terça-feira, 25 de agosto de 2009

Nossa Senhora das Alegrias

Sínodo arquidiocesano de Vitória (ES), que atraiu multidão de fiéis, fez-me lembrar da bela história da devoção de Nossa Senhora das Alegrias, venerada até hoje naquela Lapa. Milhares de fiéis participaram no último domingo (23) do encerramento do I Sínodo Arquidiocesano, na Praça do Papa, em Vitória. Desde 2006, as comunidades e áreas pastorais da Igreja Católica se reúnem para elaborar planos de evangelização, e o resultado desse trabalho foi apresentado na forma de um documento com orientações específicas para a ação pastoral nos próximos anos. O Sínodo surgiu a partir das necessidades apontadas jovens, famílias e ex-católicos em uma pesquisa técnica. Na consulta, as pessoas expuseram a imagem que tinham da Igreja, e deram sugestões para um revigoramento da fé. A festividade teve início às 8h, com a chegada da imagem original de Nossa Senhora da Penha (ou das Alegrias como era antigamente chamada), que foi carregada por integrantes da Marinha até o palco central da Praça. O arcebispo da Arquidiocese de Vitória, Dom Luiz Mancilha Vilela, afirmou durante a Celebração Eucarística que a Igreja usará de todos os meios evangélicos para atingir o objetivo do 1º Sínodo, que se propõe a "ser sinal de esperança para o povo, anunciando e testemunhando a Boa Nova de Jesus Cristo, à luz da evangélica opção pelos pobres, caminhando juntos, na acolhida fraterna". Na presença de diversos integrantes do clero capixaba, Dom Luiz destacou que o Sínodo deve ser "sinal de esperança aos desesperançados, às crianças e jovens e as pessoas da Terceira Idade em situação de risco; sinal de esperança às vítimas de violência e as encarcerados, aos marginalizados das periferias, e aos acamados e de todo aquele que não têm ânimo de viver". O documento conclusivo do I Sínodo Arquidiocesano, com o tema "Caminhar juntos na acolhida fraterna e na esperança", foi apresentado durante o evento. Nele encontram-se objetivos e sugestões para serem seguidos pelos cristãos, que englobam Cidadania e Cultura de Paz, Família, Celebração do Ministério Pascal, entre outros. Na opinião da fiel, o Sínodo foi importante para reunir os fiéis e para renovar os laços de fé na Igreja. "O Sínodo traz essa nova visão, não só em direcionar o que está por vir, mas nossa forma de agir. Não é só teoria, é a parte espiritual mesmo, para que a gente aprenda a se voltar para a Igreja com mais fervor, porque às vezes a gente tem a impressão de que os católicos não têm esse fervor forte", disse. A avenida Nossa Senhora dos Navegantes ficou interditada até 18 horas, em ambos os sentidos, por causa do evento católico. Pela manhã, o trânsito ficou lento sentido Vitória-Centro, mas os agentes de trânsito estavam nos pontos de desvio para orientar os motoristas. Um show com a cantora Joana encerrou do I Sínodo. Textos Históricos sobre a devoção de Nossa Senhora das Alegrias Transcrevo abaixo alguns curiosos textos de antigos documentos que falam desta devoção: “Na Capitania do Espírito Santo há duas vilas de portugueses perto uma da outra meia légua por mar. Em uma delas,que está na barra e chamam Vila Velha por ser a primeira que ali se fez, está num monte muito alto e em um penedo grande uma ermida de abóbada que se chama Nossa Senhora da Penha, que se vê logo do mar e é grande refrigério e devoção dos navegantes e quase todos vêm a ela em romaria, cumprindo as promessas que fazem nas tormentas, sentindo particular ajuda na Virgem Nossa Senhora, e diz-se nela missa muitas vezes. Esta ermida edificou-a um frade castelhano sem ordens sacras chamado frei Pedro, da ordem dos Capuchos, que aqui veio com licença de seu superior, homem de vida exemplar, o qual veio ao Brasil com zelo da salvação das almas e com ele andava pelas aldeias da Bahia em companhia dos padres. Desejando de batizar alguns desamparados e como não sabia letras nem a língua, porque este seu zelo não fosse “non sine scientia”, batizando alguns adultos sem o aparelho necessário, admoestado dos padres, lhes pediu em escrito algum aparelho na língua da terra para poder batizar alguns que achasse sem remédio e os padres não pudessem acudir e assim remediava muitos inocentes e alguns adultos. Com este mesmo zelo se foi à Capitania do Espírito Santo onde fez o mesmo algum tempo, confessando-se com os padres e comungando a miúdo, até que começou e acabou esta ermida de Nossa Senhora com ajuda dos devotos moradores, e ao pé dela fez uma casinha pequenina à honra e S. Francisco, na qual morreu com mostras de muita santidade”. (Padre José de Anchieta – “Textos Históricos” – pág. 52 – Edições Loyola, 1989) “Dele escreve Anchieta, em carta hoje perdida: “Varão evangélico, que viveu e morreu santamente”, palavras citadas por Jaboatão em “Novo Ordo Seráfico”, 2ª. Parte, vol. II, 48”. (cf. nota 56, pág. 69, obra citada acima) “...Antes levando-o pelo espiritual, me disse Francisco de Aguiar Coutinho, senhor dela, que dissera a Sua Majestade que tinha uma fortaleza na barra da sua capitania que lha defendia, e não havia mister mais, e que esta era a ermida de Nossa Senhora da Penha que ali está, aonde do mosteiro do nosso padre São Francisco, que temos na vila do Espírito Santo, vão dois frades todos os sábados a dizer missa, e a temos a nossa conta. “E na verdade a dita ermida se pode contar por uma das maravilhas do mundo, considerando-se o sítio, porque está sobre um monte alto um penedo que é outro monte, a cujo cume se sobe por cinqüenta e cinco degraus lavrados no mesmo penedo, e em cima tem um plano em que está a igreja e a capela, que é de abóbada, e ainda fica ao redor por onde anda a procissão, cercado de peitoril de parede, donde se não pode olhar para baixo sem que fuja o lume dos olhos. “Nesta ermida esteve antigamente por ermitão um frade leigo da nossa ordem, asturiano, chamado Frei Pedro, de mui santa vida, como se confirmou em sua morte, a qual conheceu alguns dias antes, e se andou despedindo das pessoas devotas, dizendo que, feita a festa de Nossa Senhora, havia de morrer. E assim sucedeu, e o acharam morto de joelhos, e com as mãos levantadas como quando orava, e na trasladação de seus ossos desta igreja para o nosso convento fez muitos milagres, e poucos enfermos os tocam com devoção que não sarem logo principalmente de febres, como tudo consta do instrumento de testemunhas que está no arquivo do mesmo convento. Nota: Durante o custodiado de Frei Vicente do Salvador, instaurou-se a 27 de julho de 1616, o processo informativo sobre a vida e as virtudes de Frei Palácios”. (“História do Brasil” – Frei Vicente do Salvador – Ed. Itatiaia, pág. 109). “Nesta vila de Vitória, da Capitania do Espírito Santo, vivia há anos passados um homem do povo singularmente devoto da Virgem Mãe de Deus. Desejando empregar seus bens em obséquio a Ela, considerou que lhe seria agradável a construção de uma ermida, como o fizera Libério Romano, num local piedoso e apropriado onde se satisfizessem os desejos dos devotos, e as almas dos frios e lânguidos despertassem para o serviço de Deus. Com tal intenção, ao procurar com máxima diligência um local apto volveu os olhos para uma alta colina, que se debruça sobre o porto marítimo, coberta de árvores altas, grossas e espessas. Julgando-a adequada, com ingentes dificuldades nela penetrou; em seu topo encontrou uma grande pedra que lhe vinha a propósito. A construção se lhe afigurou dificílima por causa da altura e aspereza da colina, sem caminho, e por ser mister transportar para cima, nos ombros, todo o material necessário; mas nada conseguia esfriar ou diminuir sua devoção. Pelo contrário; com maior fervor e engenhoso zelo pôs-se a abrir com seus servos e familiares um acesso sinuoso em torno ao monte, como melhor pôde no momento, pois doutra forma era impossível a subida. Através dele, colocou no alto, com trabalho persistente e incômodo, todo o material que lhe pareceu conveniente para o início da construção, não desistindo da tarefa antes de ver construída a ermida. O santuário da ermida é arredondado, com teto em forma de abóbada, assemelhando-se a meio limão. Para que o corpo da capela se tornasse mais iluminado e agradável, foram abertos ao longo das paredes vários e curiosíssimos arcos, através dos quais, de dentro, enxergam-se o mar, a terra, os canais e quanto a vista pode atingir. A santa ermida agradou de tal maneira a todos e suscitou tanta devoção que os moradores trataram de criar uma confraria em honra da Bem-Aventurada Virgem, ajudando-a devotamente com suas esmolas, e determinaram que em todos os sábados nela se celebrassem a missa; para este ato navegava em seus botes todo o povo da cidade, distante uma parassanga (*) rio abaixo. Junto à pedra, sobre a qual está somente a ermida, foram construídas casas para abrigo dos peregrinos que faziam lá a novena. Destas, até à entrada da ermida sobem 55 degraus. Não falamos da altura desde o sopé do monte até eles, pois é incrível. Mas a grande piedade do povo que a visita e freqüenta a torna fácil, e por isso, com razão, pode chamar-se milagre da terra ou antes do céu e da terra, pois a Virgem Beatíssima lá habita. De fato é estupendo contemplar sobre um altíssimo monte uma pedra sobreposta, que por si é outro monte, ao qual se sobe por tantos degraus. Nele se acha uma esplanada na qual foi edificada a igreja e o santuário, em torno do qual corre um muro te à altura do peito, com espaço suficiente para as procissões; de lá não se pode olhar para baixo sem sentir vertigem. “Vinte anos antes desta Custódia chegou a esta vila de Vitória, Capitania do Espírito Santo, com autorização de seus superiores, certo religioso leito de nossa Ordem, chamado frei Pedro, de origem espanhola, muito admirado pelos moradores do lugar por suas virtudes e grande santidade. A ele foi entregue esta ermida de Nossa Senhora da Penha, na qual se recolheu e viveu pelo espaço de 8 ou 9 anos em grande e constante penitência, pois ordinariamente jejuava a pão e água, usava continuamente um cilício e levava vida de exemplo e edificação para todos. Era considerado santo e como tal venerado. Dificilmente descia do monte, a não ser para confessar-se e pedir esmolas, e quando retornava subia carregado com água potável ou pedras para construir uma capela em honra de nosso santíssimo pai Francisco, onde dormia sobre uma tábua, servindo-se de uma pedra como travesseiro. Andava sempre descalço e trajava uma veste miserável e remendada. Repreendia duramente os perjuros e os que viviam fora dos deveres cristãos; recebia somente pequenas esmolas, com as quais ainda ajuda os pobres.“Ele previu com muita antecedência o seu passamento. Ao aproximar-se o dia da morte, indo-se embora disse à gente devota que devia fazer uma longa viagem depois da festa de Nossa Senhora dos Prazeres. Na quarta-feira seguinte abiu uma cova na qual queria ser enterrado. Chamando o negrinho que certo homem piedoso e nobre lhe dera como companheiro naquele monte, pediu uma vela acesa e caiu de joelhos em seu cubículo, encostando-se ao altar de se pai Francisco, ali construído. A seguir mandou que o mesmo fosse chamar o seu senhor, que tão devotado lhe era, para que o viesse sepultar. Veio o nobre e piedoso varão com a Fraternidade da Santíssima Misericórdia, os Padres da Companhia de Jesus e o povo, por causa da grande veneração que lhe tinham, encontrando-o morto, de joelhos, encostado ao altar, com as mãos elevadas ao céu. Assim tão belo ficou para manifestar claramente sua santidade; foi sepultado no lugar por ele marcado ainda em vida, pelo ano do Senhor de 1570. “...A câmara, os fidalgos e grande multidão de povo dirigiu-se processionalmente para a ermida e erguem os santos despojos que são carregados aos ombros de cinco nobres. Enfim, com hinos e cânticos e grande número de Lâmpadas chegam solenemente ao santo convento, onde são depostas as relíquias. Imediatamente começaram a brilhar os milagres; no dia da transladação, ao entrar no convento a procissão com os sagrados despojos, um Religioso que se achava recolhido na enfermaria com grandes febres, se recomendou com fé inflamada aos méritos do santo e pediu para tocar e beijar as santas relíquias; ficou imediatamente curado e nunca mais o incomodou a febre. Tendo notícia deste milagre, outros enfermos da mesma região com grande fé e devoção mandar pedir ao Guardião alguma relíquia do santo Frei Pedro; tocando nelas ficaram curados de suas enfermidades...” (*) – “parassanga” – medida antiga, equivalente a 5.250 metros. (“Narrativa da Custódia de Santo Antonio do Brasil – 1584/1621 – Frei Manuel da Ilha – Editora Vozes, 1975 –págs. 55/63) Nota n. 31 – “Frei Pedro nasceu em Medina do Rio Seco, perto de Salamanca, chegou a Vila Velha em 1558. Faleceu no alto da Penha em 1570 com fama de santidade”. (Ib. id., pág. 145).

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