos em ordem ao bem  público e à honra divina; o desamparo de uma alma tanto que a Virgem Senhora Nossa fica em silêncio e não advoga por ela; o execrando sacrilégio dos que comungam em pecado mortal e o respeito que se deve ao Augustíssimo Sacramento do Altar; a justificação exatíssima, a vasta profundeza dos divinos juízos; a honra, a fama dos pecadores trocados subitamente em infâmia e ignomínia;  a ingratidão como é caráter próprio de almas réprobas; o ofender a Deus por servir aos ímpios, como é arriscado a fazer-lhes companhia nas penas eternas; as criaturas todas como perseguiriam ao pecador se Deus lhes desse licença; e outros muitos doutrinais avisos que desta história se provam manifestamente. Porém como o nosso intento nesta obra não tem esfera tão ampla, só pretendo agora que tiremos com tempo o desengano que aquela alma ponderou já tarde demais.  Oh, deleites da carne (dizia ela abrindo na pena os olhos que fechara na culpa) como custais caro! Que brevemente passastes e como vosso tormento não passará eternamente! Consideremos atentamente como não indo entre o pecador e o inferno mais que o fio de sua vida, que pode quebrar em qualquer instante, não pode haver loucura mais  desatinada do que deixar-se o pecador viver no estado em que não quisera morrer; e por um gosto torpe e momentâneo vender a salvação eterna da sua alma.

E, finalmente, tornando à conclusão do presente capítulo, digo que são tantas no mundo as desgraças, ruínas, sedições, crueldades e sucessos trágicos que este só vício da carne tem causado, que apenas há pessoas das que tem anos de discrição e experiência que não possa referir vários exemplos. Nestes, pois deve carrear com a consideração quem deseja tirar escarmento e pedir a Deus lhe conceda seu santo temor de Deus, para conter-se nos limites que assinala Sua Lei”. [1]

 

 (Extraído de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, págs. 252/259 – O texto integral desta obra poderá ser obtido enviando mensagem para meu email juracuca@gmail.com )



[1] Santo Afonso Maria de Ligório - Obras Ascéticas - BAC - págs. 767/769

 


Nenhum comentário: