sexta-feira, 21 de outubro de 2022

VÁRIOS EXEMPLOS DOS SANTOS E PESSOAS VIRTUOSAS (II)

 



 

 

 

 

 

História de Santa Inês, Virgem

Inês, a quem Ambrósio, autor do relato de seu martírio, chama virgem prudentíssima, não tinha mais que treze anos quando morreu e entrou na vida verdadeira. Por sua idade, ao morrer, era menina, mas por sua discrição havia alcançado a maturidade das pessoas bem formadas. Em seu corpo adolescente morava uma alma amadurecida. Fisicamente foi muito formosa, porém espiritualmente o foi muito mais.

Um dia, ao sair da escola, viu-a o filho do prefeito e repentinamente ficou enamorado por ela. A partir de então o jovem apaixonado a seguiu, conseguiu falar-lhe e lhe prometeu muitos favores e inumeráveis riquezas se aceitasse casar-se com ele. Mas Inês recusou ao galanteador energicamente, dizendo-lhe:

- Afasta-se de mim, indutor ao pecado, manancial de crimes, aborto da morte. Deixa-me em paz; chegas tarde. Já estou comprometida com outro muito distinto de ti.

Seguidamente expôs ao jovem as cinco qualidades que todo homem deveria ter para aspirar à mão de uma mulher sensata e lhe fez saber que aquele a quem ela havia entregue seu coração as possuía todas em grau elevado. As qualidades que ela enumerou foram estas: nobreza de estirpe; boa presença, riquezas abundantes, valentia a toda prova e amor desinteressado e verdadeiro. Ao terminar sua explicação, disse a seu inoportuno pretendente:

- Esse que me quer e de quem estou enamorada, tem nobreza e categoria incomparavelmente superiores às tuas; sua mãe é Virgem; seu pai jamais teve trato carnal com sua esposa; os anjos o servem; sua formosura causa admiração ao sol e à lua; seus bens são seguros; suas riquezas imperecíveis; só com tocar a um enfermo o cura; meramente com sua presença devolve a vida aos mortos; seu amor faz castas ás pessoas a quem ama; seu contato santifica e sua conversão consolida a virgindade.

Em seguida Inês comparou com palavras tomadas de fontes muito autorizadas as cinco mencionadas qualidades e ao terminar de comentá-las perguntou ao jovem:

- Diga-me: acreditas tu que haja atualmente ou pode haver jamais quem possa, não já avantajar, mas nem sequer equiparar-se a meu amado, em generosidade, poder, excelência, amor ou em qualquer outro gênero de dotes?

Em seguida descreveu os cinco tipos de favores que seu excepcional esposo fazia-lhe constantemente, a ela e a outras muitas esposas que tinha: a todas as havia comprometido com o anel da fé, as vestia e engalanava com as preciosíssimas túnicas da virtudes, as marcara com o sangue de sua paixão, uni-as a Ele com o vínculo de um amor sacrossanto e as enchia de felicidade com a promessa e garantia dos futuros bens eternos.

- A mim - disse entrando em detalhes - me colocou sua aliança em minha mão direita, me pôs no colo uma enfiada de pedras preciosas, me vestiu com um manto tecido com fios de ouro, me tem engalanado com riquíssimos e valiosíssimos colares, me tem marcado a fronte com um sinal que me impede amar a ninguém que não seja Ele, e me tem embelezado o rosto com seu sangue. A Ele estou já definitivamente unida num abraço de castidade; meu corpo jamais se separará do seu; me tem mostrado seus incomparáveis tesouros e me tem assegurado que será inteiramente meu se eu lhe for fiel.

Triste e desolado ficou o apaixonado jovem ao ouvir estes discursos de Inês: a recusa da donzela produziu-lhe tanta pena que caiu doente; dos freqüentes e fundos suspiros que dava concluíram os médicos que o mal que se havia apoderado dele e lhe retia na cama era o vulgarmente chamado mal de amores. Inteirado o prefeito do ocorrido, foi ver Inês e lhe rogou que aceitasse seu filho; porém ela se manteve firme em sua negativa e lhe fez saber que jamais faltaria à palavra dada a seu esposo. No curso da conversa o pai do doente manifestou grande interesse em saber o nome da pessoa por quem a donzela estava tão enamorada e de cujos dotes tais elogios fazia. Quando Inês lhe declarou que o esposo a que se referia era Jesus Cristo, o prefeito pareceu tranqüilizar-se e voltou a insistir em suas pretensões, tratando primeiramente com afagos e promessas e depois com ameaças, de influir no ânimo da formosa jovem para que se casasse com seu filho. Porém Inês não se dobrou, senão que, cortando o discurso de seu interlocutor, lhe disse:

- Fazes o que queres. É inútil continuar falando. Mete-te bem isto na cabeça: nem com afagos nem com ameaças conseguirás que aceite o que pretendes.

- Bem! - replicou o prefeito - Posto que com tal firmeza asseguras que essa seja tua última palavra sobre esta questão, não tem mais remédio que escolher entre estas duas coisas: juntar-se ao grupo das vestais para oferecer sacrifícios á deusa Vesta, ou assumir o ofício de prostituta numa casa de lenocínio.

Inês respondeu:

- Nem sacrificarei a teus deuses nem me deixarei manchar com as imundícies a que te refere, porque ainda que me leves a onde dizes, hás de saber que tenho a meu lado constantemente um anjo do Senhor que defenderá a pureza do meu corpo.

Convém advertir que Inês pertencia a uma família da alta nobreza e que os nobres gozavam de certos privilégios, entre outros o de que nem sequer o imperador podia alegar contra eles nenhuma classe de delitos nem ainda na suposição e que os houvesse cometido, porém sim condená-los por motivos religiosos e fundamentar a condenação em atos de desacato à religião do Império.

O prefeito mandou que despojassem a donzela de todas suas roupas, e completamente nua a levassem a um bordel; porém Deus milagrosamente fez crescer os cabelos de Inês de tal maneira, que repentinamente ficou coberta, como se estivesse vestida com as abundantíssimas mechas que desciam desde sua cabeça até seus pés e cobriam todo o corpo.

Ao chegar ao lupanar um anjo inundou toda a casa de claridade vivíssima e cobriu a jovem com um branquíssimo manto; a partir daquele momento, o que era lugar de pecado ficou convertido em santuário de oração, até o ponto de que quantos homens passassem os umbrais daquela casa, purificados pela esplêndida luminosidade que enchia todos os aposentos, saíam dela muito mais puros do que quando entraram.

Por aqueles dias o filho do prefeito convidou uns amigos a que o acompanhassem ao bordel, porque queria que todos eles participassem na afronta a Inês, dormindo com ela e violando-a. Quando chegaram à porta, o convidador propôs a seus companheiros que passassem eles ao interior e fizessem seu ofício, e que quando houvessem concluído passaria ele a assumir seu turno. Entraram os amigos, porém, ao ver aquele milagre de luz e oração, saíram precipitadamente confusos e arrependidos, e referiram a seu anfitrião o que no interior haviam visto. O filho do prefeito acolheu com desprezo o relato que lhes fizeram, os insultou chamando-os de desgraçados e covardes, e arrebatado de fúria entrou no lupanar, se dirigiu a onde estava Inês, e tratou de aproximar-se dela, porém antes que pudesse havê-la tocado, toda a claridade dispersa se concentrou num facho luminoso a maneira de um raio que caiu sobre ele; e desse modo, o que não quis respeitar aquela luz milagrosa, símbolo da honra devida a Deus, morreu ali mesmo, repentinamente, estrangulado pelo diabo.

Inteirado o prefeito do ocorrido, acudiu rapidamente ao bordel, e com grandes mostras de dor tratou de averiguar todos os pormenores do infortunado acidente. Inês lhe disse:

- Aquele a quem ele tanto desejava agradar, o matou; seus companheiros, em troca, impressionados pelo milagre que viram, abandonaram rapidamente este lugar e saíram ilesos.

O prefeito respondeu:

- Se com tuas orações consegues que meu filho ressuscite, acreditarei efetivamente que tudo foi efeito de um milagre e não de tuas artes mágicas.

Inês rezou, e num instante o defunto ressuscitou e começou a pregar publicamente sua fé em Jesus Cristo.

Tudo isto provocou a indignação dos sacerdotes dos ídolos, que tentaram amotinar o povo contra Inês, e conseguiram organizar algumas manifestações tumultuosas formadas por grupos de gente que acudiam à casa do prefeito e gritavam:

- Elimina essa bruxa! Afasta-a de nós e livra-nos de seus malefícios, porque tem poder para influir nas mentes e dominar sobre as vontades das pessoas!

O prefeito, que havia sido testemunha do milagre da ressurreição de seu filho, por uma parte queria livrar a jovem; mas por outra temia incorrer nas iras do populacho. Como não sabia que partido tomar, afinal optou por desinteressar-se do assunto, delegando a um  lugar-tenente seu a solução da causa. Uma vez tomada esta determinação, caiu em estado de prostração e tristeza por não haver-se atrevido a salvá-la.

Aspério, que assim se chamava o lugar-tenente do prefeito, mandou que Inês fosse lançada numa enorme fogueira. Assim se fez; porém as chamas se afastaram do lugar que ocupava a jovem, se retirando até as proximidades e alcançaram os espectadores que gritavam contra a santa, queimando-os e abrasando-os. Em vista do fracasso deste procedimento, Aspério ordenou a uns sicários que matassem a donzela cravando-lhe uma espada na garganta. Assim foi como morreu Inês; assim foi também como o esposo branco e rubro se levou consigo a sua esposa, virgem e mártir. Crê-se comumente que este martírio se produziu em tempos de Constantino o Grande, que iniciou seu império no ano 309 de nossa era. [1]

 

(Extraído de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, págs. 168/170. Desejando o texto integral dessa obra enviar mensagem por e.mail para juracuca@gmail.com )



[1] "La Leyenda Dorada" - vol. I - págs. 116/119.

 


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