sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Beato John Henry Newman


Por ocasião da beatificação do Cardeal John Henry Newman ficou decidido que o dia de sua festa seria 9 de outubro, data de sua conversão ou batismo na Igreja Católica. Se fosse a data de seu falecimento, comum aos demais santos, seria 11 de agosto. Temos aqui então dois motivos para se festejar um santo: o dia de sua entrada no céu ou de seu ingresso na Igreja. Reservar-se-ia a primeira data para aquele que já nasceu católico, pois sua data de ingresso na Igreja geralmente coincide com a do nascimento ou dela se aproxima. A segunda data, a do ingresso na Santa Igreja através do batismo, se destinaria àqueles que não nasceram católicos, mas se tornaram assim já adultos. É o caso do Cardeal Newman. Nasceu, cresceu e foi educado dentro do mais rigoroso protestantismo. Primeiramente teve educação calvinista, “convertendo-se” depois ao anglicanismo. Tornou-se, então, um clérigo e teólogo anglicano de renome nacional.
Nascido na Cidade de Londres, em 21 de fevereiro de 1801, o mais velho de seis irmãos, três homens e três mulheres; morreu em Edgbaston, Birmingham, em 11 de agosto de 1890. Seu pai foi John Newman, um banqueiro, sua mãe Jemima Fourdrinier, de uma família Huguenote estabelecida em Londres como cinzeladores e fabricantes de papel. Seu irmão Francis William, também escritor, mas carente de elegância literária, separou-se da Igreja Inglesa para aderir ao Deísmo; Charles Robert, o segundo irmão, era bastante errático e professava o ateísmo. Das irmãs pouco se sabe, a não ser Mary que morreu jovem.
Foi educado desde sua infância em deleitar-se com a leitura da Bíblia, mas carecia de convicções religiosas formadas até que completou quinze anos. Costumava desejar que os contos das mil e uma noites fossem verdadeiros; sua mente discorria com influências desconhecidas; pensava que a vida era possivelmente um sonho, que ele era um anjo, e que seus amigos anjos o estariam enganando com a aparência de um mundo material.
Aos quinze anos se "converteu" ao anglicanismo, ainda que não praticasse muito os Evangelhos. Tornou-se teólogo. Na companhia de vários líderes religiosos e letrados, ele liderou o Movimento de Oxford (também conhecido como o Movimento Tractarian) para revitalizar a Igreja da Inglaterra através da reforma litúrgica, a solidez doutrinal, e resistência à interferência estatal. De uma convicção formada pela fé e estudos sérios, Newman decidiu se converter ao catolicismo em 1843, sendo batizado, após dois anos de discernimento, em outubro de 1845. Atraído para a vida e a espiritualidade de São Filipe Néri, Newman fez o seu noviciado com os Oratorianos, em Roma, e foi ordenado sacerdote católico em fevereiro de 1848. Poucos meses depois, retornou para a Inglaterra e fundou o primeiro Oratório em Maryvale. Para se defender de acusações de haver traído o anglicanismo e outras calúnias, produziu dois de seus escritos mais influentes: “Apologia Pro Vita Sua” (1864) e “A gramática do assentimento "(1870). Em reconhecimento à sua contribuição para a revitalização do catolicismo romano no Reino Unido, o Papa Leão XIII o fez Cardeal em 1879. Após sua morte em 1890, Newman recebeu elogios de todos os setores da sociedade britânica. O Cork Examiner declarou que "o cardeal Newman vai para a sua sepultura com a singular honra de ser por todos os credos e classes reconhecido como o homem que só se aperfeiçoa." O Rev. Richard W. Igreja, Deão da Catedral Anglicana de São Paulo, escreveu este obituário para o The Guardian: "O cardeal Newman está morto, e nós perdemos nele não só um dos maiores mestres muito do estilo Inglês, não apenas um homem de singular beleza e pureza de caráter, não só um exemplo eminente de santidade pessoal, mas o fundador, podemos quase dizer, da Igreja da Inglaterra como a vemos. O que a Igreja da Inglaterra teria ficado sem o movimento Tractarian podemos adivinhar vagamente, e do movimento Tractarian Newman foi a alma viva e o gênio inspirador. Grande como os seus serviços têm sido a comunhão em que ele morreu, eles não são nada por parte daqueles que prestou à comunhão em que os anos mais agitados da sua vida foram passados. ... Ele vai ser lamentado por muitos no romano Igreja”, Comentários do Padre Leonel Franca (em 1952):
"Newman é teólogo, o mais abalizado dos teólogos anglicanos do seu tempo, e talvez a inteligência mais vigorosa que fulgiu na Inglaterra do século XIX. Em torno deste astro de primeira grandeza, gravita, como coroa de satélites, uma plêiade de talentos privilegiados: Mannning, Fabber, Ward. Ele é o chefe incontestado do maior movimento religioso depois da Reforma, o chamado movimento de Oxford, no qual o anglicanismo do Reino Unido colocara as suas mais bem fundadas esperanças de regeneração intelectual e espiritual.
Eis, porém, que, no correr dos seus estudos, lhe salteia uma dúvida angustiosa: será a igreja anglicana a continuadora autêntica da Igreja de Cristo, a herdeira genuína dos ensinamentos do Evangelho? Para um filho respeitoso da Igreja estabelecida, educado em todos os velhos preconceitos da Reforma contra Roma, não podia haver perplexidade mais dolorosa. A fim de dirimir pessoalmente a questão, era mister, aliado a uma competência de especialista, um estudo positivo e aturado das fontes primitivas do cristianismo. A um scholar, a um oxfordman de envergadura excepcional, como Newman, não faltava nem uma nem outra cousa. A investigação durou cinco longos anos; as claridades foram-se intensificando com o tempo, e o grande livro sobre o Desenvolvimento da doutrina cristã que ele iniciara como ritualista, assinou, concluído, como católico. “Cheguei a tal evidência”, dizia, “que conservar-me fora da Igreja católica, me pareceu um pecado mortal”. Em 1845, depois de agonias interiores cuja intensidade se deixa facilmente adivinhar, o grande Newman abjurara o anglicanismo. “O ano de 1845”, escreveu então Gladstone, “marcou a maior vitória alcançada pela Igreja de Roma desde a Reforma”.

(“A Psicologia da Fé” – Obras Completas do Pe. Leonel Franca, SJ – vol. VIII, Livraria Agir Editora, 1952, págs.208/209).

"No caso mais complexo de Newman é a sua situação social na Igreja anglicana, a sua posição de chefe religioso e intelectual de um grande movimento que agitava toda a Inglaterra. Abandonar tudo – situação financeira, estima dos correligionários, a sua cara universidade de Oxford,- para ir, aos 45 anos, bater à porta de uma Igreja, contra a qual militavam os mais enraizados preconceitos nacionais e em cujo grêmio não passaria de um neófito, sujeito às disposições ignoradas de uma autoridade eclesiástica que poderia talvez acolhê-lo com reservas e submeter a provas penosas a sinceridade de suas novas atitudes –oh!, como isto, na realidade viva das almas, é árduo e custa o sangue do coração! “Meus olhos”, escrevia ele, “banham-se de lágrimas quando penso em todas as cousas queridas que deverei abandonar”. “Meu coração e meu espírito estão exaustos de cansaço, como os nossos membros quando sobre os ombros pesa um grande fardo”. A sua irmã, enumerava os sacrifícios que mais lhe custavam: “Gozo de um bom nome no conceito de muitos, sacrifico-o deliberadamente; mais numerosos são os que me desestimam, vou satisfazer-lhes os piores desejos e dar-lhes o triunfo que mais ambicionam. Farei infelizes aos que amo, irei desorientar quantos instruí ou auxiliei. Vou para quem não me conhece e de quem bem pouco espero. Farei de mim um exilado, e, isto na minha idade! Oh, que é que me poderá levar a esta resolução senão uma necessidade poderosa?” Era a necessidade poderosa e intransigente da verdade que acabou vencendo na sua grande alma".
(id. , págs. 212/213)

O cardeal Newman e a busca da verdade


(Entrevista divulgada pela Zenit)


Por Carmen Elena Villa
TURIM, sexta-feira, 3 de setembro de 2010 (ZENIT.org) – Depois de viajar cinco horas debaixo de chuva, a 8 de outubro de 1845, o sacerdote passionista Domenico Barberi encontrou-se com o então pastor anglicano John Henry Newman (Londres, 1801- Birmingham, 1890), que lhe pediu que o acolhesse nos braços da Igreja católica, depois de décadas de busca na teologia e filosofia.
O cardeal Ratzinger, em 1990, escreveu, a propósito do centenário da morte de Newman: “foi sua consciência que o conduziu dos antigos laços e das antigas certezas para o difícil e estranho mundo do catolicismo”.
E será agora o Papa Bento XVI que o beatificará em Coventry, centro da Grã-Bretanha, no dia 19 de setembro, durante sua viagem à Inglaterra.
Sobre a vida e inquietações de Newman, em que sempre estiveram entrelaçadas fé e razão, ZENIT entrevistou a escritora italiana Cristina Siccardi, autora do livro Nello specchio del cardinale Newman (No espelho do Cardeal Newman, 2010, editora Fede e cultura), cuja publicação na Itália será nos próximos dias. Cristina escreve para vários meios de comunicação católicos da Itália.
É autora, entre outros livros, de La ‘bambina’ di padre Pio (Rita Montella, 2003), Santa Rita da Cascia e il suo tempo, 2004; Paolo VI. Il papa della luce, 2008.
ZENIT: Como foi a infância de Newman?
Cristina Siccardi: John Henry Newman era o primogênito dos seis filhos do casal John Newman e Jemina Fourdrinier. Nasceu em Londres e foi batizado na Igreja anglicana de Saint Bennet Fink.
Seu pai, um homem empreendedor, foi subindo de posição social até se converter em banqueiro. Mas depois de vários anos de êxito, veio a derrocada. Foi o próprio John Henry que teve de manter toda a sua família quando frequentou a Universidade de Oxford.
“Fui educado durante minha infância para ter o grande prazer de ler a Bíblia, mas não tive sólidas convicções religiosas até os 15 anos”. Assim Newman abriu o segundo parágrafo da obra-prima intitulada Apologia pro vita. História de suas convicções religiosas, que escreveu em 1864 para combater quem, à raiz de sua conversão, havia-o atacado ferozmente.
Um dia, na ermida de Littlemore, onde se converteu, encontrou e folheou um velho caderno seu de escola. Na primeira página encontrou maravilhado um emblema que lhe cortou a respiração: tinha desenhado a figura de uma cruz robusta e, atrás, uma figura que representava um rosário com uma pequena cruz unida a este. Naquele momento tinha só dez anos. Estas imagens não teriam por que terem sido desenhadas a lápis por Newman, devido à aversão que os protestantes têm às imagens sagradas.
ZENIT: Por que chamavam tanto a atenção dele os Padres da Igreja?
Cristina Siccardi: Quando ainda era anglicano, em 1826, Newman decidiu estudar com um método sistemático os Padres da Igreja, e nasceu assim um grande amor por eles. Em primeiro lugar, examinou-os com a ótica protestante, mas depois, em 1835 e 1839, retomou o estudo com uma ótica mais parecida com a do catolicismo.
Em uma carta a seu amigo Pusey, disse: “Não me envergonho de basear-me nos Padres, e não penso em de forma alguma me afastar deles. A história de seus tempos não é para mim um almanaque velho. Os Padres me fizeram católico e eu não pretendo me afastar da escada pela qual subi para entrar na Igreja”.
Os Padres foram para Newman seu grande amor, neles encontrou a resposta às persistentes perguntas religiosas e de fé que o torturaram durante 44 anos, até que, a 9 de outubro de 1945, foi acolhido na Igreja católica pelo padre Domenico Barberi, passionista italiano que foi beatificado por Paulo VI em 1963.
ZENIT: Conte-nos mais sobre a conversão dele para o catolicismo…
Cristina Siccardi: Esta chegou através de um cansativo percurso intelectual e espiritual. Sua biografia identifica-se com a elaboração do pensamento e com o empenho da alma. John Henry Newman está situado entre os grandes pensadores, filósofos e teólogos da história da humanidade. Sua bibliografia, que se têm edificado no mundo no transcurso dos 120 anos desde sua morte, é enorme.
Com espírito de explorador, atento e escrupuloso pesquisou o interminável nó de caminhos que é o protestantismo. Primeiro como calvinista e depois como anglicano, para depois chegar com alegria à Igreja de Pedro, como pôde experimentar também outro convertido excepcional: Santo Agostinho. Newman comportou-se como o capitão que governa seu navio de guerra com destreza e competência e, sem trégua alguma, alcançou com grande humildade, e sobretudo com zelo, a meta desejada.
ZENIT: Que seus amigos disseram quando ele deu este passo?
Cristina Siccardi: Newman, apesar de dar uma especial importância ao valor da amizade e aos laços profissionais, quando viu e compreendeu a verdade e onde estava, não se preocupou com mais nada nem ninguém e abandonou tudo e todos, assim como fizeram os apóstolos. Seus amigos anglicanos compreenderam que tinham perdido um grande homem: alguns lamentaram, outros o julgaram ferozmente, outros, em contrapartida, o apoiaram.
O elogio mais belo, a nosso parecer, que lhe deram em vida, foi a carta que Edward Pusey enviou a um amigo: “Deus está ainda conosco e nos permitirá seguir adiante, apesar desta grande perda. Não devemos esconder sua importância, porque foi a maior perda que tivemos. Quem o conheceu sabe bem dos seus méritos. Nossa igreja não soube se beneficiar. Era como se uma espada afiada dormisse em sua bainha porque ninguém sabia empunhá-la. Era um homem predestinado a ser um grande instrumento divino, capaz de realizar um amplo projeto que restabelecesse a Igreja. Foi-se – como todos os grandes instrumentos de Deus – inconsciente de sua própria grandeza. Foi-se para cumprir um simples ato de dever, sem pensar em si mesmo, abandonando-se completamente nas mãos do Altíssimo. Assim são os homens em quem Deus confia. Poder-se-ia dizer que se transferiu para outra área da vinha, onde pode utilizar todas as energias de sua poderosa mente”.
ZENIT: Ele recebeu muitos ataques da parte da Igreja anglicana e dos intelectuais da época?
Cecila Siccardi: Certamente da Igreja anglicana, dos intelectuais protestantes e também da própria Igreja católica. Os primeiros o consideravam um traidor, os segundos, alguém de quem se deve desconfiar. Também alguns católicos na Irlanda estiveram contra: ele foi removido do cargo de reitor da Universidade de Dublin. John Henry Newman escreveu a Apologia pro vita justamente para se defender dos ataques dos intelectuais. Este livro engendrou muitas conversões. Recordemos que o Papa Leão XIII afastou muitos rumores maliciosos, quando concedeu a Newman o barrete cardinalício.
ZENIT: Em uma sociedade onde reina o relativismo moral e intelectual, que nos diz a beatificação de Newman?
Cristina Siccardi: O cardeal Newman combateu sincera e lealmente o liberalismo, trazendo, com seu método sistemático e analítico, um dos perfis mais reais daquela Europa em fase de corrupção, de abandono da civilização cristã e de agonizante apostasia. Conseguiu identificar as conotações de secularização e relativismo de nossos dias, fruto da presunção que já os gregos pagãos, depositários de verdadeiras sementes do Verbo, definiam ????? (übris = a arrogância de quem não se submete aos deuses), ou o que é o mesmo, a ideia de antepor os lugares comuns supostamente racionais da própria época à razoabilidade e racionalidade da Tradição.
Newman, quem, como disse o cardeal Ratzinger em 1990, “pertence aos grandes doutores da Igreja”, esse grande cavalheiro do século XIX inglês, alcançou a Verdade quando tinha 44 anos, depois de décadas de estudo e aprofundamento. Com valentia, forçou sua própria mente para entender, indagar, sondar os meandros da história, da filosofia, teologia e descobrir finalmente a pedra preciosa. Foi assim que “vi meu rosto naquele espelho: era o rosto de um monofisista, o rosto de um herege anglicano e o descobri quase com terror”.
O epitáfio na tumba do futuro beato Newman, cuja vida é a prova mais evidente e concreta de que a razão pode se unir à fé para trazer à terra a Igreja de Jesus Cristo, a única verdade que leva à salvação eterna. Crer na verdade e ser livre: “Se permanecerdes em minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, e conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres” (Jo 8, 31-32). John Henry Newman é o modelo que a Igreja, sob o pontificado de Bento XVI, propõe aos cristãos e aos católicos para seguir: é a resposta claríssima do Papa ao mundo relativista.


Reportagem do vaticanista italiano Aldo Maria Valli



(Publicada na revista Europa, 10-09-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto).


Nascido em 1801 e falecido em 1890, fervoroso anglicano e depois ministro da Igreja da Inglaterra, Newman, em 1845, se converteu ao catolicismo. Dois anos depois, foi ordenado padre católico e, em 1879, é feito cardeal. Mas por trás da aparente linearidade desse percurso, há muitas curvas difíceis, muitos obstáculos, muitas incompreensões.
Desde o início, a vida do futuro cardeal foi marcada pelo imprevisto e pelo contraste. Foi um estudante brilhante, mas, por causa dos muitos estudos, seus finais finais foram um meio fracasso. A nota foi muito baixa, mas depois de cerca de um ano, ele prestou novos exames e, desta vez, tornou-se professor do Oriel College de Oxford. O seu papel é o de tutor, com o encargo de seguir um grupo restrito de estudantes, mas eis que Newman, com pouco mais de 20 anos, não se limitou a transmitir noções. Para ele, o ensino pode ser concebido só como uma parte da educação, que é, em primeiro lugar, moral e espiritual. Segundo a visão então dominante, trata-se de um escândalo, e assim os estudantes lhe são retirados.
Em 1825, tornou-se padre anglicano, dedicou-se à paróquia universitária, fez sermões e, enquanto isso, começou a se interrogar: está exatamente na Igreja Anglicana o caminho certo para alcançar Deus e viver como santo? Uma primeira resposta é positiva: a Igreja da Inglaterra, disse, é uma espécie de via media [caminho do meio, em latim] entre o protestantismo e o catolicismo, um exato meio.
Mas ao longo dos anos, deu-se conta de que esse caminho, na prática, não existe. Percebeu que as interferências do Estado na vida da Igreja são indevidas e inadmissíveis. Aos poucos, aproximou-se da Igreja Católica. O seu “rebocador” é um padre italiano, o passionista Domenico Barberi (imagem). A conversão é o fruto desse lento caminho, como a travessia, disse, de um mar tempestuoso. Não dá as costas aos anglicanos, não renega nada do passado, mas, para os ex-co-irmãos, é um traidor. Deixa as certezas compartilhadas para entrar em uma minoria desprezada. Abandona a comodidade e a reputação para abraçar a verdade.
O barco chega no porto, mas os problemas não acabaram. A própria Igreja Católica se esforça para acolher um personagem sob muitos aspectos incômodo.
Seja como fundador da Universidade Católica de Dublin, seja como diretor do jornal católico The Rambler, Newman vai ao encontro de contrastes e incompreensões. No diário, anota: “Se antes, a minha religião era desolada, mas a minha vida não o era, agora a minha religião não é mais desolada, mas a minha vida o é”. Em meio a tantos fracassos (incluindo as calúnias de um ex-católico italiano, que lhe custaram uma condenação por difamação), Newman teve também que se resguardar das suspeitas de ambas as partes: assim como alguns anglicanos defendem que ele sempre foi católico em segredo, alguns católicos dizem que ele nunca abandonou verdadeiramente o protestantismo.
Quando Leão XIII, admirador de Newman, sucedeu Pio IX, as nuvens, pela primeira vez, se desfazem. A púrpura cardinalícia, inesperada, é o selo de uma vida corajosa e plena de paixão pela verdade, uma vida da qual surgem alguns traços distintivos de cristão: a busca contínua, a capacidade de aceitar o quieto viver, o desejo de se tornar ponte, apesar da obstinação de quem quer erguer muros, o testemunho pessoal, a indissolubilidade de palavra e exemplo, a disponibilidade à mudança, porque, “aqui sobre a terra, viver é mudar, e a perfeição é o resultado de muitas transformações”.
Fascinado pelo convertido Agostinho, Bento XVI, desde sempre, é fascinado também pelo convertido Newman. O caminho do cristão é a conversão contínua. Um desenvolvimento ininterrupto, um amadurecimento. Ao longo do qual, as dificuldades são inevitáveis.
Em 1990, pelo centenário da morte de Newman, o cardeal Ratzinger proferiu em Roma uma conferência e revelou que a teoria da consciência, central no pensamento do grande convertido, o fascinou desde 1946, isto é, desde o início dos seus estudos de teologia no seminário de Freising, logo depois da guerra.
Quando, na Carta ao duque de Norfolk, Newman disse que, em um hipotético brinde, ele brindaria primeiro à consciência e depois ao Papa, ele não convidou a cair na subjetividade. Pelo contrário, anota o futuro Papa, Newman defende o “caminho da obediência à verdade objetiva”. É nesse sentido que a consciência vem antes e é também o fundamento da autoridade do Papa.
Bento XVI, o pontífice que colocou a ideia de verdade no centro do seu magistério, não podia não se apaixonar por Newman. Até porque, como ele mesmo relata, naquele 1946, quando começou a estudar teologia, ele e seus companheiros haviam recém acabado de experimentar o que significa a negação da consciência. Hermann Göring [líder militar nazista] havia dito sobre o seu chefe: “Eu não tenho nenhuma consciência! A minha consciência é Adolf Hitler”. Ratzinger comenta: “A imensa ruína do homem que derivou disso estava diante dos nossos olhos”.

Tony Blair diz esperar que o Cardeal Newman seja um dia proclamado “Doutor da Igreja”


(Gaudium Press)

Cidade do Vaticano (Quarta-feira, 15-09-2010, Gaudium Press) "Como previsiível, foram surgiram controvérias sobre a beatificação de Newman. Alguns se perguntam, simplesmente, se este é o modo justo de lhe homenagear. O que ninguém pode duvidar é do fato de que ele foi e é um Doutor da Igreja. E virá o tempo em que ele o será assim declarado". As palavras são do ex-primeiro ministro britânico Tony Blair.
O ex-premiê, convertido ao catolicismo logo após deixar o governo, escreveu um artigo hoje no jornal vaticano "L'Osservatore Romano", com o título: "Às vésperas da beatificação. O Papa e Newman", sobre a viagem do Papa e a importância do cardeal Newman.
Segundo Tony Blair, Bento XVI é "um Papa em profunda sintonia com o espírito e ideias de Newman", já que ambos são "fortemente opostos ao relativismo". Ele afirma que todo o país está à espera da beatificação do cardeal Newman porque no decorrer dos últimos anos faltam novos santos e beatos ingleses. Para Blair, Newman, com a sua vida e o seu pensamento, era diferente do seu mundo. "A fala como teólogo, a procura constante pela verdade da religião, científica e aprofundada dos estudos históricos o levaram a deixar o anglicanismo por Roma", escreveu o ex-premiê.
Tony Blair diz que o grande espírito e conhecimento da Igreja de Newman é similar "ao que muitos católicos observam no Papa Bento XVI", afirma Blair. Ainda no artigo, o ex-premiê se pergunta se as ideias de Newman ainda em 2010, quando os textos elegantes e acurados sobre teologia não se encontram com vasto interesse, seriam "importantes".
Blair, que, como Newman, se converteu do anglicanismo ao catolicismo, acredita que no mundo de hoje o conceito de desenvolvimento do cardeal Newman pode se tornar "um forte aliado na promoção de formas diferentes de diálogo entre as religiões".

O que foi o Movimento de Oxford
O movimento de Oxford foi um movimento religioso de anglicanos da Alta Hierarquia, a maior parte deles membros da Universidade de Oxford, na primeira metade do século XIX. O principal ponto defendido pelo movimento era demonstrar que a Igreja Anglicana era descendente direto da Igreja estabelecida pelos Apóstolos. Dois grandes líderes do movimento eram Edward Bouverie Pusey e John Henry Newman. O movimento de Oxford influenciou os assim chamados anglo-católicos na sua compreensão do anglicanismo.

Foi um movimento de renovação espiritual no Anglicanismo. A situação da Igreja Anglicana na época em que o movimento começou (1833) era realmente triste. Na Inglaterra, a igreja estava em estagnação espiritual . O metodismo, que havia sido uma oportunidade de renovação também iniciada em Oxford, havia sido severamente punido pelos bispos, e se converteu em uma nova igreja. Os não-conformistas (batistas, presbiterianos, metodistas) cresciam em números, enquanto a Igreja Anglicana servia em grande parte unicamente para prover batismos e casamentos. Nos Estados Unidos, a igreja estava lutando para se recuperar das grandes perdas, visto que muitos a viam como resquício do colonialismo inglês.
Em 1830 o governo britânico determinou a redução do número de bispos na Irlanda, onde apenas a elite era anglicana. O povo irlandes, após anos de resistência, havia permanecido católico romano. Esse fato levou ao protesto um grupo de alunos de Oxford, que viam em tal ato o ápice da apostasia da Igreja. Estudando as obras dos grandes teólogos anglicanos dos séculos anteriores, especialmente os teólogos carolinos (Caroline Divines) do século XVII, e os Padres da Igreja, foi possível a eles descobrir que muitas das práticas abolidas na Reforma Inglesa do século XVI, por serem consideradas Romanistas ou Papistas eram, na verdade, práticas da Igreja Primitiva (como exemplo, a Eucaristia, a tradição, etc.). Uma das mais importantes conclusões a que chegaram foi a de que o Anglicanismo não era uma Religião Estatal, sob a tutela do Rei. Aliás, isso é o que queriam provar, a fim de mostrar que o Rei não tinha o poder de nomear ou retirar bispos, criar ou extinguir dioceses. Os "tractarianos" reafirmavam que a Igreja Anglicana, apesar da Reforma, havia mantido a essência de sua catolicidade (Episcopado, Credos, sacramentos, etc.) e que herdara as tradições da Igreja Celta que havia se estabelecido nas Ilhas Britânicas independentemente de Roma, até o século VII. Eles eram chamados tractarianos, pois o método de evangelização que utilizaram era a publicação de panfletos ("tracts"). Nesses panfletos, eles buscavam informar o povo da catolicidade de sua Igreja e tratavam de vários assuntos. Esses panfletos se baseavam nos próprios teólogos carolinos e nos Pais da Igreja. A época, a Patristica e os Caroline Divines haviam sido esquecidos, e o pensamento calvinista moderado havia tomado conta da mentalidade da Igreja (curiosamente, o mesmo tipo de pensamento contra o qual os teólogos carolinos do século XVII haviam lutado). Os principais pontos da Pregação dos Tractarianos enfatizavam a regeneração batismal, a presença real e substancial de Cristo na Eucaristia, a herança do Livro de Oração Comum, a Igreja Anglicana como parte integrante da Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, etc.
A reação do grupo evangelical não foi das melhores. A Ala Evangélica detinha o poder e o controle da Igreja à época, e viriam a brigar no plano político, exigindo ações do governo para silenciar e expurgar as vozes dos tractarianos. Depreciavam-nos chamando-os de "papistas" e "romanistas". Foi nesse contexto, que Newman escreveu o mais polêmico dos panfletos - o "Tract 90", que buscava mostrar ser possível consolidar os 39 artigos com a doutrina católica (universal), salientando a diferença que há entre a doutrina romana (papista) e a doutrina católica (=universal). Em todo caso, a perseguição a ele após tal panfleto foi tão grande que ele se convenceu que não havia possibilidade de restaurar a catolicidade na Igreja da Inglaterra e passou a contemplar a idéia de sair dela. Sua conversão (e de alguns outros) a Roma marcou o fim da primeira fase do Movimento de Oxford.
Indubitavelmente o maior Legado do Movimento de Oxford foi ter definido a Igreja Anglicana como um dos ramos históricos da única Igreja Católica. Segundo os Tratadistas, a única e verdadeira Igreja fundada por Jesus Cristo, a Igreja Católica (Universal), havia se fragmentado devido a razões históricas e teológicas em 3 grandes ramos: o Romano, o Ortodoxo e o Anglicano. Em sua continuidade, a segunda geração tractariana constituiu o movimento conhecido como "Ritualismo" que influenciou largamente todas as correntes anglicanas. Seus reflexos mais importantes deram-se na Liturgia através recuperação dos Antigos Ritos Ingleses (Rito de Sarum e York), no canto litúrgico tradicional (velhas melodias e cânticos litúrgicos medievais traduzidos e adaptados para o inglês contemporâneo), o uso dos Missais, das vestes litúrgicas, o culto elaborado e o cerimonialismo, a valorização da beleza, etc. tudo isso visando a maior glória de Deus.


Fontes: Agências Zenit e GaudiumPress

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