sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

PERSEVERANÇA NA CASTIDADE CONVERTE ATÉ UM BRUXO E O FAZ SANTO

 




A virgem Justina (Santa Justina de Pádua, Mártir), natural de Antioquia e filha de um sacerdote pagão, todos os dias, postada numa janela, ouvia a leitura do Evangelho que o diácono, São Proclo, fazia. Convertida e batizada, logo os pais de Justina souberam que tornara-se cristã. Quando dormiam, apareceu-lhes Jesus Cristo rodeado de anjos e dizendo: "Vinde a mim e lhes darei o reino dos céus". Logo ao amanhecer, os dois esposos foram pedir o batismo e também se tornaram cristãos.

Havia na cidade um tal de Cipriano que praticava a bruxaria desde sua infância. Quando tinha apenas sete anos de idade seus pais o haviam consagrado a Satanás. Por causa disso, e havendo se dedicado com afinco à bruxaria, detinha grande poder diabólico.  Era tão hábil em suas mágicas e bruxedos que conseguia realizar coisas extraordinárias, como transformar pessoas em animais.

O bruxo Cipriano e um companheiro seu chamado Acladio apaixonaram-se perdidamente por Justina. Cipriano recorreu a diversos artifícios de bruxaria para ver se a donzela aceitava ter relações torpes com ele, ou ao menos com seu companheiro Acladio, mas em vão. Acladio, desesperado, resolveu chamar o próprio demônio para ajudar a cumprir seus desígnios. Convenceu o bruxo Cipriano a pedir ajuda a Satanás. Usando de seus recursos mefistofélicos, Cipriano conseguiu fazer com que o demônio aparecesse. Perguntado o que queria, disse que estava apaixonado por uma donzela que praticava a religião dos galileus e perguntou se o demônio não poderia fazer com que ela concordasse em saciar sua concupiscência.

O demônio respondeu:

- Claro que sim! Se pude expulsar o homem do Paraíso e fazer com que Caim matasse seu irmão Abel, e que os judeus crucificassem a Jesus Cristo e que as pessoas andem revoltadas, como não poderei obter que uma simples donzela caia em teus braços e possas fazer o que quiser com ela? Toma este ungüento, espalha-o pelo chão da rua em frente à sua casa; logo passarei por ali, inflamarei o coração da jovem de amor por ti e a inquietarei de tal modo que ela mesma te buscará e se lançará em teus braços.

A partir do momento em que Cipriano fez o que Satanás ordenara, Justina começou a sentir em seu interior desejos ilícitos. Porém ao sentir a tentação se recomendou ao Senhor e traçou o sinal da Cruz em todo os sentidos de seu corpo. O diabo, ao ver que a jovem se persignava fugiu rapidamente dali cheio de terror e apareceu perante Cipriano, o qual lhe interroga:

- Como?  Não vens trazendo contigo Justina?

Ao que o diabo respondeu:

- Tentei trazê-la, porém quando o estava conseguindo ela fez sobre seu corpo um sinal e eu me fiquei de repente sem força e tremendo de medo.

Cipriano, irritado, despediu aquele demônio e invocou ansiosamente a ajuda de outro que fosse mais poderoso que o que acabava de despedir. Apresentou-se outro ante ele e lhe disse:

- Já sei do que se trata. Ouvi o encargo que fizeste a meu companheiro e vi que não foi capaz de realizar sua missão. Porém não te preocupes; eu farei o que ele não fez e conseguirei que se cumpram seus desejos. Me apresentarei ante a jovem e desencadearei em seu coração uma paixão tão violenta que ela se entregará a ti e tu desfrutará dela quanto queiras.

Este segundo diabo aproximou-se de Justina e tratou de acender em seu corpo o fogo da concupiscência e de despertar em sua alma amores impuros; porém Justina novamente se encomendou ao Senhor, persignou-se, rechaçou a tentação, soprou sobre o espírito do mal, e este, da mesma forma que o outro, fugiu dali confuso e envergonhado; e, como seu companheiro, apresentou-se a Cipriano, que lhe perguntou:

- Onde está a donzela que prometeste trazer-me?

- Reconheço, respondeu o demônio, que fui vencido, e até medo me dá dizer-te como me venceu: traçou sobre seu corpo um sinal terrível e quando fez isso me deixou sem forças.

Cipriano, mofando do segundo diabo, o despediu, e em seguida chamou ao próprio chefe dos demônios, que logo atendeu a seu chamado. Ao vê-lo, Cipriano lhe disse:

- Como é que tua gente é tão pusilânime e covarde que se deixa vencer por uma jovenzinha?

O recém chegado lhe respondeu:

- Deixa este assunto por minha conta. Eu irei pessoalmente resolvê-lo. Me apresentarei ante ela, a atormentarei com altíssimas febres, provocarei em seu ânimo uma violentíssima paixão, acenderei em seu corpo um ardente fogo de irreprimíveis desejos, a farei ver visões lúbricas, conseguirei que se excite freneticamente e à meia-noite  te a trarei até aqui.

Logo em seguida o príncipe dos demônios começou a executar seu plano. Adotou a aparência de uma donzela, apareceu perante Justina e lhe disse:

- Venho ver-te porque quero que me ajudes a viver em perfeita castidade. Sinto vivíssimos desejos de praticar fidelissimamente esta virtude, porém às vezes me assaltam dúvidas deste teor: em troca do muito que é preciso lutar para conservar a pureza que recompensa receberemos?

Justina declarou:

- Não são tão grandes estas lutas; eu não vejo que custe tanto conservar a virgindade;  por outro lado, estou segura de que o prêmio que receberemos por isto será muito valioso.

- A mim me preocupa muito - continuou o demônio - esse mandamento divino que diz: "Crescei e multiplicai e enchei a terra", e a miúdo penso, minha boa amiga, que nós, ao apegarmo-nos ao propósito de viver virginalmente, estamos desprezando este preceito, obrando contra a vontade de Deus, desobedecendo a Ele e enganando-nos a nós mesmas. Às vezes me assalta o temor de que quando chegue a hora do Juízo vamos nos encontrar com a terrível surpresa de que, em lugar dos prêmios em que confiamos, receberemos o castigo da eterna condenação por haver negligenciado um mandamento divino tão claro.

Estas considerações turbaram a paz interior de Justina. A jovem, atormentada pelo demônio, começou a sentir maus pensamentos e torpes desejos cada vez mais fortes e mais desonestos, até o ponto de que em determinado momento esteve prestes a abandonar seus propósitos de castidade;  porém naquele crítico instante caiu em si de que estava sendo tentada pelo espírito maligno, persignou-se, soprou sobre a visitante e ficou atônita ao ver que a que parecia virtuosa donzela se derretia repentinamente como se fosse de cera, e que ela, livre já de maus pensamentos e de desejos impuros, recobrava plenamente a paz interior e o sossego de seu corpo e de sua alma.

Mas, em poucos instantes, o mesmo demônio apareceu-lhe novamente, desta vez em forma de um formosíssimo mancebo que se aproximava de seu leito, se lançava sobre ela e tentava abraçá-la. Justina recorreu a seu poderoso remédio, persignou-se novamente e, enquanto o fez, o jovem galhardo, como se fosse de cera, derreteu-se da mesma forma que a antes fingida amiga. Mesmo com este segundo fracasso, Satanás ainda não se rendeu. Deus permitiu-o seguir tentando a donzela, que o fez desta forma: o espírito maligno desencadeou uma terrível epidemia na cidade de Antioquia. Justina caiu enferma com altíssima febre. A peste propagou-se pela comarca e causou a morte de muitas pessoas e de infinidade de animais domésticos. A região ficou quase sem ovelhas e sem vacas. Os demônios fizeram correr a voz entre a gente de que, se Justina não se casasse, viriam sobre a cidade e o país outras calamidades maiores. Os moradores de Antioquia, sobretudo os doentes, começaram a acudir em massa à porta da casa dos pais de Justina e pedir a eles, aos gritos, que casassem sua filha o quanto antes e livrassem as pessoas dos grandes males que estavam padecendo.

Justina suportou com firmeza a pressão a que estava submetida, e se negou a aceitar o que se lhe propunham. Em vista de sua negativa, o povo, sublevado e irritado, apinhava-se em frente de sua casa proferindo constantemente ameaças de morte contra ela.

Sete anos durou a peste. Ao final, um dia Justina rezou fervorosamente por seus perseguidores e obteve do Senhor a graça de que a epidemia terminasse. Porém não terminou a obstinação de Satanás, o qual, irritado ao comprovar que não avançava nem um só passo no que se havia proposto, elaborou um novo plano: foi até Cipriano e com manifesta jactância lhe assegurou que logo teria ante ele a donzela rendida de amor. Depois disto, tanto para manchar o bom nome de Justina quanto para enganar ao libidinoso enamorado, assumiu a aparência da jovem e, disfarçado de modo que parecia ser exatamente ela, apareceu na casa de Cipriano e qual sem languidez de paixão arrojou-se em seus braços e deu-lhe a tender que queria beijá-lo. Cipriano, acreditando que era efetivamente sua amada quem lhe abraçava tão ternamente, louco de alegria exclamou:

-  Oh, Justina, a mais formosa das mulheres! Bem-vinda sejas a esta casa!

Porém, tão logo Cipriano pronunciou a palavra "Justina", o diabo, incapaz de resistir à virtude que emanava da mera articulação daquele nome, repentinamente perdeu a aparência que havia assumido e desapareceu, deixando em seu lugar uma espessa nuvem de fumo. Com isto Cipriano caiu na conta de que havia sido objeto de uma burla enganosa por parte de Satanás; sua alegria se converteu em tristeza e caiu num estado de profunda melancolia;  porém a melancolia por sua vez reavivou ainda mais as chamas do amor que sentia por Justina, e, para ver se podia lograr seus desejos de desfrutar de sua amada, decidiu vigiar constantemente a casa em que ela vivia; e como era exímio em feitiçaria, recorrendo a suas artes mágicas conseguiu adotar diferentes aparências, umas vezes de mulher, outras de ave, e sob estas e outras formas permaneceu perto da jovem, constantemente, porém a certa distância, porque, tão logo tentava se aproximar suas artimanhas falhavam e recobrava seu verdadeiro aspecto de Cipriano.

Acladio, seu amigo, se uniu a ele nestas tarefas de vigilância permanente; com tal efeito, mediante artes diabólicas, se converteu em pássaro e andava continuamente sobrevoando em volta da casa da virtuosa jovem. Em certa ocasião, o falso pássaro pousou na janela da casa de Justina. No entanto, tão logo ela olhou para o pássaro, este perdeu sua forma de ave e voltou à de Acladio, o qual, ao ver-se em seu verdadeiro ser, começou a tremer de medo e de angústia porque não podia fugir dali voando, nem sem perigo de cair ao solo e morrer.

Justina, ao notar a comprometida situação em que Acladio se encontrava e temendo que de um momento a outro pudesse cair e estatelar-se contra o pavimento da rua, acudiu em seu socorro: mandou colocar uma escada por fora a fim de que pudesse descer seguramente. Estando o mesmo a salvo, fez-lhe ver que largasse semelhantes loucuras e que, se voltasse a cometer alguma impertinência, o denunciaria às autoridades e exigiria que de acordo com as leis fosse castigado pelo delito de praticar a magia.

Satanás, no final, convenceu-se de que jamais conseguiria o que se propunha e de que quanto tentasse neste sentido estava condenado ao fracasso; por isso, confuso e envergonhado, se apresentou na casa de Cipriano. Este, logo ao vê-lo, lhe dirigiu a palavra:

- Olhando o semblante que trazes acredito adivinhar que te dás por vencido. Tu e todos os de tua corja sois uns desgraçados. A que vem tanto alardear de força se logo resulta que não podeis nada contra uma menina que inclusive os vence com suma facilidade e os deixa miseravelmente humilhados?  De todos os modos quero que me digas uma coisa: de onde tira esta jovem a enorme fortaleza que demonstra ter?

O demônio lhe respondeu:

- Se me juras que nunca nem por nada te apartarás de mim, responderei a tua pergunta e te descobrirei de onde provêm sua valentia e as vitórias que sobre nós tem conseguido.

- Por quem ou por quais coisas queres que eu te jure? - diz Cipriano.

- Por meus poderes. Jura por meus poderes que jamais te separarás de mim.

- Por teus extraordinários poderes prometo com juramento que nunca me separarei de ti.

Então o diabo, fiando na promessa que seu aliado acabava de fazer, diz:

- Esta jovem, quando me apresentei perante ela, fez o sinal da Cruz, e, tão logo traçou sobre seu corpo esse sinal, eu fiquei sem forças, como se estivesse acorrentado, e naquele mesmo momento me derreti como se derrete a cera diante do fogo.

- Significa isso acaso que o Crucificado é mais poderoso que tu?

- Por suposto que sim. Ele é o maior que existe no universo; tão grande e poderoso que em virtude de seu infinito poder nos mantém aos demônios em estado de perpétua condenação e lança ao fogo eterno que nós padecemos a quantos conseguimos enganar com nossas trapaças.

- Do que acabas de dizer se segue que, se eu não quero incorrer nesses horríveis tormentos, devo fazer-me amigo do Crucificado.

- Não esqueças que há pouco juraste que por meus extraordinários poderes jamais te separarás de mim, e não esqueças que uma coisa assim não se jura em vão.

- Sabes o que te digo? Que me rio desse juramento e me rio de ti, e me rio de teus poderes, porque esses poderes que tu chamas extraordinários, não são mais que fumo. Escuta o que segue: renuncio a ti, e renuncio a todos os diabos, teus companheiros, e em prova disto agora mesmo vou fazer eu também sobre meu corpo o sinal da Cruz.

Em seguida, Cipriano persignou-se e, enquanto o fazia, Satanás, confuso e aterrado, fugiu precipitadamente.

Depois disto Cipriano foi ver o bispo. Este, ao vê-lo entrar, pensou que vinha seduzir com suas artes mágicas aos cristãos e, antes que o visitante pronunciasse uma só palavra, disse:

- Cipriano, contenta-te em enganar aos infiéis e deixa em paz aos nossos. Ademais, advirto-te que quanto trates de fazer contra a Igreja de Deus será completamente inútil, porque o poder de Cristo é invencível.

- Por suposto que o poder de Cristo é invencível; disso tenho provas.

Dizendo isto contou ao bispo tudo o que acabara de lhe ocorrer. Terminada sua narração pediu o batismo. E a partir de sua conversão fez tais progressos nas virtudes e ciências que, anos depois, tornou-se também bispo. Nos primeiros dias de seu episcopado instalou a virgem Justina num mosteiro com várias outras donzelas, nomeando-a abadessa da comunidade.

São Cipriano abjurou a bruxaria e tornou-se não só um grande animador dos mártires, mas um deles, pois morreu decapitado em defesa da Fé. [1]

 

 

(Extraído da obra “A FELICIDADE ATRAVÉS DA CASTIDADE” – págs. 203/208 – de minha autoria, ainda inédita em forma de livro).



[1]“La Leyenda Dorada" – Edição española, Alianza Forma - vol. 2 - págs. 611/614

 


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