segunda-feira, 29 de março de 2010

O papel das mulheres na Paixão e Ressurreição de Cristo



Não se pode dizer que a Divina Providência reservou para a mulher um papel secundário em Seus planos. Basta verficarmos que, em muitos casos, a mulher sempre foi a preferida. Foi uma Mulher, a Virgem Santíssima, escolhida para ser quem gerasse a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade em sua humanidade. Nosso Senhor Jesus Cristo, em sua vida, sempre concedeu às mulheres uma atenção e um lugar especial em seu Sagrado Coração. Sempre encontrava entre elas um bom exemplo para dar aos homens, como a viúva do gazofilácio (Mc 12, 41-44), curou a sogra de São Pedro (Mt 8, 14-15), consolou a viúva de Naim (Lc 7, 11-16) e as santas mulheres que choravam por Ele (Lc 23, 28-3), acolheu Maria Madalena na frente dos fariseus, perdoou a adúltera que ia ser apedrejada (Jo 8, 3-11) e enfrentou o mau-humor dos judeus conversando amigavelmente com a Samaritana (jo 4, 7-26), pois além de ser de Samaria (região de povo detestado pelos judeus), tinha vida irregular pois estava já no sexto consórcio marital.
Foram elas que O acompanharam em toda a Sua dolorosa Paixão; enquanto os homens, seus mais fiéis apóstolos, fugiam; foram elas que providenciaram o Seu enterro e a preparação de Seu Sagrado Corpo, levando-O até à sepultura. Todos os doze apóstolos e os 72 discípulos inicialmente escolhidos por Jesus Cristo eram homens. No entanto, onde estava este grupo de 84 homens no momento de Sua Paixão e morte? Fugiram todos. Havia muitas mulheres que os acompanhavam em suas pregações públicas, e a maioria delas foi mais fiel naquele terrível momento do que os próprios homens.
Apesar de ter os homens como seus discípulos e apóstolos, porém foi às mulheres que Nosso Senhor Jesus Cristo primeiro se manifestou após a Ressurreição. Sobre este assunto, vejamos abaixo os comentários do Pe. João Clá, extraídos da revista “Arautos do Evangelho” (*)

“Por que motivo teria escolhido as mulheres para Se manifestar, antes dos próprios Apóstolos?
Voltemos nossa atenção para uma passagem do Evangelho muito pouco analisada:
“Passado o sábado, Maria madalena, Maria, mãe de Tiago, e Salomé compraram aromas para ungir a Jesus. E no primeiro dia da semana, foram muito cedo ao sepulcro, mal o sol havia despontado. E diziam entre si: Quem há de remover a pedra da entrada do sepulcro?” (Mc 16, 1-3).
Agiam impensadamente, ou seja, de modo substancialmente imperfeito, por várias razões. Sabiam que o cadáver havia sido ungido dois dias antes. Por que fazê-lo de novo? Ademais, tratava-se do corpo de uma pessoa falecida havia quarenta e oito horas. Por fim, é de bom senso que não se deve violar uma sepultura, qualquer que seja, e as leis romanas não toleravam uma transgressão desse tipo.
Havia dificuldades adicionais, como elas mesmas confessam: “Quem nos há de remover a pedra?” Naquela hora era improvável que encontrassem homens aos quais pudessem pedir tal serviço. E na hipótese de lá haver alguns, prestar-se-iam a realizar tarefa tão perigosa?
O sepulcro havia sido lacrado com todos os cuidados dos odientos adversários de Jesus, como sabiam os discípulos. Os príncipes dos sacerdotes e os fariseus “asseguraram o sepulcro, selando a pedra colocando guardas’ (Mt 27, 62-66). Como iriam elas convencer a lhes permitirem abrir o túmulo e retirar o cadáver?
E nada indica que elas tenham exposto seus planos a São Pedro e aos outros Apóstolos. É mais uma nota de imperfeição. Agiam por conta própria num assunto que poderia comprometer toda a Igreja nascente. Qualquer violação da sepultura deixaria a incipiente comunidade cristã em complicada situação diante das autoridades judaicas e romanas. O simples fato de chegarem a fazer aos vigias alguma proposta quanto ao cadáver daria razão aos príncipes dos sacerdotes e escribas, que haviam solicitado ao governador romano uma guarda diante do túmulo de Jesus, pois “seus discípulos poderiam vir roubar o corpo e dizer ao povo: Ressuscitou dos mortos”... (Mt 27, 64).
Outra questão de grande peso para a avaliação dos fatos é esta: por que Nossa Senhora não se juntou a elas? Terão perguntado à Mãe de Jesus se estava correto aquele modo de proceder?
Além do mais, elas mesmas não criam na Ressurreição. Do contrário, teriam preferido ficar nas proximidades do Santo Sepulcro, para aguardar os acontecimentos. Igualmente, não lhes teria ocorrido a idéia de embalsamar de novo o corpo, a fim de protegê-lo da agressividade do tempo e da decomposição.
Este juízo parece por demais severo, ainda que apoiado em autores de grande importância. E de fato o é. Acrescente-se a isto que os próprios Apóstolos consideravam a situação com a gravidade que estamos descrevendo. As terríveis notícias sobre os acontecimentos da Paixão do Senhor, que se haviam propagado por todos os lados, e o ódio que podiam sentir pairando no ar, haviam lhes incutido terror até o fundo da alma. Por isto estavam trancados no Cenáculo.
Ora, é precisamente em meio a esse clima de tragédia e pânico que aquele grupo de piedosas mulheres, sem muito refletir sobre as conseqüências de seus atos, resolve sair antes do raiar da aurora...

Apesar da sua imprudência, as mulheres não foram repreendidas

Podemos imaginar a enorme preocupação que tomou a todos no Cenáculo, ao darem por falta dessas mulheres. E também o alvoroço que deve ter havido e os olhares de reprovação, quando elas voltaram para contar o que haviam presenciado no túmulo de Jesus. Apóstolos e discípulos não só não acreditaram na narração, como atribuíram tudo à fértil imaginação feminina: “Mas essas notícias pareciam-lhes como um delírio, e não lhes deram crédito” (Lc 24, 11). Ao narrar o episódio dos discípulos de Emaús, São Lucas lhes coloca nos lábios um lamento sobre tais mulheres, que haviam assustado a todos no cenáculo (Lc 24, 22).
Apenas São Pedro e São João resolveram se mover para certificar-se do que ouviram, e creram em Santa Madalena depois de examinarem o sepulcro de Jesus (Jo 20, 3-8).
No fim de tudo, as próprias mulheres se deram conta do perigo a que se haviam exposto e da imprudência cometida: “Elas saíram do sepulcro e fugiram trêmulas e amedrontadas; e a ninguém disseram coisa alguma (pelo caminho), por causa do medo” (Mc 16, 8). Esta é a reação característica dos imprudentes: antes do ato, o perigo não existe; após as primeiras configurações deste, o pânico.
Diante desses fatos, tornam-se incompreensíveis as atitudes de Nosso Senhor para com elas. Façamos uma breve recapitulação dos fatos:
1. Por escolha de Jesus, a precedência na pregação do Evangelho cabia aos homens (os doze apóstolos e 72 discípulos). Ora, o mais importante de todos os milagres, o fundamento de nossa fé, a Ressurreição do Senhor Jesus, não é comunicada aos homens em primeiro lugar, mas sim às mulheres. Elas são encarregadas pelo “raboni” de transmitir a Boa Nova para os próprios apóstolos e discípulos, a fim de que estes a anunciem pelo mundo. Por cúmulo, eles nem sequer chegam a lhes dar crédito... (Mc 16, 11).
2. Jesus manda dois Anjos (Lc 24, 4) para lhes comunicar o grande acontecimento (Lc 24, 6); Mc 16, 6; Mt 28, 6). É a primeira vez que no Evangelho deparamos com o termo “ressurreição” após a morte do Senhor.
3. Elas não só não recebem a menor recriminação da parte dos mensageiros celestes, mas são tratadas com enorme bondade e deferência. Um dos Anjos as recebe com palavras carinhosas, procurando logo de início desfazer-lhes o medo e mostrar-lhes que conhecia perfeitamente a alta razão que as movia até ali.
4. Como ficou visto mais atrás, Jesus apareceu a Maria, sua Mãe, logo após sair do sepulcro. Em segundo lugar, a Madalena (Jo 20, 16), com enorme ternura, chamando-a pelo nome. E, em terceiro, às outras mulheres, também com muita bondade, deixando que d’Ele se aproximassem e até osculassem seus pés (Mt 28, 9-10).

O amor puro por Jesus acaba compensando as imperfeições

A esta altura nos perguntamos por que essa diferença de atitude de Jesus, para com elas, de um lado, e para com os Apóstolos, de outro. O trato do Senhor para os Apóstolos é bem descrito por São Marcos: “Finalmente apareceu aos onze, quando estavam à mesa, e censurou-lhes a sua incredulidade e dureza de coração, por não terem dado crédito aos que o viram ressuscitado” (Mc 16, 14). Sua primeira palavra, portanto, segundo o evangelista, é de censura para com eles. Que diferença! Por quê?
Não teria entendido nada dessa sublime lição quem afirmasse que Jesus quis dar preeminência à mulher sobre o homem. Não é este o caso. Na verdade, tais episódios deixam transparecer claramente a essência do Evangelho, que Nosso Senhor havia resumido nos seguintes termos: “Dou-vos um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13, 34). É no perfeito amor a Deus e ao próximo que está a síntese do Evangelho.
Era tão grande o amor que aquelas mulheres tinham por Jesus que até seu instinto de conservação havia se definhado, no que significasse ir ao encontro d’Ele. Carregavam imperfeições, mas o amor pelo Senhor era puro. E quando esse amor é assim acrisolado, Cristo mesmo toma sobre si a tarefa de aperfeiçoar as ações que a natureza humana decaída venha a realizar.
Com essa afirmação, não é nossa intenção fazer uma apologia da imprudência enquanto tal, mas ressaltar como as atitudes irrefletidas das santas mulheres do Evangelho eram compensadas pelo puro amor de Deus – a caridade”.

(*) Revista “Arautos do Evangelho” n. 4, de abril de 2002, artigo de João S. Clá Dias – págs. 13/17.

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