quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

TRATADO DA VERDADEIRA DEVOÇÃO FEZ 3 SÉCULOS

No decorrer deste ano o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem completou 3 séculos em que foi escrito.  Foram dirigidas petições ao Vaticano para que este ano fosse proclamado como Ano de Maria por causa destas comemorações, mas não houve tempo para que a Igreja aprovasse tal medida. Vejamos o que diz o padre F. W. Faber no prefácio que fez para uma das edições desta obra:

“Poucos homens, no século XVIII, trazem em si mais fortemente gravados os sinais do homem da Providência, do que esse novo Elias, missionário do Espírito Santo e de Maria Santíssima. Toda a sua vida foi uma tal manifestação da santa loucura da cruz, que os seus biógrafos são concordes em classificá-lo como São Simeão Salus e São Felipe Neri. Clemente XI fê-lo missionário apostólico em França, para que ele empregasse a vida em combater o jansenismo, tão cheio de perigo para a salvação das almas. Será difícil achar, depois das epístolas dos apóstolos, palavras tão ardentes como as doze páginas da sua “Prece” pelos missionários de sua Companhia. Recomendo-a a todos os que encontram dificuldade em conservar, no meio de numerosas provações, o fogo primitivo do amor pela salvação das almas.

Grignion de Montfort era ao mesmo tempo perseguido e venerado em toda parte.  A soma de seus trabalhos é, como a de Santo Antonio de Pádua, verdadeiramente incrível e inexplicável. Escreveu alguns trabalhos espirituais, que embora conhecidos há pouco tempo, já têm exercido influência notável na Igreja, e estão chamados a influência muito maior no futuro. Suas prédicas, seus escritos, sua conversação eram impregnados de profecias e de visões antecipadas das últimas eras da Igreja.

Novo São Vicente Ferrer, adianta-se, como se estivesse nos dias precursores do juízo final, e proclama-se portador, da parte de Deus, de uma mensagem autêntica: mais honra, conhecimento mais vasto, amor mais ardente a Maria Santíssima, e anuncia a união íntima que Ela terá com o segundo advento de seu Filho.

Fundou duas Congregações religiosas, uma de homens, outra se mulheres, ambas muito prósperas. E, entretanto, morreu com 43 anos, em 1716, tendo apenas dezesseis anos de sacerdócio.

A 12 de maio de 1853, foi promulgado, em Roma, o decreto que declara os seus escritos isentos de todo erro que pudesse servir de obstáculo à sua canonização. Neste trabalho sobre a verdadeira devoção à Santíssima Virgem, escreveu ele estas palavras proféticas: “Vejo claramente no futuro animais frementes que se precipitam com furor para estraçalhar com os dentes diabólicos este pequeno escrito e aquele de quem se serviu o Espírito Santo para escrevê-lo; ou para sepultá-lo, ao menos, no silêncio de um armário, a fim de que não seja a luz”.

Apesar disso, prediz, ao mesmo tempo, a aparição e o sucesso do livro. Cumpriu-se tudo à risca. O autor morreu em 1716, e só em 1832 foi descoberto, como por acaso, este tratado por um dos sacerdotes de sua Congregação, em Saint-Laurent-sur-Sèvre. O superior de então pôde atestar que o manuscrito era do venerável fundador e o autógrafo foi enviado a Roma, a fim de ser examinado no processo de canonização.[1]

Com certeza, os que vão ler este livro já amam a Deus e desejariam amá-lo ainda mais; todos desejam alguma coisa para a sua glória: a propagação de uma boa obra, a vinda de melhores tempos, o sucesso de uma devoção; um empregou durante anos todos os esforços para vencer um defeito particular e não o conseguiu; outro tem pedido com lágrimas a conversão de seus pais e amigos, e está admirado de que, apesar de suas lágrimas, tão poucos dentre eles se tenham convertido à fé; este se entristece por não ter bastante devoção; e aquele se aflige por ter que carregar uma cruz que lhe parece muito pesada para a sua fraqueza, enquanto outro encontra no seio da família perturbações e infelicidades domésticas que lhe parecem incompatíveis com a obra de sua salvação; e para todas essas tristezas a oração parece trazer tão pouco alívio! Qual é, pois, o remédio que lhes falta? Qual o remédio indicado pelo próprio Deus? É, segundo as revelações dos santos, uma dilatação imensa da devoção à Santíssima Virgem; mas, reflitamos bem, o imenso não admite restrições nem limites.

Aqui, na Inglaterra, Nossa Senhora não é bastante pregada e conhecida. A devoção que lhe consagram é fraca, escassa, mesquinha, transviada pelos escárnios da heresia. Dominada pelo respeito humano e pela prudência carnal, desejaria fazer da verdadeira Maria uma Maria tão pequena que os protestantes se pudessem sentir á vontade junto d’Ela. Sua ignorância da teologia tira a Maria toda a vida e dignidade; ela não é, como deve ser, o caráter saliente de nossa religião; não tem fé em si mesma. E é por esta razão que Jesus não é amado, que os hereges não são convertidos, que a Igreja não é exaltada; almas que poderiam ser santas, desfalecem  e degeneram; os sacramentos não são frequentados como o deveriam ser;. As almas não são evangelizadas com o entusiasmo do zelo apostólico; Jesus não é conhecido, porque Maria é deixada no esquecimento; perecem milhares de almas, porque Maria delas está distante. É esta sombra indigna e miserável, à qual ousamos dar o nome de devoção à Santíssima Virgem, que é a causa de todas estas misérias, de todos estes males, de todas estas omissões, de toda esta tibieza. Entretanto, segundo as revelações dos santos, quer Deus “expressamente” uma devoção mais vasta, mais extensa, mais sólida, uma devoção muito diferente da atual, para com sua Mãe Santíssima. Sou de opinião que  não há obra mais excelente, mais eficaz para se conseguir este fim, do que a simples propagação desta devoção particular do venerável Grignion de Montfort.

Basta apenas que uma pessoa experimente para si esta devoção; em breve, a surpresa que lhe causarão as graças que ela traz consigo, assim como as transformações que produzirá em sua alma, convencê-la-ão de sua eficácia, quase incrível aliás, como meio para conseguir a salvação das almas e a vinda do reino de Jesus Cristo! Oh! Se Maria fosse ao menos conhecida,  não haveria frieza para Jesus! Oh! Se Maria fosse ao menos conhecida, quão mais admirável seria nossa fé, como seriam diferentes as nossas comunhões!Oh! Se Maria fosse ao menos conhecida, quanto mais felizes, mais santos, menos mundanos seríamos, como nos tornaríamos imagens vivas de Nosso Senhor e Salvador, seu diletíssimo e diviníssimo Filho!

 
Eu mesmo traduzi o tratado todo, o que me deu muito trabalho; e fui escrupulosamente fiel. Tomo ao mesmo tempo a liberdade de avisar o leitor de que com uma só leitura do livro não o poderá compreender a fundo. Acha-se neste livro, se assim ouso dizer, o sentimento de um não se quê de inspirado e sobrenatural, que vai sempre em aumento, à medida que nos aprofundamos em seu estudo. Além disto, não se pode deixar de experimentar, depois de lê-lo repetidas vezes, que nele a novidade parece nunca envelhecer, a plenitude nunca diminuir, o fresco perfume e o fogo sensível da unção nunca se dissipar ou enfraquecer.

Digne-se o Espírito Santo, o divino Zelador de Jesus e de Maria, conceder uma nova bênção a esta obra na Inglaterra; queira ele consolar-nos dentro em breve com a canonização desse novo apóstolo e ardente missionário de sua Esposa diletíssima e imaculada, e mais ainda pelo pronto despontar dessa gloriosa era da Igreja que dever a gloriosa era de Maria”.

 

F. W. Faber [2]

(Sacerdote do Oratório. No dia da apresentação de Nossa Senhora. 1862).[3]




 
[1] São Luís de Maria Grignion de Montfort foi canonizado em 27 de julho de 1947, por Pio XII.
[2] Famoso teólogo, convertido do anglicanismo para o Catolicismo e entrou na Congregação Oratório, de São Felipe Neri, viveu grande parte do século XIX, falecido no ano de 1863.
[3] O texto acima foi extraído do “Prefácio”  da edição brasileira do “Tratado”, Editora Vozes, págs. 9/16.

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