sábado, 16 de outubro de 2021

O SENTIDO CONTRA-REVOLUCIONÁRIO DA OBRA DE DOIS SANTOS

 




Plinio Corrêa de Oliveira

(Cristiandad se honra con la colaboración de un prestigioso líder del catolicismo hispanoamericano, el profesor brasileño Plinio Corrêa de Oliveira.

Hemos preferido publicar su trabajo en el idioma original, por tratarse de una lengua hermana. Con ello queremos rendir homenaje a la noble nación brasileña, a la vez que expresar nuestra identificación de sentimientos con la revista "Catolicismo", hidalgo pregonero de nuestros mismos ideales en tierras lusoamericanas.)

 A quem vê a História com olhos de Fé, e sabe discernir ao longo dela as intervenções da Providência em favor da Santa Igreja, afigura-se impressionante a coincidência e a harmonia entre as missões de dois grandes santos: S. Luís Maria Grignion de Montfort e Sta. Margarida Maria Alacoque.

Quando se formava o câncer revolucionário

Ambos viveram na França, em um momento de capital importância para a história do mundo. No mais profundo da sociedade francesa, os germes oriundos dos grandes movimentos ideológicos do século XVI continuavam a se desenvolver vigorosamente. Discretas ainda, as tendências para o racionalismo, o laicismo e o liberalismo se difundiam como uma corrente de água impetuosa e subterrânea, nos setores-chaves da sociedade. E o lento mas inexorável ocaso da aristocracia e das corporações de artesãos e mercadores, coincidindo com a ascensão sempre mais marcada da burguesia, preparava de longe a organização social que havia de nascer em 1789.

Em uma palavra, com longa antecedência, mas desde logo com muita força, com uma força que em breve se tornaria humanamente quase irresistível, a Revolução se vinha formando como um câncer, nas entranhas de um organismo entretanto ainda sadio.

Processos históricos como este devem ser contidos de preferência em seu nascedouro. Pois, se se permite seu desenvolvimento, tornam-se cada vez mais difíceis de jugular.

Intervenção da Providência para evitar a Revolução

Assim, importa ressaltar que, precisamente no momento em que uma ação preventiva parecia mais oportuna e mais eficaz, a Providência suscitou na França dois santos com uma evidente e especial missão nesse sentido. Missão que, primordial e diretamente, se dirigia à primogênita da Igreja, mas indiretamente beneficiaria o mundo inteiro. Pois, se de um lado a extinção in ovo dos germes revolucionários na França poderia ter evitado para todo o orbe as calamidades da Revolução, de outro lado um triunfo insigne da Religião, ocorrido no país líder da Europa no século XVIII, poderia ter tido na história religiosa e cultural da humanidade repercussões incalculáveis.

O reinado de Luís XIV se estendeu de 1643 a 1715. Santa Margarida Maria viveu de 1617 a 1690, e São Luís Maria Grignion de Montfort nasceu em 1673 e morreu em 1716. Como se vê, foram coetâneas do Rei-Sol tanto a ação da santa visitandina à qual o Coração de Jesus comunicou suas mensagens de amor, quanto a pregação do apóstolo angélico que ensinou a "Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem".


Sentido anti-revolucionário da mensagem de Paray-le-Monial

Os leitores de "Cristiandad" certamente já conhecem os pedidos feitos por Nosso Senhor, por meio de Santa Margarida Maria, a Luís XIV. Sabem que o Sagrado Coração predizia para a França grandes males, mas prometia obviá-los se seus pedidos fossem ouvidos. Sabem por fim que, não tendo Luís XIV atendido à mensagem - iludido quiçá por informações e manejos ainda hoje mal conhecidos - na prisão do Templo Luís XVI prometeu atendê-la. Mas era tarde, e a Revolução seguiu seu curso, para a desgraça de todos nós.

Destes fatos, o que nos importa reter, no momento, é que a partir do centro da França, de Paray-le-Monial, a Providência quis acender no reino cristianíssimo um braseiro de piedade e um foco ardente de regeneração moral, para evitar as calamidades que depois sobrevieram.

No mesmo sentido, entretanto, a Providência suscitava no oeste da França outro movimento.

 Precursor e patriarca da Contra-Revolução

Como Santa Margarida Maria, São Luís Maria parece não ter tido qualquer pensamento político particular. Ele previu para sua pátria e para toda a Igreja grandes catástrofes. Mas seu olhar não se deteve senão nas esferas mais profundas em que essas catástrofes se vinham preparando. Seus escritos aludem a uma crise religiosa e moral de grande envergadura, da qual, como de uma caixa de Pandora, toda espécie de males iria sair. Para obviar esses males, ele pregava em seus inflamados sermões, ouvidos com profunda avidez pelos camponeses do piedoso Oeste, a doutrina espiritual que condensou em várias obras, das quais as principais foram o "Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem", a "Carta Circular aos Amigos de Cruz" e o "Amor da Sabedoria Eterna".

Bem analisados, estes três livros monumentais - e infelizmente pouco conhecidos - são a refutação de todas as doutrinas falsas de que nasceria o monstro da Revolução. Refutação por certo sui generis. As obras de São Luís Maria não visavam primordialmente persuadir os espíritos céticos, sensuais, naturalistas, de que estavam em erro. Sua principal preocupação estava em premunir contra esses erros os católicos fervorosos ou tíbios. E assim, toda a sua dialética consistia em inculcar o amor à Sabedoria, para premunir seus leitores contra o laicismo ou a tibieza; em inculcar o amor à Cruz, para premunir contra a sensualidade e o amor delirante dos prazeres os católicos de uma era essencialmente gozadora e mundana; e em inculcar a devoção a Nossa Senhora por meio da "santa escravidão", para premunir leitores expostos a todo momento às insídias desse verdadeiro calvinismo larvado, que foi o jansenismo.

Em todos os seus livros a dialética é a mesma. Ele mostra com argumentos tirados da Escritura, da Tradição, da História da Igreja e da Hagiografia, que um católico não pode pactuar com o espírito do século, e que toda posição de meio termo entre esse espírito e a vida de piedade não é senão uma perigosa ilusão dos sentidos ou do demônio.

 Nossa Senhora na pregação montfortiana

No conjunto deste sistema, é preciso frisar que a devoção a Nossa Senhora, considerada especialmente como Rainha do Universo, Mãe de Deus e dos homens e Medianeira de todas as graças, tem um papel absolutamente central. É por esta devoção que o fiel pode alcançar de Deus a Sabedoria e o amor à Cruz. Pois Maria Santíssima é o meio pelo qual Jesus Cristo veio a nós, e pelo qual podemos ir a Ele. Quanto mais unidos a Maria, tanto mais estaremos unidos a Jesus. É nas almas marianas - intensamente, ardentemente, filialmente marianas - que o Espírito Santo forma Jesus. Sem Ela, os maiores esforços para a santificação redundam em desastres. Com Ela, o que parece inacessível à nossa fraqueza se torna acessível, as vias como que se franqueiam, as portas se abrem, e nossas forças, hauridas no canal das graças, se centuplicam. O importante, pois, é ser verdadeiro devoto de Maria.

Mas esta devoção tem contrafações. O Santo mostra quais são elas e nos premune contra os minimalistas, sobretudo os que se contentam com uma devoção vã, feita de meras fórmulas e atos de piedade externos. A devoção perfeita, ele a ensina: consiste em sermos escravos de Maria, dando-Lhe todos os nossos bens espirituais e temporais, e fazendo tudo por Ela, com Ela e nEla.

Frutos contra-revolucionários da pregação montfortiana

São Luís Maria foi um grande perseguido. Prelados, Príncipes da Igreja, o próprio governo, o combateram. Apenas o Papa e alguns poucos Bispos franceses lhe deram apoio. Na Bretanha, no Poitou, no Aunis, sua pregação se exerceu livremente, e perdurou através das gerações, conservadas profundamente fiéis. Quando, durante a Revolução, a civilização cristã precisou de heróis para a defenderem em terras da França, estes surgiram mais ou menos em toda a extensão do reino cristianíssimo. Mas em certa região o povo inteiro pegou em armas, numa reação maciça, compacta, impetuosa e indomável. Os chouans, cuja memória nenhum católico pode evocar sem a mais profunda e religiosa emoção, eram os netos daqueles mesmos camponeses que São Luís Maria formara na devoção a Nossa Senhora. Onde São Luís Maria pregara e fora ouvido, não houve a Revolução ímpia e sacrílega; houve, pelo contrário, cruzada e Contra-revolução.


Atualidade de Santa Margarida Maria e São Luís de Montfort

Pouco importa saber até que ponto os movimentos de Paray-le-Monial e da Vandéia no século XVII se conheceram. A importância de um e de outro não ficou circunscrita àquela época. Filhos da Igreja, neste trágico século XX, podemos e devemos ver ambos os movimentos numa só perspectiva, e, assim unidos, fazer deles nosso tesouro espiritual.

O nexo essencial que os liga está hoje em dia posto em tal luz, na consciência de qualquer fiel, que nem sequer é necessário insistir sobre ele. A devoção ao Coração de Jesus é a manifestação mais rica, mais extrema, mais delicada, do amor que nos tem nosso Redentor. A via para chegar ao Coração de Jesus é a Medianeira de todas as graças. E assim se vai ao Coração de Jesus pelo Coração de Maria. Esta última devoção, que Santo Antonio Claret pôs em tanta luz, São Luís Grignion de Montfort, ao que parece, não a conheceu. Mas é o ponto de junção entre a mensagem de Paray e a pregação do apóstolo marial da Vandéia. Ponto de junção que, diga-se de passagem, teve tanto realce nas aparições de Fátima.

Mas ao lado desses grandes laços fundamentais há outros. Nós os compreenderemos bem, num relance de olhos, se considerarmos o que poderiam ser hoje a França, a civilização cristã, o mundo, se os movimentos de Paray e da Vandéia tivessem sido vitoriosos nos séculos XVII e XVIII. Em lugar da Revolução, com suas execráveis seqüelas que nos arrastaram até à voragem atual, teríamos o reino da justiça e da paz. Opus Justitiae pax, lê-se no brasão de Pio XII. Sim, a paz de Cristo no Reino de Cristo, da qual nos distanciamos cada vez mais.

E assim fica posta em evidência a altíssima oportunidade da mensagem de Paray e da obra de São Luís Maria. Elas nos ensinam que o fundo dos problemas que geraram a crise atual é religioso e moral. E nos indicam os meios sobrenaturais pelos quais a Revolução universal de nossos dias, filha insolente e depravada da Revolução Francesa, pode ser jugulada. É só do bom uso desses meios que podem nascer, no campo cultural, social ou político, as reações que preparam, na Terra, a Realeza de Cristo pela Realeza de Maria.

(Cristiandad, Barcelona, Novembro de 1958)

 


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