segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

SANTA MARIA EGIPCÍACA VIVEU MEIO SÉCULO NO DESERTO PURGANDO SUA VIDA DE PECADOS DA CARNE

 




Santa Maria Egipcíaca nasceu pelo ano 343 e faleceu no deserto da Jordânia em 421 ou 422, aos 78 ou 79 anos de idade, após viver cerca de 50 anos na solidão. Sua vida foi narrada por São Zózimo, a quem ela mesma contou:

"Minha terra natal, santo Pai, é o Egito. Ainda quando meus pais eram vivos e eu tinha doze anos, renunciei ao amor deles e fui para Alexandria. Estou envergonhada de relembrar como então, eu primeiro perdi minha virgindade e em seguida, incontida e insaciavelmente, entreguei-me à sensualidade. Falarei disso brevemente, de modo que apenas saibas da minha paixão e lascívia. Por cerca de dezessete anos, perdoe-me, vivi desse modo. Eu era como um fogo de depravação pública. E não era por amor ao ganho - aqui eu falo a pura verdade. Frequentemente, quando eles desejavam pagar-me, eu recusava o dinheiro. Agia dessa maneira para fazer com que, tantos homens quantos fosse possível desejassem possuir-me, fazendo de graça o que me dava prazer. Não pense que eu fosse rica e essa fosse a razão pela qual eu não pegasse o dinheiro. Eu vivia de pedir e de tecer, mas tinha um desejo insaciável e uma paixão irreprimível por deitar-me na lama. Isto era vida para mim. Todo tipo de abuso da natureza eu considerava ser vida.

Assim eu vivia. Então, num verão eu vi uma grande multidão de líbios e egípcios correrem em direção ao mar. Perguntei a um deles, 'para onde estão indo todos esses homens?' Ele respondeu, 'eles estão indo a Jerusalém, para a Exaltação da Cruz Preciosa e Vivificante, que ocorrerá dentro de alguns dias.' Eu disse a ele, 'tu me levas junto se eu desejar ir?' 'Ninguém te impedirá de ir se tens dinheiro para pagar a viagem e a comida.' E eu lhe disse: 'para dizer a verdade, não tenho dinheiro, nem alimento. Mas irei com eles e estarei à bordo. E eles me alimentarão, queiram ou não. Eu tenho um corpo - eles o tomarão ao invés de pagar pela viagem.' De repente enchi-me de desejo de ir, Pai, para ter mais amantes que pudessem satisfazer minha paixão. Eu disse a ti, Pai Zózimo, que não me forçasses a contar-te sobre minha desgraça. Deus é minha testemunha, estou receosa de corromper-te e até ao ar, com minhas palavras."

"Aquele jovem, ouvindo minhas palavras desavergonhadas, riu e foi-se embora. Enquanto que eu, jogando fora o tear, corri em direção ao mar na direção que todos pareciam seguir e vendo alguns rapazes de pé na praia, cerca de dez ou mais, cheios de vigor e prontidão em seus movimentos, decidi que eles serviam aos meus propósitos; (parecia que alguns esperavam por mais passageiros enquanto outros tinham ido à terra). Desavergonhadamente, como sempre, misturei-me à multidão, dizendo, 'levem-me consigo para onde estão indo; vocês não vão me achar supérflua.' Também acrescentei mais algumas palavras provocando o riso geral. Vendo minha prontidão para a falta de vergonha, eles prontamente colocaram-me a bordo na embarcação. Aqueles que eram esperados também vieram e finalmente partimos.

Como posso relatar o que aconteceu depois disso? Que língua pode contar, que ouvidos podem receber tudo o que aconteceu naquela embarcação durante aquela viagem! Dizer que eu frequentemente forçava aqueles pobres moços, até contra sua própria vontade!? Não há depravação alguma, mencionável ou não, que eu não lhes tenha ensinado. Estou surpresa, Pai, como o mar suportou nossa licenciosidade, como a terra não abriu suas mandíbulas, e como o inferno não me engoliu viva, enquanto eu prendia em minha teia tantas pessoas. Mas, acredito que Deus estava buscando meu arrependimento. Pois ele não deseja a morte do pecador, mas magnanimamente espera seu retorno a Ele. Finalmente chegamos a Jerusalém. Passei os dias antes do festival na cidade, vivendo o mesmo tipo de vida, talvez até pior. Eu não estava contente com os jovens que tinha seduzido em alto mar e que me ajudaram a chegar a Jerusalem; também seduzi a muitos outros, tanto da cidade quanto estrangeiros que lá estavam.

O dia sagrado da Exaltação da Cruz despontou, enquanto eu ainda estava à caça de jovens. Ao amanhecer, vi que todos corriam para a igreja então, corri com o resto deles. Quando a hora da sagrada elevação se aproximou eu estava tentando abrir caminho entre a multidão, que lutava para chegar às escadarias. Finalmente, com grande dificuldade, consegui ir me espremendo quase até às portas da igreja, de onde a Vivificante Árvore da Cruz estava sendo mostrada ao povo. Mas quando eu pisei no limiar da porta, por onde todos entraram, fui impedida por uma força que não me deixou entrar. Entretanto, completamente ignorada pela multidão me encontrei sozinha no pórtico da igreja. Pensando que isto tivesse acontecido devido à minha fraqueza de mulher, comecei novamente a abrir caminho com os cotovelos no meio da multidão. Mas era em vão meu esforço. Novamente meus pés pisaram no limiar onde outros iam entrando na igreja, sem encontrar nenhum obstáculo. Eu somente parecia não ser aceita na igreja. Era como se um destacamento de soldados estivesse lá de pé, se opondo à minha entrada. Mais uma vez fui excluída pela mesma força poderosa e novamente fiquei no limiar.

Havendo tentado por três ou quatro vezes, finalmente me senti esgotada e não tendo mais forças para empurrar e ser empurrada, fui para o lado e permaneci num canto do pórtico. E então, com grande dificuldade, começou a despontar algo em mim e comecei a perceber a razão pela qual eu estava sendo impedida de ver a Cruz Vivificante. A palavra da salvação gentilmente tocou os olhos do meu coração e revelou-me que era minha vida impura que fechava a entrada para mim. Comecei a chorar e lamentar e bater no meu peito e a suspirar das profundezas do meu coração. E assim permaneci chorando, quando vi acima, um ícone da Santíssima Mãe de Deus. E voltando para ela meus olhos do corpo e da alma eu disse:

'Ó Senhora, Mãe de Deus, que deste à luz na carne a Deus, a Palavra; eu sei, ó quão bem eu sei, que não há nenhuma honra ou louvor para vós quando alguém tão impura e depravada como eu, olha para teu ícone, ó sempre Virgem, que mantiveste vosso corpo e alma na pureza. Certamente inspiro desprezo e desgosto ante vossa pureza virginal. Mas já ouvi que Deus, que nasceu de vós, se tornou homem para chamar pecadores à conversão. Então, ajude-me, pois não tenho outro auxílio. Ordene que os portais da igreja se abram para mim. Permita-me ver a venerável Árvore na qual Ele que nasceu de vós, sofreu na carne e na qual Ele derramou seu preciosíssimo Sangue pela redenção dos pecadores e para mim, indigna como sou. Seja minha testemunha fiel diante de Teu Filho que eu nunca mais corromperei meu corpo na impureza da fornicação, mas tão logo eu veja a Árvore da Cruz, renunciarei ao mundo e às suas tentações e irei onde quer que me conduzas.'

Assim falei e como se recobrasse nova esperança, com fé firme e sentindo alguma confiança na misericórdia da Mãe de Deus, deixei o lugar onde tinha ficado rezando. E fui novamente, misturada à multidão que fazia seu caminho dentro do templo. E ninguém parecia impedir-me, ninguém estorvou minha entrada na igreja. Fiquei possuída de tremor e estava quase à beira do delírio. Tendo chegado tão próximo das portas, o que eu não conseguira antes, como se a mesma força que me impedira agora abrisse caminho para mim, eu agora entrava sem dificuldade e me encontrei no lugar santo. E então vi a Cruz Vivificante. Vi também os Mistérios de Deus e como o Senhor aceita o arrependimento. Jogando-me ao chão, adorei aquela terra santa e tremendo, beijei-a. Então saí da igreja e fui àquela que prometeu ser minha segurança, ao lugar onde eu selei meu voto. E dobrando meus joelhos diante da Virgem Mãe de Deus dirigi a ela estas palavras:

'Ó Amável Senhora, vós mostrastes-me vosso grande amor por todos os homens. Glória a Deus, que aceita o arrependimento de pecadores através de vós. O que mais posso lembrar ou dizer, eu que sou tão pecadora? É hora para mim, ó Senhora, de cumprir meu voto, de acordo com o vosso testemunho. Agora, conduza-me pela mão pelo caminho do arrependimento!' E ao dizer estas palavras ouvi uma voz do alto:

'Se tu atravessares o Jordão irás encontrar glorioso repouso.'

Ouvindo esta voz e crendo que eram para mim, gritei para a Mãe de Deus:

“Ó Senhora, Senhora, não me abandones”'

Com estas palavras deixei o pórtico da igreja e parti para minha jornada. Quando eu ia deixando a igreja um estranho olhou-me e deu-me três moedas, dizendo:

'Irmã, tome isto.'

Pegando o dinheiro, comprei três pães e levei-os comigo como um presente abençoado. Perguntei à pessoa que vendeu os pães: 'Qual é o caminho para o Jordão?' Fui direcionada para o portão da cidade que conduzia àquele caminho. Correndo atravessei os portões e ainda chorando iniciei minha jornada. Perguntei o caminho àqueles que encontrei e depois de caminhar pelo resto daquele dia, (penso que eram nove horas quando eu vi a Cruz), finalmente, ao por do sol, alcancei a igreja de São João Batista, que ficava na margem do Jordão. Depois de rezar no templo, desci o Jordão e lavei o rosto e as mãos nas águas santas. Participei dos santos e vivificantes Mistérios na Igreja do Precursor e comi a metade de um dos pães. Em seguida, após beber um pouco de água do Jordão, deitei-me e passei a noite no chão. Pela manhã encontrei um pequeno bote e cruzei para o lado oposto. Novamente, rezei à Nossa Senhora para conduzir-me onde desejasse. Então, encontrei-me nesse deserto e desde então até o dia de hoje sou estranha a todos, mantendo-me longe das pessoas e delas fugindo. E vivo aqui, agarrando-me ao meu Deus Que salva a todos que se voltam para Ele, os de coração fraco e nas tempestades."

São Zózimo perguntou-lhe:

"Quantos anos se passaram desde que começaste a viver neste deserto?"

Ela replicou:

"Quarenta e sete anos se passaram, creio, desde que deixei a cidade santa."

São Zózimo inquiriu:

"Mas qual alimento encontraste?"

A mulher disse:

"Eu tinha dois pães mais a metade quando cruzei o Jordão. Logo eles ficaram duros como pedra. Comendo aos pouquinhos eles acabaram em alguns poucos anos."

São Zózimo continuou:

"Como se explica que tenhas vivido por tão longos anos, assim, sem ficares doente, sem sofrer de algum modo uma mudança tão completa?"

Ela respondeu:

"Tu me lembras, Zózimo, do que eu não ouso falar. Pois quando me lembro dos perigos que superei, todos os pensamentos violentos que me confundiram, novamente tenho receio de que eles venham a me dominar."

São Zózimo falou:

"Não escondas nada de mim; fala-me sem ocultar coisa alguma."

E ela respondeu-lhe:

"Creia-me, Pai, por dezessete anos vivi nesse deserto lutando contra feras selvagens - desejos loucos e paixões. Quando ia me alimentar eu costumava lamentar a carne e o peixe que eu tinha em abundância no Egito. Lamentava também não ter vinho que eu apreciava tanto, pois eu bebia muito vinho quando vivia no mundo, enquanto aqui eu nada tinha, nem mesmo água. Queimava-me até sucumbir de sede. Um desejo atroz de canções libertinas também me perturbavam e me confundiam grandemente, levando-me quase a cantar canções satânicas, que eu tinha aprendido antes. Mas quando esses desejos me vinham, eu batia no peito e me recordava do voto que tinha feito antes de vir para o deserto. Em meus pensamentos voltava-me para o ícone da Mãe de Deus que me tinha recebido e a quem clamava na oração. Implorava-lhe para dar caça a esses pensamentos, diante dos quais minha alma estava sucumbindo. E depois de chorar por longo tempo e batendo no peito, eu costumava ver uma luz que parecia brilhar sobre mim de algum lugar. E depois da violenta tempestade finalmente vinha a paz.

E como posso dizer-lhe sobre os pensamentos que me instavam à fornicação, como posso expressá-los a ti, Pai? Um fogo inflamava meu miserável coração que parecia queimar-me completamente e me despertava uma sede de abraços. Tão logo esse desejo me surgia, eu jogava-me ao solo e molhava-o de lágrimas, como se visse diante de mim minha testemunha, que tinha me aparecido em minha desobediência e que parecia ameaçar punição para o castigo. E eu não me erguia do chão (algumas vezes ficava lá prostrada por um dia e uma noite), até que a calma e a doce luz descesse e me iluminasse e pusesse em fuga os pensamentos que me possuíram. Mas sempre eu voltava os olhos de minha mente para minha protetora, pedindo-lhe para estender seu auxílio a uma que estava afundando rápido nas dunas do deserto. E sempre a tive como meu socorro e aquela que aceitava meu arrependimento. E assim vivi por dezessete anos, entre constantes perigos. E desde então a Mãe de Deus me auxilia em tudo e me conduz como se pela mão fosse."

São Zózimo perguntou:

"Como pode ser que não tenhas necessitado de alimento e roupas?"

Ela respondeu:

"Quando terminaram os pães que trouxe, de que já falei, por dezessete anos me alimentei de ervas e tudo que pudesse ser encontrado no deserto. As roupas que eu trazia quando atravessei o Jordão se tornaram rotas e gastas. Sofri grandemente o frio e também o calor extremo. Às vezes o sol me queimava completamente e em outras eu estremecia enregelada e frequentemente caia ao chão onde permanecia inerte, sem respirar. Eu lutava contra muitas aflições e com terríveis tentações. Mas desde então e até agora, o poder de Deus numerosas vezes guardou minha alma pecadora e meu pobre corpo. Mas quando penso nos perigos dos quais Nosso Senhor me livrou, tenho alimento imperecível de esperança e salvação. Sou alimentada e vestida pela toda poderosa Palavra de Deus, o Senhor de todos. Pois não é somente de pão que se vive. E aqueles que se despojaram dos trapos do pecado não encontram refúgio, escondendo-se nos vãos das rochas (Job 24; Heb 11:38)."

Ouvindo-a citar as Escrituras, de Moisés a Job, São Zózimo perguntou-lhe:

"E então tens lido os Salmos e outros livros?"

Ela sorriu a isto e disse ao ancião:

"Creia-me, desde que atravessei o Jordão não vi um rosto humano, exceto o teu hoje. Não vi uma fera ou uma criatura viva desde que vim ao deserto. Nunca aprendi nos livros. Também nunca ouvi alguém que cantasse ou lesse deles. Mas a palavra de Deus que é viva e ativa, por si mesmo, ensina a um homem o saber. E assim chega ao fim minha estória. Mas como te pedi no início, e também agora, imploro pelo amor da Palavra encarnada de Deus, reze ao Senhor por mim que sou tão grande pecadora."

Assim terminando, ela se inclinou diante dele. Com lágrimas ele exclamou:

"Bendito é Deus Que cria o grande grande e o maravilhoso, o magnífico e o glorioso sem fim. Bendito é Deus que me mostrou como Ele recompensa aqueles que O temem. Verdadeiramente, Ó Deus, Vós não abandonais aqueles que vos buscam!"

E a mulher, não permitindo ao ancião curvar-se diante dela, disse:

"Eu te peço, santo Pai, pelo amor de Jesus Cristo, nosso Deus e Salvador, não contes a ninguém o que ouviste, até que Deus me tire desse mundo. E agora vá em paz e novamente me verás no próximo ano e eu a ti , se Deus nos preservar em Sua grande misericórdia. Mas, pelo amor de Deus, faças como te peço. No próximo ano, durante a Quaresma, não atravesses o Jordão, como é costume no mosteiro."

São Zózimo ficou surpreso ao ver que ela conhecia as regras do Mosteiro e só pôde dizer:

"Glória a Deus que concede grandes dons àqueles que O amam."

Ela continuou:

"Permaneça, Pai, no mosteiro. E mesmo que desejes partir, não o conseguirás. E ao por do sol do dia santo da Última Ceia, coloque um pouco do vivificante Corpo e Sangue de Cristo dentro de um cálice sagrado, digno de conter tais Mistérios e traga-os para mim. E espere por mim na margem do Jordão, nas vizinhanças das partes habitadas da terra, de modo que eu possa vir e participar dos Dons vivificantes. Pois, desde a vez que comunguei no templo do Precursor, antes de atravessar o Jordão até este dia, não mais me aproximei dos Sagrados Mistérios. E tenho sede deles com irreprimível amor e desejo. E assim, peço e imploro a ti que me concedas essa graça, traga-me os Mistérios vivificantes nessa mesma hora, quando Nosso Senhor fez com que seus discípulos participassem de sua Divina Ceia. Diga ao Abade João do mosteiro onde vives: 'Cuida de si e de teus irmãos, pois há muito o que se corrigir'. Apenas não digas isto agora, mas quando Deus te conduzir. Ora por mim!"

Com estas palavras ela desapareceu nas profundezas do deserto. E São Zózimo, caindo de joelhos e curvando-se em direção ao chão onde ela havia estado, deu glória e graças a Deus. E depois de vagar através do deserto, ele voltou ao mosteiro no dia em que todos os irmãos retornavam.

Durante todo o ano ele manteve silêncio, não ousando contar a ninguém o que tinha visto. Mas rezava a Deus para conceder-lhe outra chance de ver o querido e ascético rosto. E quando finalmente chegou o primeiro domingo do Grande Jejum, todos partiram para o deserto com as orações costumeiras e os cantos dos salmos. Apenas São Zózimo ficou retido, doente - estava em febre. E ele se lembrou do que a santa lhe dissera: "e mesmo se desejares partir, não conseguirás."

Muitos dias se passaram e finalmente, recuperando-se de sua doença ele permaneceu no mosteiro. E quando aconteceu que os monges retornaram e o dia da Última Ceia despontou, ele fez como fora ordenado. E colocando um pouco do puríssimo Corpo e Sangue dentro de um pequeno cálice e colocando alguns figos, tâmaras e lentilhas mergulhadas em água dentro de um cestinho, partiu para o deserto e alcançou as margens do Jordão e se sentou esperando pela santa. Ele aguardou um bom tempo e depois começou a duvidar. Então, levantando os olhos para o céu começou a rezar:

"Concede-me ó Senhor, ver aquela que me concedeste uma vez contemplar. Não me deixes partir em vão por causa do peso de meus pecados."

E então, outro pensamento lhe ocorreu:

"E se ela vier? Não há nenhum barco; como ela irá atravessar o Jordão para vir a mim, que sou tão indigno?"

Ainda assim pensava, quando viu a santa mulher aparecer e parar do outro lado do rio. São Zózimo se levantou, alegrando-se, dando glória e agradecendo a Deus. E novamente veio a ele o pensamento de que ela não poderia atravessar o Jordão. Então ele viu-a fazer o sinal da Cruz sobre as águas do rio Jordão (e a noite era de lua, como ele relatou mais tarde) e então ela pisou nas águas e começou a caminhar sobre a superfície, em direção a ele. E quando ele desejou se prostrar ela gritou para ele, ainda caminhando sobre a água:

"O que estás fazendo, Pai, tu és um sacerdote e estás levando os divinos Dons!"

Ele obedeceu-lhe e ao chegar à praia ela disse ao ancião:

"Pai, abençoa-me, abençoa-me!"

Ele respondeu tremendo, pois um estado de confusão tomara conta dele ao presenciar o milagre:

"Verdadeiramente Deus não mentiu ao prometer que quando estivéssemos puros seríamos como Ele. Glória a Vós, Cristo nosso Deus, Que me mostraste através dessa vossa serva, quão distante eu estou da perfeição."

Aqui a mulher pediu-lhe para rezar o Credo e o Pai Nosso. Ele iniciou, ela terminou oração e de acordo com o costume daquela época, deu-lhe o beijo da paz nos lábios. Tendo participado dos Santos Mistérios, ela elevou suas mãos para o céu e suspirou com lágrimas em seus olhos, exclamando:

"Agora, deixai vossa serva ir em paz, Ó Senhor, de acordo com Vossa palavra, pois meus olhos viram a Vossa salvação."

Depois ela disse ao ancião:

"Perdoa-me, Pai, por pedir-lhe, mas conceda-me outro favor. Vá agora para o mosteiro e que a graça de Deus te guarde. E no próximo ano, venha novamente ao mesmo lugar onde primeiro encontrei-te. Venha, por amor de Deus, pois tu me verás novamente, pois tal é a vontade de Deus."

Ele disse a ela:

"A partir desse dia eu gostaria de seguir-te e sempre ver teu rosto santo. Mas por ora realize o único desejo desse velho homem e tome um pouco do alimento que eu te trouxe."

E ele mostrou-lhe a cesta, sendo que ela apenas tocou com a ponta dos dedos as lentilhas e pegando alguns grãos disse que o Espírito Santo guarda a substância da alma impoluta. Então acrescentou:

"Reza, pelo amor de Deus, por mim e lembre-se de uma miserável pecadora."

Tocando os pés da santa e pedindo suas orações pela Igreja, pelo reino e por si próprio, ele deixou-a partir com lágrimas, enquanto ele se ia suspirando e muito sentido, pois ele não podia esperar vencer o invencível. Enquanto isso ela novamente fez o sinal da Cruz sobre o Jordão, pisou nas águas e atravessou-o como antes. E o ancião voltou, cheio de alegria e terror, acusando-se a si mesmo de não ter perguntado à santa o seu nome. Mas decidiu fazê-lo no próximo ano.

E quando outro ano se passou, ele foi novamente para o deserto. Alcançou o mesmo lugar mas não pôde ver ninguém. Então, levantando os olhos ao céu como antes, rezou:

"Mostra-me, Ó Senhor, vosso puro tesouro, que escondeste no deserto. Mostra-me, eu vos peço, o anjo na carne, de quem o mundo não é digno."

Então, no lado oposto do rio, sua face voltada para o sol nascente, ele viu a santa, morta no chão. Suas mãos estavam cruzadas de acordo com o costume e sua face voltada para o Leste. Correndo, ele chorava sobre os pés da santa e beijava-os, não ousando tocar mais nada.

Por um longo tempo ele chorou. Depois recitando os salmos apropriados, disse as orações fúnebres e pensou consigo : "Devo enterrar o corpo de uma santa? Ou isto seria contrário aos seus desejos?" E então ele viu palavras traçadas no chão, perto da cabeça dela:

"Pai Zózimo, enterra neste local o corpo da humilde Maria. Volte ao pó o que é pó e reza ao Senhor por mim, que parti no mês de Fermoutin do Egito, chamado Abril pelos Romanos, no primeiro dia, na mesma noite da Paixão de Nosso Senhor, depois de participar dos Divinos Mistérios."

Lendo isto o ancião ficou feliz de conhecer o nome da santa. Ele compreendeu também que, tão logo ela participou dos Divinos Mistérios na margem do Jordão foi transportada ao lugar onde faleceu. A distância que São Zózimo levou vinte dias para cobrir, Maria evidentemente atravessou em uma hora e finalmente entregou sua alma a Deus.

Então Zózimo pensou: "Está na hora de fazer o que ela pediu. Mas como vou cavar uma sepultura sem nada nas mãos?"

E então ele viu nas proximidades um pequeno pedaço de madeira deixado por algum viajante do deserto. Pegando-o começou a cavar o chão. Mas a terra era dura e seca e não correspondia aos esforços do velho. Ele ficou cansado e molhado de suor. Suspirava das profundezas de sua alma e levantando os olhos viu um grande leão, próximo ao corpo da santa, a lamber-lhe os pés. À vista do leão ele tremeu de medo, especialmente quando se lembrou das palavras de Maria de que ela nunca havia visto feras selvagens no deserto. Mas, protegendo-se com o sinal da Cruz, ele pensou que o poder daquela que ali jazia, o protegeria e o guardaria incólume. Enquanto isso, o leão se aproximou dele, mostrando afeição em cada movimento.

São Zózimo disse ao leão:

"O Grande Deus ordenou que o corpo dela seja enterrado. Mas eu sou velho e não tenho forças para cavar a sepultura (pois não tenho pá e demoraria muito para ir conseguir uma), então, poderias realizar o trabalho com suas garras? Então, poderemos entregar à terra o templo mortal da santa."

Enquanto ainda falava, o leão começou a cavar com suas patas dianteiras um buraco suficientemente fundo para enterrar o corpo.

Novamente o ancião lavou os pés da santa com suas lágrimas e pedindo-lhe que rezasse por todos, cobriu o corpo com terra na presença do leão. Foi como tinha sido, nu e descoberto de tudo, com apenas o manto esfarrapado que Zózimo lhe dera e com o qual Maria se voltara para tentar cobrir parte do seu corpo. Então ambos partiram. O leão desapareceu nas profundezas do deserto, como um carneirinho, enquanto Zózimo retornou ao mosteiro glorificando e bendizendo a Cristo Nosso Senhor. E ao alcançar o mosteiro contou a todos os irmãos sobre tudo, diante do que todos se maravilharam ao ouvir os milagres de Deus. E com respeito e amor eles guardaram a memória da santa.[1]

  

 (Extraído de “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE”, págs. 231/240. Desejando o texto integral dessa obra enviar mensagem por e.mail para juracuca@gmail.com )

 

 



 

-[1] Traduzido do inglês por Jandira Soares Pimental - de texto encontrado na internet - The Life o four Holy Mother Mary of Egypt (Vida de nossa Santa Mãe Maria do Egito), tradução de Jandira Soares Pimental -  http://www.ocf.org/OrthodoxPage/reading/st.mary.html

 

 


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