segunda-feira, 23 de julho de 2012

Universidade do Peru nem é mais católica, nem pontifícia...

Após a Revolução da Sorbonne, de maio de 1968, tornou-se comum a idéia da autonomia das universidades. A tal ponto que não permitem sequer a polícia adentrar no recinto dela para prender marginais ou drogados. É considerado ali quase como uma outra nação. Trata-se do mesmo princípio da autonomia das terras indígenas. Talvez não seja este o principal argumento usado pela ex-PUC do Peru, mas, no fundo, trata-se disso: os  reitores, geralmente eleitos por alunos e professores, conseguem um poder ilimitado de ação que nem sequer os donos das universades podem se ingerir (tanto os governos como as instituições particulares, em geral, encontram-se no mesmo patamar). Querem separar a gestão das universidades da mesma forma como o fazem nos jornais: os proprietários mandam apenas nas questões financeiras, e os jornalistas e editores nas questões de opinião.
Talvez o problema da Universidade de Lima seja mais complexo, pois alegam também uma legislação do país que a impedia de seguir as orientações da Igreja. É provável, como é provável também que tal alegação seja apenas um pretexto para agir "com autonomia" da Igreja, a proprietária, alegando motivos que poderiam talvez ser contornados com uma ação legal.
Muitas outras universades ostentam o título de "católica" (como também diversos colégios espalhados pelo mundo) mas, na realidade, não o são há muito tempo no que diz respeito à doutrina e aos princípios da Igreja.

Eis como a notícia foi divulgada:

ROMA, 23 Jul. 12 / 04:17 pm (ACI/EWTN Noticias).- Em um comunicado com data de 20 de julho a Sala de Imprensa do Vaticano informou que a Santa Sé decidiu retirar os títulos de "Pontifícia" e de "Católica" da Pontifícia Universidade Católica do Peru, com sede na cidade de Lima.


A seguir ACI Digital reproduz o texto do comunicado vaticano na íntegra:
"A Santa Sé, com Decreto do Emmo. Secretário de estado, baseada em específico mandato Pontifício, decidiu conforme à legislação canônica retirar à Pontifícia Universidade Católica do Peru o direito de usar em sua denominação os títulos de ‘Pontifícia’ e de ‘Católica’.
A mencionada Universidade, fundada em 1917 e erigida canonicamente com Decreto da Santa Sé em 1942, a partir de 1967 modificou unilateralmente seus Estatutos em diversas ocasiões prejudicando gravemente os interesses da Igreja.
A partir de 1990, a Santa Sé em múltiplas ocasiões requeriu que a universidade adequasse seus Estatutos à Constituição Apostólica Ex-Corde Ecclesiae (15 de agosto de 1990), sem que ela tenha respondido a esta exigência legal.
Depois da Visita Canônica realizada em dezembro de 2011 e a reunião entre o Reitor e o Emmo. Cardeal Secretário de estado em fevereiro de 2012, houve uma ulterior tentativa de diálogo em vistas a adequar os Estatutos à lei da Igreja.
Recentemente, mediante duas cartas dirigidas ao Emmo. Secretário de estado, o Reitor manifestou a impossibilidade de realizar o que o requerimento a ele dirigido, colocando como condições a modificação dos Estatutos e inclusive a renúncia por parte da Arquidiocese de Lima ao controle da gestão dos bens da Universidade.
A participação da Arquidiocese de Lima no controle da gestão patrimonial desta entidade foi confirmada em várias ocasiões com sentenças dos Tribunais civis do Peru.
Diante desta atitude por parte da Universidade, confirmada ademais por outras iniciativas, a Santa Sé se viu obrigada a adotar as mencionadas medidas, ratificando em qualquer caso o dever que segue tendo tal Universidade de observar a legislação canônica.
A Santa Sé seguirá atentamente a evolução da situação desta Universidade, desejando que em um futuro próximo as Autoridades acadêmicas competentes reconsiderem sua posição com o fim de poder revisar as presentes medidas.
A renovação requerida pela Santa Sé fará que a Universidade responda com mais eficácia ao compromisso de levar a mensagem de Cristo ao homem, à sociedade e às culturas, segundo a missão da Igreja no mundo".

Segue o texto integral do Vaticano:
Vaticano 11 de julho de 2012

Senhor Reitor:

A Santa Sé seguiu com particular atenção a evolução da situação da Pontifícia Universidade Católica do Peru. (PUCP), especialmente depois da Visita canônica do Emmo. Card. Peter Erdo e sua visita a Roma no último 21 de fevereiro.
Durante a conversação que mantivemos naquela oportunidade, por mandato do Santo Padre comuniquei-lhe, em substância, a ‘exigência legal’ de adequar os Estatutos dessa Universidade à legislação canônica da Constituição Apostólica Ex-Corde Ecclesiae, como deveria ter sido feito desde 1990.
Este foi em todo momento o claro requerimento que a Santa Sé lhes realizou como óbvio requisito para que fossem reconhecidas e garantidas adequadamente a identidade e a missão específicas desta Universidade.
Fui informado detalhadamente pelo Núncio Apostólico no Peru, Sua Excelência Dom James Green, das reuniões mantidas na sede da Nunciatura Apostólica, assim como de suas propostas. Atendendo ao pedido feito da sua parte, foi estendido o prazo para a adequação dos Estatutos do dia 8 para o dia 18 de abril deste ano.
Devo comunicar-lhe agora a notável decepção com que esta Secretária de Estado foi percebendo a orientação que essa Reitoria dava à problemática, particularmente na carta N. 068/12.R de 13 de abril de 2012 e na surpreendente carta N. 095/12.R, de 9 de maio de 2012, publicada como ‘Aviso’ no Jornal ‘La Republica’ em 11 de maio de 2012. Chama particularmente a atenção o modo de apresentar nela as indicações recebidas da Santa Sé e o papel desempenhado pelo Arcebispo de Lima. Essa interpretação foi causa de desinformação para a comunidade universitária, para os fiéis e os cidadãos em geral.
Como pude expressar-lhe anteriormente, a situação irregular que vem atravessando a Universidade não é recente e foi matéria de séria preocupação dos três últimos Arcebispos de Lima, não somente do atual. A Universidade veio descumprindo as disposições legais estabelecidas, advertidas reiteradamente por escrito.
Consta em nossos arquivos que os últimos Estatutos da PUCP aprovados, como corresponde a uma Universidade Pontifícia, pela Sagrada Congregação de Seminários e Universidades em 1946 e a eles foram se incorporando modificações aprovadas pela mesma Congregação nos anos 1957, 1964 e 1967.
Desde a última data, as Autoridades da mencionada Universidade, sem prévia e necessária aprovação da Santa Sé, realizaram múltiplas e substanciais modificações dos mesmos prejudicando gravemente os direitos da Igreja. À luz do Acordo vigente entre o Peru e a Santa Sé e do Direito Canônico consideramos que estas modificações são ilegítimas e que através delas se está ocasionando um espólio à Igreja.
Tendo recebido de sua parte uma resposta negativa ao requerimento da Santa Sé, devo constatar que nas Autoridades da Universidade que o Sr. Rege não há vontade de corrigir essa arbitrariedade, e que pretendem que a Igreja renuncie aos seus legítimos direitos ao serviço da educação católica.
Esta atitude não reconhece a legítima autonomia de que a Igreja goza para organizar suas instituições educativas, como o caso da PUCP, em total observância das leis civis vigentes no País e do Acordo entre o Estado peruano e a Santa Sé. A autonomia das Universidades Católicas sempre foi plenamente reconhecida pela Igreja, dentro do âmbito de suas normas, porque o necessário aporte da liberdade é imprescindível para uma sã atividade de estudo e investigação comprometida na busca da Verdade, empenho que deve presidir todo esforço por ampliar as múltiplas dimensões do conhecimento e do saber.
Pelo contrário, deixando de lado o requerimento feito a essa Universidade de acomodar-se à lei canônica, totalmente compatível com a legislação peruana, esta Reitoria responde que, como ‘premissa’ para adequar-se à lei da Igreja é necessário uma ‘negociação’ com o Arcebispado de Lima que impeça o controle deste sobre a administração do patrimônio da Universidade.
Sobre este ponto se pronunciaram os tribunais do Peru. Trata-se de um direito-dever a favor da Igreja de Lima, que busca só garantir a transparência e exemplaridade de tal administração patrimonial e sua adequação aos fins institucionais dessa Universidade. Objetivos que interessam de igual maneira a todos os fiéis dessa comunidade eclesiástica.
Surpreende inclusive, o fato que esta Reitoria anteponha um problema ‘que, ao final, se trata exclusivamente de um assunto de bens materiais’, como o Sr. afirmava em sua carta do último 13 de abril, ao dever que esta Secretária de Estado lhe recordava de observar a legalidade eclesiástica.
Ambas questões possuem sua própria autonomia. Uma ‘solução integral’, como o Sr. diz, que não respeite os elementos de justiça que há tanto numa questão como na outra, representa uma solução contrária à justiça. A primeira exigência, incondicional, que essa Universidade tem que cumprir é a de ajustar-se ao Direito e adequar seus Estatutos à legislação canônica.
À luz do que tenho escrito e depois de tantos anos de diálogo e tentativas para restabelecer a legítima autonomia própria de uma Universidade Católica, a Santa Sé se vê obrigada a adotar as necessárias medidas em relação a essa Universidade.
À presente carta anexo o Decreto da Santa Sé a respeito. A Você, Sr. Reitor, incumbe-lhe uma concreta responsabilidade na presente situação já que, em função do cargo, o Sr. tem a missão de fazer que se cumpra na comunidade universitária as leis e disposições da Igreja.
Com todo o respeito lhe saúda atentamente e o encomenda


Tarcisio Cardeal Bertone


Secretário de Sua Santidade




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