sexta-feira, 15 de outubro de 2021

SANTA TERESA D’ÁVILA, DOUTORA DA IGREJA

 




Diversos foram os filósofos da Antiguidade, gregos, romanos, etc. mas dentre eles quase não se ouviu falar em mulher neste campo do saber humano. Fala-se em Aspásia de Mileto, a qual assistia às palestras dos filósofos em Atenas por ser lá estrangeira. Mulher de Péricles, chegou a estudar filosofia, mas destacou-se mais por sua ação política e beleza do que por sua pretensa filosofia.  Fora algumas exceções como a de Aspásia, até hoje há predominância masculina no campo da filosofia e quase não se ouve falar numa ou noutra mulher filósofa. No campo da teologia maior é a predominância masculina, não se tendo notícia de muitas mulheres que tenham se destacado nessa ciência.

Da mesma forma, não se tem notícia de nenhuma mulher doutora da Renascença pagã. Santa Tereza e Santa Catarina de Siena (que viveram no pós-Renascimento), são frutos únicos da Igreja e não da Renascença ou da filosofia Antiga. Poder-se-ia dizer que aqueles antigos filósofos pagãos eram doutores?  Pelo menos aqueles que defenderam as idéias coerentes com o Direito Natural, seriam, sim, os doutores da humanidade. Tais títulos, embora inexistam e não os tenham obtido em suas escolas nem tenham sido conferidos pelos seus conterrâneos, pode-se dizer que hoje lhes seriam dados num consenso universal entre os estudiosos de suas obras. Pois, de alguma forma, eles foram mestres.

Dentro da própria Igreja os Doutores foram surgindo ao longo dos anos e naturalmente se destacando por suas obras e doutrinas. O primeiro deles foi Santo Hilário, do século IV, contemporâneo de uma grande safra de doutores, como Santo Atanásio, São Efrém, São Basílio, São Cirilo de Jerusalém, São Gregório Nazianzeno e os excepcionais vultos da Cristandade, como Santo Ambrósio, São João Crisóstomo, São Jerônimo e Santo Agostinho.  Ao longo dos séculos, vários outros doutores foram se destacando, culminando com o mais culto, São Tomás de Aquino no final da Idade Média, e um dos últimos deles que foi Santo Afonso de Ligório, no século XVIII. Chegamos, pois, ao século XXI, com um total de 31 homens, todos santos, com a Igreja reconhecendo-lhes o título de Doutor da Igreja.

A Igreja reserva o título de Doutor àquele que defende e ensina uma doutrina, seja através da oratória ou de publicações, de conteúdo moral ou religioso, onde se explicitam questões transcendentais para a Religião e a Cristandade. Foram chamados especialmente de doutores aqueles sábios do tempo da Escolástica, como São Tomás de Aquino e São Boaventura, que se revelaram verdadeiros mestres em suas obras. O título de Doutor é dado pela Igreja pela tradição ou de forma oficial aos teólogos notáveis, como o dado a São Roberto Belarmino por Pio XII em 1931.  Tais títulos nunca foram concedidos em vida, assim como também Ela o faz ao realizar a canonização.

Enfim, Doutoras da Igreja

No dia 27 de setembro de 1970, em ato solene, o Papa Paulo VI proclama como Doutora da Igreja Santa Teresa de Jesus. Apenas sete dias depois, a 04 de outubro do mesmo ano, em novo ato solene, Paulo VI proclama como Doutora da Igreja Santa Catarina de Sena (ou de Siena).  Assim, estava a Igreja reconhecendo duas mulheres com o título que, até àquela data, era exclusivo de 31 homens, todos santos. Passados 27 anos, a 19 de outubro de 1997, o Papa João Paulo II reconhecia oficialmente outra Santa como Doutora da Igreja: Santa Terezinha do Menino Jesus.

A respeito do assunto, o Papa Paulo VI leu uma Homilia na Basílica de São Pedro, naquele dia, em que dissertava sobre as razões da proclamação de Santa Teresa. Em certo trecho, assim falou Sua Santidade:

"Devemos acrescentar duas observações que nos parecem importantes.

“Em primeiro lugar há de se notar que Santa Teresa de Ávila é a primeira mulher a quem a Igreja confere o título de doutora; e isto não sem recordar as severas palavras de São Paulo: "As mulheres calem nas igrejas" (I Cor 14,34); o qual quis dizer todavia que a mulher não está destinada a ter na Igreja funções hierárquicas de magistério e de ministério. Se haverá violado então o preceito evangélico?

“Podemos responder com clareza: não.  Realmente, não se trata de um título que comporte funções hierárquicas de magistério, porém é oportuno assinalar que o ato não supõe de nenhum modo um menosprezo da sublime missão da mulher no seio do Povo de Deus.

“Pelo contrário, ela, ao ser incorporada à Igreja pelo batismo, participa desse sacerdócio comum dos fiéis, que a capacita e a obriga a "confessar diante dos homens a fé que recebeu de Deus mediante a Igreja".

“E nessa confissão de fé tantas mulheres têm chegado aos cumes mais elevados, até o ponto de que suas palavras e seus escritos têm sido luz e guia de seus irmãos. Luz alimentada cada dia no contato íntimo com Deus, mesmo nas formas mais elevadas da oração mística, para a qual São Francisco de Sales chega a dizer que possuem uma especial capacidade. Luz feita vida de maneira sublime para o bem e o serviço dos homens."

 

Quem foi Santa Teresa de Jesus

Nasceu ela no início do século XVI (1515), em Ávila, e viveu a maior parte daquele conturbado período histórico. No decorrer de sua existência aconteceram desde a revolta de Lutero até a Contra-Reforma de Santo Inácio; da batalha de Lepanto à derrota de Dom Sebastião, de Portugal, em Alcácer Quibir; do Concílio de Trento à entrada em vigor do calendário gregoriano, que coincidiu com o dia do sepultamento da Santa: falecera a 4 de outubro de 1582 e o dia seguinte, 5 de outubro, passou a ser 15, conforme prescrevia a reforma do calendário.

A Espanha vivia o Século do Ouro e a Renascença atingia seu apogeu, embora em maior escala no resto da Europa do que na Península Ibérica. As descobertas do Novo Mundo traziam fausto e opulência para o país, enquanto que a Igreja se debatia com graves questões, dentre as quais a premente necessidade de enviar missionários para as novas terras e não contar com ordens religiosas devidamente preparadas. A Renascença pregava a presunção libertária, a gala dos estilos aparatosos, e tanto nos trajes quanto nas maneiras, na linguagem, na literatura e, principalmente, na arte se manifestava um anelo crescente por uma vida cheia de deleites da fantasia e dos sentidos. Isto gerava progressivas manifestações de sensualidade e moleza.

Pior ainda, a pseudo-reforma protestante pregava a revolta contra a Igreja e defendia o livre exame. Era, portanto, necessário um revigoramento das ordens religiosas, sob pena da caírem mais ainda no relaxamento em que algumas já se encontravam. Sob inspiração divina surgiu, então, a Contra-Reforma de Santo Inácio, da qual pode-se dizer que participaram também Santa Teresa, São João da Cruz, São Pedro de Alcântara e tantos outros santos que povoaram a Europa naquela época.

Vigilância paterna evita más companhias

A Providência preparava a alma de Teresa de Ahumada para os grandes lances de sua conversão, havida já no convento, desde muito jovem. Em sua autobiografia, "Livro da Vida", conta ela mesma que havia uma parenta freqüentando sua casa que era de tão levianos tratos que sua mãe procurou evitar que tratasse com os de casa. Parece que adivinhava o mal que por ela poderia advir.

Quando estava prestes a completar 16 anos, deu-se o caso mais grave. Teresa se achava no direito de escolher seu estado através de um casamento, alegando que sua mãe se casara com apenas 14 anos. Seu pai discordava, pois sua irmã mais velha tinha 25 anos e ainda não havia se casado, não convindo casar-se antes da primeira. De razão em razão o pai se sente perdido, pois Teresa de Ahumada tinha uma vontade firme e decidida, seria difícil demovê-la de seus propósitos.  Teve que recorrer a um estratagema, uma solução de força: internou-a num convento onde deveria ficar "até o tempo de poder se casar".  Tal desvelo fez com que se evitasse o desvio de tão grande vocação.

Naquele convento se recolhiam mocinhas para ser instruídas em trabalhos femininos e na piedade, em retiro absoluto, a cargo de uma monja, mulher já madura. Foi esta monja, de nome Maria de Briceño, que muito influenciou na decisão que Santa Teresa teve futuramente de ingressar como professa na vida religiosa.

A decisão da vocação

Tomada a decisão, adoeceu só em pensar na importância dela. Não ousava participar ao pai sua nova determinação, pois temia parecer veleidosa, isto é, cheia de vontade própria. Urgia fortalecer seu ânimo e para isso começou a ler com afã livros espirituais. Com particular interesse lia as "Cartas de São Jerônimo", onde leu um texto que lhe serviu muito de  orientação.

Seu pai, Dom Alonso, ao saber de sua decisão mandou dizer que não concordava em deixá-la vestir o hábito religioso, ela estava ali se preparando para um futuro casamento. Com receio mandou-a de volta para casa. Teresa, então, persuadiu a um irmão a que se fizesse frade e combinaram de irem um dia, muito cedo, ao mosteiro. Fugiram enquanto seu pai e os servos dormiam. Ela foi admitida no convento, pois havia antecipadamente acertado tudo, e uma freira abriu-lhe o portão. Seu irmão, porém, não teve a mesma sorte, pois no convento dos dominicanos, para onde havia se dirigido, foi exigido o parecer de Dom Alonso, que foi negativo.

Carisma pessoal que atrai

Após alguns anos de vida conventual, Santa Teresa já em franca ascese espiritual, viu urgente necessidade de se proceder ampla reforma em sua Ordem, a do Carmo, que achava-se em decadência. Por outro lado, crescia sua fama de santidade até mesmo fora do convento. Punham-se em evidência seus dotes naturais, seu atrativo humano, sua simpatia contagiosa, que fascinava não só às monjas, senão a quantas pessoas que tinham notícias dela. Tais dotes naturais, bem aproveitados, muito contribuíram para arregimentar pessoas que lhe auxiliassem na Obra que urgia empreender por inspiração da Divina Providência.

Conta em sua autobiografia que um confessor, ao ouvi-la no Confessionário contar suas faltas com grande arrependimento e dor, ficou tão encantado com sua humildade e enternecido com sua simplicidade, que resolveu ele mesmo, ao final, contar seus pecados à santa. E depois de contá-los pediu-lhe conselhos.

No convento, suas consortes de clausura às vezes se revoltavam, pois algumas ficavam cheias de inveja de ver tanta santidade.  Certo dia, as freiras de um convento para onde foi mandada foram lhe dizer que não a aceitavam como Priora, recentemente nomeada pela Autoridade eclesiástica.  No entanto, ela tinha que assumir o cargo por obediência às ordens superiores. Que fazer?  Mandou reunir todas as freiras. Quando lá chegaram encontraram a cadeira principal da Presidência ocupada pela imagem de Nossa Senhora da Clemência, e em suas mãos as chaves do convento; em outra cadeira, da sub-priora, estava sentada uma imagem de São José. Encontraram Santa Teresa aos pés da Imagem de Nossa Senhora, que lhes disse:

"Senhoras, madres e irmãs minhas: a obediência me envia a esta casa para servi-las e regalá-las em tudo o que eu puder, que no demais qualquer um pode ensinar-se a reformar. Por isso vejam, senhoras minhas, o que eu posso fazer por qualquer uma; porque, ainda que seja dar o sangue e a vida, o farei de muito boa vontade"

Não houve resposta das demais. Quando saíram, lá ficou a Imagem de Nossa Senhora da Clemência da forma como a encontraram, sentada na cadeira e com as chaves na mão. Cada noite, ao recolher-se, quando traziam as chaves á Santa Teresa, ela as colocava nas mãos da Virgem Mãe de Deus. E em tudo naquele convento, a partir daquele dia, reinava um ambiente acolhedor, todas sentiam uma suave presença das graças divinas e de um poder sobrenatural.

Sua santidade atrai a devoção popular. A todos os lugares aonde ela ia, seguia-a uma multidão à sua procura. Em alguns lugares haviam pessoas que se ajoelhavam aos seus pés e lhe pediam a bênção.  A propósito de sua chegada a Palência, assim se refere a madre Ana de San Bartolomé: "Como souberam que ia, se juntou tanta gente, que ao tempo que teve de se apear e as monjas do coche em que iam, com muita dificuldade nos deixaram descer, pela gente que juntou para falar-lhe e pedir-lhe a bênção; e os que não podiam alcançar isto se contentavam em ouvi-la falar".

Certo dia foi visitada por um casal de amigos e os filhos, de três a quatro anos, se meteram debaixo do escapulário da santa, dizendo depois que quando se punham ali dentro sentiam um odor tão agradável que não queriam mais sair. Em outra ocasião as madres observaram que o corpo da Madre Teresa despendia uma fragrância que impregnava as mantas e as coisas que tocava.

Cresce a reforma do Carmelo

A Reforma religiosa que empreendia Santa Teresa se propagou por toda a Espanha, e o espírito de sacrifício, de oração e de piedade, longe de afastar as pessoas foi motivo de atração e encanto.  Deste modo, famílias inteiras chegaram a entrar na vida conventual. Foi o caso da viúva Catalina de Tolosa com seus nove filhos: ela mesma transformou, de início, sua casa num convento, onde levavam vida de reclusas e rezavam o Ofício Divino. Impacientes em esperar Santa Teresa para oficializar ali um mosteiro, as duas filhas mais velhas entraram no convento em Valladolid e as duas seguintes no de Palência. Santa Teresa comentava: "todas as quatro têm saído como criadas de tal mãe, que não parecem senão anjos".

Santa Teresa era fundadora e necessitava viajar constantemente para diversas cidades onde se exigia sua presença. Mas ao mesmo tempo a sua Ordem era de vida contemplativa, de oração e recolhimento. Como conciliar as duas coisas? Para manter seu recolhimento quando viajava, levava sempre seu rosto coberto por um véu.

Para efetuar sua reforma, a santa procurou ajuda de gente importante. Alguns de seus amigos eram, por exemplo, o clérigo Gaspar Daza, o nobre D. Francisco de Salcedo, o dominicano Dom Pedro Ibañez e muitos outros.  Depois de uma série de dramáticos incidentes, a 7 de fevereiro de 1562 obteve um documento apostólico do Papa Pio IV para a fundação do primeiro convento reformado, o de São José, de Ávila, sua terra natal. A 4 de agosto do mesmo ano, ingressaram no novo convento as primeiras 4 noviças. Depois desta, foram se sucedendo as fundações de monjas e de frades reformados (estes liderados por São João da Cruz).  Enfrentou tremendas contrariedades, chegou ao ponto de quase ser expulsa de uma cidade, mas as ia superando com admirável fortaleza e serenidade.

No período de 20 anos, Santa Teresa fundou por si mesma 16 conventos de monjas carmelitas descalças. O último deles foi o de Burgos, a 19 de abril de 1582, poucos meses antes de sua morte. 

Um convento ambulante infatigável

Santa Teresa viajava bastante, e sempre andava bem acompanhada nestas viagens.  Normalmente costumava vir acompanhada de três frades e alguns seculares para proteger a si e as outras monjas no caminho. Procurava sempre manter rigorosamente clausura em sua comitiva. Era um convento ambulante. Primava também em manter as regras que destacavam suas dignidades, cujo fim era evitar que tanto no caminho quanto nas pousadas não desconsiderassem as religiosas e procurassem violá-la, às vezes com palavras ofensivas ou até fisicamente.

Escolhia sempre coches grandes para suas viagens, amplos, onde deveria caber muita gente. Debaixo dos toldos se estabelecia a vida de comunidade e era aplicada a Regra como se estivessem num mosteiro. Rezavam o Ofício e guardavam tempo de silêncio conforme as circunstâncias. Cada religiosa era encarregada de uma coisa e em tudo havia o respeito pela obediência.

Se chegavam, a horas tardias, a uma pousada, um dos religiosos varões que lhes seguiam era quem se dirigia a procura de quarto para as religiosas. Se tinha, elas desciam em silêncio do coche e em silêncio entravam na pousada, se dirigiam para os aposentos sem dizer palavra. Apenas uma das freiras era escolhida para falar com as pessoas de fora e Santa Teresa manejava incansavelmente sua sineta para chamá-la e dar-lhe as incumbências necessárias. Comiam nos quartos para evitar contato com os curiosos.

Mas Santa Teresa não viajava só em coches. Quando se oferecia ocasião viajava em dorso de mula, e não caía, tinha prática. Invariavelmente, levava sempre consigo nestas viagens uma imagem do Menino Jesus e um frasquinho de água benta.

No dia de sua morte, o filósofo protestante Godofredo Leibniz comentou: “morrreu um grande homem”. Referia-se ele ao caráter viril de Santa Teresa, incomparável numa freira que não tinha nada de feminista, e com uma grandeza de alma que espantava até os inimigos da Fé Católica.

Doutrina

Além de conseguir colocar a Ordem do Carmo dentro dos preceitos da antiga regra, Santa Teresa criou uma doutrina própria. Publicou algumas obras em que ela é explicitada. Além do "Livro da Vida", sua autobiografia, publicou  "Caminho de Perfeição", "Meditação sobre os cantares", "Moradas ou castelo interior", "Contas de consciência ou relações e mercês", "Exclamações da alma a Deus", "Livro das fundações", "O modo de visitar os conventos" e mais um bom número de poesias místicas e diversas cartas. Em todas estas obras a Santa procura indicar um caminho em busca da santidade, uma ascese, um método de perfeição que ela própria trilhou: esta foi sua doutrina, bastante vasta, que motivou merecer da Igreja o título de Doutora.

 



3 comentários:

Alexandre disse...

Excelente artigo. Vou compartilhar.
Parabéns!

Unknown disse...

Nunca vi um texto tão lindo. Deus os abençoe!🙏🏼🙌🏼

Unknown disse...

Que maravilha, comecei a ler e não parei!