sexta-feira, 20 de setembro de 2019

DOM MACEDO COSTA, BISPO DO PARÁ, DEFENDENDO A VIRGINDADE DA SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA





Dom Antonio Macedo Costa foi bispo do Pará, no período de 1861 a 1889, quando foi nomeado para a Diocese de Salvador, vindo a falecer em março de 1891 antes de tomar posse. Foi um dos principais protagonistas da “questão religiosa”, no reinado de Dom Pedro II, juntamente com Dom Vital, Arcebispo de Olinda e Recife, quando ambos foram presos e depois indultados e libertados por interferência da Princesa Isabel.
A Carta Pastoral abaixo transcrita demonstra uma época em que nossos bispos tinham grande conhecimento de teologia e defendiam os dogmas católicos com ardor. O Bispo está se dirigindo ao lugar chamado Vigia, uma vila próxima a Belém, onde foi publicado um artigo contrário à virgindade de Nossa Senhora. Dom Macedo não o diz, mas é provável que o tal professor deveria ser protestante, os quais já andavam nessa época fazendo proselitismos na Amazônia.

“Li com pesar em um periódico publicado aí na Vigia um artigo assinado por um professor público de primeiras letras, no qual não só nega um dogma de fé católico definido no último Concílio Ecumênico do Vaticano, mas insinua claramente que não crê na virgindade de Maria Santíssima.
Esse professor opõe à crença de todos os séculos no dogma da Virgindade perpétua da Mãe de Deus os testemunhos dos Evangelhos de São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João. Já se vê que ele alude às passagens de que os protestantes e exegetas racionalistas abusam para atacar a Virgindade de Maria Imaculada.
Sustentou antigamente este erro um sórdido herege chamado Helvídio, a quem São Jerônimo refutou cabalmente, e cuja heresia foi condenada nos Concílios Ecumênicos 2º de Constantinopla e 2º de Latrão.
Vejamos estes textos dos Evangelhos. O primeiro é o de São Mateus I, 24: Despertando de seu sono, fez José o que o Anjo lhe ordenara, e recebeu Maria por sua esposa; e não tinha relação alguma com ela, até que ela deu à luz seu filho primogênito, a que deu o nome de Jesus. Logo, concluem os hereges, Maria não foi sempre virgem.
As palavras “até que” indicam só, segundo o uso da língua hebraica, que até aquele tempo os dois castos esposos não se conheceram, mas não quer dizer que se conhecessem depois. Assim, quando o salmista diz: O Senhor disse a Meu Senhor: “Assentai-vos à minha mão direita, até que eu reduza vossos inimigos a vos servirem de escabelo”; não quer dizer que, depois de reduzidos os inimigos a escabelo, ao Filho de Deus cessaria de assentar-se à mão direita de seu Pai; “Como os olhos da serva nas mãos da sua senhora, assim nossos olhos estão fitos no Senhor, nosso Deus, ATÉ QUE se compadeça de nós” (Salmo 122). Ainda aqui o ATÉ QUE não indica, de nenhum modo, que o profeta só terá os olhos elevados a Deus enquanto lhe pede misericórdia, mas que depois de alcançada a misericórdia os volverá para as criaturas.
Lemos no Deuteronômio: “Morreu Moisés... sepultaram-no no país de Geth... e ATÉ HOJE  ninguém sabe onde está o seu sepulcro”. ATÉ HOJE, isto é, até o tempo em que o escritor sagrado  escrevia. Segue-se que depois, nos séculos seguintes, se veio a descobrir o sepulcro de Moisés? De fato, nunca se descobriu.
“Eu estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos” disse Jesus. – Pode-se concluir que depois da consumação dos séculos Ele se separaria dos seus discípulos, e que quando eles se assentarem para julgar as tribos de Israel estarão privados da presença do Senhor?
Todos esses passos e outros muitos alegados por São Jerônimo contra Helvídio tapam a boca aos que blasfemam contra a virgindade de Maria Santíssima fundados naquele texto de S. Mateus.
Ainda hoje dizemos: Eu amei e respeitei a meu pai até o dia de sua morte. A ninguém vem à cabeça pensar que, falando assim, nós queremos dizer que, depois da morte de nosso pai, lhe faltamos ao amor e ao respeito.
O que o Evangelista queria simplesmente afirmar era que Jesus não foi gerado como os outros homens, mas por uma operação miraculosa do Espírito Santo. Nada mais.
A palavra primogênito (“hecor’ em hebraico) significa propriamente o filho que não tem outros antes. Moisés diz: (Êxodo III, 2) “Santificai-me o primogênito que abre o seio materno”. Evidentemente Deus não ordena que lhe seja oferecido somente o primogênito que teve outros irmãos depois de si, mas todo menino cujo nascimento não é precedido de outro.
Se primogênito só significasse o filho que é seguido de outros, então a lei mosaica não obrigaria senão depois que de fato estes nascessem.
Mas não, a lei entende por primogênito também o filho único. E o Evangelista fala no mesmo sentido.
Lê-se no Êxodo: “Sucedeu, porém, que de cerca de meia noite feriu o Senhor todo primogênito na terra do Egito, desde o primogênito do Faraó, etc.” Pergunta-se: também foram mortos pelo Anjo exterminador os unigênitos, ou só os primogênitos?
“Se primogênitos só se chamam aqueles que têm irmãos, logo foram livres da morte os unigênitos. Se, porém, também os unigênitos foram mortos, foi isso contra a sentença, matando-se os unigênitos de envolta com os primogênitos.  Ou livrarás os unigênitos da pena, e serás ridículo; ou se confessares que foram mortos teremos te obrigado a reconhecer que também os unigênitos se chamam primogênitos” (“Liber adversus Hebridium”)
É argumento irrespondível do exímio doutor São Jerônimo.
Agora vejamos os textos em que se fala dos irmãos de Jesus.
Lê-se em Mateus que os judeus de Nazaré, vendo as maravilhas operadas pelo Salvador, diziam: “Não é este o filho de um carpinteiro? Sua Mãe não é uma chamada Maria? Tiago, José, Simão e Judas não são seus irmãos?”  (S. Mateus XIII, 55; Marcos VI, 3)
Em outro lugar, estando Jesus ensinando ao povo, vieram-lhe com este recado: “Vossa Mãe e vossos irmãos aí estão fora, e vêm vos procurar...” (Math XII, 47-50) e São João ajunta que os irmãos de Jesus não criam nele (Joan VII, 5 et álibi). Desta palavra IRMÃOS, mal entendida, têm abusado os antigos hereges, e os hodiernos protestantes e racionalistas, contra a Virgindade de Nossa Senhora. Mas isto é um comento ou invenção sem fundamento.
1º . Sempre foi doutrina, geralmente recebida na Igreja, ensinada por todos os Padres e doutores, desde o tempo dos Apóstolos, que Maria foi sempre Virgem, antes do parto, no parto e depois do parto. De modo que, quando mais tarde apareceu a doutrina contrária de Helvídio, Joviniano e outros, foi ela repelida por toda a Igreja como uma novidade ímpia e uma horrenda blasfêmia. Ora esta crença, esta tradição prendeu-se ao berço do Cristianismo, como poderia ter-se estabelecido, se Jesus tivesse publicamente irmãos no sentido próprio da palavra?
2º . Irmãos na língua hebraica não significa só os irmãos propriamente ditos, mas os parentes chegados. Prova-se pela Escritura.
Loth é chamado irmão de Abraão, bem que só fosse sobrinho (Gên XIV, 14-16).  Labão, irmão da mãe de Jacó, é chamado irmão de Jacó (Gên XXIX, 15).  Jacó diz a Raquel que ele é irmão do pai dela (Gên XXIX, 11). Ora, Jacó só tinha um irmão propriamente dito, que era Esaú, e em outra parte fala de irmãos seus e de Labão, isto é, parentes chegados (Gên XXIX, 31,36, 37). A língua hebraica é pobre e só tem a palavra irmão para designar primão irmão, sobrinho, cunhado, etc.
Por isso, quem não sabe deste hebraísmo se engana facilmente com a palavra irmãos vertida literalmente do original para a vulgata.
3º . São José tinha um irmão chamado Cleofas, ou Alfeo (É a mesma palavra hebraica, com ou sem aspiração).
Maria, esposa de Cleofas, era, portanto, cunhada de Maria Santíssima (S. Juan XIX, 25).
Ora, esta Maria, segundo São Marcos (XV, 40), era mãe de Tiago (o menor) e de José. Além disso, São Judas na sua epístola diz ser ele Judas irmão de Tiago. Portanto, o Tiago, José e Judas que, segundo S. Mateus, eram considerados pelo povo como irmãos de Jesus, eram exatamente os três filhos de Cleofas, que vinham a ser primos-irmãos de Jesus.
Falta Simão. Segundo Hesesipo e Eusébio, autores antiquíssimos, Simão, que foi bispo de Jerusalém, foi também filho de Cleofas, Temos, pois, inteirada a conta e os evangelistas concordes.
Os irmãos de Jesus eram, pois, seus primos-irmãos.
4º . Pode-se ainda supor que São José, depois da morte de seu irmão Cleofas, tivesse adotado os filhos dele. Estas adoções não eram raras entre os judeus, diz o sábio Mr. Dehaut. Nesta hipótese os filhos de Cleofas seriam ainda em sentido mais próprio irmãos de Jesus.
5º . O ímpio Renan, que sabe o Hebreu, confessa que Tiago, José, Simão e Judas, chamados no Evangelho irmãos de Jesus, são filhos de Maria,  mulher de Cleofas, e, portanto, primos de Jesus (Vida de Jesus, pág. 24). Mas, como serpente, faz um torcicolo, e diz para satisfazer a sua impiedade, e sem prova alguma, que Jesus teve também verdadeiros irmãos. “Os irmãos de Jesus, diz ele, constituíam na igreja primitiva uma espécie de ordem paralela à dos Apóstolos”.  Que mentiroso! Mas, se havia publicamente esta ordem paralela dos Apóstolos, devia ser tão conhecida como os Apóstolos. Por que é que nenhum Evangelista, nenhum autor eclesiástico conheceu os nomes desses irmãos de Jesus? Se Jesus tinha irmãos como é que do alto da Cruz deixou sua Mãe a São João, filho de Salomé e de Zebedeu?  Por que não fazem menção os Evangelistas desses irmãos quando tratam da viagem de Maria Santíssima a Jerusalém? A ordem paralela é, pois, um romance de Renan, sem valor nenhum científico.
6º . As mais altas conveniências da fé nos firmam na certeza de que a Mãe do Verbo ficou sempre Virgem: “Não se pode supor, diz Santo Ambrósio, que aquela que recebeu Deus em seu seio pudesse receber depois, nesse santuário da divindade, um homem impuro e manchado pelo pecado original, e que José ousasse tocar, consagrada como estava pelo nascimento do Salvador, aquela que ele antes tinha respeitado”.
Olshansen, exegeta protestante, nota com razão que parece natural e conveniente que a última descendente de Davi, de cujo ramo devia nascer o Messias, terminasse sua raça por este último e eterno florão.
As explicações e argumentos que acabamos de expor bastam para satisfazer as pessoas bem intencionadas. Se aí houver alguma cuja fé vacile, leia e explique esta minha carta escrita no dia da festa da Maternidade da Virgem Maria, ínclita Padroeira dessa paróquia e da diocese, como uma homenagem à sua integridade virginal, à sua pureza sem mácula, que o inferno com imunda blasfêmias tenta debalde ofuscar.
Deploremos muito d’alma, Sr. Vigário, que num país católico apostólico romano, como o nosso, se ache a mocidade exposta a ouvir atacar por um professor público os dogmas mais respeitáveis do Cristianismo; deploremo-lo, e dobremos de vigilância para guardar o depósito sagrado e vinga-lo contra os assaltos da impiedade. Receba  minha bênção afetuosa.

Antonio, Bispo do Pará.

(Rev. Sr. Padre Mâncio Caetano Ribeiro, Pároco da Vigia)

(Extraído do livro “Dom Macedo Costa, Bispo do Pará”, págs. 364/369)
















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