Os Anjos, cujo
significado é “mensageiros”, são puros espíritos que, estando na presença de
Deus, gozam de Sua graça, isto é, participam da vida divina e O contemplam face
a face abrasados em amor e na plena posse da felicidade eterna. Refletem eles
mais perfeitamente a imagem de Deus, cada um a seu modo, como o Seu Amor, Sua
beleza, Sua bondade, Seu poder, Sua Justiça, enfim, todos os atributos divinos.
Deus os criou de
forma hierarquizada, havendo sempre um Anjo superior a outro num sentido
vertical. A desigualdade entre os Anjos é maior do que entre os homens. Não
existe dois Anjos iguais, nem sequer semelhantes, pois cada Anjo foi feito por
Deus de uma espécie diferente. Os
seres materiais criados por Deus têm gênero e espécie, como a espécie animal e
o gênero humano a ela pertencente. Pois bem, os homens são semelhantes entre si
por pertencerem à mesma espécie e mesmo gênero, mas os Anjos são tão diferentes
um do outro que nem sequer um pertence à espécie do outro. O termo “espécie” é
aplicado inadequadamente entre os Anjos, pois sendo eles de natureza simples,
não poderiam se constituir em espécies como o são os seres materiais. Isto quer
indicar, entretanto, através de nossa pobre linguagem, a total diferença e
distinção que há entre eles.
A quantidade de seres
angélicos é muito maior do que a soma de todos os homens que existiram e
existirão até o fim do mundo. São Tomás de Aquino compara a diferença que há na
quantidade de homens com a de Anjos, dizendo que se todos os Anjos formassem um
tapete os homens só dariam para formar as franjas deste tapete. O homem é tão
incapaz de entender a quantidade de Anjos que os estudiosos se referem ao
número deles com a palavra miríade, pois os termos milhões e
bilhões são inadequados e muito inferiores à realidade numérica. Na Sagrada
Escritura constam dados numéricos dos Anjos em Daniel: “eram milhares de milhares os que o serviam, e mil milhões os que
assistiam diante dele” (Dan 7, 10); e no Apocalipse: “e o número deles era de miríades de miríades e de milhares de
milhares” (Apoc 5, 11). “Milhares de milhares”, quer dizer milhares multiplicado
por milhares, assim como “miríades de miríades”.
São eles
indizivelmente belos, nada neste mundo pode nos dar idéia de sua glória
resplendente. O único pintor que conseguiu dar uma palidíssima idéia de um Anjo
foi o famoso Beato Fra Angélico (Guido di Pietro, séc. XIV), que fez Miguel
Ângelo exclamar ao ver suas figuras angélicas: Fra Angélico teve ter pintado
estes Anjos em êxtase, contemplando-os no Céu!
No entanto, mesmo tendo provavelmente visto um Anjo antes de pintá-lo,
Fra Angélico não nos dá uma idéia, nem sequer longínqua, da beleza angelical.
São João Evangelista em seu Apocalipse ,
apesar de ter visto vários anjos em muitas oportunidades em suas visões, tal
foi a beleza de um, ao final, que quis prostrar-se e adorá-lo: “Depois de as ter ouvido e visto,
prostrei-me aos pés do anjo, que mas mostrava, para o adorar, porém ele
disse-me: Vê, não faças tal, porque eu sou servo como tu, como teus irmãos os
profetas e como aqueles que guardam as palavras da profecia deste livro. Adora
a Deus” (Apoc. 22, 8-9).
Santa Brígida, que Deus favoreceu com visões angelicais,
diz-nos que se víssemos algum Anjo em
toda a sua beleza, esta visão nos arrebataria em tal êxtase de gozo que
morreríamos de amor.
São Bernardo lembra a seus monges que o Ofício Divino é
recitado na presença de Deus e de seus Anjos. Tal afirmação é feita por haver o
próprio Santo Fundador constatado esta realidade, pois costumeiramente ele via
os Santos Anjos salmodiando entre os monges.
Santa Francisca Romana era favorecida pela presença constante
de seu Anjo da Guarda. Via ela, também, os Anjos saindo das mãos do Criador
formando uma como neve densíssima. Dizia ela que se algum Anjo nos aparecesse em todo o seu esplendor, a luz do sol e
das estrelas nos pareceriam pálidas comparadas com a dele. Quando era ainda criança,
a santa viu o seu Anjo da Guarda, que foi assim descrito por ela: Era de uma
beleza incrível, com uma cútis mais branca que a neve e um rubor nas faces que
superava o arrebol das rosas. Seus olhos estavam sempre abertos e voltados para
o céu e seu cabelo anelado tinha a cor do ouro brunido. Sua túnica chegava ao
solo e era de um branco algo azulado e, outras vezes, com clarões avermelhados.
A Beata Ângela de Foligno, dizia que via Jesus
Cristo descer dos Céus cercado de inumeráveis cortes flamejantes, de tal modo
que, se ela não soubesse que Deus tudo faz por medida, acreditaria não haver conta
para tais esplendores. Tamanho era o número que a vista e o espírito
desnorteavam; a tal ponto era a enchente de luz o que nós chamamos comprimento,
largura e profundidade. O abismo parecia ter todas essas dimensões para mais se
alargar até ao infinito.
Imagine agora o
leitor como deve ser deslumbrante e arrebatadora a beleza da Jerusalém Celeste,
o Céu Empíreo, composto com todos os miríades de Anjos que Deus criou.
Estão eles divididos
em 9 Coros e 3 grandes hierarquias. Os Serafins, Querubins e Tronos pertencem à
primeira Hierarquia e contemplam e glorificam a Deus continuamente; Dominações,
Virtudes e Potestades pertencem à segunda Hierarquia e ocupam-se do governo do
universo; finalmente, temos os Principados, Arcanjos e Anjos, da terceira e
última Hierarquia, que executam as ordens de Deus. Na Epístola aos Colossenses,
São Paulo fala explicitamente dos tronos, dominações, principados e potestades
(Col 1, 16), enquanto o Profeta Isaías nos diz como são os Serafins: “Os
serafins estavam por cima do trono; cada um deles tinha seis asas; com duas
cobriam a sua face, com duas cobriam os pés e com duas voavam” (Is 6, 2).
São Boaventura, em sua obra “Brevilóquio”, diz que os Anjos
possuem quatro atributos: simplicidade de essência, distinção pessoal, faculdade
racional (com memória, entendimento e vontade) e livre arbítrio para escolher o
Bem e desejar o Mal. A estes quatro atributos principais se somam outros
quatro: eficácia no obrar, diligência no servir, perspicácia no conhecer e
imutabilidade depois da escolha, seja no bem ou seja no mal. Conclui o Doutor
Seráfico: “Esta substância [angélica], pelo fato de ser simples está dotada de
eficácia no obrar; pelo fato de ser eficaz e pessoalmente distinta, lhe
corresponde a diligência no servir; pelo fato de ser simples e eficaz, lhe
corresponde a perspicácia no discernir; pelo fato de ser simples e perspicaz,
tem entendimento deiforme, e por isso, depois da eleição, permanece estável
naquilo que elege, seja bom ou seja mau. Estas qualidades acompanham sempre a
mesma natureza geral dos espíritos superiores”
[i]
Em outra obra do
mesmo Santo, “Itinerário da Mente para Deus”, ele comenta: “...diz São Bernardo
ao Papa Eugênio que “Deus ama, como caridade, nos Serafins; conhece, como
verdade, nos Querubins; senta-se, como justiça, nos Tronos; domina, como
majestade, nas Dominações; rege, como princípio, nos Principados; protege, como
salvação, nas Potestades; opera, como força, nas Virtudes; revela, como luz,
nos Arcanjos; assiste, como bondade, nos Anjos” [ii]
.
Os Anjos que
permaneceram fiéis a Deus, também chamados “Filhos de Deus”, são executores da
vontade divina, auxiliam aqueles que temem a Deus, protegem regiões, países e
instituições, além das próprias pessoas humanas. O Apóstolo São Paulo diz que
as mulheres devem cobrir a cabeça na igreja por causa dos Anjos (I Cor 11, 10).
O Catecismo da Igreja
Católica assim se expressa sobre os anjos na questão 329:
“Santo Agostinho diz
a respeito deles: “Angelus officii nomen
est, non nature. Quaeris nomen huius naturae, spiritus est; quaeris officium, angelus est; quaeris officium,
angelus est, ex eo quod est, spiritus est, ex eo quod agit, angelus” – Anjo
(mensageiro) é designação de encargo, não de natureza. Se perguntares pela
designação da natureza, é um espírito; se perguntares pelo encargo, é um anjo:
é espírito por aquilo que é, é anjo por aquilo que faz. Por todo o seu ser, os
anjos são servidores e mensageiros de Deus. Porque contemplam “constantemente a
face de meu Pai que está nos céus” (Mt 18, 10), são “poderosos executores de
sua palavra, obedientes ao som de sua palavra” (Sl 103, 20).
“Como criaturas puramente espirituais, são dotados de
inteligência e de vontade: são criaturas pessoais e imortais. Superam em
perfeição todas as criaturas visíveis. Disto dá testemunho o fulgor de sua
glória.
“Cristo é o centro do
mundo angélico. São seus os anjos: “Quando o Filho do homem vier em sua glória
com todos os seus anjos...(Mt 25, 31). São seus porque foram criados por e para
Ele: “Pois foi nele que foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as
visíveis e as invisíveis: Tronos, Dominações, Principados, Potestades; tudo foi
criado por Ele e para Ele” (CI 1, 16). São seus, mais ainda, porque Ele os fez
mensageiros de seu projeto de salvação. ”Porventura não são todos ele espíritos
servidores, enviados ao serviço dos que devem herdar a salvação?” (Hb 1, 14). [iii]
A doutrina de Santo Agostinho, que diz que anjo é
encargo, baseia-se também no texto de São Paulo aos hebreus: “Acerca dos anjos
diz: “Ele faz os seus anjos espíritos, e os seus ministros chamas de fogo”. (Hb
1, 7). Quer dizer, são criados como espíritos e investidos do encargo de
ministros, e por isso são anjos.
A
devoção aos Santos Anjos
O Papa Clemente X,
aprovando a devoção aos Santos Anjos, instituiu o dia 02 de outubro como o da
festa dos Santos Anjos da Guarda.
Durante muito tempo só havia a festa dos Arcanjos, que é no dia 29 de
setembro. A devoção aos Santos Anjos da Guarda começou a se propagar,
principalmente, a partir de 1411 quando a cidade de Valência, na Espanha, criou
um ofício próprio em honra do Anjo da Guarda da cidade. Outras cidades foram
imitando o exemplo de Valência. Portugal tinha desde 1513 uma festa em honra
dos Anjos da Guarda, fixada em 1o. de março. Na França, o dia 8 de maio
já era consagrado a São Miguel há séculos, dia em que o Arcanjo apareceu no
Monte Gargano. Os outros arcanjos chegaram a ter suas festas: 24 de março, São
Gabriel; e 24 de outubro, São Rafael.
O beato Francisco
d’Estaing, bispo de Rodez, na França, mandou redigir ao franciscano João
Colombi um novo ofício, que foi aprovado por Leão X em 1518. Mas somente em
1590 Sisto V concedeu à nação portuguesa um ofício especial para a festa dos
Anjos Custódios.
Em setembro de 1608,
o Papa Paulo V, a pedido de Fernando II da Áustria, instituiu a festa solene
dos Anjos da Guarda, fixando-a no primeiro dia útil depois da festa dos
Arcanjos (29 de setembro). Clemente IX, em 1667, colocou-a no primeiro domingo
de setembro e acrescentou-lhe a oitava. Finalmente, em 1670, o Papa Clemente X
fixou definitivamente a festa para o dia 2 de outubro com rito duplo. Em 1883,
Leão XIII elevou-a a rito duplo maior.
Na realidade, a
devoção aos Santos Anjos remonta ao Antigo Testamento, época em que os Santos
Seres Espirituais apareciam constantemente para falar aos homens em nome de
Deus ou para intervir quando se fazia necessário a defesa da honra e glória
divinas. Moisés recebeu expressamente de Deus ordens para colocar estátuas de
querubins no Propiciatório, que era a tampa da Arca da Aliança: “Farás também dois querubins de ouro batido
nas duas extremidades do oráculo. Um querubim esteja dum lado, o outro do
outro. Cubram ambos os lados do propiciatório, estendendo as asas e cobrindo o
oráculo, e estejam olhando um para o outro com os rostos voltados para o
propiciatório, com o qual deve estar coberta a arca” (Ex 25, 19-20). Da
forma como Deus o ordenou, Moisés o fez (Ex 37, 7-9). Como Moisés sabia sob que
forma deveria representar os Anjos? Certamente, por causas de suas visões onde
os mesmos teriam lhe aparecido da forma como desejavam ser vistos na Arca.
Quando Salomão mandou
construir o Templo, ordenou que se fizessem figuras de querubins: “Entre as coroas e festões havia leões, bois, querubins, e também
nas junturas da parte de cima; debaixo dos leões e dos bois, pendiam como que
umas grinaldas de cobre. (III Reis 7, 29). “Lavrou também nas superfícies, que
eram de bronze, e nos cantos, querubins,
leões, palmas, apresentando como que a
figura de homem em pé, e com tal arte que não pareciam gravados, mas
sobrepostos ao redor. Deste modo fez
dez bases do mesmo molde, da mesma medida, e de escultura semelhante” (III Reis
7, 36-37).
O Templo continha um
lugar chamado “a casa do Santo dos Santos”, onde estava a Arca da Aliança, e
somente penetrava nela o Sumo Pontífice, enquanto no Santuário podiam entrar
todos os sacerdotes. Neste local, Salomão mandou colocar também seus querubins:
“Fez também na casa
do Santo dos Santos duas estátuas de querubins e cobriu-as de ouro. As asas dos
querubins tinham vinte côvados de extensão, de sorte que uma asa tinha cinco
côvados e tocava na parede do templo, a outra asa, que tinha também cinco
côvados, tocava a asa do primeiro querubim. Da mesma sorte, uma asa do segundo
querubim tinha cinco côvados e tocava na parede, e a outra asa deste era de
cinco côvados e tocava a asa do primeiro querubim. De maneira que as asas
destes dois querubins estavam abertas e tinham vinte côvados de extensão. Eles
estavam postos em pé e os seus rostos virados para o templo exterior” (Crônicas 3, 10-13).
Se atentarmos para o
fato de que um côvado media entre 45
a 56
centímetros , somente as quatro asas desses dois
querubins mediriam somadas mais de 10 metros de largura. Sabendo-se que referidas
estátuas eram revestidas de ouro, quanto esplendor não refletiam dentro do
Templo!. De outro lado, as estátuas dos querubins foram colocadas de tal forma
que ficavam como que protegendo a Arca da Aliança:
“Os sacerdotes
puseram a arca da aliança do Senhor no seu lugar, isto é, no oráculo do templo,
no Santo dos Santos, debaixo das asas dos querubins, de modo que os querubins
estendiam as suas asas sobre o lugar em que a arca estava posta e cobriam a
mesma arca e seus varais”. (Crônicas 5,
7-8).
Intermediários
e intercessores entre Deus e os homens
Pelo que se lê na
Sagrada Escritura, alguns interpretam que Deus no início apareceu ou se revelou
diretamente sem a intermediação dos Anjos. No Êxodo está escrito que “O Senhor
falava a Moisés face a face, como um homem costuma falar com o seu amigo” (Ex
33, 11). De outro lado, está escrito lá também que “Não poderás ver a minha face, porque o homem
não pode ver-me e viver” (Ex 33, 20).
Também se diz na Sagrada Escritura que Moisés recebeu diretamente de Deus os
Dez Mandamentos. São Dionísio e Santo Agostinho afirmam que a Moisés e a São
Paulo lhes foi concebido ver a Deus “por arroubamento”. Quer dizer, não o foi
“face a face”, mas ocultando-se Deus de alguma forma. Falar face a face é uma
coisa, mas ver a Deus face a face é outra. Os Dez Mandamentos, outrossim, foram
dados a Moisés por Deus, mas por intercessão dos Santos Anjos, conforme ensina
o próprio São Dionísio.
Não poderia ser de
outra forma. Vejam o exemplo da Encarnação do Verbo, quando Deus resolveu
anunciar aquele fato maravilhoso à Virgem Maria: escolheu para a tarefa um de
seus Anjos, o Arcanjo São Gabriel. Ora, se a própria Virgem Maria, Mãe de Deus,
teve um Anjo como intermediário entre Ela e Deus, e além do mais no fato mais
importante de todos que foi a Encarnação do Verbo, quanto mais o tiveram todos
os Patriarcas e Santos, como Moisés.
Assim, toda operação
divina, toda ação de Deus ou intermediação com os homens têm os Santos Anjos
como intercessores. E o princípio é este: os seres inferiores se elevam a Deus
mediante as hierarquias superiores. Da mesma forma que a Lei, o divino mistério
do amor de Jesus aos homens foi primeiramente manifestado aos Santos Anjos e
por meio deles chegou a nós. E chega a nós também, por intermédio deles, a
sabedoria e ciência divinas.
O ordenamento
hierárquico faz com que os seres de ordem inferior possuam algo dos superiores. Desse modo, ainda no caso de que a ordem dos
Santos Querubins possua sabedoria e ciência mais elevadas, também os seres das
ordens inferiores, até os homens, comportam em menor proporção sua sabedoria e
ciência, mesmo que seja inferior e parcial. De fato, todos os seres
inteligentes deificados participam na sabedoria e ciência. Se diferencia entre
eles segundo que essa participação venha diretamente da fonte ou de modo
indireto e inferior, conforme a capacidade de cada um.
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